Prestação de contas sob suspeita









Prestação de contas sob suspeita
Doação de R$ 700 mil de Jereissati para a campanha de José Serra em 1994 não aparece em relatório entregue ao TRE

BRASÍLIA - A prestação de contas da campanha do senador José Serra (PSDB-SP) em 1994 está sob suspeita. A confessada doação do empresário Carlos Jereissati, de R$ 700 mil à campanha, não consta do relatório entregue ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

Serra sugeriu que poderia estar na demonstração de gastos de Mário Covas, que concorreu ao governo do Estado pelo PSDB. Mas também não há nada nas contas de Covas.

O fato pode gerar uma ação contra Serra e torná-lo inelegível. ''Isso precisa ser investigado, mas cabe ao procurador-geral da República (Geraldo Brindeiro) tomar a iniciativa'', disse o procurador Luiz Francisco de Souza. De acordo com dados oficiais, duas empresas de Jereissati fizeram doações ao comitê financeiro de Serra naquele ano. Mesmo assim, em valores menores aos que foram revelados pela revista Veja, na edição do último fim de semana. Na prestação de contas oficial de Serra, entregue ao TRE-SP, as empresas de Jereissati doaram R$ 95 mil. A La Fonte contribuiu com R$ 45.016,68, em duas parcelas. No dia 11 de julho, R$ 15.016,68. E em 9 de agosto, com mais R$ 30 mil.

A outra empresa, o Shopping Center Iguatemi, doou R$ 50 mil, em 27 de setembro. Carlos Jereissati negou, em entrevista publicada ontem pela Folha de S.Paulo, ter doado à campanha do senador tucano R$ 2 milhões,. Na edição do fim de semana passado, a revista Veja contou que o ex-diretor de relações internacionais do Banco do Brasil e caixa de campanhas tucanas, Ricardo Sérgio de Oliveira, havia procurado o empresário Benjamin Steinbruch para tentar achacá-lo com uma propina de R$ 15 milhões. O caso teria ocorrido em 1998, dois anos depois da privatização da Vale do Rio Doce.

De acordo com o empresário, a história não é bem assim. Ele disse ter dado dinheiro, mas a doação foi bem menor, em torno de R$ 700 mil - os R$ 95 mil oficiais e ''cerca de R$ 600 mil'' doados como pessoa física. O dinheiro teria servido para pagar frete de táxi aéreo usado por Serra em deslocamentos durante a campanha. A tal contribuição não consta da prestação de contas do senador. Sequer há menção a aluguel de frete aéreo na contabilidade oficial.

Serra considerou o valor desproporcional''. No domingo, afirmou que lembrava-se de Jereissati ter emprestado um avião King Air. Mas declarou que voava durante a campanha em companhia de Covas. Na prestação de contas do ex-governador, falecido no ano passado, constam duas doações de empresas aéreas, mas em valores muito menores aos revelados por Jereissati. A H & A Táxi Aéreo está na prestação como doadora de R$ 10,6 mil. Não há qualquer referência a doações pessoais de Jereissati à campanha de Covas.

O secretário-geral do PSDB, deputado Márcio Fortes (RJ), disse ontem que desconhecia a existência de um caixa clandestino para a arrecadação de fundos para campanhas tucanas em 1994. ''Só conheço o que foi contabilizado. Onde foi parar o resto do dinheiro, eu não sei'', declarou.

De acordo com um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, a omissão de contribuições é crime. ''Mas não cabe mais à Justiça Eleitoral julgar tal caso. As contas já foram aprovadas. Se houve uma sonegação, o caso deve ser julgado pela justiça comum'', explicou.


Tucanos tentam barrar CPI
FH minimiza caso mas age para atrair PFL e impedir convocação de ministros

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso definiu como ''um caso requentado'', ''um diz-que-diz-que''. O candidato José Serra preferiu dizer que é ''trololó''. Governo e tucanato adotaram o mesmo tom e, para o público externo, fizeram de tudo para reduzir o impacto das denúncias de cobrança de propina que envolvem o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira - um dos arrecadadores informais das campanhas do PSDB. Nos bastidores, uma megaoperação para atrair o PFL para o governo e impedir que o Congresso convoque o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros para prestarem esclarecimentos. Uma ação profilática contra qualquer tentativa de CPI.

Ontem à noite, um jantar no Palácio da Alvorada oferecido pelo presidente às cúpulas do PSDB e PFL selou a reaproximação e a recusa do governo em retirar a candidatura José Serra. O Planalto e o PSDB avaliam que substituir Serra comprometeria o final do mandato de FH e tornaria o governo refém de novas pressões.

Antes de acertarem o jantar no Alvorada, dirigentes do PFL mantiveram contatos com o núcleo político do governo. Toda sorte de declarações e juras de que não darão apoio nem a convocações nem a CPI. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, conversou longamente com o coordenador da campanha de Serra, Pimenta da Veiga, e com o secretário-geral da Presidência, ministro Euclides Scalco.O Planalto e o PSDB entenderam o recado. Para salvar a candidatura tucana à presidência, o PFL quer compromisso de FH de que o partido terá lugar ao sol em um eventual governo Serra. Além da presidência da Câmara para Inocêncio Oliveira em 2003, os pefelistas querem predefinir os ministérios. Se possível, com direito a participação do grupo de Roseana Sarney.

Em todas as conversas, os tucanos avisaram ao PFL que dificilmente a vice da chapa de Serra será negociada. Não interessa arestas com o PMDB. Para um compromisso de longo prazo, FH cobra um sinal de lealdade: acelerar, no Senado, a votação da emenda que prorroga a CPMF até 2004.

Antes do jantar, o tucanato se reuniu para afinar o discurso - Anibal, Scalco e Pimenta. Por telefone, falaram com Serra e com Bornhausen. ''Há tempo de sobra para a convergência'', avisou Bornhausen. ''O PFL não quer revanche'', afirmou, referindo-se à suposta operação do PSDB que desestabilizou Roseana Sarney.

Em entrevista à Veja, Paulo Renato e Luiz Carlos Mendonça de Barros dizem ter sido comunicados, em 1998, de suposto pedido de propina pelo empresário Benjamin Steinbruch, do consórcio que comprou a Vale do Rio Doce. Segundo eles, Steinbruch teria falado que Ricardo Sérgio cobrava por R$ 15 milhões. Paulo Renato irritou - e muito - FH e o tucanato. Mas a demissão está descartada. Pelo menos por enquanto. Seu pedido de demissão será benvindo, conta um influente interlocutor do governo, quando a poeira baixar. Antes, só servirá como complicador. Paulo Renato embarcou ontem para Nova Iorque.


Receita investigará Ricardo Sérgio
Empresas e patrimônio pessoal do ex-diretor do Banco do Brasil serão o alvo principal do procurador Luiz Francisco

BRASÍLIA - O Ministério Público vai concentrar as investigações no patrimônio pessoal e nas empresas do ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio, acusado de cobrar propinas durante o processo de privatização de estatais. O procurador Luiz Francisco de Souza pedirá à Receita Federal que realize uma auditoria fiscal em quatro empresas ligadas ao economista: Antares Participações, Consultatum, Planefime e RMC. O fisco já esquadrinha as movimentações financeiras de Ricardo Sérgio e de sua mulher.

De acordo com fontes ligadas ao Ministério da Fazenda, cerca de R$ 20 milhões teriam passado entre 1998 e 2000 nas contas do ex-diretor do BB. O mais novo alvo é um condomínio de luxo em São Paulo. Ricardo Sérgio e um amigo, o engenheiro Ronaldo de Souza, estariam usando uma empresa instalada em paraíso fiscal para tocar a obra de R$ 50 milhões. A informação foi revelada pelo jornal O Estado de Minas. O Ministério Público também solicitará à Receita que Souza e a mulher, além do advogado de Ricardo Sérgio, Luiz Rodrigues Corvo, sejam investigados.

O proc urador Luiz Francis-co prepara o pedido de quebrade sigilo bancário, fiscal e te-lefônico do empresário. ''Há tempos o Ministério Público requisitou ao Banco Central informações sobre remessas de dinheiro feitas ao exterior por Ricardo Sérgio e pelas empresas ligadas a ele, inclusive a Antares'', afirmou o procurador. ''Mas o BC se nega a mandar os dados, alegando sigilo. É isso que está emperrando as investigações.'' Procurado, o Banco Central não se manifestou sobre o assunto.

Hoje, Ricardo Sérgio, entre outros negócios, está ligado à construção de um condomínio fechado, no bairro do Morumbi, conhecido como um dos mais luxuosos de São Paulo. O terreno pertence à Antares Participações Ltda. desde 1998, mesmo ano em que a companhia foi criada por Ronaldo de Souza. Os negócios, no entanto, são tocados pelo ex-diretor do Banco do Brasil, ao qual foi passada uma procuração garantindo o comando.
No fim de 1999, a empresa tornou-se o braço nacional da Antar Venture Investments, cuja sede fica nas Ilhas Virgens. A Antares pagou R$ 7,1milhões pelo terreno do Morumbi, em outubro de 1998, no intervalo entre a venda da Telebrás e a divulgação dos grampos telefônicos da privatização. O valor estaria cerca de R$ 10 milhões abaixo da avaliação do mercado.


Urna eletrônica é criticada
PORTO ALEGRE - A demora na apuração dos votos nas últimas eleições nos Estados Unidos estimulou o debate sobre o voto eletrônico. Muitos sugeriram que o sistema brasileiro servisse de modelo aos americanos. ''Mas será que a urna eletrônica brasileira é segura?'' A pergunta é de Amilcar Brunazo, criador de um site na internet sobre segurança do voto (http://votoseguro.org). Ele foi um dos palestrantes do Fórum Internacional de Software Livre, que teve lugar de 2 a 4 de maio, na PUC gaúcha.

Brunazo explica que o projeto que previa a impressão dos votos pelas urnas eletrônicas, de forma a permitir a conferência pelo eleitor e a contagem posterior em caso de dúvida, foi desfigurado. Apresentado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) em 1999, no Senado foi modificado por emendas sugeridas pelo presidente do TSE, ministro Nelson Jobim. Com isso, 97% dos eleitores ainda não terão o voto impresso este ano. E serão escolhidas antes, e não depois, das eleições as urnas cujo resultado será conferido com a soma dos votos impressos.

Críticas - Segundo Brunazo, são quatro as principais críticas às urnas eletrônicas.

1- Há programas secretos, elaborados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo fabricante do sistema operacional, que não puderam ser examinados pelos partidos.

2 - Não há como conferir a votação, pois a recontagem é impossível.

3 - O TSE não permite que qualquer urna seja periciada após as eleições.

O consultor das Nações Unidas para sistemas eleitorais Evandro Oliveira, que também participou da reunião de Porto Alegre, diz que não é contrário ao voto eletrônico e nem propõe volta ao processo anterior. Segundo ele, foram apresentadas propostas para aperfeiçoar o sistema, mas o TSE se negou a examiná-las seriamente.

Na sua opinião, apesar de o Brasil ter saído na frente na implantação do voto eletrônico, houve precipitação. ''Nenhum país se aventurou ainda a fazer isso. A França está discutindo há dez anos um sistema seguro que só a partir do ano que vem começa a pôr em prática''. Há, ainda, países que têm apenas parte da eleição informatizada, com máquinas de votar e máquinas para apurar votos.

Oliveira lembrou que ainda estão sendo discutidos casos de fraudes nas eleições de 2000, em alguns municípios. E que, no Paraná, foram descobertas 200 urnas-clone depois da eleição. ''Quem garante que elas não eram legítimas, e que não foi usado um clone na votação enquanto a verdadeira era retirada?'', pergunta, lembrando o painel do Senado. ''Todo mundo confiava no sistema e depois se descobriu que o sigilo do voto foi quebrado. Quem não crê em hackers ou em vírus, não conhece informática e o poder que os programas têm hoje''.

O TSE foi procurado pelo Jornal do Brasil para se pronunciar sobre as críticas, mas informou que não iria entrar em polêmica e que já tinha dito o que teria a dizer sobre elas.


Campanha de risco no Acre
Governador tenta a reeleição sem revelar a agenda e reforça a própria segurança

BRASÍLIA - Apesar de liderar as pesquisas de opinião, a proximidade das eleições de outubro preocupa _ e muito _ o governador do Acre, Jorge Viana (PT). Viana conseguiu diminuir a influência do crime organizado no processo eleitoral, mas teme a volta do clima de guerra no Estado. Nos últimos meses, as ameaças de morte, que já foram diárias, começaram a rarear. ''Unimos todas as instituições contra essa situação absurda e conseguimos uma vitória, mas estamos preocupados com a eleição. Sabemos que há o risco de eliminação física'', diz o governador.

Jorge Viana calcula os passos da campanha com cuidados especiais. Anda com seguranças 24 horas por dia e não anuncia a agenda antes dos comícios. ''Só falo depois. Mesmo que o público seja menor sem a propaganda''. O governador deve anunciar até o fim da semana que vem se disputa ou não a reeleição. Entre assessores, no entanto, já está definido que ele vai para a disputa.

Colega de partido, a senadora Marina Silva (AC) também divide a preocupação. ''As coisas melhoraram. O clima é menos tenso, mas o processo eleitoral é um problema, claro''. Marina, que já esteve cotada para ser vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, deve tentar reeleger-se senadora.

Viana acredita que as principais ameaças de morte partiram do grupo ligado ao ex-deputado Hidelbrando Paschoal, cassado em 1999 e preso em Rio Branco. O seu suplente e atual deputado José Aleksandro chegou a insinuar em um programa de televisão que Viana corria risco de vida. O parlamentar responde a processo no Conselho de Ética da Câmara justamente por ameaças ao governador. Além disso, responde a três processos pelos crimes de peculato, falsificação de documentos e enriquecimento ilícito no Supremo Tribunal Federal.
O subprocurador-geral da República, Wagner Natal Batista, denunciou José Aleksandro no STF por outras ameaças contra Viana. Aleksandro e o empresário Narciso Mendes teriam anunciado em 1999 que se ''Jorge Viana não parasse de se meter no que não era da conta dele, acabaria morrendo como o governador Edmundo Pinto''. Edmundo foi assassinado em SãoPaulo, em 1992.


Reale Jr. não quer Beira-Mar
BRASÍLIA - O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Aguiar, anunciou ontem, em Brasília, que vai recorrer à Justiça para tentar tirar do presídio de segurança máxima de Bangu 1, no, Rio o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

O objetivo é devolver o preso à custódia da Polícia Federal, onde ele estava até ser transferido. A decisão foi anunciada depois de uma reunião com o ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior. Mais uma vez, fracassou a tentativa do secretário de transferir o criminoso para a capital do país. Reale, no entanto, colocou a Polícia Federal à disposição para monitorar as conexões do traficante no Estado. Aguiar não ficou contente.

''Agradeço o apoio, mas saio daqui insatisfeito'', disse o secretário, que lavou as mãos e eximiu o Estado de qualquer responsabilidade em eventual fuga do traficante. ''Depois não digam que não falei, que não esperneei. Se acontecer, a culpa não é nossa. Vamos enfrentar exércitos, não bandidozinhos'', alertou. Para o secretário, o sistema penitenciário do país está ultrapassado, ''na belle époque''.

O poder de Fernandinho Beira-Mar ficou evidente durante a própria transferência. Ele, que depôs na CPI do Narcotráfico e respondeu com ironias e sorrisos às perguntas dos deputado s e senadores, também estava rindo dentro do avião da Polícia Federal.

Transportado em um comboio de carros oficiais com segurança reforçada até o presídio, o traficante foi recebido pelos companheiros na galeria de Bangu 1 com uma reverência especial. Cada um dos vizinhos de cela _ traficantes conhecidos como Marcinho VP e outros _ o cumprimentou pelo nome.

Diante da perspectiva de uma fuga, o secretário Nacional de Justiça, João Benedicto Marques de Azevedo, frisou que ''Beira-Mar é uma questão de gestão de segurança pública do Rio de Janeiro''. Aguiar lembra que todas as autoridades que denunciaram o traficante e que acompanharam o caso até sua prisão nas matas da Colômbia, voltam a correr risco de vida com sua presença no estado. Aliado aos guerrilheiros colombianos das Farc, Fernandinho teria movimentado centenas de quilos de cocaína por semana para o Brasil.

Vale lembrar que mesmo estando preso nas dependências da PF em Brasília, Beira-Mar foi flagrado usando telefone celular para falar com seus contatos dentro e fora do país. Com autorização da Justiça, as ligações foram grampeadas e deram origem a novos inquéritos policiais.

Segundo o subprocurador Hugo Jerke, no fim do ano passado o presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu, durante encontro com a promotora Márcia Velasco, da comarca de Duque de Caxias, onde a investigação teve início, manter o traficante na penitenciária de Brasília, a Papuda. ''O combinado com o presidente não foi cumprido'', reclamou Jerke.


Um exército de seis milhões de crianças
Trabalho infantil persiste no país, apesar dos avanços

SÃO PAULO - A pobreza mantém 870 mil crianças e adolescentes brasileiros trabalhando em atividades perigosas ou insalubres. O dado, divulgado ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência vinculada à organização das nações Unidas (ONU), faz parte do estudo ''Um Futuro sem Trabalho Infantil'', levantamento que coletou informações em 75 países. No mundo, estima a entidade, há 170 milhões de menores em empregos de risco. A pesquisa mostrou que em 1992 havia 8,4 milhões de menores entre 5 e 17 anos trabalhando no Brasil. Em 1999, este número diminuiu para 6,6 milhões, uma redução de 23%. Ainda assim, uma em cada três crianças brasileiras trabalham, em vez de ir à escola.

A estatística, contudo, não demonstra necessariamente uma vitória brasileira no combate ao problema. O diretor da OIT no país, Armand Pereira, atribuia queda à fiscalização, a programas de renda, mas também ao avanço da economia informal, o que dificulta um controle. O suplemento do relatório dedicado ao Brasil aponta a experiência nacional como modelo para nações em desenvolvimento. Segundo Pereira, é preciso dar atenção especial às crianças envolvidas no narcotráfico e no turismo sexual. ''Essa é uma questão mais de polícia do que de política de erradicação do trabalho infantil'', disse. O diretor da OIT também recomenda a criação de instrumentos para dar fim à participação de crianças em ocupações como a mineração.

O combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes, calcula Pereira, poderia gerar cerca de um milhão de empregos no Brasil. ''Cria-se um ciclo vicioso'', explica. A atividade não gera renda suficiente para aumentar o consumo, a economia não cresce e não há novos empregos. ''Criança que trabalha vai ser jovem sem preparo e adulto sem vaga no mercado de trabalho'', conclui Pereira. A maior motivação para manter a criança trabalhando, em vez de mandá-la à escola, afirma o diretor da OIT, é a pobreza. ''O trabalho infantil só será erradicado quando houver solução para outras questões sociais'', diz Pereira.

O mesmo alerta parte do coordenador nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPC), Pedro Américo Oliveira. ''A questão é que o trabalho infantil perpetua essa situação de pobreza'', afirma. Américo ressalta, no entanto, que o caso brasileiro e da América Latina ainda é menos grave que a situação verificada pelo levantamento na Ásia e na África.

Na região asiática e no Pacífico há 127 milhões de crianças trabalhando. No continente africano, quatro em cada dez crianças trabalham.

O ex-jogador de futebol Arthur Antunes Coimbra, o Zico, foi nomeado ontem pela OIT embaixador da entidade no Brasil.


Artigos

A universidade e as cotas
Carmem Gadelha e Edwaldo Cafezeiro

Todos - brancos, negros, carentes ou não - têm direito à universidade pública, gratuita e excelente. O ingresso nela depende de preparo; e isso nem sempre acontece porque a distribuição de oportunidades não é equânime.
A proposta de cotas para uma determinada facção de carentes, além de perpetuar a exclusão, é hipócrita.

O critério de bolsas pode proporcionar aumento de renda familiar e tirar crianças das ruas; permitir que secundaristas prestem serviços e experimentem aspectos de uma possível escolha profissional; aos universitários, o aprimoramento através de pesquisa.

Reservar vagas e não haver preenchimento é inócuo; preencher vagas por cotas obrigatórias implica admitir alguém sem a necessária formação, o que resulta em conseqüências desastrosas.

Os vestibulares demonstram que dificuldades econômicas de acesso ao ensino básico de qualidade produzem incapacidades de desempenho. Não são, pois, os portões das universidades que se encontram fechados aos pobres e/ou negros, mas os da escola fundamental.

Nos anos 60, o Rio de Janeiro exibia uma excelente rede pública de colégios de primeiro e segundo graus.
Os professores ostentavam orgulhosamente, em seus currículos, o título de participação nessa rede. Os concursos de ingresso atraíam mestres de larga experiência e notório saber.

Ainda não havia sido instituída a pós-graduação, mas era comum o interesse profissional pelo aperfeiçoamento.

Os tempos eram outros. Não existiam a dor-de-cabeça com as campanhas salariais, a desestabilidade de emprego, as péssimas condições de trabalho, saúde e moradia.

O livro era um instrumento precioso: nas livrarias e ''sebos'', eram comuns as disputas por aquisição de textos raros ou novidades, não apenas entre professores, mas também entre estudantes.

Hoje, cópias descartáveis de capítulos avulsos descontextualizam e banalizam o conhecimento. O resultado, não precisamos insistir, tem sido o rebaixamento de qualidade.

Ensinar (pôr e/ou mostrar os signos) é revelar, desvelar marcas incógnitas que competem por atenção.

Reproduzir sinais pode ser ilusoriamente produtivo, mas não revela o potencial de inteligência e pensamento empenhado. Atualmente, computadores e edifícios sofisticados pretendem substituir a atividade docente, ou parte dela. Vejamos: recusar as tecnologias computacionais é ingenuidade semelhante ao desejo de retorno ao Éden ou, menos idilicamente, às cavernas.

No entanto, se as máquinas deixaram de ser instrumentos e se tornaram força de trabalho, resta pensar os efeitos disso sobre a produção e transmissão de saber. É preciso aceitar o desafio com as tensões e os sofrimentos trazidos por ele. Tensões que impõem a redefinição da presença do professor frente às possibilidades abertas pelo ensino a distância, por exemplo; este papel está necessariamente ligado à capacitação profissional e à devida valorização daí advinda.

Quanto mais se sofistica a tecnologia, mais se necessita da excelência do professor. Caso contrário, trata-se de perversão impor baixos salários, pretendendo, com a ostentação de computadores, fazer esquecer a ausência do professor altamente qualificado. Por outro lado, se o professor não se tornou dispensável, ele não ocupa mais o mesmo lugar.

Além disso, o redimensi onamento não pode desconsiderar o desempenho crítico implicado na presença de tal figura. Abrir mão dessa presença ou desvalorizá-la é deixar de injetar, no contato com o mundo das tecnologias, as humanas diferenças com elas; as demandas de sujeitos individuais e coletivos.

O ensino e a universidade sofrem com a ausência de quaisquer alunos, brancos ou negros, carentes ou não. Se são serviços públicos, pertencem aos que os mantêm. Nesse caso, as bolsas, distribuídas desde o ensino fundamental aos que necessitam, poderiam ser a solução para os desníveis. Pois elas são parte de um investimento amplo em qualidade: de ensino e de vida.

Tanto a universidade falha em atender às demandas quanto falham os alunos em capacitar-se. Tanto elas não podem cobrir falhas advindas do ensino fundamental quanto eles se ressentem de não tê-lo recebido.
Não há provões, enens ou cotas que cubram os vazios paradoxalmente acumulados.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

No PSDB, inimigo é linha auxiliar
Nesta semana, José Serra só vai precisar dos inimigos para temperar com pimenta da boa a salada preparada com grande competência pelo tucanato, grupo que se notabiliza por uma espécie única de canibalismo auto-referido. No PT também temos disso, mas no PSDB é que a tendência se desenvolve com requinte, sofisticação e persistência.

E note-se que não se trata de referência ao ministro Paulo Renato Souza ou ao ex-titular da pasta das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros que confirmaram à revista ter ouvido do empresário Benjamin Steinbruch que o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira pediu um troco de R$ 15 milhões para organizar consórcio capaz de bater a Votorantim na compra da Vale do Rio Doce.

Perguntados pelos jornalistas, ambos responderam. Pouco importa se o que os moveu foi ciúme, amizade ou horror. A essa altura, sinceramente, isso é irrelevante. Da mesma forma como perde tempo _ se é que a informação confere _ o presidente da República ao postar-se no aguardo de uma demissão do ministro da Educação. Por que haveria Paulo Renato de deixar incompleta sua gestão no ministério em função de uma entrevista na qual, supõe-se, disse a verdade?

Se a irritação do presidente guardasse relação com o fato de o ministro haver omitido durante quatro anos a existência de uma denúncia sobre tentativa de extorsão nos altos escalões da administração federal, ainda faria sentido o castigo. Afinal de contas, ao se calar diante do que ouviu de Steinbruch, Paulo Renato no mínimo tornou-se cúmplice de um suposto corrupto. Ao deixar o caso de lado, acobertou.

Mas Fernando Henrique não teria condições morais, agora, de pedir o cargo ao ministro por essa razão, pelo simples fato de que, conhecedor do mesmo episódio _ relatado a ele por Mendonça de Barros _ não lhe ocorreu mandar apurar se havia mesmo entre seus auxiliares um achacador.

Segundo versão do presidente do PSDB, deputado José Aníbal, ninguém tomou providências e Ricardo Sérgio continuou diretor, porque se atribuiu a história a ''rumores''. Abstraindo-se o fato de que Mendonça de Barros refere-se a algo mais grave que simples ''rumores'' diz que a acusação escondia uma tentativa de chantagem por parte de Steinbruch, mesmo que a gente se encha de boa vontade e aceite a hipótese de a Vale ter sido vendida a um chantagista com o aval do poder público.

Ainda assim fica difícil aceitar tanta leniência. Pelo seguinte: ou os ''rumores'' eram falsos ou eram verdadeiros. Mas, para se chegar a essa conclusão, nada indica que tenha sido feita qualquer averiguação. Se alguém tivesse se preocupado com o assunto, à época, e não tratado com suspeita ligeireza denúncias dessa ordem, evidentemente, hoje haveria provas disponíveis, seja da veracidade, seja da falsidade da história contada por Benjamin Steinbruch aos dois tucanos e repassada por um deles a FH.

Portanto, atribuir responsabilidade a Paulo Renato sobre o que vier a acontecer de ruim à candidatura de José Serra é puro exercício de tergiversação.

Embora seja fato que o candidato não tem até agora coisíssima alguma a ver com o assunto, grupos dentro dos partidos supostamente aliados _ e aqui falamos de PMDB e PSDB _ tratam de reagir exatamente como se a culpa já estivesse estabelecida em cartório e isso é mais do que suficiente para instalar, no mínimo, um constrangimento que engrossa a agenda negativa da campanha.

Se Steinbruch vier a confirmar que deu o dinheiro, como supostamente pediu Ricardo Sérgio ''em nome de uns tucanos'', e revelar o nome dos referidos, uma vez que ao expedito raciocínio de Paulo Renato não ocorreu a pergunta na hora, aí, sim, a coisa fica feia. Mas se ilude quem imagina que a conta será paga apenas por Serra. Se verdadeira a história de uma extorsão _ ou mera tentativa _ com conhecimento de ministros e até do presidente, sem que nada tenha sido feito, francamente, com perdão pela vulgaridade da expressão, estarão todos fritos juntos.

O PFL inclusive, que exige a troca de Serra para aderir, mas não entendeu que não sobrará um tucano imune à lama para contar a triste história de uma briga de poder em que a autofagia comanda as relações entre seus personagens.

O PSDB não consegue administrar a crise porque inverte prioridades e deixa que as idiossincrasias sobressaiam. O PMDB aproveita para fragilizar os tucanos e empurrar-lhes um vice sem contestações. E o pefelê, equivocadamente, tenta aplicar em Serra o abraço do afogado que levou Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho ao fundo do mar.

O caso em si ainda é difícil de dizer que rumo tomará. Mas a histeria de gente que ainda não entendeu que se eleição fosse concurso de miss simpatia bastava convocar Hebe Camargo à disputa, poderá resultar numa guerra de extermínio, sem sobreviventes.


Editorial

SEM EDUCAÇÃO

Desde o dia 6 de março, portanto há um mês, os profissionais da educação do Estado do Rio entraram em greve contra o parcelamento do reajuste do Plano de Carreira em 13 vezes. Professores e demais categorias profissionais das escolas paralisaram as atividades escolares e exigem o aumento em quatro parcelas.
Mais do que profissionais da educação, são profissionais de greve. Puseram a reivindicação acima do direito de os estudantes terem aulas e não perderem o ano.

A intransigência não considera outros aspectos, como o prejuízo irrecuperável para os alunos. Nem as condições desfavoráveis do Estado para atender as exigências apresentadas como ultimato a um governo que acabou de se instalar. Os grevistas fizeram ontem uma algazarra nas cercanias do Palácio Laranjeiras e depois tomaram o rumo do Palácio Guanabara para aproveitar politicamente o tempo.

Quando se confrontam grevistas e encarregados de manter a ordem, tudo pode acontecer, principalmente cenas fotográficas. No saguão do Palácio Guanabara, no fim da manhã, os secretário da Fazenda, Controle e Educação declararam total falta de recursos para atender à pretensão dos grevistas. O ânimo paralisante não arrefeceu. Mas é melhor encerrar a greve.


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05/07/2002


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