SARNEY DIZ QUE NUNCA TEVE AMBIÇÃO
Quando criança, Sarney pediainsistentemente que sua mãe lhe desse uma bicicleta, presente que dona Kiola Ferreira deAraújo Costa jamais pôde lhe comprar. "Minha mãe chorava porque eu queria ter umabicicleta e ela não tinha condições de me dar. E me deram a Presidência da República.Mas continua a minha frustração por não ter ganho a bicicleta", brinca hoje osenador.
Filho de promotor de modestos recursos e leitor compulsivo desde a infância, Sarneyestudou do nível secundário ao universitário em São Luís (MA) e, segundo ele mesmoconta, seu pai teve que vender a máquina de escrever para pagar a passagem do barco que olevaria para estudar naquela cidade, onde terminaria bacharel em Direito. Sobre sua vida,ele deu a seguinte entrevista ao Jornal do Senado.
Jornal do Senado: Quando fez a travessia desse rio, o senhor pensou que algum dia seriapresidente?
Sarney: eu não tinha ambição nenhuma, senão a de estudar. Meu pai tinha grandepreocupação com estudos e me mandou, com 11 anos, para São Luiz. Atravessamos o rioBalsa - eu, minha mãe e um irmão a caminho de Teresina. O barco parou emUruçuí, onde eu tive uma febre muito alta. Não se sabia o que era, eu podia morrer epassamos uma semana lá. Quando finalmente chegamos em São Luis, minha mãe me instalounum pensionato, onde eu era o mais novo. Eu podia ter morrido com essa febre em Uruçuí,e Deus me trouxe até os 70 anos.
JS: Como é chegar aos 70 anos?
Sarney: É uma graça de Deus, é a graça da vida. Levo sempre em conta a mensagemevangélica segundo a qual o dia seguinte deve ser vivido como se a vida ainda tivesse umlongo caminho. O segredo da vida é ter paz interior, é ter a consciência de que nadapode nos afetar. A fé religiosa é o grande ensinamento que tirei da vida. Ser cristãome deu a grande dádiva de chegar aos 70 anos em paz. Nunca duvidei da minha fé, nuncafui angustiado pela falta de fé.
JS: O senhor chegou a se angustiar entre a carreira literária e a política?
Sarney: A política para mim aconteceu. Ninguém faz política sem o imprevisto, ninguémtem por vocação ser político. Minha grande vocação sempre foi gostar de ler eescrever. E meu pai incentivava isso. Quando comecei a escrever, perguntei a ele: o quedevo fazer? Ele disse: leia o Vieira e saberá como escrever bem. E eu voltei a indagar: edepois? Ele disse: torne a ler o Vieira. E depois? Ele disse: continue lendo o Vieira.Quando tinha 17 anos, ganhei um concurso de reportagem, fui contratado e comecei aescrever em jornal. Foi o jornal que me deu visibilidade política. A partir daíingressei na política.
JS: E enfrentou, entre outras missões, a de substituir Tancredo Neves na sucessãopresidencial de 1985...
Sarney: Aquele foi o momento mais difícil que vivi. Foi como se eu tivesse entrado numtúnel desconhecido. Era a sensação de estar numa escuridão, sem saber o que estava aoredor. Quando eu vi às duas horas da manhã uma pessoa telefonar e dizer que eu iaassumir a presidência da República às 10h, no meio de uma tragédia daquelaproporção, com o Tancredo Neves hospitalizado, eu pensava sobretudo no que os outrosestavam pensando. Que frustração não está tendo neste momento o povo deste país? Emvez de Tancredo Neves, verão assumir o vice-presidente. Só esse fato me pesava muito...
JS: O que mais o ajudou nessa transição?
Sarney: O meu temperamento e a minha formação. Porque se eu tivesse um outrotemperamento, se fosse vítima da vaidade, se o poder tivesse me subido à cabeça, nãosei. Mas isso nunca me perturbou. Conseguimos fazer uma sociedade democrática e, semuitas vezes, acharam que eu protelava as decisões, era porque me preocupava o problemada legitimidade. Eu sempre trabalhei para que tivéssemos um avanço e não um retrocesso.Eu sempre tive uma grande noção do que queria o povo e dos meus deveres para com o paíse para com a história. Um intelectual tem sempre em mente que vai ser julgado pelahistória.
JS: Foi então fácil conciliar literatura e política?
Sarney: Não. Acho que há uma grande dificuldade entre o intelectual e o político,porque o intelectual é o homem que lida com a abstração, e o político é o homem quelida com a realidade. É difícil, mas eu procurei sempre conjugar isso, porque sempreachei que a política tinha muito de ficção e que a literatura tinha muito de realidade.
JS: - Hoje o senhor tem o sentimento do dever cumprido?
Sarney: - Sim, fiz tudo que devia fazer. Cada um de nós tem suas limitações. Mas euacho que a presidência do Brasil pode ter tido homens muito mais fortes, muito maisqualificados do que eu, porém com mais vontade de acertar e com mais senso do dever, nãoteve. Cumpri aquela vida que deus me deu. Rui Barbosa dizia que duas coisas transformam ohomem o poder e o saber. Eu acho que essas duas coisas não conseguiram metransformar.
08/11/2000
Agência Senado
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