Senado avança em lei que reabilita superendividados




Central de Conciliação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que reúne devedores e credores

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Se há 23 anos, antes de o Plano Real estabilizar a economia, os legisladores pudessem antever o que ocorreria com o crédito para o consumo no Brasil, eles certamente teriam incluído no Código de Defesa do Consumidor (CDC) regras para prevenir o endividamento exagerado e resolver o problema dos superendividados. Hoje, com o ingresso de 42 milhões de brasileiros no mercado de consumo na última década (quase a população total da Argentina), tornou-se urgente uma lei que atenda não só os que foram à bancarrota, mas também o enorme contingente de devedores que precisa aprender a planejar suas contas e a defender-se da sedução do crédito fácil.

Essa alteração no CDC está bem avançada no Senado. Uma comissão especial de senadores foi formada para discutir as propostas sugeridas por um grupo de juristas. Até o final deste mês, o relator do projeto de lei em questão (PLS 283/2012), Ricardo Ferraço (PMDB-ES), deve se posicionar sobre as 42 emendas apresentadas ao texto original.

— O superendividamento é um mal que vem junto com a democratização do crédito — resume a professora Claudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma das maiores autoridades no assunto. Ela atuou como relatora na comissão de juristas.


Claudia Marques fala no Senado sobre superendividamento, em audiência da qual participou Ferraço (2º à esq.)

Perdão

Inspirada na legislação francesa, de 1989, a proposta brasileira é classificada como “tímida” por juízes, especialistas e entidades de consumidores. A justificativa recorrente é que ela se ateve mais às medidas de prevenção do que ao tratamento dos superendividados. O projeto garante o “mínimo existencial” para que o insolvente possa viver, como assegura a lei francesa. Mas, ao contrário da europeia, não impõe a renegociação obrigatória se não houver acordo com os credores na audiência de conciliação. Essa questão pode ser solucionada no relatório final de Ferraço, atendendo o pleito dos juízes, encaminhado pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

Outra diferença é que a legislação francesa traz a figura do “perdão da dívida”, parcial ou total. Se no Brasil isso ainda é visto como um convite ao calote, especialmente pelos fornecedores de crédito, na França é uma alternativa para reabilitar o consumidor para o mercado. Nos Estados Unidos, em seu código de falências, de 1978, o perdão se chama fresh start (recomeço).

Na França, o perdão, analisado caso a caso pelo juiz, atende os que sofreram com os reveses da vida — desemprego, doença, morte e até divórcio — e as vítimas de abusos no crédito e sua concessão irresponsável, explica a juíza Káren Bertoncello, que responde pelo Observatório do Crédito e Superendividamento do Consumidor, uma parceria da UFRGS com a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça.

Embora os argentinos estejam estudando opções para os superendividados do país e Portugal só no ano passado tenha admitido legalmente essa necessidade, porém sem definir procedimentos, segundo Káren, muitos países europeus, como Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Finlândia e até o pequeno grão-ducado de Luxemburgo, e mesmo a África do Sul, entre os emergentes, já têm lei para os insolventes, inclusive com a renegociação obrigatória determinada pelo juiz.

Experiências

No Brasil, a experiência das conciliações feitas pelos juizados, uma das bases para a construção do projeto de lei em estudo no Senado, nasceu há sete anos no Rio Grande do Sul, resultado de um projeto de pesquisa de mestrado de duas juízas sob a orientação da professora Claudia. O trabalho inspirou a formação voluntária de núcleos de atendimento aos superendividados na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, no Procon paulista e nos tribunais de Pernambuco, Paraná e São Paulo.

Sem dados nacionais, essas experiências locais abastecem os estudos sobre o perfil do superendividado. A maioria não é formada pelo gastador compulsivo e imprevidente — ao contrário do que crê o senso comum. São os que sofreram aqueles reveses da vida.

É verdade que ele precisa aprender a se planejar e adquirir conhecimentos que o protejam, o que os especialistas chamam de educação financeira. E também precisa aprender a poupar, a identificar as armadilhas publicitárias e a analisar na ponta do lápis as ofertas de crédito fácil.

Mas o consumidor brasileiro, de acordo com a professora de psicologia social Inês Hennigen, também da UFRGS, não pode enfrentar sozinho a engrenagem publicitária que tenta moldar padrões de consumo, induzir decisões de compra e oferecer crédito indiscriminado inclusive para quem não tem condições de pagar. Para formar o consumidor consciente, ainda na visão dela, o país precisa de mudanças mais profundas, tanto na área educacional quanto na cultural.



22/08/2013

Agência Senado


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