Secretários do Rio e SP batem boca
Secretários do Rio e SP batem boca
Petrelluzzi diz que Garotinho teve atitude ''oportunista'' no seqüestro e Quintal vê ''objetivo político'' nas declarações
SÃO PAULO E RIO - O desfecho do seqüestro da filha de Silvio Santos, Patrícia Abravanel, desencadeou um bate-boca entre os governos do Rio e São Paulo. O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Marco Vinicio Petrelluzzi, criticou fortemente o governador do Rio Anthony Garotinho (PSB) - pré-candidato a presidência da República - e a sua administração. Além de chamar Garotinho de ''oportunista'', por oferecer ajuda da polícia do Rio para elucidar o caso, Petrelluzzi afirmou que há no governo fluminense uma ''leniência com o tráfico de drogas''.
Admitindo que o número de seqüestros no Estado tem aumentado, Petrelluzzi disse que os índices de criminalidade divulgados por Garotinho são maquiados. ''O número de seqüestros que vem sendo noticiado pelo governo Garotinho não é verdadeiro. Infelizmente não tenho nenhum prazer em dizer isso. Quem diz isso são autoridades que discutem essa questão. Acho que ele está tendo uma atitude lamentável, exclusivamente promocional'', disse o secretário de São Paulo.
O secretário lembrou ainda que em diversos episódios de violência no Rio, como o assalto ao ônibus 174, o governo de São Paulo não se pronunciou para fazer gozação. ''O Rio de Janeiro foi recheado de fatos complicados na área de segurança e ninguém daqui ficou fazendo gozação. Teve o caso do ônibus (assalto ao ônibus 174, no Jardim Botânico, que terminou com a morte do criminoso e de uma das vítimas), o assalto no prédio da própria sede da Secretaria de Segurança, e também não falamos nada. No caso do ônibus, a operação foi comandada pelo governador e, mesmo, assim, daqui não se ouviu nada. Mas agora sou obrigado a responder'', disse ele.
''Quando houve a aliança do governo do Rio de Janeiro com a banda podre da polícia também não fizemos qualquer tipo de comentário. Além dessa aliança, no Rio aconteceu uma leniência, que não sei se é dolosa ou não, com o tráfico de entorpecentes. O governador Garotinho demonstra um comportamento oportunista e até jocoso quando oferece vir aqui para resolver o problema com seqüestros. Esse tipo de declaração não ajuda ninguém, muito pelo contrário. Só serve para acabar com a auto-estima da polícia como um todo'', acrescentou.
Por sua vez, o secretário de Segurança pública do Rio de Janeiro, Josias Quintal, rebateu uma a uma as críticas e disse que as declarações de Petrelluzzi foram dadas sob tensão. ''Vamos dar um desconto porque o secretário (Petrelluzzi) está vivendo um momento difícil. A segurança pública de São Paulo está enfrentando problemas sérios. Esse caso do seqüestro da filha do Silvio Santos teve uma repercussão nacional, o secretário deve estar sendo muito cobrado, muito tenso, e numa atitude até de defesa ele escorrega no dizer'', disse Quintal.
Pouco depois, Quintal disse que as declarações de Petrelluzzi têm objetivos políticos. ''Vejo com certa desconfiança essas declarações. Acho que há um certo conteúdo político nessas colocações. O caso do 174 é um caso mais do que superado e conhecido. O secretário reclama que o governador (Garotinho) critica os números da violência em São Paulo, mas ao mesmo tempo começa a criticar'', disse o coronel Quintal.
Sobre os números de seqüestros no Rio, Quintal afirmou que apenas três casos de seqüestros foram registrados no Rio este ano. Segundo ele, todos solucionados pela polícia, com a prisão dos envolvidos e sem pagamento de resgate. ''Partir para uma comparação entre os índices de criminalidade do Rio e de São Paulo, realmente não é bom para São Paulo. Vai ser uma desproporção terrível para São Paulo, que é um estado grande, com muitos problemas, e que tem tido muita dificuldade no enfrentamento da violência, que só aumenta, enquanto no Rio tem diminuído'', disse a autoridade fluminense.
Nem os números do Rio, nem os de São Paulo levam em consideração os seqüestros-relâmpagos (ver tabela). Ao lado do diretor da Divisão Anti-Seqüestro (DAS) do Rio, Fernando Moraes, Quintal chegou a fazer recomendações ao política de segurança pública de São Paulo: ''Eu recomendaria ao secretário Petrelluzzi fazer a mesma coisa que fizemos aqui: investir em equipamentos e treinamento das polícias.'' O secretário do Rio disse ainda que a família de Silvio Santos entrou em contato com o governo do Estado solicitando ajuda. ''Houve a solicitação de um familiar, não sei quem, feita ao estado, pedindo ajuda. Mas como não houve um pedido oficial da polícia de São Paulo não nos envolvemos.''
Quintal chegou a insinuar que faltou humildade a polícia paulista: ''Se há a possibilidade de termos uma ajuda que possa contribuir para elucidar um caso devemos aceitar. Devemos ter a humildade para aceitar. Se algum dia precisar de ajuda terei a humildade para pedir ou para São Paulo, ou Maranhão, quem quer que seja.'' Por fim desafiou: ''Desafio a qualquer um a apontar cinco traficantes que tenham ficado famosos no Rio. Prendemos todos os chefes. O narcotráfico existe. Agora não se pode dizer que domina o estado.''
Sarney elogia proposta de cotas para negros
BRASÍLIA - A proposta do governo Fernando Henrique de estabelecer cotas de acesso à universidade para estudantes negros foi elogiada ontem pelo senador José Sarney (PMDB-AP), autor de um projeto semelhante, em tramitação no Congresso há dois anos. O projeto de lei de Sarney propõe que seja fixada uma cota mínima de 20% para estudantes negros em concursos para empregos públicos, cursos de graduação superior e contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante Superior.
''Está na hora de o Parlamento resgatar esse projeto e discutir o assunto'', afirmou Sarney. O senador citou estatísticas para demonstrar a desigualdade entre negros e brancos no Brasil. Lembrou que o salário dos negros é 60% menor que o dos brancos e que média de escolaridade dos negros é de seis anos, enquanto a dos brancos é de nove.
Escravidão - Sarney também lembrou que a questão racial é tema de sua vida parlamentar e está presente em seus livros. ''A escravidão é a maior mancha da nossa história'', disse. Em seu discurso, Sarney chamou, pelo menos três vezes, os negros de pretos, o que alguns consideram politicamente incorreto. Ele teve apartes empolgados dos senadores Ney Suassuna (PMDB-PB), Heloísa Helena (PT-AL) e José Fogaça (PMDB-RS).
O projeto de Sarney está na Comissão de Constituição e Justiça. Em seu pronunciamento, Sarney aproveitou para pedir ao presidente da comissão, senador Bernardo Cabral (PFL-AM), que apresse a tramitação da proposta. ''A partir de agora serei o grande fiscal deste projeto aqui dentro'', concluiu.
A missão impossível de Jader Barbalho
Presidente licenciado do Senado tentará convencer subcomissão do Conselho de Ética de sua inocência no caso Banpará
BRASÍLIA - O presidente licenciado do Congresso, Jader Barbalho (PMBD-PA), tem uma missão considerada impossível hoje: convencer a subcomissão do Conselho de Ética do Senado que não foi responsável pelos desvios no Banco do Estado do Pará (Banpará). Caso não consiga provar sua inocência, Jader terá de responder a um processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho. A punição pode ser a cassação do mandato.
O depoimento de Jader está marcado para às 10 horas, mas será fechado à imprensa e prestado em seu gabinete, situado em um dos subsolos do Senado. Não se trata de um privilégio: o regimento do Senado prevê que os depoimentos só são abertos ao público se quando feitos ao Conselho de Ética, o que não é o caso.
De acordo com um dos integrantes da comissão, senador Jefferson Péres (PDT-AM), as investigações contra Jader podem ser concluídas ainda hoje.''Dependendo do depoimento podemos encerrar o processo. Já temos elementos para dizer se cabe ou não fazer o relatório'', afirmou Jefferson Péres. Para o coordenador da comissão, senador Romeu Tuma (PFL-MA), a única chance de Jader não ser incriminado é mostrar que as assinaturas dos cheques encontrados dentro do chamado relatório Banpará - produzido pelo Banco Central - não são verdadeiros. ''É difícil encontrar uma explicação que o isente o senador. A cartomante diz que está difícil, eu muito menos'', disse Tuma.
Estratégia- Os supostos desvios de dinheiro ocorreram na década de 80 antes de Jader ser eleito senador. Para que o senador seja processado no Conselho de Ética, é preciso comprovar que Jader mentiu em plenário. Para fugir de contradições, Jader deverá apresentar um depoimento por escrito. ''Estou pronto para ser ouvido e saber qual o dispositivo do Código de Ética eu infringi no exercício do meu mandato'', disse Jader, irônico. Jader.
O relatório que pode incriminar o presidente licenciado do Senado já está sendo elaborado por Romeu Tuma, que pretende entregar as conclusões no próximo dia 3. O texto não dirá se Jader é culpado ou inocente, apenas pedirá que ele seja investigado pelo conselho. ''Não cabe nessa etapa da investigação determinar a culpa. Vamos avaliar se existe a necessidade de abrirmos um processo'', explicou Tuma.
Jader Barbalho sofreu um novo revés com o depoimento do ex-gerente do Banco Itaú, Getúlio Mota Neto, ontem, no Rio. O ex-gerente admitiu ao ex-delegado Paulo Lacerda, assessor de Tuma, que o senador Jader Barbalho acompanhava pessoalmente sua conta no Itaú do bairro Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. A principal aplicação de Jader, de acordo com o ex-gerente, seriam certificados de depósito bancário ao portador (CDB). O depoimento do Getúlio Neto coincidiu com as conclusões do relatório Banpará, que incrimina o senador paraense.
Clima no PMDB é de guerra
Maguito diz que deputados estão sendo comprados por ministros para eleger Temer presidente do partido
BRASÍLIA - O presidente em exercício do PMDB, senador Maguito Vilela (GO), subiu ontem à tribuna para acusar os ministros da própria legenda de aliciar deputados para não apoiarem sua candidatura à presidência do partido, na convenção nacional de 9 de setembro. ''A disputa está se tornando viciada. Ministros estão viajando e aliciando parlamentares. Estão legitimando a corrupção e a compra de votos'', afirmou.
O discurso foi dirigido aos ministros Eliseu Padilha, dos Transportes, Ramez Tebet, da Integração Nacional, e Ovídio de Angelis, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, e também ao deputado Michel Temer (SP), que disputará com Maguito a presidência do partido. O senador entrou com duas representações, contra o governo e o PSDB.
Improbidade - Na representação que protocolou no Ministério Público Federal, Maguito pede abertura de ação civil por improbidade administrativa contra os ministros peemedebistas Eliseu Padilha, Ramez Tebet e Ovídio de Angelis. Já o Tribunal Superior Eleitoral recebeu uma representação em que Maguito acusa o PSDB ao abuso de poder. O senador também pediu o adiamento da convenção do PMDB.
No discurso, Maguito insinuou que a Secretaria de Desenvolvimento Urbano está distribuindo verbas para deputados favoráveis à candidatura de Michel Temer. ''O presidente (Fernando Henrique Cardoso) tem que justificar essas liberações'', exigiu.
Itamar - Ao descer da tribuna, Maguito foi cumprimentado no plenário por um grupo de peemedebistas que incluía o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia e o ex-deputado Paes de Andrade. Quércia e o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, se reuniram pela manhã e deram a linha do discurso que Maguito faria no Senado.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) criticou o comportamento de Maguito. ''Vão usar esse discurso do senador em campanhas contra o PMDB'', afirmou. ''São mentiras gratuitas'', disse o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR). Para Temer, a atitude de Maguito é o prenúncio de sua derrota. ''Ele sabe que na convenção democrática do PMDB, marcada para o próximo dia 9 de setembro, não terá chances de vitória. É preciso acabar com essas agressões que só prejudicam o partido'', afirmou em nota.
Cacife de Roseana cresce para 2002
Bom desempenho das intenções de voto da governadora do Maranhão tem relação com queda de Garotinho, diz pesquisa
BRASÍLIA - A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), transformou-se em mais uma opção como candidata governista à sucessão presidencial. Na última edição da pesquisa CNT/Sensus, divulgada ontem, Roseana obtém o melhor desempenho entre os candidatos governistas, registrando 14% das intenções de voto. Este também é o melhor resultado apresentado até agora pelo ministro da Saúde José Serra, que conseguiu entrar no time dos candidatos com dois dígitos. Se antes ele patinava na marca dos 7%, hoje ele já está com 10% das intenções de voto.
O levantamento também aponta uma queda das intenções de voto dos governadores do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PSB), e de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), e uma recuperação do ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PPS). Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT, mantém-se na liderança com 32,9% das intenções de voto.
O governo federal já testou, neste ano, como candidato à Presidência, os ministros da Saúde, José Serra, da Educação, Paulo Renato, e da Fazenda, Pedro Malan. A popularidade de Malan ainda não foi aferida nas simulações porque ele ainda não reconheceu, publicamente, que está no páreo.
PROPAGANDA- O bom desempenho de Roseana é explicado, em parte, pela ofensiva do PFL, que veiculou no mês de julho uma forte campanha institucional sobre a governadora. Na pesquisa de voto espontâneo, Roseana aparece, pela primeira vez, com mais de um ponto percentual, chegando a 2%. A outra justificativa pelos bons resultados pode estar na queda das intenções de voto de Garotinho e de Itamar Franco.
No caso do governador do Rio, Roseana estaria ganhando votos de parcela do eleitorado que espera por um novo candidato, longe dos políticos tradicionais ou dos que estão no páreo há mais tempo, de acordo com o diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guerra. Essa parcela do eleitorado é considerada bem volátil, na opinião de analistas. Foi assim com Garotinho, que experimentou um crescimento expressivo nas pesquisas nos últimos dois meses - chegando a 13,4% - e, nesta edição, voltou a patamares reduzidos. O governador do Rio caiu nas intenções de voto de 13,4% para 8,8%. No voto espontâneo, Garotinho cai de 5,3% para 3,5%.
A queda pode ser explicada pelos sucessivos ataques de Garotinho ao governo federal ou também um reflexo - ainda que tardio - das denúncias envolvendo seu nome, além do mau desempenho da segurança pública no Rio, refletido nas imagens de traficantes fazendo leilão de drogas nas favelas cariocas.
Ciro e Itamar- A pesquisa, feita entre os dias 17 e 23 de agosto, mostra ainda que o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, também caiu de de 13,8% para 11,5%, mas o percentual está dentro da margem de erro, que é de três pontos percentuais. Itamar registrou o pior índice nas pesquisas desde o início do ano, enquanto o ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes voltou a ocupar a segunda posição nas listas de candidatos. O percentual de voto do cearense passou de 11,8% para 14,9%.
Quanto ao ministro José Serra, ele acompanhou o bom desempenho de Roseana nas intenções de voto. Mas, em uma simulação onde constam os nomes de Serra e Roseana, é a governadora quem leva a melhor, com 11,2% contra 8,4% do ministro. O ministro da Educação, Paulo Renato, e o governador do Ceará, Tasso Jereissati, ambos do PSDB, continuam sem empolgar. Paulo Renato registrou apenas 3,2%; e Tasso, 4,3%. Para esta pesquisa, foram entrevistados 2 mil pessoas, em 195 municípios de 24 estados do país.
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Fumaça pra lá
Jacob Kligerman
Quando fumar era apenas um mau hábito social, incômodo para os dois terços de não tabagistas da população, houve quem dissesse que a Terceira Guerra seria travada entre fumantes e não fumantes. Décadas depois, mesmo a parcela tabagista entendeu que fumar perdeu o charme de hábito transgressor para ser encarado como um perigo que atinge também os não fumantes.
Mais do que causar irritação, o fumo passivo pode levar à morte. O tabagismo passivo é a terceira causa de morte evitável, atrás do tabagismo ativo e do consumo excessivo de álcool. A preocupação do Ministério da Saúde com os fumantes passivos, por meio do Instituto Nacional de Câncer (Inca), está expressa nas frases de advertência nos maços de cigarro para que se evite fumar na presença de crianças ou para que mulheres grávidas não fumem. Ao expelir a fumaça, o fumante também contribui para contaminar o ar e expõe os não tabagistas a pelo menos 40 substâncias cancerígenas. Ao fim de um dia de trabalho, um não fumante exposto à fumaça de tabaco pode ter respirado o equivalente a 10 cigarros.
Este ano, fumantes passivos vitimados por câncer começaram a ganhar processos e indenizações da indústria do tabaco. A primeira vitória foi de uma garçonete australiana, com câncer de laringe sem jamais haver fumado. Como ela, outros adultos não fumantes têm risco de 30% a 40% maior de desenvolver câncer de pulmão e enfarte do que os não expostos à fumaça do cigarro.
No século 19, damas da alta sociedade saíam da sala, após o jantar, para que os homens fumassem. Nos trens, havia vagões para fumantes. Fumar era parte de um ritual que associava as baforadas a elegância. Ao longo do século 20, com a liberalização dos costumes e a produção de cigarros em escala industrial, fumar tornou-se um ato que não exigia nem um pedido cortês de licença para ser iniciado. Na década de 80, quando o cerco ao tabagismo aumentou, os fumantes passaram a reclamar dos queixumes dos antitabagistas, que, naquela época, só pediam que se jogasse a fumaça para outro lado.
Foi pelo direito dos não fumantes que a sociedade voltou a reservar locais para fumantes e tabagistas retomaram a cortesia de pedir licença ao acender um cigarro. Que hoje, Dia Nacional de Combate ao Fumo, tenham a consciência de que não prejudicam apenas a eles mesmos, mas a outros, mesmo quando jogam a fumaça para outro lado.
Alcântara e o programa espacial
Celso Lafer
O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), assinado em abril de 2000 entre Brasil e Estados Unidos, relativo à participação daquele país em lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), tem suscitado vivo debate no país. O ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, tem oferecido amplos esclarecimentos sobre o assunto. Proponho-me contribuir para a compreensão dos objetivos e do alcance do AST sob a perspectiva da política externa brasileira.
Nos primeiros momentos da exploração espacial, nos anos 50, os governos lançavam-se ao espaço de maneira autônoma e a corrida espacial reproduzia a dinâmica da confrontação bipolar. As transformações no panorama político internacional, após o fim da Guerra Fria, trouxeram duas novas tendências para a exploração do cosmo. A primeira, relacionada à busca de projetos racionais do ponto de vista econômico. Nessa esfera, a cooperação internacional veio estimular empreendimentos conjuntos. Nesse contexto o Brasil assinou, nos anos 90, acordos de cooperação com os EUA, China, Rússia, França e Argentina. A outra tendência é o incremento de atividades espaciais privadas, nas quais empresas financiam pesquisas, construção, lançamento e operação de satélites, o que ensejou a busca de operações de lançamento em locais competitivos. Nesse particular, o CLA apresenta condições vantajosas.
Na perspectiva de lançamentos de satélites em bases comerciais, a assinatura do AST com os EUA visa a obter benefícios da posição favorável que Alcântara oferece. As operações no CLA somente terão retorno econômico caso contem com a participação de satélites americanos, quase 80% do mercado global. Esses satélites só serão enviados ao Brasil sob garantias claras, asseguradas por acordo intergovernamental, de que tecnologias neles embarcadas não serão transferidas sem autorização. No Direito Internacional Público, salvaguarda é termo que designa proteção contra um perigo. No caso em tela, o perigo é a disseminação não autorizada de tecnologias sensíveis. São salvaguardas de desempenho, que cumprem o duplo papel de proteger tais tecnologias desse tipo de disseminação e de viabilizar o uso comercial do CLA.
Existem acordos semelhantes assinados entre os EUA e países como China, Rússia, Ucrânia e Casaquistão. Como nesses casos, o Acordo contém cláusulas que traduzem as exigências do lado detentor das tecnologias a serem protegidas. Neste caso, tais tecnologias pertencem aos EUA, e, portanto, os dispositivos que definem as obrigações do lado brasileiro a esse respeito são naturalmente mais extensos. Não é, portanto, correta a leitura de que tais obrigações representam assimetria que atenta contra o princípio da igualdade dos Estados.
Para o efetivo controle das tecnologias a serem protegidas, o Acordo dispõe sobre o acesso aos locais onde ficarão armazenados bens e equipamentos com tecnologias sensíveis, quando houver lançamentos com tais tecnologias americanas a partir de Alcântara. O uso pelos EUA de áreas restritas no Centro de Alcântara, com o consentimento do Brasil, será para a finalidade expressa e exclusiva de processar, montar, conectar e lançar ao espaço veículos e artefatos. Para cada lançamento desse tipo, as autoridades brasileiras terão pelo menos dez oportunidades de impedi-lo, se este não estiver de acordo com nossos interesses. Qualquer desvio pelos EUA desses propósitos poderá ser objeto de protesto pelo Brasil e dar margem à responsabilidade internacional daquele país. O Acordo prevê, ainda, consultas sistemáticas entre as partes para dirimir dúvidas.
Medidas como essas não significam abrir mão de soberania, mas encontrar meios de facilitar o acesso a tecnologias de ponta e de preservar o Programa Espacial Brasileiro. A viabilização de tal programa é a verdadeira expressão de nossa soberania. As críticas que apontam o Acordo como instrumento pelo qual o Brasil se rende a interesses americanos refletem leitura equivocada dos antecedentes políticos que incluem compromissos de não-proliferação de que somos partes ou do adensamento da relação Brasil-EUA, que culmina com o ajuste para lançamento de foguetes e satélites americanos, em bases comerciais, a partir de território brasileiro.
Uma das contrapartidas fundamentais de aceitar salvaguardas no âmbito do Acordo assinado com os EUA é a própria viabilidade econômica do CLA. Não se deve confundir esse com acordos de cooperação espacial, de outra natureza e voltados especificamente para o desenvolvimento de atividades em parceria. Já temos esse tipo de acordo com os EUA e outros países ativos na área espacial. O objetivo do governo brasileiro na assinatura do Acordo com os EUA é o de assegurar as melhores condições possíveis para a manutenção do Programa Espacial Brasileiro. Esse foi o fio condutor de toda a negociação, que resultou em texto cuja implementação aportará consideráveis resultados positivos a nosso país, especialmente na sua capacitação e atuação no cenário espacial.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER
Desejo de mudar
Se pesquisas de opinião, nessa altura, não podem ser lidas como tradução exata do resultado das urnas daqui a um ano e um mês, servem pelo menos como indicativo para a montagem dos roteiros de campanha e construção de discursos de cada um dos candidatos.
Nesse aspecto, chama mais atenção na pesquisa CNT/Sensus, divulgada ontem, o percentual (66,1%) de pessoas que gostariam de votar em um nome de fora do cardápio hoje apresentado, do que propriamente os índices dos nomes pesquisados.
Enquanto o cenário das preferências não exibe grande alteração - nem os bons índices de Roseana Sarney em relação a outros governistas se constituem uma novidade -, o quadro do desejo de mudança sofreu significativa ampliação. Na pesquisa anterior, eram 40% os que manifestavam a expectativa de que aparecesse uma opção nova.
Esse sentimento pode até causar alguma animação no campo governista, cuja candidatura ainda não está posta. Seria, no entanto, uma leitura excessivamente otimista da realidade. Além de apressada.
O Instituto Vox Populi tem uma pesquisa, já discutida com o ministro José Serra, mostrando em números que a questão da mudança é menos simples do que parece. São quatro os cenários exibidos aos pesquisados, sob a pergunta: ''O que você acha que seria melhor para o Brasil ao eleger o novo presidente?''
Apenas 5% optaram pela resposta ''manter as mesmas prioridades e programas do governo atual''. Somaram 19% os que responderam ''fazer algumas mudanças, mantendo a maioria das atuais prioridades''. Os que preferiram o inverso, ''fazer muitas mudanças, mantendo algumas prioridades'' foram 28%, e 44% optaram por ''mudar completamente as prioridades e programas do governo atual''.
Como se vê, é mínimo o universo dos que querem que fique tudo como está. Mas, mesmo sendo infinitamente maior o percentual dos que preferem que tudo mude de lugar, ganha, na soma, a parcela (47%) do eleitorado que faz um balanço entre mudanças e permanências, contabilizando custo e benefício, perdas e ganhos.
Ou seja, pelo retrato de hoje, não obterá sucesso de crítica e bilheteria quem se propuser a virar o país de cabeça para baixo. A oposição leva, nisso, alguma vantagem, dado que não está fazendo o discurso da terra arrasada. Já o governo terá grande dificuldade de capitalizar a ânsia da renovação.
Para caracterizar-se como ''novo'', o candidato oficial teria de cumprir duas preliminares tão trabalhosas quanto arriscadas. Precisaria dedicar-se com afinco às artes do malabarismo e se mostrar de tal forma capaz de executar um projeto diferente daquele em curso, que poderia enveredar pelo terreno do oportunismo e da traição. Correndo o risco da rejeição eleitoral por exercício do artificialismo explícito.
Ilusão de ótica
Esquisita a indignação exibida ontem pelo candidato à presidência do PMDB e ocupante temporário do cargo, senador Maguito Vilela, em discurso-denúncia sobre as práticas de seus opositores partidários na busca dos votos para a convenção do próximo dia 9.
Muito justo que o senador, aliado de Itamar Franco, use as armas que têm à mão para fazer a disputa interna. Desde que se dê conta da impossibilidade de fazer isso em prejuízo dos fatos.
Maguito queixou-se da interferência da máquina administrativa federal, via ministros do PMDB, no trabalho de sedução eleitoral e proclamou a necessidade de o partido romper com o governo em nome da independência e da decência.
Aplaudido do plenário pelo correligionário Orestes Quércia, não impôs reparos à atuação do vice-governador de Minas, Newton Cardoso, em sua campanha. Nem uma palavra, também, sobre os cargos federais - entre os quais o DNER - que seus aliados ocupam em Goiás.
Um vácuo de coerência entre intenção e gesto, muito comum nos partidários do lema faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
Editorial
Festa Descabida
É difícil entender a atitude do governo em relação ao racionamento de energia. Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, o presidente Fernando Henrique afirmou que a crise foi superada e não existe mais risco de apagões este ano. Menos eufórico, porém também otimista, o presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia, Pedro Parente, afastou por completo a possibilidade de racionamento em 2002 e descartou apagões no Centro-Oeste e no Sudeste pelo menos até o fim de setembro. ''Tenho uma visão técnica e meu horizonte de tempo para a projeção é menor do que o do presidente Fernando Henrique'', disse Parente. Apesar do tom mais cauteloso, fica claro que o Planalto começa a respirar aliviado. Mas técnicos do setor energético não escondem a perplexidade: o governo federal está comemorando o que? Será, por acaso, que merece festa a queda em parafuso da atividade industrial, sem a qual a redução da demanda por energia ficaria distante das metas oficiais?
A dúvida é justa e procedente. À exceção do esforço da sociedade para conter o consumo e da forte pisada no freio do setor industrial, muito pouco foi feito para justificar previsões ufanistas. Na área de geração, as promessas de agilizar as rotinas burocráticas não se confirmaram. Prova disso são os entraves que o Ibama vem impondo às obras da Usina de Tocantins, a 60 quilômetros de Palmas. Mesmo as minuciosas explanações sobre o nível de suprimento hidráulico não atenuam o clima de desconfiança que reina no meio empresarial. Acontece que as últimas grandes hidrelétricas foram construídas há mais de 15 anos. Seus reservatórios foram dimensionados levando em conta a demanda existente na época e projeções que não se cumpriram. De lá para cá, não se registrou avanço significativo em termos de capacidade hidrelétrica. E quase nada se investiu em fontes alternativas. Por motivos mais do que conhecidos, criou-se aversão à energia nuclear. E por motivos que só interessam à Petrobras, o país custou a apostar na alternativa do gás natural.
Agora, em meio à crise, aponta-se a energia térmica como o ovo de Colombo que vai solucionar os problemas de abastecimento. Mas se perdeu muito tempo para definir a política tarifária e as bases do fornecimento de gás natural para as usinas termelétricas. Na verdade, os parâmetros continuam nebulosos. Tanto assim que vários projetos estão sendo revistos e alguns adiados sine die. Grupos estrangeiros dispostos a investir bilhões de dólares discutem com suas matrizes se realmente vale a pena. Teme-se, por exemplo, o apetite desmedido da Petrobras, interessada em abocanhar todo o gás natural para seus projetos, mas sem cacife suficiente para produzir a energia térmica de que o país necessita. Comenta-se que a Petrobras poderia estar superdimensionando a demanda por gás natural, como estratégia para afugentar os competidores. Por sinal, a empresa estatal não acena com novos gasodutos que se somem ao Bolívia-Brasil. A incerteza quanto ao fornecimento cai como balde de água fria no ânimo de quem pretende investir em usinas termelétricas.
Se o governo Fernando Henrique conta mesmo com a energia térmica para formar estoque regulador - acima das necessidades de curto prazo -, deveria agir rapidamente na questão do gás natural. E pôr de lado, até segunda ordem, toda e qualquer comemoração. Que, sem dúvida, se mostram descabidas, fora de hora e sem pé na realidade. A não ser que o governo queira comemorar o desaquecimento industrial e o padrão de conforto espartano que o racionamento impôs às famílias.
Afronta Pública
O golpe do arquivamento foi a maneira prática utilizada pelo presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo para tirar de cena o relatório com a recomendação de processo de impeachment do governador José Ignácio Ferreira. São aliados políticos, na conjuntura, o governador (eleito pelo PSDB mas sem partido) e o deputado José Carlos Gratz (PFL), presidente da AL, que tomou a decisão estapafúrdia.
O relatório da Comissão Parlamentar da Propina, em sua conclusão, inocentou o governador do estado mas indiciou 24 pessoas apanhadas nas malhas da investigação, com destaque para a iniciativa da (ex) primeira-dama Maria Helena Ruy Ferreira e seu irmão Gentil Antônio Ruy, preso antecipadamente. O deputado José Carlos Gratz zangou-se quando a oposição, em manobra legítima, retirou 15 parlamentares do plenário para impedir que houvesse quórum para a farsa da votação.
O protesto oposicionista foi específico: Gratz tentou impingir a maioria qualificada (dois terços do plenário) para frustrar a aprovação do relatório pela maioria simples (a metade dos votos do plenário, mais um). A oposição já anunciou que recorrerá à Justiça para evitar a afronta pública num escândalo que abalou a sociedade e repercutiu negativamente em escala nacional. Como presidente da Assembléia, Gratz suspendeu a sessão e arquivou o processo.
O deputado José Carlos Gratz baseou sua decisão em favor do voto qualificado em parecer da procuradoria-geral da própria Assembléia. Restou à oposição apenas o caminho da Justiça para invalidar o arquivamento que deixará o Espírito Santo em situação desfavorável perante a opinião pública, pois o levantamento da Comissão Parlamentar da Propina impressionou negativamente a opinião pública. Todo o país ficou ciente da comprovada existência da caixinha de empreiteiros administrada pela (ex) mulher do governador e do ex-tesoureiro da campanha eleitoral (e ex-cunhado de José Ignácio) que manipulou a caixa 2 do governo.
No descalabro moral da administração, o governador deixou de informar o recebimento de R$ 835 mil de um empresário, o que lhe valeu multa de R$ 600 mil da Receita Federal. O grande aliado político de José Ignácio na batalha contra o impeachment é o deputado Gratz, que responde pela acusação de manter ligação com o jogo do bicho no Espírito Santo e, segundo a CPI do Narcotráfico, com base na Polícia Federal, de envolver-se com grupos de extermínio no estado.
Além das dimensões do escândalo apurado pelo Legislativo, foi escandaloso o arremate feito pelo deputado Gratz optando pelo arquivamento da proposta de impeachment do governador, evitando a votação do relatório da Comissão Parlamentar graças ao subterfúgio do quórum qualificado, que levou a oposição a abandonar o plenário e a recorrer à Justiça. Começa novo capítulo sem melhorar a posição do governador que ficou com as acusações na sua biografia e sem a oportunidade de defender-se. Quem tem aliados assim pode dispensar inimigos políticos.
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