Seqüestro do prefeito de Santo André assusta PT




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Seqüestro do prefeito de Santo André assusta PT
Celso Daniel, coordenador do programa de Lula, foi um dos que receberam ameaça de morte no ano passado

O seqüestro do prefeito de Santo André, Celso Daniel, deixou o comando do PT em estado de alerta por causa das ameaças de morte feitas a prefeitos do partido em São Paulo.

No início da madrugada de sábado, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, e outros prefeitos da região do ABC Paulista se reuniram no prédio da prefeitura de Santo André – região em que o partido nasceu – para acompanhar o desfecho do seqüestro e avaliar medidas a serem tomadas. Em férias na Bahia, o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, voltou às pressas para São Paulo.

Em entrevista no Paço Municipal de Santo André, Marta cobrou medidas de segurança do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Daniel, coordenador do programa do plano de governo de Lula à Presidência, foi seqüestrado por volta das 23h30min de sexta-feira, na Zona Oeste de São Paulo. Homens interceptaram a tiros o carro em ele que viajava como carona, a Mitsubishi Pajero blindada de seu amigo Antônio Bezerra, com quem havia jantado. O prefeito foi retirado à força de dentro da caminhonete e levado em direção à Via Anchieta.

O seqüestro alarmou os prefeitos petistas, que vêm recebendo ameaças de morte de um grupo que se autodenomina FARB (Frente de Ação Revolucionária Brasileira). Pelo menos 15 chefes do Executivo municipal petistas já foram ameaçados. Na correspondência, a FARB dizia ter nascido em 1998, na Grande São Paulo, para acabar com “políticos ligados à esquerda que estão se aproximando de partidos de centro-direita”. A suposta milícia, em uma carta confusa e cheia de erros de português, disse ter nascido com sete pessoas e que contava, em novembro do ano passado, com cerca de 50 militantes ativos, dispostos a “lutar por um Estado justo e sem desigualdades”.

A carta chegou aos perfeitos em 13 de novembro, dois dias depois da tentativa de seqüestro de Airton Luiz Montanher, prefeito de Ribeirão Corrente, 428 quilômetros ao norte de São Paulo. Na ocasião, um grupo armado invadiu a fazenda em que Montanher estava e não conseguiu capturá-lo. A polícia interveio a tempo e evitou a captura.O grupo assumiu a responsabilidade pela morte do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, assassinado no dia 10 de setembro. Na terça-feira, os prefeitos de Ribeirão Preto, Jaboticabal, Batatais e Dobrada confirmaram ter recebido carta contendo ameaças, enviadas pela FARB.

Atualmente, o ABC é a região onde tem se concentrado o maior número de seqüestros relâmpago e, até mesmo, os seqüestros rápidos, em que as vítimas, de classe média, ficam poucos dias nas mãos dos criminosos, que exigem quantias menores como resgate. Também é nessa região, em Diadema, que são estourados o maior número de cativeiros.

O prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, ficou chocado quando recebeu a informação do seqüestro. Tarso esteve com Daniel menos de 12 horas antes do seqüestro. Os dois almoçaram no restaurante do Novotel, em São Paulo, e conversaram até as 15h, quando Tarso foi para o aeroporto e retornou a Porto Alegre. Tarso, Daniel e outros dirigentes petistas tratararam do programa de governo de Lula. Em nenhum momento, segundo Tarso, o prefeito expressou qualquer preocupação com segurança. Mesmo depois das ameaças de morte, Daniel continuava andando apenas com o motorista.

Tarso lembrou a preocupação do PT com as ameaças de um grupo que prometia “justiçar” os prefeitos do partido. A direção nacional chegou a recomendar aos prefeitos cuidado com a segurança. Tarso garante que nunca recebeu ameaças.


PF investiga organização suspeita
A Polícia Federal (PF) está investigando uma organização chamada Frente de Ação Revolucionária Brasileira (FARB), que enviou cartas com ameaças de morte aos 37 prefeitos do PT em São Paulo.

No final do ano passado, o presidente nacional do PT, José Dirceu, entregou um dossiê ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, relatando as ameaças de morte feitas aos prefeitos petistas.

Dirceu pediu a entrada da PF nas investigações dos assassinatos do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, do pré-candidato a deputado estadual pelo PT do Rio Aldamir dos Santos e do atentado contra o prefeito de Embu (SP), Geraldo Cruz. Na quarta-feira, o ministro pediu uma audiência com Aloysio para falar sobre o assunto.

– É evidente que estamos lidando com o crime organizado, ou com a corrupção, ou com uma facção de extrema direita – declarou Dirceu.

O ministro prometeu encaminhar o dossiê ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Cardoso, e ao diretor-geral da Polícia Federal, delegado Agílio Monteiro Filho, para que possam ser investigadas a autenticidade das cartas e a existência da FARB.

Aloysio afirmou, no entanto, que não poderia investigar os crimes contra os petistas porque esta é uma competência das polícias estaduais. Mas prometeu conversar com os governadores do Rio, Anthony Garotinho (PSB) e de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), para que as investigações fossem agilizadas.

Até hoje, o assassinato do prefeito de Campinas não foi totalmente esclarecido, embora a Polícia Civil tenha tratado o caso como assalto.

Nos últimos meses, 10 integrantes do PT, além de vários sindicalistas ligados ao partido, foram assassinados por motivações políticas, de acordo com dados da liderança do PT na Câmara.

– Eu queria que a Polícia Federal entrasse no caso, pois os crimes têm natureza claramente política – disse Dirceu à época.


Brizola esbanja vitalidade aos 80 anos
Uma das mais importantes figuras da política brasileira, o ex-governador diz que não concorre mais a cargos públicos

Às vésperas de completar 80 anos, embora tenha anunciado não pretender mais concorrer a cargos públicos, o ex-governador Leonel Brizola está longe de “entregar a rapadura”, uma das expressões populares que costuma usar.

Cortejado por candidatos e partidos, mantém uma agenda recheada de compromissos políticos.

Sem dedicar qualquer cuidado especial à saúde, Brizola é capaz de enfrentar verdadeiras maratonas em campanhas eleitorais, enquanto assessores e jornalistas abandonam a empreitada vencidos pelo cansaço. De acordo com ele, a vitalidade é uma herança genética. Lendas familiares dão conta de que o avô materno de Brizola, Manoel de Moura Netto, atravessava a nado o Rio Uruguai cinco vezes seguidas. Prova indiscutível da energia hereditária, Paraguassu, um dos irmãos de Brizola, dificilmente é encontrado em sua casa, em Passo Fundo. Aos 86 anos, passa os dias a cuidar da lavoura de soja, muitas vezes na direção de um trator.

O meio-irmão Jesus Estery revela que Brizola tem uma capacidade incomum de recuperação. Durante os deslocamentos entre um compromisso e outro, cinco minutos de sono bastam para que o ex-governador restaure as energias. Ex-secretário de Brizola, Jesus não lembra de ter visto o irmão doente.

O líder carismático, que se revelaria em episódios como o da Campanha da Legalidade, em 1961, exercitava seus dotes em um campinho de futebol no distrito de São Bento, em Carazinho, aos 10 anos. Quando Brizola, que morava em Passo Fundo com a irmã Francisca, aparecia para visitar a família, colocava todos os meninos da vizinhança a limpar o terreno. De acordo com Jesus, o irmão sempre teve o dom de atrair as atenções para si.

Perguntado sobre um grande desgosto que restou desses quase 60 anos de vida pú blica, Brizola não tem dúvidas em apontar a falta de receptividade dos governantes aos Cieps, escolas de tempo integral idealizadas por Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer que foram implantados durante seu primeiro mandato como governador no Rio de Janeiro.

– Não entendo como as classes dirigentes não assimilaram isso. Dá vergonha. Um governante como Garotinho (o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, seu desafeto político) prefere ir lá festejar naquele penicão (piscinão de Ramos) quando podia, com a décima parte do dinheiro, colocar piscina em todos os Cieps – disse Brizola.

De acordo com Jesus, Brizola sempre pregou em família que, para quem não tem berço nem recursos financeiros, o único caminho é a escola. Baseado nessa premissa, incentivava parentes em melhor situação a ajudar outros, menos favorecidos, a pagar os estudos. Quando criou o sambódromo para abrigar grandes eventos, nos espaços ociosos da estrutura, previu a instalação de 260 salas de aula para treinamento e reciclagem do magistério estadual.

No preço que pagou para entrar na história da política brasileira, Brizola admite as freqüentes ausências junto aos três filhos, que eram preenchidas pela mulher, Neusa.

– Estou satisfeito em relação aos meus filhos, com exceção do Vicente (filho mais velho que abandonou o PDT para ingressar no PT e ocupar um cargo no governo gaúcho). João Otávio é um bom profissional, vitorioso, e a Neusinha acabou se revelando uma excelente mãe e soube criar os dois filhos.


Mercosul ganha fôlego com a crise
Avanço do processo depende do governo argentino obter alguma estabilidade econômica e política

Em meio à tensão da crise argentina, surgiu ao menos uma boa notícia: o Mercado Comum do Sul (Mercosul) começa a emergir do longo período de hibernação a que foi submetido durante o comando de Domingo Cavallo na economia do país vizinho.

O avanço desse processo, no entanto, ainda depende do sucesso do atual governo argentino na obtenção de alguma estabilidade, tanto econômica quanto política. Os últimos dias demonstraram que essa não será uma tarefa simples.

Entusiasmado com a ajuda proporcionada pelo Brasil até agora, o ministro de Relações Exteriores da Argentina, Carlos Ruckauf, já anunciou o início das discussões sobre uma moeda comum. O assunto, conforme o chanceler, seria tratado na próxima reunião ministerial, programada para ocorrer em fevereiro. O Itamaraty ainda não confirma a agenda.

– Por enquanto, isso pode ser encarado como um gesto diplomático e uma expressão de vontade – avalia Fábio Giambiagi, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que fez um estudo sobre a moeda única junto com o argentino Roberto Lavagna, ex-ministro de Raúl Alfonsín.

Giambiagi argumenta que se a Argentina conseguir sair da crise, há boas chances de avançar. De qualquer forma, lembra que o processo é longo: mais de 10 anos entre a definição de um cronograma e o início da circulação da moeda.

– Antes de abril, será difícil sentar à mesa com um horizonte mínimo de previsibilidade sobre a Argentina – projeta Giambiagi.

Esse avanço é bem-visto, assegura Oswaldo Douat, coordenador da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), grupo que reúne várias entidades interessadas no comércio internacional.

– Uma das questões que dificultavam o Mercosul era a forte discrepância no sistema cambial. Com a mudança, cria-se o clima para discutir a moeda única no futuro – afirma Douat.

Embora tema o fracasso do governo argentino, o dirigente ressalta a melhora nas relações, em comparação com alguns meses atrás.

O principal risco, segundo Douat, é a falta de legitimidade política. Como o presidente Eduardo Duhalde não foi eleito, há mais espaço para a reação popular (veja quadro).

O empresário pondera, no entanto, que há mais compreensão de que o bloco é um caminho para a solução.

– O ex-ministro Cavallo minava a opinião pública contra o Mercosul e insistia em que era o Brasil que prejudicava a Argentina – lembra o coordenador da Coalizão Empresarial Brasileira.

Para garantir o renascimento do Mercosul e consolidar a liderança do Brasil, adverte o empresário, é possível que haja necessidade de fazer novas concessões aos vizinhos. Douat sustenta que vale a pena.

A professora de Economia Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Lia Valls Pereira também destaca a mudança de percepção dos vizinhos.

– Nessa crise, o governo argentino percebeu que a ajuda norte-americana que sempre esperou não viria. O Brasil, pelo contrário, respondeu rápido – argumenta.

Houve a retomada das discussões sobre o Convênio de Crédito Recíproco (CCR), uma espécie de seguro para exportações, o envio de insulina, a “aula” sobre câmbio do presidente do Banco Central do Brasil, Armínio Fraga. Surgiu até a possibilidade de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para projetos na Argentina, diz a professora.

– Os argentinos sabem que o Brasil é um mercado estratégico para uma recuperação rápida de suas exportações – resume Lia.

Michel Alaby, presidente da Associação das Empresas Brasileiras para a Integração do Mercosul (Adebim), lembra que na origem da integração está a idéia de desenvolver terceiros mercados e não ficar competindo entre si.

– Numa viagem ao Egito, um importador pediu para comprar manteiga. Falei com uns amigos argentinos e eles fecharam o negócio – relata.

Caso se concretize, a reativação do Mercosul não poderia chegar em melhor hora. As negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sofreram um abalo com o texto da Autoridade de Promoção Comercial (TPA na sigla em inglês) aprovada na Câmara de Representantes dos Estados Unidos.

– Pela reação brasileira, o que se percebe é que haverá maiores dificuldades para negociação, mas devemos continuar tentando. Se chegarmos a um impasse insuperável, vamos parar e reavaliar – opina Douat.

Frederico Behrends, coordenador do Comitê RS-Alca da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), considera “críticos” os prazos. Até maio, o Mercosul deveria definir, em bloco, os produtos que poderão ter tarifa de importação zerada, e em que prazo. As listas serão apresentadas na reunião de Quito (Equador) em outubro.

– Com a Argentina em crise aguda, eles estão dando prioridade a outros temas – constata Behrends.


Racionamento teve maior impacto no PIB
FGV avalia que demissões foram menores do que o esperado

O impacto do racionamento de energia elétrica no desemprego ficou abaixo do projetado, mas criou um efeito colateral nas taxas de inflação.

A avaliação é de um estudo da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo também conclui que o racionamento reduziu a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 1,7 ponto percentual este ano, ante os 3,5% anteriormente previstos pela entidade em abril do ano passado.

O estudo, concluído em dezembro, atualiza o cenário traçado entre maio e abril. Pelo estudo inicial, a queda de produção geraria o fechamento ou não abertura de até 1 milhão de postos de trabalho. Os valores equivalem a um encolhimento respectivo de 1,4% a 1,8% do total da População Economicamente Ativa (PEA). O valor revisto aponta para uma retração de 1% da PEA, ou cerca de 600 mil.

– Os empresários concluíram que não valia a pena demitir tanta gente – comentou o professor Fernando Garcia, coordenador do estudo da FGV/Easp.

O estudo registra que, “se de um lado a preservação dos postos de trabalho foi positiva para a economia brasileira, de outro represen tou pressão sobre os preços”.


Medicamentos devem aumentar no próximo mês
O primeiro aumento dos remédios este ano deverá vigorar para o consumidor no início de fevereiro.

Porém, o índice de reajuste ainda não foi definido pela Câmara de Medicamentos, formada por representantes dos ministérios da Saúde, da Fazenda, da Justiça e da Casa Civil.

A próxima reunião da câmara deve ocorrer nesta semana, quando será avaliado estudo de impacto econômico, no decorrer do ano passado, elaborado por técnicos do governo federal. Se confirmada a expectativa de atacadistas e varejistas, o reajuste será de 3% a 5%. Neste ano, a indústria farmacêutica pede reajuste de 7%.

Segundo empresários do setor, esse índice compensaria a alta do dólar no ano passado e o aumento nos custos de produção e importação de substâncias. No entanto, setores do governo defendem índice menor que o reivindicado pela indústria farmacêutica.

O reajuste de preço estava previsto para ocorrer no último dia 8, mas a definição foi adiada pelos integrantes da Câmara de Medicamentos. Pela legislação que controla os preços dos remédios, depois deste aumento um novo reajuste só deverá ocorrer em janeiro do próximo ano.

Depois da escolha do índice de reajuste, os laboratórios deverão apresentar à câmara a lista com o novo preço de cada remédio vendido no mercado. Também devem repassar as tabelas aos órgãos encarregados de editar os cadernos de preços.



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Os ladrões públicos

Entre outras coisas, o monopólio da violência exercido pelo Estado abrange a faculdade de subtrair dos cidadãos parcela da sua propriedade, notadamente o dinheiro, sob a forma de imposto e congêneres. Dado que a absoluta maioria dos cidadãos não só o admite, como o julga necessário para que o Estado proveja bens e serviços coletivos, o monopólio é legítimo. Só o contestam os anarquistas irredentos (o Estado seria incompatível com a real liberdade do homem e todo governo seria uma cleptocracia). Os extremistas do liberalismo estão bem perto dos anarquistas ao pleitear a minimização do Estado, e o histórico individualismo dos americanos cultiva uma indômita animadversão à intromissão do Estado em suas vidas, sobretudo através do imposto.

Mas é universal a indignação contra a corrupção – a ratonice do dinheiro público por políticos delinqüentes, em proveito próprio e/ou interesses privados. Em grau variável, assombra a vida de todas as sociedades políticas.

Criou-se há alguns anos, em Londres, a Transparency International, dedicada a investigar e denunciar a corrupção no mundo. Graças a ela, segundo seu presidente, Peter Eigen, antigo alto funcionário do Banco Mundial, “a teia secreta que antes acobertava a corrupção está sendo desemaranhada”, como já se viu em denúncias de alguns estrepitosos casos de corrupção. O problema é enorme e multifacetado, “afetando todas as sociedades, ricas e pobres”.

A corrupção é mais revoltante em sociedades nas quais impera a pobreza sem a contrapartida de desenvolvimento

Saiu ano passado o primeiro relatório da Transparência Internacional, uma tentativa de mapear a luta global contra a corrupção. Vale como um guia para viajar através da selva de práticas da corrupção em diferentes regiões do mundo. Traz ensaios de altos funcionários do FMI, da Ocde e outras instituições, bem como de pesquisadores independentes. Os ensaístas sustentam distintas opiniões sobre os nexos entre corrupção e globalização. “Países integrados de forma mais profunda nos mercados mundiais desenvolveram instituições políticas, sociais e legais para inibir a corrupção”, diz um consultor. Admite, porém, não haver relação causal, impondo-se mais pesquisa para saber se a rapidez da abertura dum país para o mercado mundial eleva o nível da corrupção. Contravém o presidente da Transparência: “A privatização e a liberalização têm sido advogadas de forma demasiado não-crítica como meio de reduzir a corrupção. O relatório demonstra que tais iniciativas, promovidas internacionalmente, mas aplicadas localmente sem a necessária cautela, podem criar oportunidades de crescente corrupção”. Adverte: “Um dos riscos da atenção crescente sobre a corrupção reside no modo como a questão é às vezes politizada e explorada. Há um perigo muito real de usar-se a luta contra a corrupção para caças às bruxas”.

A Transparência estabeleceu, num grupo de 91 países, o ranking da corrupção, adotando o 1 como menos corrupto. A gélida Finlândia (metade da população e um terço do território do RS), com renda per capita de mais de US$ 20 mil, possui a classe política mais honrada do mundo. Depois, entre os menos corruptos, entram os desenvolvidos, mas também três subdesenvolvidos: o Chile (logo abaixo dos EUA e de Israel) e, surpreendente, Botswana, quase na mesma posição que França, Bélgica e Portugal. Botswana, no sul da África, é um pobre país de 1,5 milhão de habitantes e tem renda per capita de US$ 3,3 mil. Outra surpresa: a paupérrima Namíbia, no sudoeste da África, com 1,7 milhão de habitantes e renda per capita de US$ 3,7 mil, não tem mais corrupção do que a opulenta Itália. Que fenômeno histórico-cultural produziu em países tão pobres um padrão tão alto de moralidade da classe política?

Entre os mais corruptos, aparecem países africanos, latino-americanos e asiáticos. Num total de 91 países, a classe política brasileira ocupa humilhante 46º lugar no ranking. Mas há latino-americanos bem mais corruptos: Argentina, Bolívia, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Venezuela. Porém, ai de nós, a classe política brasileira está chafurdando cada vez mais na corrupção: “Na América Latina, o Brasil e a Nicarágua, após 1996, deram grandes saltos (jumps) no aumento da corrupção”. Bangladesh, com seus 130 milhões de miseráveis (US$ 1,4 mil per capita), sagra-se campeão mundial da corrupção.

Dirão os ladrões de dinheiros públicos, no seu infinito cinismo, que a corrupção é problema moral, não econômico. De fato, a clássica corrupção da classe política italiana não impede que o país seja riquíssimo, e a história dos EUA testemunha que sua expansão se fez acompanhar de tremenda corrupção. Mas a corrupção é mais revoltante e repulsiva em sociedades nas quais – como a nossa – impera a pobreza sem a contrapartida de desenvolvimento.

Medidas institucionais poderiam reduzir a rapinagem, mas o diabo é que isso depende da própria classe política. E a desmemória pública também dificulta o combate a este vírus moral. É que a memória viva não dura sequer o tempo duma geração e a memória morta (História) nunca consegue reunir provas cabais. E assim, a corrupção vem a ser o crime perfeito.


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ANA AMÉLIA LEMOS

A sucessão presidencial
O lançamento da candidatura do ministro da Saúde, José Serra, à sucessão de Fernando Henrique Cardoso é o fato novo na aliança partidária que dá sustentação ao governo. Esse deve ter sido o assunto durante o vôo de 13 horas que separa Brasília de Moscou e de Kiev na fria Europa do Leste. Ontem, ao deixar a bela capital da Ucrânia, Fernando Henrique Cardoso falou com os jornalistas no pátio do Museu Lavra, quando a temperatura estava em 15 graus negativos. O frio excessivo tirou a inspiração do presidente, que evitou responder a todas as perguntas relacionadas à candidatura Serra, mesmo que tenha ficado extasiado com a beleza das obras que acabara de ver pela primeira vez e que refletem o apogeu da cultura e do império eslavos.

O líder do governo na Câmara Federal, Arnaldo Madeira, não se surpreendeu com o gesto do governador do Ceará, T asso Jereissati, de comparecer ao lançamento da candidatura do nome que vinha contestando publicamente. Defensor de José Serra e representante do PSDB na comitiva oficial de FH na viagem à Rússia e à Ucrânia, o parlamentar deve ter ficado entusiasmado com o apoio explícito dado pelo líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima, à candidatura do ministro da Saúde. Nesse partido, não há consenso. O prefeito de Joinville, Luís Henrique da Silveira, que integrou a comitiva oficial nas visitas à Rússia e à Ucrânia, quer que a decisão da base por candidatura própria seja respeitada. Seu candidato nas prévias do PMDB é o senador Pedro Simon. Na disputa pela presidência da Câmara e do Senado, PMDB e PSDB fizeram acordo com vistas à sucessão de Fernando Henrique Cardoso. A derrota do candidato do PFL, Inocêncio Oliveira, e a vitória de Aécio Neves abriram um flanco que pode aumentar por dois motivos: 1) a ascensão da candidatura da governadora Roseana Sarney e 2) a decisão de José Serra em adiantar o lançamento da candidatura na tentativa de melhorar sua performance nas próximas pesquisas eleitorais.

O governador do Paraná, Jayme Lerner, do PFL, disse que a candidatura própria está consolidada. Entretanto, Lerner, como FH, prefere que a aliança governista consiga até maio definir uma chapa única que confirme a aliança já no primeiro turno. Vai ser difícil. Especialmente se o nome da governadora do Maranhão continuar se consolidando como opção do eleitorado. Até maio Fernando Henrique Cardoso tem certeza de que terá condições de acomodar todas as correntes e a aliança será preservada.


JOSÉ BARRIONUEVO

Programa de governo ainda é problema para o PMDB
A dificuldade do PMDB não será apenas a de escolher entre um dos três pré-candidatos a sucessor de Fernando Henrique Cardoso: Pedro Simon, Itamar Franco ou Raul Jungmann. A definição do documento com o programa de governo do partido, que sofre para conseguir se desatrelar do governo federal e deslanchar a própria campanha, poderá ser um imbróglio a parte e ainda maior.

A semana se encerrou com uma tentativa de discutir um alinhavo de plano de governo num encontro, em Porto Alegre, da Fundação Ulysses Guimarães. O problema é que a direção nacional da fundação trouxe um texto pronto, o que provocou a contrariedade de alguns peemedebistas gaúchos.

O presidente nacional da fundação, Moreira Franco, se esforçou para buscar o consenso, mas há quem ache o texto discutível por colocar como solução para eliminar distorções no gasto público o fim da gratuidade do Ensino Superior, a equiparação das aposentadorias do setor público ao do setor privado ou o ressarcimento das despesas do SUS com pacientes da classe média baixa para cima.

O presidente da Fundação Ulysses Guimarães no Estado, João Carlos Brum Torres, não acredita que da forma como está o documento seja aprovado.

A incógnita de Simon
A mudança na disputa interna do PMDB provocada pela entrada em cena do ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, e pelas tentativas do governador de Minas Gerais, Itamar Franco, de tumultuar o processo, poderão dificultar a situação do gaúcho Pedro Simon. Ainda há a agravante do forte apoio que Simon recebeu do PMDB de São Paulo, especialmente do ex-governador Orestes Quércia.

Mas entre os peemedebistas gaúchos há uma expectativa de que tudo ainda possa virar em favor de Simon. É o caso do deputado estadual Jair Foscarini. Ele acredita que a divisão entre Itamar e Jungmann pode gerar o fortalecimento de Simon no cenário nacional.

Entrelinhas
Embora Antônio Britto (PPS) insista que não disputará o Palácio Piratini outra vez, outdoors espalhados pela cidade demonstram o contrário. As peças publicitárias não citam o nome de Britto, mas as frases utilizadas na campanha anônima têm tudo a ver com o pensamento do ex-governador.

Quem passa pela Rua Duque de Caxias, esquina com a Bento Martins, no centro da Capital, observa a seguinte frase:
– O Rio Grande quer paz.


O texto tem sido repetido por Britto em todas as suas aparições públicas e entrevistas.

Zona perigosa
Pela lei, propagandas que induzam os eleitores ao nome de possíveis candidatos a cargos eletivos não podem ir para as ruas antes das convenções partidárias. Mesmo assim, alguns pretendentes a cargos públicos desafiam a Justiça Eleitoral.

Olívio tem ligeira vantagem
A pesquisa encomendada pelo PT ao Ibope para mensurar o potencial eleitoral de seus dois pré-candidatos ao governo do Estado – o governador Olívio Dutra e o prefeito Tarso Genro – estariam indicando ligeira vantagem para Olívio.

No levantamento para o Senado, o deputado Paulo Paim estaria liderando as intenções de voto, seguido pela senadora Emília Fernandes. Bem abaixo viria o chefe da Casa Civil, Flávio Koutzii.

As informações, de caráter extra-oficial, estavam circulando ontem nos corredores do Hotel Umbu, na Capital, durante encontro do diretório estadual.

A pesquisa do Ibope apresenta oito nomes para o Senado. Além dos três postulantes que tinham manifestado seu interesse – Koutzii, Paim e Emília –, a nominata inclui o governador, o prefeito da Capital, o vice-governador Miguel Rossetto e o secretário dos Transportes, Beto Albuquerque. A legenda reservou o Salão Vermelho para a realização do evento. Marcado para definir os rumos da estratégia petista para as eleições, o encontro previa três pontos de discussão: conjuntura, programa de governo e calendário político. Antes do início da reunião, a data de 3 de março era preferencial para a realização da prévia no Estado.

– Caso a gente não consiga contruir o consenso – disse o presidente do diretório estadual do PT, David Stival, ainda esperançoso de haver um acordo entre as duas candidaturas.

Estava escrito
Liderada pela deputada estadual Cecilia Hypolito, a corrente Fórum de Ação Socialista (FAS) declarou apoio à reeleição do governador Olívio Dutra. Apesar do apoio, a parlamentar ainda acredita que a melhor saída para o PT nesse momento seria evitar o enfrentamento interno em prévias.


ROSANE DE OLIVEIRA

Movido a paixão
São raros os políticos que chegam aos 80 anos exibindo a vitalidade de Leonel Brizola. De onde Brizola tira essa energia é um mistério para seus seguidores. A paixão pela política tem mais efeito do que um coquetel de vitaminas. No PDT, ele é o comandante, o chefe, o que sempre tem a última palavra. Os que ousam divergir acabam no vale dos excluídos, para onde em geral vão com o rótulo de traidores.

Por divergir de Brizola uma legião de homens públicos abandonou o PDT nos últimos anos. A lista, extensa, tem nomes como o do ex-governador do Rio Marcello Alencar (PSDB), o prefeito César Maia (PFL), o governador do Paraná, Jaime Lerner (PFL) e o governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira (PSDB). Os que ficaram não lhe fazem sombra.

O PDT chega à eleição de 2002 sem um nome forte para lançar como candidato à Presidência. Os militantes aproveitarão os 80 anos para fazer um apelo a Brizola para que concorra outra vez. Ele jura que não disputa mais eleição, vai se deixando cortejar por Ciro Gomes, do PPS, e até por Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e avisa que vai conversar com Itamar Franco, do PMDB. Não será surpresa se, nos próximos dias, Brizola concluir que nenhum merece seu apoio e que o caminho é a candidatura própria.

Terá mais chance de conquistar Brizola, o pretendente que assumir compromisso com as escolas de tempo integral, batizadas de Cieps, implantadas quando governou o Rio e sucateadas por seus sucessores. Educação é a melhor das obsessões de Brizola, o melhor jeito de escalar a pirâmide social.

Quarenta anos depois de ter comandado a Legalidade, Brizola ainda mantém o discurso nacionalista que seus adversários chamam de retrógrado. Condena com veemência as privatizações e só vê defeitos no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Duas vezes derrotado na tentativa de se eleger presidente da República, duas vezes governador do Rio e uma do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e deputado federal, Brizola chega aos 80 anos como um dos mais influentes políticos da história do Rio Grande do Sul. Numa das homenagens que recebeu nos 40 anos da Legalidade contou que resiste em abrir seus baús e escrever um livro de memórias porque se fizesse isso daria a impressão de estar pendurando as chuteiras. A aposentadoria não está nos seus planos.



Editorial

UM OUTRO FÓRUM É POSSÍVEL

Dentro de menos de duas semanas, Porto Alegre estará de novo no centro de atenções internacional em função da segunda edição do Fórum Social Mundial. Para Porto Alegre e o Estado, essa assembléia representa a renovação de uma exposição internacional benéfica, que os coloca numa posição privilegiadíssima. É importante, por isso, que as lições dos erros do fórum anterior sejam aprendidas, dando oportunidade a que um evento tão extraordinário nos seus propósitos seja amplamente eficaz.

Não havia sentido, por exemplo, que um fórum que se propunha a ser a expressão da nova cara da esquerda mundial se resignasse em ter sua imagem associada a figuras retrógradas como José Bové, um campônio oportunista muito mais próximo das direitas preconceituosas do Primeiro Mundo do que das necessidades da sociedade mundial, ou como o presidente do parlamento cubano, representante de um regime que a História acabou de considerar inepto, ou ainda a organizações como as Farc, esse exército vinculado ao tráfico de entorpecentes. Não havia sentido, igualmente, em deixar que a presença de governantes, líderes de organizações não-governamentais e estudiosos dos novos rumos do mundo fosse empanada e substituída pelo exotismo de alguns exibicionistas ou pela excentricidade de algumas manifestações.

Organizadores e participantes terão a responsabilidade de inibir grupos que negam o diálogo e promovem o confronto

A organização deste segundo fórum, ao que parece sensível a essas situações que emprestavam o prestígio do evento a pessoas e causas que não o mereciam, deve ter levado em conta tais inconvenientes ao selecionar os atuais convidados. Se a primeira edição do evento chegou ao mundo pelas imagens de um Bové folclórico, secundado por acólitos locais, empenhado em destruir plantações experimentais, isso significa que fracassou em sua promoção e perdeu a oportunidade de dar ênfase ao slogan de que outro mundo é possível. A construção deste outro mundo não se fará com preconceito, com violência contra opositores ou com agressão a empresas. Nomes como Noam Chomsky, Pérez Esquivel e Rigoberta Menchú merecem, neste segundo fórum, o destaque que tiveram no primeiro alguns aproveitadores baratos e oportunistas de plantão.

O fato de ser a paz o tema do 2º Fórum Social Mundial – e de ser esse também o assunto que dominará o Fórum de Davos, que se reunirá no mesmo período em Nova York – amplia a responsabilidade histórica do encontro de Porto Alegre. O mundo, que mudou em 11 de setembro, ainda tateia nos escuros labirintos desse momento planetário e busca luzes para lançar os pilares de uma nova ordem global. Porto Alegre e Nova York, mesmo com as diferentes visões políticas que animam os dois fóruns, certamente confluirão para algumas conclusões coincidentes, especialmente no que se refere às causas e conseqüências do terrorismo e da guerra, às condições que levam um país como a Argentina à falência e à necessidade de novos paradigmas de solidariedade.

O fórum de Porto Alegre terá, por isso, a chance de inscrever-se definitivamente entre as contribuições da inteligência humana para a construção da paz. Organizadores e participantes terão, por isso, a responsabilidade de impedir que a cena seja roubada por pessoas e grupos que, na prática, negam o diálogo e promovem o confronto.

De resto, financiado em parte pelo contribuinte, o fórum – mesmo que tenha sido organizado com um dos pecados do anterior, a falta de pluralismo – tem deveres para com toda a sociedade.


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01/20/2002


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