Polícia cobra mais autonomia em debate sobre segurança pública
Falta de integração das polícias e 'bacharelismo' foram criticados na audiência
Mais autonomia orçamentária, administrativa e para o trabalho de investigação foi a principal mudança defendida pelos participantes do debate sobre a estrutura da polícia brasileira durante a tarde desta quarta-feira (20) na Comissão Especial de Segurança Pública.
A autonomia na gestão financeira foi cobrada pelo presidente dos Chefes de Polícia do Centro-Oeste, Anderson Garcia. Ele apontou a necessidade de políticas públicas com vistas à estabilidade da instituição e investimentos que melhorem o atendimento à população.
- Um Estado Democrático de Direito não existe sem uma polícia independente, autônoma ou forte - afirmou.
Investigação
A presidente do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil, Martha Mesquita da Rocha, destacou que a custódia do preso consome um terço das atividades da delegacia, ocupando o policial que deveria estar na atividade da investigação.
A tomada de depoimentos dentro da delegacia foi igualmente objeto de crítica por parte do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Michel Misse, que considera o procedimento parte da instrução criminal. Para ele, a obrigatoriedade de o delegado ser um bacharel em Direito é "um vício" típico da polícia do Brasil.
O vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Antônio de Araújo, também condenou a burocracia envolvida no trabalho de investigação. Em casos de homicídio, por exemplo, policiais militares cuidam do boletim de ocorrência, que é seguido de um laudo do perito. Depois, o material é encaminhado a um delegado, e somente a partir daí é que a polícia judiciária entra no caso para investigá-lo, sem ter estado no local do crime.
- Primeiro, a sequência vai ser toda no papel; a investigação mesmo vem por último - lamentou.
Controle
Como reduzir a cifra oculta de crimes mantendo-se uma estrutura burocrática, formada por bacharéis, e de forma cartorial? E qual seria o limite para quem usa a força como "violência legítima"? As dúvidas do relator da comissão, senador Pedro Taques (PDT-MT), durante a audiência pública, revelaram a preocupação com a atuação autônoma da polícia, que chamou de "braço armado do Estado".
Em resposta, os delegados presentes se mostraram favoráveis às ferramentas de controle. Martha Mesquita sugeriu a criação de uma corregedoria especial unificada. O professor Misse recomendou uma ouvidoria externa, "sem contaminação".
Já o presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, Jânio Bosco Gandra, apontou os problemas na carreira, como os baixos salários e a pressão emocional que levam ao abuso do álcool e ao suicídio.
- Quem consegue sobreviver usando uma [pistola] ponto quarenta e recebendo R$ 2 mil? - questionou.
Gandra ainda apontou o desafio do combate ao crack na maioria das cidades brasileiras e lamentou que a polícia tenha que pagar pelas deficiências na segurança pública.
- Não podemos onerar os aparatos policias por isto. Não somos responsáveis por este caos que assola o nosso país - advertiu.
Mudanças
Para Gandra, as mudanças poderiam começar pela regulamentação da Polícia Civil, prevista na Constituição.
Na opinião de Martha Mesquita, a solução seria uma lei geral das polícias, com o aperfeiçoamento da instituição. O professor Misse ressaltou a necessidade de modernização do aparato policial e o estabelecimento de um ciclo completo que contemple a prevenção, o policiamento (repressão e socorro) e a investigação. embora tenha mencionado a desmilitarização da PM, o professor prefere que a unificação entre as polícias militar e civil seja deixada para decisão de cada estado, de acordo com suas condições e características. Luis Antonio de Araújo informou que mais de 80% dos policiais federais querem reformas nas relações internas no departamento. Todos querem mais independência para a escolha dos seus chefes e delegados.
- A mudança que nós buscamos é diretamente proporcional ao problemas que nós temos - resumiu Araújo.
Crítica
Voz discordante, o diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal, Jorge Luiz Xavier, criticou o "corporativismo" que influencia as decisões do setor. Para ele, o principal problema da Segurança Pública está ligado à incapacidade do sistema para lidar com a reincidência. Na visão dele, mais polícia não adianta, pois a única solução a curto prazo é encarcerar.
- Discutir o modelo das polícias sem discutir a nossa legislação processual penal e sem discutir o sistema prisional, que é abertura de vagas e encarceramento pelo tempo da condenação, não vai mudar nada - afirmou.
O senador Pedro Taques lembrou a Xavier que os dois temas apontados são tratados por outras comissões do Senado na discussão sobre a reforma do Código Penal. O parlamentar censurou o "jogo de empurra" entre a polícia e o Ministério Público e defendeu a convergência no interesse da Segurança Pública.
- A sociedade brasileira entende que a Segurança Pública está falida. Cabe a nós, independente das instituições, buscarmos uma solução para isso - concluiu Taques.
20/11/2013
Agência Senado
Artigos Relacionados
Segurança: Polícia Militar promove debate sobre segurança nas escolas
Segurança: Polícia Militar promove debate sobre segurança nas escolas
Aberto debate sobre autonomia da Defensoria Pública Federal
Debate sobre defensoria pública aponta prioridade de autonomia da instituição
Comissão de Segurança Pública prepara debates sobre estrutura da polícia e proteção a vítimas
Mozarildo Cavalcanti cobra aprovação da PEC que garante autonomia à Defensoria Pública da União