Serra deixará plano de governo fora de discurso
Serra deixará plano de governo fora de discurso
Ministro prefere adotar comportamento cauteloso durante lançamento de sua candidatura amanhã
BRASÍLIA - O ministro da Saúde, José Serra (PSDB), vai anunciar ao meio-dia de amanhã sua candidatura à Presidência. Diante de uma platéia composta quase exclusivamente por representantes da executiva nacional, ele falará de sua trajetória política e de sua visão do País e da economia mundial. "Não vou avançar sobre idéias de governo", adiantou Serra a um importante dirigente tucano, ontem, ao salientar que seria impróprio tratar de programa de governo em um simples lançamento.
Duas grandes ausências já são esperadas: a do presidente Fernando Henrique Cardoso, que está em viagem ao Leste Europeu, e muito provavelmente a do governador do Ceará, Tasso Jereissati. A falta do presidente é considerada oportuna, tanto por ele como pelos tucanos. Sem sua presença, evita-se o ciúme do PFL, empenhado em eleger a governadora do Maranhão, Roseana Sarney.
Nem tira o brilho da festa, que é de Serra. Tasso, por outro lado, fará falta.
Os tucanos, principalmente Fernando Henrique, se empenharam em reaproximar o governador de Serra, para que a executiva nacional prestigiasse em peso o seu candidato. O presidente do PSDB, José Aníbel, telefonou ontem para Tasso e fez um último apelo para que ele estivesse em Brasília amanhã. O governador pediu um prazo de 24 horas para dar uma resposta definitiva.
Insistentemente cobrado por toda cúpula para tomar a iniciativa da reaproximação, Serra se manteve irredutível. A mais de um interlocutor, argumentou que não se sentia à vontade para fazer um telefonema que soaria como pressão pelo comparecimento de Tasso, quando cada um tem seu estilo e seu tempo. "Seria até uma falta de respeito", ponderou o ministro.
Aos mais preocupados, Serra insistiu em que a reaproximação está sendo muito bem costurada por interlocutores de ambos os lados. E enumerou as razões de sua tranqüilidade: "Nunca houve um desentendimento pessoal entre nós, sempre estivemos juntos quando ele presidiu o partido. O Tasso é uma pessoa cujos governos eu sempre admirei e, especialmente, não é homem de duas caras:
tenho a certeza de que ele estará conosco, porque é isso que ele tem dito."
Tasso, por sua vez, também não tem se mostrado disposto a ceder. Tanto que não se comoveu com os telefonemas de pelo menos três governadores tucanos - Almir Gabriel (PA), Dante de Oliveira (MT) e Marconi Perillo (GO), que ponderaram a conveniência de sua presença. "Estou com uma série de programações; tenho que cuidar do meu Ceará", repetiu, a cada um que insistiu na importância de uma demonstração de unidade do partido no lançamento de Serra.
Sem críticas - Mesmo sem Fernando Henrique na platéia, o que poderia deixar o candidato mais à vontade para fazer reparos à equipe econômica, a decisão de Serra é de evitar grandes polêmicas e confrontos com o ministro da Fazenda, Pedro Malan. "Nem teria cabimento ele se lançar fazendo críticas a quem quer que seja, porque seria abrir um confronto com o governo do qual é candidato", diz o interlocutor. O candidato reconhecerá a importância da estabilidade monetária como base para os avanços do próximo governo tucano.
O vice-presidente do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), salienta que o lançamento servirá para que Serra apresente suas idéias. "Os confrontos são inevitáveis, mas virão no debate dessas idéias, não na apresentação delas."
O próprio Serra deverá salientar que só está apresentando suas opiniões.
Opinião, dirá, é algo individual, mas o programa é coletivo e poderá atender, também, a outros partidos que vierem a se coligar com os tucanos na corrida presidencial. O programa será feito depois.
Desde a reunião de Serra com a cúpula da legenda, há uma semana, ficou acertado que a fala de apresentação do candidato seria restrita. "Concluímos que o melhor era que ele apresentasse apenas idéias gerais, dando a linha política central da campanha", diz um dos políticos presentes no encontro.
Ajuda - Com a preocupação de promover o governo federal, a Secretaria de Comunicação da Presidência programou para o fim do mês uma série de peças publicitárias sobre as ações do governo Fernando Henrique, principalmente em relação aos programas sociais. Deverá ser mais uma forma de ajudar o ministro da Saúde. O Planalto está convencido de que projetos como Bolsa-Renda e Bolsa-Escola podem empurrar, para cima, os índice de popularidade do presidente e de seu candidato.
O governo pretende abandonar a estratégia usada no ano passado, que se concentrou nas propagandas regionais, para apostar na rede nacional de televisão. Uma das grandes preocupações da Secretaria de Comunicação será com os 13 ministros que vão disputar as eleições deste ano. Será organizado, juntamente com assessores dessas pastas, um cronograma para divulgar as ações de cada setor.
Roseana diz que daria mais ênfase à área social
Pefelista elogia política econômica do governo, mas explica que mudaria alguns pontos
A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL) afirmou ontem que, “com certeza”, se fosse eleita presidente, daria mais prioridade à área social que o governo Fernando Henrique Cardoso. Escolhendo cuidadosamente as palavras e repetindo que ainda não é candidata, Roseana elogiou, em parte, a política econômica, mas procurou mostrar que poderia mudar alguns pontos. À noite, foi a estrela dos anúncios do PFL no rádio e na TV, com discurso de candidata.
“Acho que a estabilidade econômica é uma conquista, temos de lutar por ela”, afirmou no Rio, onte teve encontro com o prefeito Cesar Maia (PFL). “Agora, cada governo é um governo, tem suas metas, tem seu estilo.” Cautelosa, Roseana evitou falar do lançamento da candidatura de José Serra (PSDB) e defendeu a unidade da base governista, embora vagamente.
“As convenções serão só em junho. E aí tem tempo, os partidos conversarão.” A pefelista disse que acha importante uma aliança da base. “Num regime presidencialista, não se pode governar com um partido só. O presidente precisa ter maioria no Congresso”, declarou.
A governadora não deu detalhes de sua agenda no Rio, nem da conversa com Maia. “Falamos sobre pesquisas”, limitou-se a dizer. Hoje, amanhã e sexta-feira, Roseana estará em São Paulo, fazendo exames médicos e gravando parte do programa que o PFL exibirá no dia 31, com 20 minutos de duração.
Argentina – Nas propagandas que foram ao ar ontem e devem ser repetidas amanhã Roseana aproveitou para comentar a crise argentina e destacar a importância de eleger aqui um presidente que represente todos os brasileiros, e não apenas um determinado Estado ou facção política. Pela primeira vez, ela, que se empenha em promover uma campanha sem ataques, faz referência indireta a dois adversários: Serra, cuja base eleitoral é em São Paulo, e o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
“Um presidente não pode ser presidente da República do Maranhão, da República de São Paulo, da República da CUT e da República do MST. Tem de ser presidente da República do Brasil”, afirma num dos anúncios. Em outro, diz que os eleitores não devem votar em políticos cujas promessas sejam “impossíveis”, lembrando o colapso financeiro argentino. “O exemplo da Argentina está aí e quem quiser que aprenda a lição. Um país dividido, desintegrado pelas promessas impossíveis e por políticos duvidosos.”
“Mais cedo ou mais tarde a infelicidade acaba batendo na porta de seu povo.” No anúncio, as imagens de Roseana são intercaladas com cenas da revolta do povo argentino. Em seguida, diz: “E não venha me dizer que falar em união e reconciliação é coisa de mulher. Não, não é. O pov o sabe das coisas.”
Governo tentará evitar desgaste com PFL
Virgílio diz que haverá apoio a Serra sem 'atropelar' Roseana, visando a aliança futura
PARIS - A estratégia do governo é ajudar a candidatura do ministro José Serra (PSDB), sem atropelar a de Roseana Sarney (PFL). O candidato tucano terá de crescer preferencialmente em detrimento de outras candidaturas - de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PPS), Anthony Garotinho (PSB) e Itamar Franco (PMDB). Essa é a opinião do secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio, manifestada ao Estado, em Paris.
Virgílio está na capital da França para uma conferência, a ser realizada amanhã, no Instituto de Ciências Políticas, quando vai proferir palestra sobre o estado atual do Brasil em ano de eleição presidencial. "Se apresentarmos como meta atropelar Roseana, poderíamos prejudicar uma aliança natural no segundo turno", afirmou. Ele considera fundamental um esforço do governo e dos tucanos para manter intactas as alianças, respeitando seus candidatos.
Apesar disso, o ministro não estará presente no lançamento da candidatura Serra, na quinta-feira, assim como governadores de Estado e outros dirigentes. Para Virgílio, o apoio do governador do Ceará, Tasso Jereissati, à campanha está confirmado e será fundamental para ajudar o ministro da Saúde a fincar uma base nordestina junto à sua candidatura. Indagado sobre quais seriam os nomes do Nordeste que corresponderiam a essa intenção, ele lembrou dos nomes dos governadores Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Albano Franco (PSDB-SE), entre outros.
Desafios - Sobre as primeiras dificuldades que precisam ser superadas para permitir que Serra decole nas pesquisas, Virgílio disse que, antes de mais nada , "é preciso evitar que se crie um muro entre o ministro e o candidato". Afinal, para ele, trata-se do ministro que fez baixar o preço de remédios e um governo que fez baixar o preço da gasolina. A idéia é transferir essas imagens para o candidato.
A ausência do secretário-geral nesse momento já estava programada antes que o partido decidisse a data do lançamento de Serra. Virgílio ressalta que não hesitará em ajudá-lo, mas lembrou que o seu dever imediato é ajudar a garantir a governabilidade, articulando as forças que apóiam o governo.
Para ele, a melhor forma de o presidente Fernando Henrique Cardoso ajudar o candidato tucano é manter a credibilidade internacional do governo, num momento difícil, até para o continente: "Voluntarismo na Venezuela, a falta de reformas na Colômbia e a ausência de ajustes fiscais na Argentina."
Virgílio não poupou críticas aos termos da entrevista concedida pelo deputado Aloísio Mercadante (PT-SP) ao Estado, cujas propostas, a seu ver, "têm cheiro de instabilidade".
Tasso decide disputar vaga no Senado
E monta no Ceará um palanque pouco simpático ao candidato tucano à Presidência
FORTALEZA - O governador do Ceará, Tasso Jereissati, anunciou ontem que vai disputar uma vaga no Senado, diante da opção quase unânime dos tucanos pela candidatura presidencial do ministro da Saúde, José Serra. "O PSDB já tem um candidato a presidente e eu respeito a posição de meu partido, seja ela qual for", disse ele.
Apesar da promessa de fidelidade partidária, Tasso criticou a forma como a cúpula do PSDB chegou ao nome de Serra. "Acho que as coisas foram mal colocadas, mal construídas e infelizmente a soma que poderia ser feita pode ser que não aconteça", lamentou.
Chefe do PSDB cearense e único tucano a rivalizar com Serra no plano nacional, o governador tratou de montar no Estado um palanque no qual o ministro encontrará poucos amigos. O candidato do partido ao governo do Ceará deverá ser o senador Lúcio Alcântara, com quem Serra mantém uma relação de pouca simpatia.
Espaço - A outra vaga na chapa para a disputa do Senado deverá ser oferecida ao PMDB, numa aliança que vem sendo costurada por Tasso com o deputado federal Eunício Oliveira. Com isso, ficou restrito o espaço para o principal aliado de Serra no Estado, o ministro do Planejamento, Martus Tavares, que chegou a anunciar a pré-candidatura a governador, mas deverá se contentar com a chance de disputar uma vaga na Câmara.
Recém-filiado ao PSDB sob o estímulo do ministro da Saúde, Martus já anunciou que vai se desligar do governo em 6 de abril, prazo final para os ocupantes de cargos no Executivo que pretendem se candidatar. Os tucanos cearenses afirmam que o ministro esteve muito tempo afastado do Ceará.
"Martus vai fazer sua própria avaliação a respeito das forças que tem", disse Alcântara.
A acomodação dos tucanos cearenses foi resolvida com um movimento conjunto do senador Luiz Pontes, que ainda tem quase cinco anos de mandato pela frente, e o secretário de Indústria e Comércio, Raimundo Viana. Durante uma reunião do PSDB local em Fortaleza, os dois anunciaram que desistiam de concorrer à sucessão de Tasso e anunciaram o apoio a Lúcio Alcântara.
Ao final do encontro, já virtual candidato a governador, Alcântara saiu em defesa de Tasso, afirmando que ele só voltaria a cogitar disputar o Palácio do Planalto se fosse "convocado" pelo PSDB nacional, mas com algumas condições: "Sem briga, sem dissidência, sem discordância nenhuma."
Alckmin confirma que vai concorrer no cargo
PSDB paulista inicia hoje série de reuniões para fortalecer discurso de defesa do governo
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), aceitou ontem a proposta da executiva estadual e - mesmo evitando assumir publicamente sua candidatura à reeleição - concordou em permanecer no cargo após ter seu nome homologado em convenção, o que só deve ocorrer em 30 de junho. "Já havia falado com ele ontem (segunda-feira) e hoje detalhei (ontem). Ele concordou e acha que foi uma medida correta do partido", disse o deputado estadual Edson Aparecido, presidente regional do PSDB.
A moção para que Alckmin dispute a reeleição sem se afastar do cargo deve ser entregue até o fim da semana. Ficou também acertado que o PSDB estadual inicia a partir de hoje uma série de reuniões para instruir e unificar um discurso mais ofensivo na defesa do governo paulista. O primeiro ponto a ser enfocado é a construção do Rodoanel, que teve o contrato aditado e vem sendo alvo de críticas da oposição. O segundo tema vai ser o da segurança.
"Vamos reunir toda a base do partido na região metropolitana, prefeitos, vereadores e diretórios com o secretário Michael Zeitlin (Transportes) para instrumentalizar o partido nessa direção. E, depois que o secretário Saulo assumir, vamos fazer o mesmo", disse Aparecido, referindo-se ao novo titular da Segurança Pública, Saulo de Castro, que toma posse no dia 22. "Temos de informar o partido e a aliança do que foi o avanço do governo do PSDB nos últimos sete anos."
Adversários - Além de adiar ao máximo o anúncio da candidatura e de manter o governador no cargo durante a disputa, a estratégia do PSDB paulista é fazer uma campanha curta e intensa, com eventos de massa amparados pelos programas do horário eleitoral gratuito de rádio e TV, que começam no dia 20 de agosto.
Aparecido admite que a situação eleitoral de Alckmin - seus principais adversários são o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) e o deputado José Genoíno (PT) - é confortável.
"Aqui, a oposição está primeiro preocupada com seus problemas, com seu telhado de vidro e, segundo, correndo da polícia e da Justiça", disse Aparecido, referindo-se, respectivamente, ao governo municipal de Marta Suplicy e a Maluf. "Mas a situação requer um discurso ofensivo e com propostas porque, se não tem adversários, o governo tem desafios como a questão da segurança", completou
Paulo Renato está quase sem opção
BRASÍLIA - O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, que no fim do ano estava disposto a ser o candidato tucano à Presidência, corre o risco de ficar sem opções na eleição. No plano nacional o PSDB optou pelo ministro da Saúde, José Serra. Em seu Estado, São Paulo, as vagas majoritárias estão todas praticamente definidas. E ontem ele garantiu que não concorrerá à Câmara. "A única coisa que sei é que não serei candidato a deputado federal."
Paulo Renato conversaria sobre sua situação com o presidente do PSDB, deputado José Aníbal, ontem à tarde. Em São Paulo, o partido aposta na reeleição do governador Geraldo Alckmin. A vaga de vice não está definida, mas é provável que fique com o PTB ou o PFL, que apóiarão Alckmin. As vagas paulistas para o Senado, por outro lado, parecem já ter dono. O senador Romeu Tuma (PFL) não abre mão de buscar novo mandato e o próprio Aníbal é cogitado para tentar a outra vaga.
Ontem, Paulo Renato disse que não sabe se participará do plano de campanha do partido. Contou que Serra lhe telefonou na quinta-feira, mas até agora nada se concretizou. "Ele ficou de ligar segunda-feira de novo e não ligou."
O ministro da Educação ressaltou ainda que está à disposição do partido.
"Neste momento, nós do PSDB temos de estar muito unidos", argumentou.
Para José Dirceu, Itamar ficará com a oposição
BELO HORIZONTE - O presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), disse ontem que considera impossível o governador de Minas, Itamar Franco (PMDB), apoiar o ministro José Serra (PSDB) ou a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), na eleição presidencial, caso não consiga ser candidato.
Dirceu classificou o tucano e Roseana como candidatos do continuísmo. "Tenho certeza de que Itamar estará com a oposição", disse. Ele negou, porém, que haja entendimentos para que o PT volte a participar do governo Itamar.
Artigos
Sob o domínio do Mal
JOSÉ NÊUMANNE
Quando o carrasco fez Rosana Rangel Melotti, de 52 anos, se ajoelhar defronte a sua casa, em Alto Taquaral, Campinas, e a matou com três tiros cometeu um crime tão brutal que o sangue da vítima respingou em todos nós - não apenas seus familiares enlutados, mas todos os brasileiros decentes, que ontem, hoje ou amanhã foram, são ou serão submetidos ao mesmo susto, ao mesmo choque, à mesma humilhação.
Tenha sido uma tática de seqüestradores para assustar parentes de outras vítimas, fazendo-os pagar o resgate sem regatear, ou um ritual de vingança de ciganos, a cuja comunidade a morta pertencia, isso pouco interessa. A forma como o assassínio foi executado não deixa dúvidas quanto ao seu significado: o crime mandou nos avisar que estamos à mercê de seus caprichos, sua ousadia e sua ferocidade não têm limites e nada temem das autoridades, que pagamos e armamos e em cujas mãos entregamos nossa vida. O repto macabro ficou sem resposta: a polícia (do governador ao detetive de plantão em Campinas) reagiu com a insensibilidade, a ineficiência e a mentalidade burocrática de hábito.
Alguns policiais responderam aos repórteres que era uma questão de honra identificar e capturar os assassinos da dona de casa executada na própria porta. E dois dias depois estavam todos gozando suas folgas de fim de semana, pois a polícia se dá ao luxo de não trabalhar enquanto o crime barbariza Campinas. A família da morta já mandou avisar que vai embora. Tem posses e juízo suficientes para não ficar esperando a volta da Indesejada das Gentes ao seu quintal. Mas, e nós, que não queremos e, mesmo se quiséssemos, não podemos fugir? O que nos resta fazer?
Este jornal publicou que até novembro de 2001 houve 267 seqüestros no Estado, ou seja 324% a mais do que em 2000, quando houve 63, e 2.125% mais do que há cinco anos, pois em 1996 foram 12. Eis aí uma estatística para tirar o governador Geraldo Alckmin e o secretário Marco Venício Petrelluzzi de sua ilha de tranqüilidade cercada de estatísticas por todos os lados.
Teorias não faltam para explicar isso. Teoria sempre foi o forte dos tucanos, egressos das universidades. Na prática, nada justifica. Se esse tipo hediondo de crime continuar crescendo nesse ritmo, daqui a pouco não haverá eleitores suficientes para dar ao secretário Petrelluzzi o mimo que ele nos pede: uma cadeira na Câmara, em Brasília.
Mas será injusto inculpar apenas o apreço do tucanato pelos algarismos ou pelo "sociologuês" pela seqüência de humilhações a que o crime, organizado ou não, tem submetido os ocupantes de postos no Poder Executivo. Enquanto o governador do Estado do Rio, Anthony Garotinho, exercia seus dons proféticos na propaganda eleitoral gratuita pelo País afora, os traficantes de sua jurisdição instalaram as iniciais TC (de Terceiro Comando) numa creche e determinaram a cor do verão no "piscinão de Ramos". No Estado pacificado pelo patético pastor, meus amigos, quem ousar usar uma peça vermelha na grande obra social do governo fluminense leva chumbo. Literalmente. Um garoto de 16 anos desafiou as ordens do cordão azul, vestiu algo vermelho e morreu alvejado por um livre atirador do morro ao lado.
Como tem advertido o professor colombiano Ricardo Vélez Rodríguez em seus lúcidos artigos, o Brasil está vivendo um estágio no qual se constituem vários Estados, sob o comando de criminosos, que passam a desafiar o Estado central, instaurando na prática uma situação de guerra civil. Os assassinos da dona de casa, sejam eles ciganos ou seqüestradores, e os livres atiradores dos morros que controlam a freqüência do "piscinão de Ramos" instituíram seus próprios códigos e os executam sem piedade, não apenas porque são organizados, ousados ou cruéis, mas também porque sabem que não há reação à altura da entidade que exerce em nome da sociedade o monopólio da força - o Estado.
Será exagerado, talvez irresponsável, chegarmos à conclusão de que aqui não há Estado, vivemos na anomia, numa situação de perda de controle, como a da Colômbia, pátria do professor Vélez Rodríguez. No entanto, enquanto viger a proibição de usar short vermelho no lugar da moda do verão carioca e a autoridade policial paulista não identificar, capturar e entregar à Justiça os responsáveis pela execução sumária de uma pacata dona de casa em sua própria calçada, além de seus companheiros que incrementaram as estatísticas do crime de privação de liberdade com cárcere privado, vai ser difícil convencer a nós, vítimas, e principalmente a nossos algozes, reais ou potenciais, de que eles ainda não assumiram um poder de vida e de morte sobre nossa rotina e nosso futuro. O nome dessa situação - na qual o cidadão vive sob o domínio do Mal, o criminoso impõe sua "lei" e o Estado se esconde - é barbárie.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
De um punhado de barro
Pensando bem, nós, os humanos, somos todos uns mal-agradecidos. A começar pelo dom da vida, que ninguém agradece e recebe como coisa que lhe é devida.
E não é. Nós, cada um de nós, não somos planejados coisa nenhuma, nascemos do encontro ocasional dos "micróbios da criança" (como dizia uma conhecida minha, contando como se dera a sua indesejada gravidez).
Mesmo os casais que desejam ter filhos se entregam ao acaso, ou mesmo a Deus, na suposição de que Deus se envolva em assuntos tão íntimos.
Aliás, em menina, sempre me preocupava o fato de Deus, Todo-Poderoso, não criar a gente como criou Adão, de um punhado de barro. Poderia, querendo privar-se da cansativa tarefa, delegar poderes ao homem para a reprodução direta da espécie. E aí algo me diz: mas foi exatamente o que Ele fez!
Apenas não facilitou demais, dividiu entre Adão e Eva a fonte criadora, cabendo a ela ser o receptáculo ou o hospedeiro do futuro ser e a ele, Ele, Deus, produzir a centelha criadora, sem a qual o milagre não se operaria.
Deus, q ue é mágico e gosta de operar suas mágicas sem interferências, criou os órgãos de reprodução nos seres masculinos e femininos, determinou que só funcionassem quando o casal atingisse idade adulta (quer dizer, tivessem capacidade para alimentar e criar o filho que iriam gerar).
Ah, como dizem agora os jovens: Deus é 10! Faz tudo pelo melhor, pensa nos ínfimos detalhes. Acho que, ofendido talvez com o nosso orgulho em sermos os "senhores da criação", Deus nos mostra que gasta o mesmo tempo e trabalho em produzir um besouro, um cachorro ou um homem. Talvez até Nosso Senhor goste muito mais de reproduzir bichinhos inocentes do que soprar vida nesses atrevidos e ingratos bípedes que se chamam homens e que, por cada poeta, por cada santo que veja nascer, tenha de aturar milhões e milhões de empedernidos pecadores.
Ou será que um santo é um ser tão especial que Nosso Senhor se sente bem pago com uma magra colheita de justos, em relação aos milhões de - diga-se - injustos?
O fato, talvez, é que o limo da terra, com fomos compostos, seria material de má qualidade, repleto de impurezas. Pegue um punhado de terra, aparentemente limpo e o examine a um microscópio potente. Cada caroço de terra parece um torrão, mas o espantoso é que fervilha de vida, coisas quase invisíveis que se mexem, e não se sabe a que reino da natureza pertencem - mineral, vegetal ou animal.
Dá susto. Por essa ninguém espera. E me dizem que, se pusermos sob o tal potente microscópio um pedaço qualquer do nosso corpo, se verá que em nós, na nossa pele, na nossa carne, pululam os seres invisíveis, hóspedes constantes da nossa pessoa.
É humilhante, não é? Como também é humilhante a narrativa bíblica de que Eva foi feita de uma costela de Adão. Por que a costela, osso tão inexpressivo, que serve apenas junto com as demais costelas, para armar o arcabouço do peito humano? Por que não nos retirar, a nós mulheres, do coração dele - ou melhor ainda, da cabeça, do cérebro?
"Deus é 10", sim, mas às vezes faz coisas que a gente não entende e, por isso, ressente. Se deu ao homem força e tamanho para oprimir a mulher, e até espancá-la, se raivoso - por que entregou à frágil mulher, à dominada mulher, a sede própria da vida, onde o feto se forma e vira gente?
Aliás, nós, mulheres, sabemos que somos a parte mais confiável do casal humano. Se não fosse a gente, o homem não trabalhava, não assumia responsabilidades, ficava na flauta, se divertindo, se contentando em morar debaixo de uma árvore.
Toda mulher sabe o trabalho que lhe deu educar o seu homem; e, se não proclamamos isso, é porque eles podem fazer greve, e então quem é que vai ganhar para nós o pão de cada dia?
Editorial
Por uma nova ordem mundial
A cada viagem ao exterior, o presidente Fernando Henrique dá um passo adiante na sua pregação em favor do estabelecimento de um novo sistema de relações internacionais, capaz de contemplar as aspirações dos países emergentes, por mais vez e voz nas decisões sobre os destinos do mundo. Nos últimos anos, nenhum outro chefe de Estado tem insistido tanto como ele na necessidade de edificar esse novo sistema, fundamentado na desconcentração do poder, mediante a introdução de freios e contrapesos à hegemonia de uma única nação; na redefinição do papel das instituições financeiras globais; na rejeição ao unilateralismo como filosofia orientadora de política externa; e no fortalecimento (e reforma) das instâncias destinadas a assegurar a cooperação entre os países, a solução pacífica dos conflitos e a efetiva aplicação de sanções aos governos e governantes transgressores de normas de direito universalmente consagradas.
Agora, na Rússia, o presidente tornou a recorrer à diplomacia pessoal, que exerce com desenvoltura, para desenvolver e afirmar a pertinência desse corpo de idéias. Há quem desdenhe desses esforços, partindo do pressuposto de que as posições do Brasil são irrelevantes na ordem das coisas. Trata-se de uma falácia. Para ficar no exemplo da hora, quando, pela primeira vez, um dos cinco membros com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, no caso, a Rússia, subscreve o pleito do Brasil por um lugar permanente nesse organismo, é inconcebível que o Brasil seja tido por quem quer que seja como um zero à esquerda no plano internacional.
Outro equívoco primário está em afirmar que o respeito com que o presidente é tratado e a atenção com que é ouvido por seus pares no estrangeiro decorrem de ele amoldar as suas manifestações às expectativas e interesses dos interlocutores de ocasião. Citam-se, a propósito, as críticas aos Estados Unidos que se sobressaíram no discurso de Fernando Henrique à Assembléia Nacional da França, em fins do ano passado. Decerto, era o que os franceses apreciariam ouvir - o que nada autoriza inferir sobre a autenticidade dos pontos de vista expostos. Fossem os seus pronunciamentos puro oportunismo, jamais ele diria, na Rússia que reage furiosamente às acusações de promover uma guerra de extermínio contra os rebeldes separatistas da Chechênia, o que disse em dado momento do discurso de agradecimento pelo título de doutor honoris causa da Universidade de Moscou.
"Penso na causa da proteção internacional dos direitos humanos (...)", lembrou sem meias palavras o presidente. "Que saibamos cooperar, Rússia e Brasil, para que instrumentos como o Tribunal Penal Internacional logo entrem em vigor, inibindo a barbárie, o genocídio, a abominável prática das limpezas étnicas." Hoje, a única autoridade a responder criminalmente, no Tribunal de Haia, por essa prática é o ex-líder sérvio Slobodan Milosevic, cujo maior aliado era o presidente russo Vladimir Putin. E a Rússia não é mais simpática do que os Estados Unidos à criação do tribunal mencionado por Fernando Henrique. Gostem ou não os seus detratores, ele acredita que as idéias podem ser o "motor da história", como afirmou no mesmo discurso. O essencial, de todo modo, é o princípio enunciado pelo presidente, que permite entender o cerne da linha diplomática do atual governo: "A economia está globalizada, mas a política não."
Precisamente por isso, constatou, "o mundo carece de mecanismos de governança que adaptem as exigências do mercado às necessidades das comunidades nacionais". Eis o núcleo do problema que o presidente brasileiro não se cansa de enfatizar. E foi nesse contexto que ele argumentou que a globalização, "pela universalidade de seus efeitos", não pode ficar à mercê do Grupo dos Sete (que reúne as nações mais ricas) ou dos Oito (com a Rússia), em detrimento do Grupo dos Vinte (que inclui Brasil, Índia, China e México). Também nesse contexto, ele levou mais longe do que nunca as críticas à incapacidade dos mecanismos surgidos há mais de meio século de atender àquelas necessidades.
"O sistema de Bretton Woods está obsoleto, se é que algum dia cumpriu os objetivos para os quais foi criado", denunciou. "O Banco Mundial precisa promover o desenvolvimento e o FMI (precisa) assegurar a liquidez do sistema financeiro internacional." Só a má-fé pode menosprezar o impacto dessa demanda por uma nova ordem mundial.
Seja quem for o nosso próximo presidente, vamos sentir saudades do padrão de desempenho do Brasil no plano das relações internacionais sob a liderança de Fernando Henrique.
Topo da página
01/16/2002
Artigos Relacionados
Manutenção nos equipamentos deixará TV e Rádio Senado fora do ar no sábado
Em discurso de despedida do Senado, Fernando Bezerra anuncia que não deixará a vida pública
Governo lança plano Mais Pecuária em Juiz de Fora (MG)
Alvaro Dias destaca trechos do discurso de despedida de José Serra do governo de São Paulo
Rollemberg anuncia que PSB deixará cargos que ocupa no governo federal
Secretário diz que meta fiscal é cumprida, mas governo deixará restos a pagar de R$ 11 bilhões