Rússia defenderá vaga na ONU para o Brasil
Rússia defenderá vaga na ONU para o Brasil
É a primeira vez que uma potência com direito a veto apóia tese de País integrar Conselho de Segurança
MOSCOU - A Rússia apoiará hoje oficialmente a reivindicação do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O anúncio foi feito ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista coletiva no Kremlin, depois de desembarcar em Moscou, para visita de três dias. "Em comunicado conjunto, que vamos apresentar, pela primeira vez uma das cinco potências com direito a veto no Conselho dirá que vê com bons olhos a participação do Brasil", celebrou o presidente. "Isso é muito significativo." De acordo com Fernando Henrique, o gesto da Rússia marca sua "parceria estratégica" com o Brasil.
"A Rússia tem relações especiais com a China, a França, o Brasil e mais um ou outro país", disse ele, mencionando as missões freqüentes de intercâmbio em várias áreas, subordinadas a uma Comissão de Alto Nível, chefiada, do lado brasileiro, pelo vice-presidente Marco Maciel e, do lado russo, pelo primeiro-ministro Mikhail Kassianov. O apoio russo será formalizado numa declaração conjunta, que os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Vladimir Putin assinam hoje no Kremlin, às 14 horas (9 horas em Brasília).
A Rússia já anunciou o mesmo tipo de respaldo para a Índia, seu tradicional parceiro no Sul da Ásia. O governo russo é a favor da ampliação do número de cadeiras permanentes, com direito a veto, que atualmente são cinco - Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha - e também dos assentos rotativos, atualmente dez, para o ingresso de países desenvolvidos, como a Alemanha, e em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia.
Multipolaridade - Fernando Henrique disse que, na conversa que teve com o primeiro-ministro Kassianov, no mês passado em Brasília, viu "muita coincidência" no pensamento dos dois países, por exemplo, no que se refere ao "combate ao terror nos moldes da ordem jurídica internacional". Traduzindo da linguagem diplomática, o presidente quis dizer que os dois países preferem que ações como a dos Estados Unidos no Afeganistão ocorram sob mandato da ONU, e não unilateralmente. "A Rússia e o Brasil acreditam na multipolaridade." Segundo Fernando Henrique, o presidente dos EUA, George W. Bush, reafirmou-lhe, em conversa telefônica na semana retrasada, motivada pela crise argentina, que "assim pensava" também, e lhe pediu que transmitisse a Putin seus "votos de simpatia".
Fernando Henrique acrescentou: "Essa aproximação facilita uma revisão da política internacional", com vistas a "uma melhor distribuição do poder".
Ainda no campo estratégico, mas também comercial, a Rússia entrou na licitação da Força Aérea Brasileira para lhe vender caças Sukhoi. O ministro da Defesa, Geraldo Quintão, deve vir em breve a Moscou, para tratar do assunto. Os dois governos também vão discutir a possível transferência de tecnologia russa para a construção, pelo Brasil, do Veículo Lançador de Satélite. Há, ainda, a possibilidade de os russos alugarem a base espacial de Alcântara, para lançamento de foguetes, embora as negociações nesse sentido estejam mais avançadas com a Ucrânia, para onde o presidente e a comitiva seguirão, na quarta-feira de manhã.
Embraer - O Brasil deseja entrar na disputa para a venda de jatos regionais para a Rússia. O presidente da Embraer, Maurício Botelho, está entre os 70 empresários que vêm a Moscou, para uma exposição dos produtos brasileiros.
O comércio com a Rússia foi um dos responsáveis pelo superávit da balança comercial brasileira em 2001. O Brasil exportou US$ 534,8 milhões para o país e importou US$ 224,9 milhões.
Mas a pauta de exportações brasileiras é dominada pelo açúcar e por outros produtos primários, como café solúvel, carnes de frango e suína e fumo.
"Estamos interessados em mudar a pauta, que é de commodities, para maior valor agregado", declarou Fernando Henrique. O presidente fará, amanhã, o encerramento de um seminário com cerca de 120 empresários brasileiros e russos.
O avião do presidente, um Airbus 330 fretado da TAM, pousou às 16h10 (11h10 de Brasília), sob uma neve fina e temperatura de zero grau, na base aérea de Vnukovo 2, em Moscou, e seguiu para o Kremlin. É a primeira visita oficial de um presidente brasileiro à Rússia, o que significa hospedar-se no Kremlin e seguir todo o protocolo de viagem de Estado. José Sarney e Fernando Collor realizaram visitas de trabalho e o próprio Fernando Henrique veio, em 1994, como presidente eleito.
O presidente está acompanhado dos ministros das Relações Exteriores, Celso Lafer, do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, e da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, além do secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Márcio Fortes. Também fazem parte da comitiva dois governadores, Jaime Lerner, do Paraná, e Espiridião Amin, de Santa Catarina, e o prefeito de Joinville, Luís Henrique - Lerner, sobretudo por causa da expressiva colônia ucraniana no Paraná; Amin, por causa das exportações de carne; e Luís Henrique, por causa da filial do grupo de balé Bolshoi em Joinville.
FHC destaca semelhanças em entrevista ao 'Izvestia'
Presidente diz desejar que "russos fiquem mais brasileiros e os brasileiros, mais russos"
MOSCOU - O jornal Izvestia, um dos mais importantes da Rússia, estampou, no alto da primeira página de sua edição de fim de semana, uma entrevista com o presidente brasileiro, sob o título Fernando Henrique Cardoso: Brasil - a Rússia tropical. A expressão curiosa foi inferência do jornal, a partir de semelhanças que o presidente disse existir entre os dois povos.
O correspondente no Rio da agência russa Itar-Tass, que fez a entrevista para o Izvestia, perguntou a Fernando Henrique que mensagem ele tinha para os russos, já que chegaria no primeiro dia do "velho" ano-novo russo, segundo o calendário juliano. O presidente disse que já veio várias vezes à Rússia, onde aliás tem parentes - como o historiador Sérgio Tchernov, um primo de segundo grau -, e os dois povos têm vários traços em comum: "O caráter alegre, são românticos, espontâneos e não muito organizados". E desejou que "os russos fiquem mais brasileiros e os brasileiros, mais russos".
Outro ponto em comum: "Vocês, como nós, não sabem muito promover seus produtos", disse o presidente, referindo-se à limitação do comércio entre os dois países a mercadorias primárias.
Mais do que identificação e simpatia, o presidente manifestou apoio bastante explícito à posição dos russos em questões sensíveis. "Pela conversa com o primeiro-ministro (Mikhail Kassianov), sei que seus dirigentes estão preocupados com o programa de Escudo Antimísseis dos Estados Unidos. Não sou perito nessa área, mas considero que este programa não faz sentido. É evidente que a Rússia já não é inimiga (dos EUA). Então, para que esse escudo?" Para o presidente, é preciso ter "conversas francas com os EUA sobre questões desse tipo".
"Baleias" - Fernando Henrique também deixou claro o interesse estratégico brasileiro: "Consideramos que a Rússia continua sendo uma das grandes potências mundiais e que a estabilidade da Europa e da Ásia depende muito do seu país. O Brasil realiza uma política de aproximação dos EUA, mas quer conservar sua própria posição". E concluiu: "Consideramos que a China, a Rússia, a Índia, o Brasil, os Estados Unidos e o Canadá são como grandes baleias, que têm muitos problemas comuns, e é preciso resolvê-los juntos".
Nova lei favorece servidor do Ministério do Meio Ambiente
FHC sanciona texto, apesar de parecer contrário do Planejamento
BRASÍLIA - O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, irmão da pré-c andidata do PFL à Presidência, Roseana Sarney, comemora uma vitória que buscava desde o início de sua gestão, há três anos. Na sexta-feira à noite, antes de embarcar para a Rússia, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou projeto aprovado sem alarde pelo Congresso em dezembro, pouco antes do início do recesso parlamentar. A nova lei aumenta em até 200% o salário dos cerca de 8 mil servidores do ministério e do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - embora não aponte a fonte dos recursos necessários para custear o reajuste.
Quase todos contratados sem concurso, os funcionários passarão por uma seleção interna cujos critérios ainda não estão definidos e, caso sejam aprovados, serão beneficiados pelo enquadramento automático num novo plano de carreiras, o que os tornará servidores efetivos. Além disso, está prevista a contratação, por concurso, de outros 2,3 mil funcionários para o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama e de 350 para a Agência Nacional de Águas (ANA), vinculada à pasta.
"A lei traz a configuração de um novo Ibama", diz o presidente do instituto, Hamilton Casara, para quem a capacidade de fiscalização ambiental será ampliada em 50%. "A casa está muito motivada."
Preocupado com o aumento de gastos, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão chegou a recomendar o veto integral ao projeto. Estimativas oficiais indicam que as medidas previstas na lei poderão gerar despesas anuais de R$ 800 milhões - mais do que o dobro do custo do aumento obtido pelos professores das universidades federais depois de 107 dias de greve. O presidente do Ibama lembra, porém, que o objetivo da lei é regularizar a situação dos servidores, já que o ministério nunca teve condições de organizar um concurso.
As novas regras foram aprovadas à revelia da Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina a compensação de qualquer aumento de despesas de pessoal com a elevação de receitas ou o corte em outros gastos permanentes. Na área econômica do governo, há quem considere as medidas inconstitucionais, pois apenas o presidente da República pode apresentar projetos de lei que aumentem as despesas de pessoal.
"Carona" - O projeto original encaminhado ao Congresso pelo governo previa a criação de poucos cargos no Ibama e na ANA.
Mas foi completamente alterado na Câmara pelo relator, deputado Luciano de Castro (PFL-RR), que ampliou o número de beneficiados. Sem contestação, o novo texto passou discretamente pela Câmara e pelo Senado e "pegou carona" na votação de outros projetos considerados urgentes que reajustavam o salário de duas categorias em greve, os professores universitários e os servidores da Previdência. A forte pressão do lobby ambiental, somada aos interesses pefelistas representados por Sarney Filho, fizeram com que o projeto fosse aprovado sem resistência.
A nova lei prevê para os cargos de nível superior do Ministério do Meio Ambiente vencimentos entre R$ 2,5 mil e R$ 5,1 mil. Hoje, os servidores que estão nessa faixa recebem entre R$ 679 e R$ 1,455 mil. A mudança, portanto, vai representar um aumento salarial em torno de 200%. O presidente do Ibama informa que ainda nesta semana serão definidos os critérios para o enquadramento dos funcionários nos novos cargos. Já está definido, no entanto, que serão levados em conta o tempo de serviço e o número de títulos acadêmicos de cada servidor.
A falta de recursos e o empenho do governo em manter o equilíbrio das contas públicas levou o Executivo a adiar, nos últimos três anos, a realização de concursos para a contratação de servidores em diversas áreas. De outubro para cá, o governo chegou a atender aos pedidos de órgãos e ministérios, mas autorizando a abertura de vagas em número inferior ao pleiteado, como no caso da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
FHC diz que chapa de coalizão é 'essencial'
Segundo ele, em um país de interesses tão complexos, é preciso haver aliança para governar
MOSCOU - O presidente Fernando Henrique Cardoso saiu em defesa ontem de uma chapa da coligação de partidos que apóiam seu governo para disputar a sucessão em outubro. "Sou do PSDB e meu candidato obviamente será o do PSDB, mas sou também presidente da República", observou Fernando Henrique, em entrevista coletiva no Kremlin. Segundo ele, a experiência de chefe de governo lhe ensinou que o respaldo de uma coalizão de partidos é "essencial" para um governo estável.
"Em tempos de instabilidade como estes, os países podem derrapar", advertiu.
"Não quero dizer que não vá haver democracia (se vencer um candidato de um único partido). Vai haver. Mas, num país de interesses tão complexos, tem de haver aliança e dizer com clareza: aliança para quê?" Segundo ele, o debate eleitoral ainda não chegou ao estágio desse tipo de definição.
À pergunta sobre se o PSDB abriria mão da cabeça-de-chapa para o PFL, cuja candidata, Roseana Sarney, vai melhor nas pesquisas do que o tucano José Serra, o presidente respondeu: "Não sou dirigente do PSDB. Não quero falar em nome do PSDB." Ele destacou, no entanto, que "o PSDB é um partido forte, com vários governos (estaduais), e tem todas as condições de avançar", numa referência à candidatura Serra.
Recado - O presidente descartou a idéia de que o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), pudesse ter um "recado" seu para o governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB) - rival de Serra -, no encontro que os dois terão hoje. "Falei com o Tasso acho que ontem mesmo (sábado). Ele tem uma relação direta comigo, não precisa de emissário", afirmou. "Esse encontro é importante por causa da unidade do PSDB. Tasso participa do coração do PSDB."
Fernando Henrique também afastou a hipótese de a candidatura do ministro do Desenvolvimento Agrário, o pernambucano Raul Jungmann, ser um artifício do grupo que apóia Serra para enfraquecer a candidatura da governadora do Maranhão. "Quem avisou ao Serra que o Jungmann seria candidato foi o ministro (da Justiça) Aloysio (Nunes Ferreira), a meu pedido. O Serra nem sabia, estava viajando."
Segundo ele, Jungmann apenas o informou de que participaria das prévias do PMDB. Assim como o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, que se lançou pré-candidato pelo PPB. "Até encorajei o Pratini", disse. "Quem quiser ser candidato, que seja. Sou presidente, não xerife, para dizer quem deve ser candidato. Quando uma pessoa vem e diz que quer ser candidata, o que eu vou dizer? 'Não seja'?"
Fernando Henrique também avaliou que já passou o tempo em que o governo federal tinha participação ativa nas campanhas. "Quem acha que será eleito com ajuda da máquina (de governo) está iludido. Não vou transformar meu governo em comitê eleitoral de quem quer que seja, o que não quer dizer que não vou apoiar um candidato."
'Não há saída mágica', afirma Mercadante
Em entrevista ao 'Estado', deputado fala das propostas para um eventual governo petista
RECIFE - As diretrizes do programa de governo do PT, aprovadas em dezembro, incluem o estabelecimento de metas de inflação, como faz o atual governo. A diferença, segundo o secretário de Relações Internacionais da legenda, deputado Aloízio Mercadante (SP), é que meta inflacionária, para o PT, significa apenas um parâmetro de planejamento. Deve estar acompanhada de ingredientes fundamentais, como a decisão de elevar a taxa de crescimento econômico, combater o desemprego e atuar fortemente nas políticas sociais.
Nesta entrevista ao Estado, Mercadante comenta o esboço do programa que passou pelo crivo do 12.º Encontro Nacional do PT, em Olinda (PE), e destaca a criação de um mercado de consumo de massas como um dos pontos centrais da plataforma petista, por "combater a desigualdade social". Para ele, a velocidade da mudança, se o seu partido chegar à Presidência, depe nderá das condições encontradas. "Não há saída mágica."
Estado - As propostas do PT seguem a preocupação de não assombrar a sociedade?
Aloízio Mercadante - Nossa preocupação não é essa. O elemento central da proposta é que o País não pode continuar vivendo com 53 milhões de pessoas na linha abaixo da pobreza. Somos um país pobre porque somos um país injusto. Queremos criar um mercado de consumo de massa capaz de resolver problemas básicos da população. A construção dessa estrutura - alimentos, saneamento, educação, saúde, habitação popular - está em setores que não precisam de dólar para serem financiados. Pode impulsionar o desenvolvimento para setores que promovem inclusão social sem pressionar a balança de pagamentos.
Estado - Em quanto tempo essa política surtiria efeitos?
Mercadante - A velocidade da mudança dependerá das condições ao assumir o governo. Não sabemos como estará o País daqui a um ano, dada a realidade fiscal e cambial financeira. A transição do modelo tem de ser bem administrada, não há saída mágica, mas há uma saída socialmente mais generosa e historicamente promissora para um país como o nosso.
Estado - Como pretendem renegociar a dívida externa?
Mercadante - A dívida externa dos anos 90 é diferente daquela de 80, quando os credores aumentaram as taxas de juro, desequilibrando as finanças dos países endividados, o que levava à inadimplência. O Brasil continua exposto e vulnerável à turbulência financeira internacional, mas a dívida externa hoje é predominantemente privada, há liquidez, há juros baixos. O problema agora é a dívida externa pública, de US$ 90 bilhões. Ela é equacionável, mas em função das dificuldades cambiais se vai procurar renegociar as melhores condições para o País.
Estado - Como seria a relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI)?
Mercadante - A crítica à forma como o FMI vem conduzindo a intervenção econômica é internacional. Na crise, os americanos adotaram uma política keynesiana; aumentaram o gasto público e a verba para subsídio na agricultura, estimularam demanda e investimento, aumentaram a liquidez para sair da recessão. O que o FMI impõe aos países devedores é o oposto, o que aprofunda a recessão. O Brasil precisa crescer sustentadamente e, para isso, modificar sua política de comércio exterior. É o grande desafio.
Estado - A Lei de Responsabilidade Fiscal é criticada pelo PT. O que seria mudado?
Mercadante - Ajudamos a construir a lei. É fundamental que haja regras administrativas, somos favoráveis a essa política, mas já foram identificados problemas. São necessários ajustes para viabilizar Estados e municípios. Um exemplo é a cidade de São Paulo, que não pode pegar financiamento nos próximos dez anos. Ele é necessário para preservação dos mananciais, a custo atual em torno de US$ 500 milhões. Em dez anos, o custo será muito maior e já estarão destruídos os mananciais.
Estado - O PT vai estabelecer metas de inflação como o atual governo?
Mercadante - Sempre que se trabalha com taxa de câmbio flutuante, tem de se estabelecer metas de inflação. É um parâmetro necessário, mas outros elementos devem estar presentes no planejamento da ação do Estado, como a taxa de crescimento da economia e políticas sociais.
Estado - Como seria a regulação de entrada de capital estrangeiro?
Mercadante - Diminuindo a dependência de capital externo. Isso vai equacionar o problema cambial. Tínhamos um déficit de transações correntes, quando Fernando Henrique Cardoso entrou no governo, de US$ 1,7 bilhão. Hoje, é de US$ 27 bilhões. Se se conseguir reduzir a dependência do mercado externo, pode-se criar regras para que investimentos que venham tenham um período de permanência, o que gera riqueza, dá estabilidade. Isso só é possível se se superar a vulnerabilidade externa, o que virá com grande superávit comercial.
Estado- Como consegui-lo?
Mercadante - Precisamos ter política industrial e agrícola, que hoje não existe. O câmbio é importante, mas não resolve. Tem de ter estratégia de defesa comercial inteligente, uma política de distribuição de importações. O BNDES deveria financiar empresas com capacidade de exportação, o que é essencial para gerar o superávit.
Estado - Desprezar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não é uma posição simplista?
Mercadante - A experiência recente de maior êxito de diplomacia internacional foi a da União Européia, que fez uma integração democrática, participativa. A economia norte-americana tem 76% do PIB da América. Somos o segundo, com 6%. Eles têm taxa de juros muito menor, são mais protecionistas. Nessas condições, devemos nos retirar da negociação, buscar negociação bilateral com os EUA, ampliar e consolidar o Mercosul. Por que aceitar um acordo do pescoço com a guilhotina?
Alckmin rouba a cena em ensaio de escola que homenageará Covas
Com a mulher Lu, o governador sambou e cantou no ensaio-geral da Leandro de Itaquera
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi o astro da noite de ontem no ensaio-geral da Escola de Samba Leandro de Itaquera, na zona leste. Ele chegou acompanhado da mulher, Lu, e da filha, Sofia, para prestigiar a agremiação, cujo enredo homenageia o governador Mario Covas, morto no ano passado. Alckmin beijou a bandeira da escola, subiu no palco, cantou, sambou na quadra, mas negou que estivesse em campanha eleitoral. “Carnaval é carnaval e eleição é eleiçao”, disse o governador.
Antes de ir embora, Alckmin parou em uma barraca em frente do barracão. Tomou refrigerante e comeu um cachorro-quente. Na hora de pagar a conta, o presidente da escola, Leandro Martins, tentou impedi-lo. Mas uma das garotas que ajudavam a cuidar da barraca gritou: “Paga, pelo amor de Deus, nunca vi uma nota de R$ 100”. Em meio às gargalhadas, Alckmin retirou uma nota de R$ 10 e pagou a conta.
Ausência – O ministro da Saúde e pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, era esperado na festa, mas não compareceu. Outros tucanos, no entanto, marcaram presença, como o presidente da Assembléia de São Paulo, Walter Feldman, e vários secretários de Estado. Alguns deles caíram no samba ao lado da viúva de Mario Covas, Lila, de seus filhos, Renata e Mario Covas Neto, o Zuzinha, e de seu neto, Bruno.
O enredo da escola é intitulado Mario Covas – São Paulo – Brasil. Meu orgulho, Meu Amor. Alckmin não acredita que a homenagem traga algum benefício político nas eleições deste ano. “Não é uma questão eleitoral e sim uma homenagem suprapartidária. Estou vindo aqui, mas não tem nada a ver com eleição”, disse o governador, na sua primeira visita a um barracão de escola de samba. Alckmin, que esboçou empolgação ao sambar na quadra, garantiu que não vai desfilar no carnaval deste ano.
Petista quer ouvir Malan sobre medida do IR
BRASÍLIA - O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), pedirá ao presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), a convocação do ministro da Fazenda, Pedro Malan, e do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.
Pinheiro quer que eles expliquem o que chama de "golpe" de revogar, por meio da medida provisória que corrige a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a queda da alíquota do IR de 27,5% para 25% a partir de 1º de janeiro de 2003. Ele defende a convocação para esta semana.
Ciro e Brizola retomam conversas sobre aliança
RIO - Depois de três meses de afastamento, o candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, e o presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, se reaproximaram ontem, num encontro de cinco horas, no Rio. O motivo do atrito entre os dois foi a filiação do ex-governador gaúcho Antônio Britto ao PPS.
As negociações políticas para uma aliança continuam hoje, na reunião dos presid entes do PPS, senador Roberto Freire (PE), e do PTB, deputado José Carlos Martinez (PR), na casa de Brizola.
Artigos
A gula tributária
ALCIDES AMARAL
Não há dúvida alguma de que, nestes dois mandatos, o presidente Fernando Henrique Cardoso modernizou este país e melhorou a qualidade de vida do povo brasileiro. Embora muito ainda tenha de ser feito na área social, o controle da inflação foi o ganho maior que o assalariado poderia almejar. O Brasil possui hoje uma moeda respeitada e com poder de compra preservado, especialmente quando comparamos com passado não muito distante, quando a corrosão desse valor era evidente dia após dia. Os Orçamentos da União deixaram de ser peça de ficção para se transformar em instrumentos fundamentais na condução da política econômica do País.
A responsabilidade fiscal foi implementada e não é por outra razão que, por mais de três anos, fomos capazes de cumprir as metas estabelecidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e gerar superávits primários nada desprezíveis. Não fossem tais superávits, nossa dívida interna - embora ainda em níveis elevados - seria praticamente impagável e enfrentaria seriíssimos problemas de financiamento junto à sociedade e à comunida financeira.
Temos hoje, também, políticas monetária e cambial coerentes, o que nos permite enfrentar as turbulências - como essas vindas da Argentina, por exemplo - com tranqüilidade. Sabemos que as autoridades estão atentas e, sempre que necessário, a eficácia de tais políticas será claramente evidenciada.
Com relação à área tributária, entretanto, estamos deixando muito a desejar.
Por falta de uma reforma tributária de longo tempo devida, o que vemos é uma "gula tributária" sem precedentes. Cerca de 50 taxas, impostos, contribuições, etc., circulam pela sociedade, tornando o custo Brasil um entrave sério para o nosso crescimento sustentado. E, por tabela, afetando direta e duramente o bolso do contribuinte, aquele patriota que paga impostos neste país.
Senão, vejamos. Neste mesmo período fértil de governo Fernando Henrique Cardoso, a carga tributária elevou-se em mais de 10%, pulando de cerca de 24% do Produto Interno Bruto (PIB) para alcançar o elevado patamar de mais de 34% da riqueza produzida no País. Contribuições que deveriam ser provisórias - como é o caso da CPMF - passaram a ser permanentes, pois fazem parte integrante do Orçamento da União e não podemos viver sem elas.
Na medida em que a comunidade financeira e empresarial - e o próprio Banco Central - almeja um mercado de capitais fortalecido, para que possamos reduzir nossa indesejável dependência externa e gerar poupança interna para alavancar o crescimento, o governo aje na contramão. A tributação no mercado acionário - de alta volatilidade e alto risco - passa a ser comparada aos investimentos em renda fixa. Em vez da tributação de 10% sobre o lucro obtido na compra e venda de ações, a partir deste ano de 2002 a alíquota pulou para 20%. Mais um desestímulo para um mercado já em dificuldades.
O que, entretanto, chamou a atenção, de forma gritante, para essa verdadeira "gula tributária" foi o episódio - ainda não concluído - da correção da Tabela do Imposto de Renda. Assunto polêmico, ficou na pauta do Congresso por mais de 60 dias para que se pudesse chegar a um consenso. Dos 35% devidos pelos seis anos de falta de atualização da referida tabela, políticos e governo bateram o martelo em 17,5%. Deixou todos descontentes - o contribuinte queria os 35% e o governo, deixar como está -, mas foi o possível política e economicamente. Um pouco mais de R$ 2 bilhões de receitas perdidas pelo governo, enquanto a sociedade exigia o dobro.
Discussões encerradas, a assinatura do presidente da República encerraria o assunto.
Qual não foi, pois, a surpresa quando o governo, alegando incorreções no texto aprovado pelo Congresso, emitiu medida provisória mantendo os mesmos 17,5% acordados, mas alterando a vigência da nova tabela e embutindo aumento de carga tributária não previsto. É até aceitável o questionamento do governo com relação aos efeitos da nova tabela, exigindo que a correção não beneficie os rendimentos auferidos em 2001. Mas o aumento da contribuição social sobre o lucro líquido das empresas prestadoras de serviços - de 1,08% de sua receita bruta para 2,88% - foi uma agressão ao Congresso e à própria sociedade. E, quando sabemos que o orçamento do governo federal para este ano é de cerca de R$ 320 bilhões, e esse novo tributo gerará não mais que 0,1% dessa gigantesca massa de recursos, não dá para entender. Desgaste tão grande por tão pouco dinheiro só pode mesmo ser justificável pela "gula tributária" que assola o País.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
De um punhado de barro
Pensando bem, nós, os humanos, somos todos uns mal-agradecidos. A começar pelo dom da vida, que ninguém agradece e recebe como coisa que lhe é devida.
E não é. Nós, cada um de nós, não somos planejados coisa nenhuma, nascemos do encontro ocasional dos "micróbios da criança" (como dizia uma conhecida minha, contando como se dera a sua indesejada gravidez).
Mesmo os casais que desejam ter filhos se entregam ao acaso, ou mesmo a Deus, na suposição de que Deus se envolva em assuntos tão íntimos.
Aliás, em menina, sempre me preocupava o fato de Deus, Todo-Poderoso, não criar a gente como criou Adão, de um punhado de barro. Poderia, querendo privar-se da cansativa tarefa, delegar poderes ao homem para a reprodução direta da espécie. E aí algo me diz: mas foi exatamente o que Ele fez!
Apenas não facilitou demais, dividiu entre Adão e Eva a fonte criadora, cabendo a ela ser o receptáculo ou o hospedeiro do futuro ser e a ele, Ele, Deus, produzir a centelha criadora, sem a qual o milagre não se operaria.
Deus, que é mágico e gosta de operar suas mágicas sem interferências, criou os órgãos de reprodução nos seres masculinos e femininos, determinou que só funcionassem quando o casal atingisse idade adulta (quer dizer, tivessem capacidade para alimentar e criar o filho que iriam gerar).
Ah, como dizem agora os jovens: Deus é 10! Faz tudo pelo melhor, pensa nos ínfimos detalhes. Acho que, ofendido talvez com o nosso orgulho em sermos os "senhores da criação", Deus nos mostra que gasta o mesmo tempo e trabalho em produzir um besouro, um cachorro ou um homem. Talvez até Nosso Senhor goste muito mais de reproduzir bichinhos inocentes do que soprar vida nesses atrevidos e ingratos bípedes que se chamam homens e que, por cada poeta, por cada santo que veja nascer, tenha de aturar milhões e milhões de empedernidos pecadores.
Ou será que um santo é um ser tão especial que Nosso Senhor se sente bem pago com uma magra colheita de justos, em relação aos milhões de - diga-se - injustos?
O fato, talvez, é que o limo da terra, com fomos compostos, seria material de má qualidade, repleto de impurezas. Pegue um punhado de terra, aparentemente limpo e o examine a um microscópio potente. Cada caroço de terra parece um torrão, mas o espantoso é que fervilha de vida, coisas quase invisíveis que se mexem, e não se sabe a que reino da natureza pertencem - mineral, vegetal ou animal.
Dá susto. Por essa ninguém espera. E me dizem que, se pusermos sob o tal potente microscópio um pedaço qualquer do nosso corpo, se verá que em nós, na nossa pele, na nossa carne, pululam os seres invisíveis, hóspedes constantes da nossa pessoa.
É humilhante, não é? Como também é humilhante a narrativa bíblica de que Eva foi feita de uma costela de Adão. Por que a costela, osso tão inexpressivo, que serve apenas junto com as demais costelas, para armar o arcabouço do peito humano? Por que não nos retirar, a nós mulheres, do coração dele - ou melhor ainda, da c abeça, do cérebro?
"Deus é 10", sim, mas às vezes faz coisas que a gente não entende e, por isso, ressente. Se deu ao homem força e tamanho para oprimir a mulher, e até espancá-la, se raivoso - por que entregou à frágil mulher, à dominada mulher, a sede própria da vida, onde o feto se forma e vira gente?
Aliás, nós, mulheres, sabemos que somos a parte mais confiável do casal humano. Se não fosse a gente, o homem não trabalhava, não assumia responsabilidades, ficava na flauta, se divertindo, se contentando em morar debaixo de uma árvore.
Toda mulher sabe o trabalho que lhe deu educar o seu homem; e, se não proclamamos isso, é porque eles podem fazer greve, e então quem é que vai ganhar para nós o pão de cada dia?
Editorial
O papel do Estado
Na semana passada, por duas vezes consecutivas, o presidente Fernando Henrique Cardoso expôs a sua concepção sobre o papel do Estado na sociedade. Na terça-feira, na solenidade de sanção da lei que desburocratiza a Previdência, disse ele que "estamos recriando o Estado. Não para termos o Estado mínimo, que isso não tem sentido, nem muito menos um Estado fraco. É para não termos um Estado mamute (...) que não funciona. Estamos saindo de um Estado do mal-estar social, da injustiça e da enganação, para um Estado que começa a ter os fundamentos do bem-estar social". No dia seguinte, na reunião da Câmara de Gestão da Crise de Energia, ele iria adiante: "Na sociedade moderna, ou o Estado é competente, ágil e inteligente ou a sociedade sofre." E o que queremos, prosseguiu, "não é o não-Estado. É um Estado competente (...) que tenha capacitação efetiva".
São considerações oportunas porque não faltou quem visse nas novas medidas para o setor elétrico um recuo na grande (e bem-sucedida) estratégia nacional de desestatização da economia.
Assim como não faltaram analistas, no cenário internacional, a interpretar as medidas que estão sendo implementadas na Argentina, como um rompimento, do governo Duhalde, com a desregulamentação dos mercados, a privatização e a liberalização do comércio - enfim, com a abertura da economia - porque, Duhalde, ao assumir, afirmou que "a Argentina está destruída. Esse modelo destruiu tudo". Mas o modelo a que se referia o novo presidente era o da fatídica paridade do peso com o dólar - e não o arejamento da economia argentina que permitiu o seu crescimento até que o descontrole fiscal e a corrupção do final do governo Menem pusessem tudo a perder.
Esse temor de um ressurgimento de políticas antiliberais na América Latina poderia também ser reforçado por quem interpretasse, fora do contexto, algumas palavras do ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, na cerimônia de posse do novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Afinal, o ministro criticou "a visão simplista, ingênua e ideológica" das políticas de desenvolvimento implementadas pelos organismos multilaterais na década passada e descartou a abertura da economia e a privatização como locomotivas únicas do crescimento.
Mas, logo em seguida, completaria seu pensamento, acrescentando que, na sua opinião, a abertura da economia e a liberdade de mercado não são condições suficientes para o crescimento econômico e o desenvolvimento de um país. É preciso que a essas condições se junte um Estado forte - não um Estado produtor, providencial e pródigo, como os preconizados pelo nacional-populismo -, mas um Estado que dê sólido respaldo às instituições, regulamente com competência as atividades econômicas e sociais e coíba os abusos dos agentes privados, além de corrigir os desvios do mercado.
Afinal, não foram as políticas de liberalização da economia que levaram a Argentina ao desastre, mas a falência do Estado e a erosão das instituições.
O que faltou lá foi um modelo equilibrado que permitisse que do jogo entre as forças do livre mercado e o papel regulador do Estado emergissem os vetores do crescimento econômico e do bem-estar social.
Para Sérgio Amaral, esse equilíbrio foi alcançado, no Brasil. Os agentes econômicos têm, aqui, liberdade para empreender, o Estado já não exerce funções que não sejam tipicamente suas e só atua onde e quando a iniciativa privada não se apresenta.
Nesse modelo, como observou o ministro Sérgio Amaral, o Estado não abdica de seu papel de indutor do crescimento. No ano passado, disse ele, o BNDES liberou créditos de mais de US$ 10 bilhões para a ampliação e a modernização do parque produtivo e da infra-estrutura. Sem que um órgão do Estado desenvolvesse essa função de fomento, o Brasil não poderia, em primeiro lugar, estar entre as maiores economias do mundo e, em segundo lugar, não seria possível completar o ciclo de transformações políticas, econômicas e sociais que se iniciou no começo da década passada e que conhecemos como a "abertura da economia".
A construção desse modelo, evidentemente, é um processo em andamento. Como disse, na terça-feira, o presidente da República, "nunca se termina de reformar. É preciso continuar reformando". Ainda existem óbices burocráticos que retardam os empreendimentos e desestimulam os investidores. Mas as bases de um modelo de coexistência equilibrada entre a livre iniciativa e o Estado estão assentadas. O seu aperfeiçoamento é questão de tempo.
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01/14/2002
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