Sarney contesta tese de que suicídio de Vargas adiou golpe militar de 1964
Em depoimento à Rádio Senado para o especial “Getúlio, 50 anos do tiro que mudou a História” - que vai ao ar nesta terça-feira (24) às 8h30 e às 20h30 –, o presidente do Senado, José Sarney, discordou da tese, defendida por muitos historiadores e observadores políticos, segundo a qual a comoção popular que se seguiu ao suicídio do ex-presidente, no dia 24 de agosto de 1954, teria impedido a concretização do golpe militar, que só acabaria acontecendo dez anos depois, em 1964. - Naquele tempo não havia nenhum movimento militar em andamento, nenhum processo de golpe. Acho que, sem o suicídio, nós também teríamos a eleição que foi feita logo em 1955, com os candidatos que já estavam na rua: o Juscelino e, do outro lado falava-se em Eduardo Gomes, Etelvino Lins, e acabou sendo o Juarez Távora - afirmou. Sarney acredita, porém, que o suicídio mudou sim, e radicalmente, a imagem que Vargas deixaria para a posteridade caso tivesse chegado normalmente ao final de seu mandato, porque a situação do ex-presidente, já muito difícil, foi agravada pelo atentado contra seu maior adversário político, Carlos Lacerda, no qual foi morto o major Rubens Vaz: - O tiro dado no major Vaz atingiu o Getúlio, e o tiro que o Getúlio deu no peito atingiu a UDN (União Democrática Nacional, partido de Lacerda), porque a partir daí o Getúlio assumiu outra dimensão, que sobrevive até hoje. Sem o suicídio, Getúlio teria saído do governo muito contestado e com a opinião pública contra. Foi a deificação do suicídio que fez com que a imagem do Getúlio mudasse. Ele mesmo disse na carta-testamento, “estou saindo da vida para entrar na História”; logo, ele mesmo reconhecia que precisava daquilo para entrar na História - observou. O senador considera o atentado contra Lacerda “episódio totalmente esclarecido” e fruto das circunstâncias em que o ex-ditador chegou ao poder pela segunda vez, eleito pelo voto popular. - Getúlio não estava preparado para enfrentar os novos tempos. Ele não soube lidar com os militares, que chegaram da Segunda Guerra Mundial com outras idéias e pontos de vista democráticos, pois não tinha a tradição de saber conviver com o sistema democrático, nem com o funcionamento normal das instituições políticas. Daí começaram todos os seus problemas: ele marchou para o populismo como uma tábua de salvação, começou certa agitação social no país, e o governo dele passou a ser muito contestado, com a formação de um grupo aguerrido de oposição dentro da UDN, que já havia lutado contra Vargas quando ele foi ditador – disse. Para Sarney, Getúlio errou ao substituir as Forças Armadas na tarefa de lhe dar segurança por uma guarda pessoal organizada para protegê-lo, “um pouco por desconfiança dele na segurança institucional”. Essa guarda, observou o presidetne do Senado, era formada por “pessoas cuja ficha policial não era das melhores, ligadas à família de Getúlio desde São Borja e que lá tinham um passado de violência contra jornalistas e inimigos dos Vargas; e que, chegando ao Rio de Janeiro, acharam que a coisa seria tão simples como em São Borja quando Lacerda começou a fazer uma campanha virulenta contra o governo”. Ainda de acordo com Sarney, “quando Lacerda, um homem extremamente brilhante, um grande panfletário, iniciou campanha contra Getúlio na Tribuna da Imprensa, a guarda pessoal foi estimulada a fazer um atentado para liquidá-lo, incentivada pelo Mendes de Moraes, pelo Danton Coelho e sobretudo pelo Beijo Vargas, irmão de Getúlio; o Gregório Fortunato organiza então o atentado no qual foi atingido o major Vaz, gerando reação muito forte da Aeronáutica, que tomou a frente do inquérito, o chamado processo do Galeão, onde tudo foi descoberto, todas as coisas foram expostas, o que levou Getúlio finalmente ao suicídio”. Em sua análise, o senador ressaltou também o peso da oposição da imprensa ao governo Vargas para o desfecho dos acontecimentos:
- A imprensa era na sua totalidade contra o Getúlio, tanto que ele foi obrigado a fazer um jornal que o defendesse, a Última Hora do Samuel Weiner, criada para que ele pudesse ter um ponto de vista na imprensa em sua defesa. Todos os grandes jornais eram contra, tanto em em São Paulo como no Rio de Janeiro, como o Correio da Manhã, o Diário Carioca, o Diário de Notícias, um jornal muito forte naquele tempo, do Orlando Dantas, todos eles eram muito críticos. Naquela época do suicídio, o governo do Getúlio estava em fase de grande impopularidade - concluiu.
23/08/2004
Agência Senado
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