Serra dá a largada
Serra dá a largada
Em um jantar com 60 aliados tucanos, o ministro da Saúde fala abertamente sobre a sua candidatura. Ele quer mais mais cinco meses à frente do Ministério antes de lançar-se de vez na campanha
Se o governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), começou a semana com o apoio explícito da família do ex-governador de São Paulo Mário Covas, o ministro-presidenciável da Saúde, José Serra, encerrou-a empatando o jogo. Num jantar com 60 políticos do PSDB na noite de quarta-feira, Serra ganhou votos e pediu mais cinco meses aos ansiosos para que ele saia do Ministério e se declare candidato. ‘‘Quero pelo menos cinco meses para explorar ao máximo essa boa imagem’’, disse, segundo relato de cinco deputados presentes.
Foi o primeiro encontro social em que Serra não hesitou em falar de política, tema que evita em todas as conversas em público. E não era para menos. O jantar, oferecido pelo deputado Ricarte de Freitas (PSDB-MT), advogado em primeiro mandato na Câmara, serviu para apresentar o ministro à bancada tucana na Câmara e no Senado, contar sua história de vida e tirar a imagem de antipático que ele carrega junto a setores do partido.
O pedido do ministro foi feito depois do senador Antero de Barros (PSDB-MT) defender a antecipação da escolha do candidato para dezembro. ‘‘Nosso candidato está perdendo a chance de faturar a boa performance do governo na condução da crise de energia e de outras’’, reclamou Antero, recebendo uma longa resposta de Serra, que culminou no pedido de mais tempo como ministro. Serra apontou ‘‘dois inconvenientes’’ para o PSDB escolher logo o candidato. Primeiro, o escolhido será visto como o nome da coligação governista, ‘‘exposto a chuvas e trovoadas’’ antes da campanha.‘‘Seja eu, seja Tasso, ou quem for, não há necessidade de ser agora’’.
O segundo ponto foi a permanência no Ministério. ‘‘Ficará incompatível ser ministro como candidato, escolhido pelo partido. As pessoas reconhecem que minha gestão é positiva. Dizem que o melhor seria continuar ministro. 60% acreditam até que sou simpático. A minha mãe, eu sei, me acha simpático’’, comentou, provocando risos na platéia, que, percebeu ontem um Serra simpático, atencioso e paciente. ‘‘Em meia hora, ele mudou de mesa cinco vezes’’, reparou o deputado Sampaio Dória (PSDB-SP).
Diferente de Tasso
Serra tratou ainda de preservar o apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso e se diferenciar de Tasso, que fizera um discurso nacionalista na segunda-feira em São Paulo. ‘‘O candidato do PSDB não poderá ser meio-governo. Quem for, terá que defender o governo como um todo’’, disse, exaltando a posição de Fernando Henrique nas ‘‘cinco crises’’ — Argentina, atentados nos Estados Unidos, energia, troca de comando no Senado, e a ‘‘falsa CPI da Corrupção’’.
Diante da explanação do ministro-candidato, Antero não polemizou e deu uma boa notícia aos serristas. ‘‘O governador (do Mato Grosso) Dante (de Oliveira), se tivesse conversado com o presidente, certamente ficaria livre para estar aqui hoje conosco’’, Muitos do PSDB saíram certos de que Dante dirá a Fernando Henrique que está fora da disputa e apoiará Serra. Ontem, no entanto, Antero disse ao Correio que, ‘‘só há uma hipótese do PSDB do Mato Grosso não apoiar Serra: se Dante for candidato’’.
Representantes de 20 estados foram ao salão de festas de um edifício da 204 Sul levar-lhe apoio. O Ceará de Tasso ficou distante, assim como o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), empenhado na busca de um consenso dentro do PSDB. Quem foi, ouviu o senador Pedro Piva (PSDB-SP) contar a história da vida do ministro, da infância humilde na Moca, bairro italiano de São Paulo, de onde vieram os cozinheiros que prepararam o jantar — perdizes, javalis, arroz com funghi seco, cebolas assadas.
O ministro ficou no jantar das 22h até à 1h30 da madrugada. Dormiu pouco. De manhã, voava feliz para Rondônia com Jutahy, para mais uma solenidade do Ministério da Saúde. Se Tasso tem a família Covas, Serra acredita ter conquistado outro pedacinho do PSDB.
Governo ataca Lula
O governo parece ter entrado definitivamente na campanha sucessória e identificado o PT como o inimigo a ser derrotado. Depois do presidente Fernando Henrique Cardoso, ontem foi o ministro da Fazenda, Pedro Malan, que promoveu o bate-boca com o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. Pela manhã, Malan criticou Lula numa entrevista coletiva no Ministério do Desenvolvimento. À tarde, em viagem ao Rio, Lula bateu em Fernando Henrique e em Malan.
Malan se referiu ao apoio manifestado por Lula aos subsídios agrícolas concedidos pela União Européia e ao projeto petista de dar prioridade ao atendimento do mercado interno antes de exportar. ‘‘A competitividade dos produtos brasileiros defronta-se com barreiras em outros mercados, mas a postura do governo é de crítica e não de apoio a essas barreiras, como manifestou recentemente uma importante figura política’’, disse Malan. ‘‘Não existe incompatibilidade entre atender o mercado interno e o mercado externo, e eu pensei que esse era um pensamento que fazia parte do passado, mas que, surpreendentemente, vi ser ressuscitado’’, afirmou.
À tarde, Lula respondeu. Para o petista, o presidente e o ministro não têm planejamento para o país, a não ser manter a estabilidade da economia. ‘‘A única coisa que Malan planejou na vida foi ser subserviente ao FMI (Fundo Monetário Internacional)’’, disse Lula.
Para ele, Fernando Henrique inaugurou um estilo ‘‘insólito’’ de fazer política, pois, ao não ter projetos para oferecer ao país, estaria se limitando a se opor às idéias de seus adversários. ‘‘FHC está numa situação engraçada de ser oposição à oposição’’, disse Lula.
Conselho de Ética absolve Luiz Otávio
A sessão de ontem do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal vai ficar na história. Não porque arquivou o processo contra o senador Luiz Otávio (PPB-PA) por 11 votos a quatro, mas porque, pela primeira vez desde a criação do Conselho, seu presidente agiu como advogado de defesa do acusado. A atitude do senador Juvêncio da Fonseca (PMDB-MS) deixou os senadores de oposição perplexos. ‘‘Ele fez uma defesa veemente de Luiz Otávio. Foi inusitado’’, disse o senador Jefferson Peres (PDT-AM).
Juvêncio da Fonseca foi o terceiro senador a falar. Para fazer as suas ‘‘ponderações’’ não se afastou da presidência do conselho, como é praxe no Congresso. Começou com críticas à atuação do Conselho de Ética nos casos dos ex-senadores Luiz Estevão (PMDB-DF) e Jader Barbalho (PMDB-PA). Como Luiz Otávio, os dois também foram acusados de irregularidades praticadas antes de se tornarem parlamentares. Por causa das investigações realizadas no conselho, Luiz Estevão foi cassado e Jader renunciou para não perder os direitos políticos.
Para Juvêncio Fonseca, os casos anteriores a Luiz Otávio foram tratados de forma ilegal e inconstitucional. O senador, que assumiu a presidência do conselho no dia 13 de setembro, numa manobra do PMDB para retardar o julgamento de Jader Barbalho, não poupou críticas ao período anterior à sua posse. ‘‘Estamos usando critérios de momento e critérios políticos que atendem a interesses fora do Senado’’, disse.
As afirmações de Fonseca irritaram o senador Saturnino Braga (PSB-RJ), relator do processo que levou Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda à renúncia. ‘‘Estou perplexo. Se o senhor acha que o processo contra Luiz Otávio não seguiu os trâmites legais deveria arquivá-lo’’, disse.
Não sobra ninguém
Juvêncio da Fonseca ainda criticou a forma como os processos vêm sendo analisados dentro do conselho. Para o senador, a tramitação não permite o amplo direito de defesa do acusado e também fere o regimento do conselho. ‘‘Já se mandou para casa quatro senadores com esses processos invertidos. Vamos continuar assim? Não vai sobrar ninguém dentro do Senado Federal’’, disse.
Depois de tentar desqualificar o relatório de Heloísa Helena, Fonseca terminou sua exposição adiantando que, se houvesse empate na votação do relatório, ele votaria pelo arquivamento do processo contra Luiz Otávio.
O senador paraense foi indiciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro em 1992 e é apontado como responsável pelo desvio de US$ 13 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A reação dos senadores que atuaram nos processos anteriores à gestão de Juvêncio foi imediata. ‘‘Eu jamais poderia apoiar qualquer parecer que ferisse a Constituição’’, disse o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP). ‘‘Tenho a consciência que não fiz nada ilegal’’, respondeu Saturnino Braga. Jefferson Peres (PDT-AM), que foi relator do caso Luiz Estevão, sugeriu que os senadores investigados pelo Conselho de Ética procurassem anular o processo no Supremo Tribunal Federal. ‘‘Para que fique claro quem está com a razão’’, disse.
Privilégio por conta da viúva
Decisão do governo beneficia compra de insulina do laboratório de deputado mineiro. Medida aumentará em R$ 12 milhões os gastos do Sistema Único de Saúde com o medicamento
Não bastassem as denúncias de extorsão, o Ministério da Saúde tem um novo e grande abacaxi para descascar. Está sendo chamado a explicar por que o governo decidiu aplicar uma sobretaxa à insulina importada, mais barata do que a nacional. Nesse caso, só não há grampos ilegais e documentos comprometedores. Abundam informações sobre lobby, jogo de interesses e dinheiro do Tesouro.
A história envolve dois laboratórios, um nacional e outro estrangeiro. O nacional é a Biobrás, pertencente ao ex-vice-governador de Minas e atual deputado federal Walfrido Mares Guia. O deputado é o principal interlocutor do PTB, seu partido, na costura da aliança com o PPS, do ex-ministro Ciro Gomes, visando a eleição presidencial do ano que vem. O outro laboratório é o Novo Nordisk, multinacional com sede na Dinamarca.
Sobre insulina humana, a diferença de preço entre um e outro não é grande. Pelo contrário, é coisa de centavos. Nas farmácias, pode-se encontrar o Biolin N, produzido pela Biobrás, a R$ 24,34. E o Novolin N, da Novo Nordisk, por R$ 25,23. Um pelo outro, os consumidores fazem a escolha pelo que julgam melhor.
Só que o maior consumidor de insulina do Brasil é o Sistema Único de Saúde (SUS).
Quando vai às compras, o SUS costuma adquirir algo como 900 mil frascos. É aí que o tamanho das multinacionais faz a diferença. Os laboratórios de fora têm caixa suficiente para baixar o preço e vender mais barato ao governo. No ano passado, o Novo Nordisk abocanhou dois terços do dinheiro pago pelo SUS na compra de insulina.
Sobretaxa
As regras desse jogo mudaram em fevereiro. Atendendo a um pedido do laboratório do deputado Mares Guia, a Câmara de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento sobretaxou a insulina importada em 76,1%. A acusação, não comprovada, era de que a Novo Nordisk vendia seu produto por preço inferior ao custo de produção. Faria isso para quebrar os concorrentes e depois dominar o mercado sozinha. Essa prática é um crime reconhecido internacionalmente. Chama-se dumping.
O problema é que, ao proteger a única indústria brasileira que fabrica insulina, o governo fez uma opção estranha. O preço do frasco importado vai pular para mais de R$ 40. Ou seja, a conta foi mandada impiedosamente para os cerca de 400 mil diabéticos de classe média que compram a substância nas farmácias e para o Tesouro Nacional, que perdeu os antigos descontos das multinacionais. O Tesouro terá que pagar R$ 12 milhões anuais a mais para comprar a insulina nacional e distribuí-la entre os diabéticos pobres.
‘‘É um escândalo’’, resume Fablo Fraige Filho, representante brasileiro na Federação Internacional de Diabetes, ligada à Organização Mundial de Saúde. ‘‘Não existe justificativa para o governo ter feito uma coisa dessas’’, esbraveja.
Sem explicação
Sensível ao tema, o deputado Ivan Paixão (PPS), ex-secretário de Saúde de Sergipe, fez um requerimento propondo a realização de uma audiência pública na Comissão de Seguridade da Câmara. Convidava o ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, e o ministro da Saúde, José Serra, para explicarem porque o governo adotou a medida.
‘‘Na própria comissão, os deputados da base do governo impediram que os ministros viessem se explicar’’, conta Paixão. A presidente da Comissão de Seguridade, Laura Carneiro (PFL-RJ), chegou a telefonar para José Serra. Falou: ‘‘Por pouco você não caiu numa arapuca aqui na Câmara’’. A frase é ambígua. Mas revela que Serra e Amaral estariam em maus lençóis se tivessem mesmo que explicar o que há por trás da sobretaxa à insulina importada.
Derrotado pelos deputados aliados do governo na Comissão de Seguridade, Ivan Paixão capitulou. Concordou em transformar seu requerimento num simples pedido de informação à Câmara de Comércio Exterior. Até às 19h da última quinta-feira, nem o pedido de informação havia sido mandado para o governo.
Responsável pela assinatura da portaria que criou a sobretaxa, o ex-ministro do Desenvolvimento Alcides Tápias caiu em desgraça. Diabético, teve seu pedido de inscrição na Associação Brasileira de Diabéticos negada. O próprio Fablo Fraige diz ter se recusado a atendê-lo em seu consultório. A atuação do ministro da Saúde e pretendente a presidenciável José Serra ao longo da história é desconhecida. ‘‘O Serra até hoje não falou nada. Não se sabe o que pensa do assunto’’, afirma Fraige. O ministro foi procurado mas até o fechamento desta edição não respondeu ao Correio.
Tasso Jereissati enfrenta CPI do BEC
A Assembléia Legislativa do Ceará instalará, na segunda-feira, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar denúncias de irregularidades no Banco do Estado do Ceará (BEC) durante a segunda gestão do governador Tasso Jereissati (PSDB), entre 1995 e 1998. A CPI terá 120 dias para ser concluída. De acordo com o requerimento de abertura da CPI, os prejuízos com o ‘‘desmonte’’ e com negócios irregulares do BEC podem chegar a R$ 1,2 bilhão. A comissão terá nove membros. Os partidos de apoio a Jereissati contam com quatro, sendo três do PSDB e um do PTB. Os da oposição também têm quatro: dois do PSB, um do PT e outro do PMDB. O deputado João Alfredo (PPS), aliado tradicional de Jereissati, será o fiel da balança, já que existe a possibilidade de o PPS romper com o PSDB no Estado. Jereissati informou, por meio de sua assessoria, que não se pronunciaria sobre a instalação da CPI. (Agência Estado)
Ação contra novo senador
Envolvido no desvio de recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará), Fernando de Castro Ribeiro (PMDB-BA), de 45 anos, substituto de Jader Barbalho no Senado, poderá enfrentar nova ação criminal, embora tenha escapado da ação civil pública do Ministério Público Estadual para ressarcimento do dinheiro que teria ido parar em sua conta. Os promotores Hamilton Salame, Agar Jurema e João Gualberto Santos Silva, que cuidam do caso, têm até dezembro para entrarem com a ação para que o crime não prescreva. Fernando Ribeiro não comenta o assunto tentando evitar um possível processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética do Senado. A maior preocupação do novo senador é tentar desvincular a imagem conquistada no Pará de ‘‘pau mandado’’ de Jader, de quem foi secretário particular.
PFL quer moeda única
Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a adoção de uma postura mais agressiva do governo brasileiro nas negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) são algumas das propostas que o PFL deverá apresentar no programa de governo que será defendido na campanha eleitoral de 2002. A discussão do programa foi iniciada ontem pelo Diretório Nacional do PFL. O esboço do documento, apresentado à cúpula do partido pelo economista Paulo Rabello de Castro, do Instituto Atlântico, faz um diagnóstico da economia do País, concluindo que é necessário crescer 5% ao ano, em média, durante o próximo governo.
Artigos
Verde e amarelo é chique
Arlete Salvador
A onda começou na segunda-feira, em São Paulo, com o governador do Ceará, Tasso Jereissati, e só fez crescer durante a semana. Passou pelos anúncios da GM anunciando a venda de veículos zero km com juros zero — o jeito GM de dizer ‘‘acredito no Brasil’’ — e terminou com o presidente Fernando Henrique Cardoso, a caminho de Madri, defendendo uma ‘‘globalização mais solidária’’. De lambuja, chega em novembro a campanha Natal Verde e Amarelo, do Ministério do Desenvolvimento, de estímulo à compra de produtos nacionais.
Riscado do dicionário politicamente correto, jogado às traças dos armários de quinquilharias, coberto de vergonha e lágrimas, o nacionalismo está de volta. Ser verde e amarelo, agora, é chique. Modernézimo. Não à toa, FHC já considerou a possibilidade de a Seleção Brasileira de Futebol ficar fora da Copa do Mundo pior do que qualquer crise econômica. Parecia uma daquelas piadas às quais FHC não resiste, mas foi visionária.
O fator nacionalista, entendido como sinônimo de valorização da vida e das coisas brasileiras, será tema central da campanha presidencial do ano que vem. Neste primeiro momento, em que a definição de candidaturas começa a andar, todos os partidos — e o governo, que não pode ficar atrás — adotaram o discurso nacionalista. Empresários brasileiros, antes tratados como incompetentes e jurássicos apesar de terem financiado e bancado a eleição e reeleição do atual governo, viraram heróis.
À primeira vista, trata-se de conseqüência dos atentados terroristas contra os Estados Unidos, dia 11 de setembro. Começou por lá a onda nacionalista, com gente vestindo camisetas com a bandeira nacional e cantando God Bless America em festinha de aniversário. Como o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, descobriu-se que ser nacionalista não é coisa de brasileiro atrasado. É coisa de país desenvolvido.
Não é bem assim. Esse sentimento estava latente na sociedade. Era complicado expressá-lo em voz alta porque estava identificado com as propostas de esquerda, em especial as do PT. Quando até os candidatos mais à direita e o governo o endossaram, foi um alívio. Agora, todo mundo é nacionalista.
Editorial
O risco do Ramadã
A esperança de que os ataques ao Afeganistão pudessem chegar ao fim até meados de novembro ameaça não se concretizar. Isso porque o secretário de Defesa norte-americano, Donald Rumsfeld, disse que o respeito pelo mês sagrado dos muçulmanos não levará à interrupção ou redução dos bombardeios. E o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Richard Myers, foi mais preciso. Afirmou que a ação da aliança antiterror poderia prosseguir, sem intervalos, até setembro de 2002.
Segundo ele, as tropas americanas estão preparadas para campanha muito longa. Nem o inverno afegão (dos mais rigorosos do mundo) nem as tradições religiosas islâmicas são capazes de interromper a guerra contra o regime talibã e o grupo Al Qaeda, liderado por Osama bin Laden.
As declarações preocupam. De um lado, os bombardeios já destruíram os alvos militares do Afeganistão e começam a atingir, com indesejável freqüência, a miserável população civil. Daí os apelos da ONU para que cheguem ao fim. De outro, dia 17 de novembro começa o Ramadã. Durante um mês, o maometano jejua do nascer ao pôr do sol.
O cumprimento rigoroso dessa obrigação constitui um dos cinco pilares da vida religiosa dos seguidores do Corão. Observar o Ramadã é tão importante quanto as outras quatro práticas. Todo muçulmano tem de rezar cinco vezes por dia, pagar tributo anual de 2,5% do lucro pessoal (é forma de purificação e ajuda aos pobres), peregrinar a Meca pelo menos uma vez na vida se tiver condições físicas e econômicas e participar, se
convocado, da guerra santa.
Manter os bombardeios durante o mês sagrado pode acarretar conseqüências preocupantes. Uma é comprometer a frágil coalizão antiterror. Governos de países de maioria islâmica terão dificuldade de justificar o apoio aos Estados Unidos na cruzada mundial contra o terrorismo.
O povo poderá interpretar a continuação da guerra como afronta ao islamismo. Não são poucos os muçulmanos levados a acreditar ser a luta contra o terrorismo apenas uma fachada. Esconderia o objetivo maior — o confronto com o Islã.
Indonésios, paquistaneses, nigerianos, iranianos já saíram às ruas em protesto contra os bombardeios anglo-americanos sobre os talibãs. O quadro poderá agravar-se se houver exploração política — e é quase certo que haverá — do episódio. Privar o fiel de cumprir a obrigação assumida perante Deus poderá parecer afronta ao islã.
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10/26/2001
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