Só no segundo turno









Só no segundo turno
Os presidentes dos partidos governistas concluem que é quase impossível uma aliança entre os três no primeiro turno. No PSDB, José Serra é pressionado a resolver rapidamente problemas com Tasso

Os presidente do PSDB, José Aníbal; do PFL, Jorge Bornhausen, e do PMDB, Michel Temer, sepultaram de vez a aliança partidária que conduziu o presidente Fernando Henrique Cardoso à vitória por duas vezes. Conscientes de que será impossível reeditar novamente a aliança, os três presidentes firmaram um pacto de não agressão. Se cada um vai para o seu lado, que pelo menos então não se xinguem no primeiro turno para facilitar os acertos no segundo. O almoço, no restaurante Massimo em São Paulo, terminou como começou. Ninguém cedeu. Cada partido pretende lançar seu próprio candidato.

‘‘Para que o eleitor possa compreender (uma aliança no segundo turno), não pode haver uma agressão feroz a essas candidaturas’’, afirmou Temer. ‘‘O entendimento que prevalece entre nós é o da não-agressão’’, garantiu Aníbal. Formalmente, a proposta defendida por ambos, com o aval de Bornhausen, é de que as negociações seguirão até maio ou junho. Até lá, pagam para ver se a candidatura da governadora Roseana Sarney (PFL-MA) se mantém ou se o ministro José Serra (PSDB-SP) viabilizará seu nome entre o eleitorado.
Apesar das boas intenções, o entendimento enrosca na hora de decidir quem encabeçará a chapa governista. Bornhausen tem repetido a tese do apoio aliado ao candidato que tiver melhor condições de vencer o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Leia-se Roseana Sarney. Para o PSDB, entretanto, a possibilidade de assumir o papel de vice do PFL é igual a zero, mesmo que a candidatura de Serra não decole. ‘‘São duas hipóteses que não existem: primeiro, Serra não decolar, segundo, o PSDB abrir mão (da cabeça de chapa)’’, garantiu Aníbal pouco antes de se reunir com os outros presidentes de partidos.

‘‘Se nós não tivermos a felicidade de alcançar o que desejamos, que é uma candidatura única no primeiro turno, estaremos juntos no segundo turno’’, defendeu o presidente pefelista. Já o peemedebista Temer também garantiu que seu partido terá candidato próprio, seja ele quem for. ‘‘O que não sabemos é até que ponto vamos com essas candidaturas. Depende da vontade desses candidatos’’, disse.

Aliança impossível
O líder do PMDB na Câmara, deputado Geddel Vieira Lima (BA), avaliou que será impossível reeditar a mesma aliança das eleições de 1998. ‘‘A candidatura de Roseana é inamovível. Não haverá união no 1º turno’’. Geddel, que é do grupo que apóia o governo, disse que a situação atual só mudará se Serra subir nas pesquisas eleitorais. ‘‘Se o lançamento oficial de sua candidatura refletir nas pesquisas, aí sim alguma coisa pode mudar’’, adiantou.

O pacto de não-agressão foi negociado pessoalmente pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que interveio mais uma vez no processo de sua sucessão. Em uma série de conversas ontem com ministros, governadores e dirigentes nacionais do PSDB, deu duas orientações: os ataques ao PFL e a sua candidata à Presidência, governadora Roseana Sarney, estão proibidos; e todos, especialmente o ministro da Saúde, José Serra, têm de trabalhar pela unidade, trazendo o governador do Ceará, Tasso Jereissati, para a campanha presidencial dos tucanos. ‘‘Não podemos considerar Tasso um adversário nem Roseana nosso alvo’’, afirmou o presidente a um tucano importante.

Depois de José Aníbal, que esteve na noite de quarta-feira em Fortaleza, o próximo interlocutor tucano designado para pacificar Tasso é o presidente da Câmara, Aécio Neves. Aécio vai ao Ceará no fim de semana.

Melhor bombeiro
O gesto principal de pacificação, porém, tem de partir de Serra. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Arthur Virgílio, sugeriu que Serra telefone para Tasso Jereissati, e inicie o diálogo para pôr fim ao clima ruim que existe dentro do PSDB. Para o ministro, há vários políticos trabalhando para tentar resolver o princípio de crise, mas ninguém é melhor, no momento, para reunir o PSDB que o próprio Serra. ‘‘Basta ele (Serra) ligar 085 (código telefônico do Ceará) e falar com o Tasso. Se a linha cair, ele insiste. Serra é o melhor bombeiro para a crise’’, explicou Arthur Virgílio. Um cacique tucano sugeriu a Serra como se aproximar do governador cearense. ‘‘Você tem de fazer como os amigos fazem. Ligue para ele e pergunte o que ele vai fazer esta noite. Então, diz que está passando lá para jantarem juntos. E que você leva a sobremesa’’.

José Aníbal garantiu que novos incêndios serão evitados internamente. ‘‘Há um clima de convergência dentro do PSDB. O Tasso (Jereissati) subirá ao palanque e fará campanha para Serra’’, garantiu. Na noite de anteontem, o deputado encontrou-se com Tasso, em Fortaleza, para aparar arestas da pesada discussão travada entre o governador e o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, revelada pelo Correio. ‘‘Tenho certeza que isso não acontecerá mais’’, disse o presidente tucano.


Bispos criticam Roseana Sarney
No Maranhão, 62% da população vive apenas com R$ 80 por mês, as terras indígenas não são demarcadas, o governo não liga para famílias de trabalhadores rurais sem terra e o poder não muda de mãos desde 1966, quando o grupo ligado à José Sarney passou a governar o estado. Coube aos bispos do Maranhão produzir a primeira peça de oposição à candidatura à Presidência da governadora Roseana Sarney, do PFL. Esses dados fazem parte de um manifesto que o escritório regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) maranhense divulgou ontem em São Luís.

O documento, elaborado em forma de carta por Dom Paulo Eduardo Andrade Ponte, arcebispo de São Luís e 12 bispos, e intitulado Ao Povo do Maranhão, não traz nenhuma menção à Roseana Sarney, governadora daquele estado há sete anos e candidata do PFL para presidente do Brasil. Mas, em entrevista à imprensa, o bispo Dom Affonso Felippe Gregory, presidente estadual da CNBB, foi direto: ‘‘Reconhecemos a fragilidade da pré-candidatura da Roseana à Presidência. É evidente a omissão do governo dela na resolução dos graves problemas do estado’’.

Segundo os bispos, as misérias do Maranhão são explicadas pela ‘‘inaceitável proteção ao latifúndio e às grandes empresas agrícolas’’. Essa profunda injustiça social, segundo o estudo, faz com que ‘‘os índices maranhenses de impunidade ainda persistam em todos os níveis’’.

Para os bispos, outro fator a ser levado em conta é a falta de rotatividade de poder no Maranhão, com o grupo de José Sarney dominando o estado há 35 anos. Para os bispos, essa não é uma situação salutar em uma democracia. Em uma passagem da carta, os bispos chegam mesmo a pedir ao povo do Maranhão que nas próximas eleições escolha ‘‘candidatos preocupados com o bem comum, na perspectiva de uma benéfica alternância democrática de poder.’’

Não se trata, evidentemente, de críticas gratuitas. Os bispos maranhenses, de tendência progressista, têm proximidade com o PT, que faz oposição a Roseana no estado.

Em nota à imprensa, o governo do Maranhão respondeu às críticas. ‘‘A governadora Roseana Sarney não se sente atingida pela nota dos senhores bispos porque nos últimos sete anos todos os indicadores sociais no Estado melhoraram, muitos deles em proporção acima da média brasileira’’, diz a nota. Em outro trecho da nota, admite que a Igreja tem sido parceira competente no Maranhão. ‘‘O governo compartilha as preocupações manifestadas pela igreja, acreditando que elas visam colaborar com a luta pela construção de uma so ciedade mais justa e igualitária, e espera continuar contando com a colaboração dos representantes da Igreja no Maranhão’’.
A CNBB nacional não se posicionou sobre a iniciativa dos bispos maranhanses. Porém, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa em São Paulo, explicou que não foi consultada e nem precisaria ser.


Câmara investiga denúncia
A Câmara dos Deputados está investigando uma denúncia de tentativa de violência sexual que teria ocorrido no final da manhã de quarta-feira nas dependências da Casa. Uma menina de oito anos foi encaminhada ao Instituto Médico Legal para exame de corpo de delito. Segundo funcionários da liderança do PT, a menina chegou gritando à lanchonete que fica ao lado do gabinete e foi socorrida. Ela foi identificada apenas como sobrinha de uma enfermeira do departamento médico da Câmara. A menina disse aos funcionários do PT que um homem a havia arrastado para um banheiro próximo ao Salão Verde da Câmara, beijado sua boca e acariciado seu corpo. Quando ele tentou tirar a sua roupa, ela conseguiu fugir.


FHC sanciona Código Civil
O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou ontem o novo Código Civil brasileiro, com 2.046 artigos que alteram questões centrais da vida da população, como a redução da maioridade civil de 21 para 18 anos. O texto substitui o atual código, elaborado em 1916, e só entrará em vigor em um ano, em janeiro de 2003. Nesse período, sugestões e retificações poderão ser apresentadas ao Congresso, que acatará ou não as propostas. ‘‘Com seus 2.046 artigos, o novo código dificilmente estará, e é natural, imune a críticas’’, disse Fernando Henrique, durante a solenidade de sanção, no Palácio do Planalto. Apesar de avanços que refletem os novos tempos, como a substituição da expressão ‘‘pátrio poder’’ por ‘‘poder familiar’’, dando à mulher papel de igualdade ao homem na condução das questões familiares, o código não trata de itens polêmicos como as relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Segundo Miguel Reale, há uma limitação constitucional. ‘‘A Constituição criou a união estável de homem e mulher’’, disse ele. ‘‘Não podemos ir contra a Constituição’’, acrescentou.


Governo acerta compra emergencial de energia
O ministro de Minas e Energia, José Jorge, assinou ontem contratos entre a Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE) e os produtores independentes de energia, donos de usinas que funcionarão como uma espécie de ‘‘seguro contra o apagão’’. A CBEE contratará 2.153,6 megawatts (MW) instalados em 38 usinas termelétricas espalhadas pelos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Os contratos serão assinados com 24 empresas ou consórcios, sendo 21 nacionais e 3 estrangeiras.

Essas termelétricas gerarão energia a partir de óleo combustível, óleo diesel e biomassa e deverão estar prontas para operar até 1º de julho de 2002. A duração dos contratos será, no máximo, até 31 de dezembro de 2005. Ainda neste mês a CBEE assinará contratos de compra de até 1.912 MW energia de geradoras independentes inscritas no Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) que entram em operação até 31 de março.

A compra de energia emergencial faz parte de um programa do governo para evitar problemas energéticos no futuro. Outra decisão é a reestruturação do Ministério de Minas e Energia, apresentada pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGCE). ‘‘Não será um ministério à antiga, empreendedor, mas coordenador’’, garantiu o ministro, durante a cerimônia de assinatura dos contratos com geradores de energia emergencial. ‘‘Às vezes as empresas não conseguem resolver os problemas sozinhas’’, acrescentou.

O ministério está criando uma secretaria para cuidar de questões ambientais, muito comuns na área de energia. Essa será uma das cinco secretarias a serem criadas. Hoje existem duas. Haverá também as secretarias de Política Energética, de Energia Elétrica, de Petróleo e Gás, e Mineração. Além dessas, haveá uma mini-CGCE, comandada pelo ministro.

Novo ministério
A conclusão dos consultores que idealizaram a nova estrutura é de que, com as privatizações e a criação das agências do petróleo (ANP) e de energia elétrica (Aneel), o ministério ficou desaparelhado e ‘‘microcéfalo’’. Com a nova estrutura, poderá analisar o setor e coordená-lo. O ministério terá poder de intervenção no mercado, caso haja risco de desabastecimento no país.

Será criado um grupo com representantes dos ministérios de Minas e Energia, Planejamento, e da Casa Civil para coordenar o processo de instalação da nova estrutura. Funcionários públicos deverão ser deslocados de outras áreas do governo para a nova pasta. O secretário-executivo do ministério de Minas e Energia, Luiz Gonzaga Perazzo, disse que a primeira reunião do grupo deve acontecer na próxima semana e que a instalação será feita em etapas, que começarão ainda em janeiro.

Outra medida que o governo pretende adotar é a concessão de subsídio ao transporte de gás natural para baixar o preço da energia gerada pelas térmicas. A decisão preocupa preocupa executivos do setor. As empresas que pretendem entrar no mercado, até agora dominado pela Petrobras, estão receosas de que o subsídio dificulte a competição. ‘‘Sempre acreditamos que o preço do gás poderia cair com competição e livre mercado’’, reclamou o diretor de Assuntos Corporativos da britânica BG, François Moreau.
A BG, ao lado da Repsol-YPF (espanhola-argentina), são as únicas competidoras da Petrobras no fornecimento de gás natural, até agora com volumes pequenos. Outras multinacionais, como Pan American e TotalFinaElf pretendem escoar suas reservas bolivianas para o Brasil.


Sistema do INSS trava
Os computadores do Instituto Nacional do Seguro Social entraram em pane ontem no Distrito Federal. Os trabalhos foram interrompidos porque os dados dos segurados não eram aceitos

O que foi planejado para ser um alívio tornou-se um problema para trabalhadores e aposentados por causa de um erro de planejamento. O atendimento nas agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Distrito Federal foi prejudicado ontem: o novo sistema de informática para concessão de benefícios travou.
Por volta das 10h da manhã, as agências tiveram de interromper a maior parte dos trabalhos. O sistema, que começou a funcionar na terça-feira, não aceitava a inclusão de dados dos contribuintes. O presidente do INSS, Fernando Fontana, disse ter havido um ‘‘problema na rede da Dataprev (Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social), que está tomando medidas para resolver as dificuldades no Distrito Federal definitivamente’’.

Fontana acredita que hoje as agências funcionarão normalmente. ‘‘Queremos sanar essa falha, mas também acabar com as quedas de sistemas. O pagamento de benefícios não será afetado’’, afirmou. Caso as falhas não sejam reparadas, as perspectivas para os contribuintes não são nada boas.

Segundo o gerente substituto do INSS no Distrito Federal e Entorno, Esdras Esnarriaga Júnior, as informações repassadas ontem aos gerentes davam conta de que pode haver retomada apenas pelo sistema antigo. Isso significa atendimento mais demorado nas agências. ‘‘O sistema novo foi elaborado para checar automaticamente os vínculos empregatícios e contribuições do trabalhador. Pelo sistema antigo, essa tarefa vai demorar muito’’, afirmou Esdras. Ele explicou que os servidores serão obrigados a utilizar dois sistemas diferentes e conferir mês a mês as contribuições dos trabalhadores.


Artigos

Con solo e alento
Arlete Salvador

Pode ter sido uma decisão de marketing político, uma forma de afagar o orgulho nacional, mas é elogiável a iniciativa do governo brasileiro de repassar remédios à Argentina. Nosso vizinho está fechado para balanço desde antes do Natal, os argentinos não têm dinheiro e, com a suspensão dos pagamentos externos, os grandes laboratórios recusam-se a vender medicamentos. Temem levar o calote. O Brasil, que já foi até responsabilizado pelo caos argentino, decidiu mandar insulina, usada no tratamento do diabetes. Vai receber quando os argentinos puderem pagar.

O quadro argentino dá a idéia da crueldade das relações comerciais internacionais. Enquanto a Argentina podia dar algum lucro aos investidores e às empresas internacionais, era uma espécie de paraíso na América Latina. Quebrada, está entregue à própria sorte. É a lógica do mercado, a mesma que muitos correntistas enfrentam no seu relacionamento com os bancos. Os gerentes vivem oferecendo crédito quando não precisamos. Na hora do aperto, nunca há empréstimo pré-aprovado na conta bancária.

Do lado de cá, ficou mais fácil ajudar a Argentina. O tamanho do buraco em que se enfiaram os nossos mais tradicionais rivais deixou um gosto de, digamos assim, ‘‘poderia ser pior’’ na boca dos brasileiros. O Brasil também passou por maus momentos em 1999 com o fim do câmbio fixo, mas nada comparável ao desastre argentino. Hoje, quando se olha para os dois países, não há brasileiro que não se sinta aliviado. Sim, poderia ter sido muito pior.

Essa é uma característica da alma humana. Sempre comparando-se com os outros, em especial com os outros em pior situação. É uma espécie de consolo. Quando alguém enfrenta um problema de saúde, por exemplo, sempre há outro alguém para lembrar um terceiro caso muito mais sério e complicado. ‘‘Poderia ser pior’’, costuma-se dizer. O primeiro personagem da história acaba convencido de que, afinal de contas, seu problema não deve ter tão grave assim. Não resolve nada, mas serve de alento.

A Argentina cumpre esse papel de ungüento para as feridas brasileiras. A situação por aqui é delicada, os juros continuam altos e a inflação ameaça dar seus pulinhos. Mas, com a Argentina no chão, tudo isso parece bobagem. Estamos até mandando remédios para lá. Sim, poderia ser pior.


Editorial

INFÂNCIA ABANDONADA

Em dois trabalhos, o Correio Braziliense mostrou uma triste face do Brasil. O caderno especial ‘‘Os órfãos do Brasil’’, publicado na quarta, trouxe reportagem sobre os orfanatos. Neles vivem 200 mil crianças, a maioria de pais vivos. São meninas e meninos espancados dentro de casa ou abandonados pela própria família. Crescem em instituições quase sempre despreparadas para ampará-los.

O Tema do Dia de ontem, ‘‘Infância abandonada’’, denuncia o descaso governamental com os conselhos tutelares. Criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o órgão tem por função zelar pelo cumprimento dos direitos de infantes e jovens. Mas, sem recursos, vê-se impossibilitado de cumprir o objetivo.

No Distrito Federal, os conselhos convivem com a penúria. Faltam salas de trabalho, meios de transporte, quadros qualificados e, sobretudo, conselheiros. Resultado: acumulam-se as denúncias não atendidas. Só em 2001, os oito conselhos registraram 11.832 casos. Entre eles, maus-tratos, espancamento, abuso sexual, negligência, abandono e violência psicológica. Do total, pelo menos 30% ficaram sem resposta.

Apesar da situação crítica, o GDF reduziu em 70% a verba destinada ao órgão em 2002. O drástico corte pode inviabilizar a atuação dos conselhos. É alarmante. A conseqüência do descaso não exige imaginação fértil. Aumentará o número de crianças, adolescentes e jovens vítimas de violência dentro de casa. Sem ação preventiva eficaz, muitos engrossarão o contingente de meninos de rua ou órfãos de pais vivos que superlotam as instituições públicas ou privadas.

O quadro é extremamente delicado. O drama da infância abandonada tem raízes profundas. Envolve a crise de valores que afeta as famílias. E alia-se à crise social e econômica por que passa o país. A solução não pode ser deixada só em mãos do governo. O Estado, claro, tem que fazer a sua parte. A destinação e fiscalização da aplicação adequada de recursos é uma delas. Campanhas educativas, outra.

Igrejas, escolas, clubes de serviços, organizações não-governamentais têm também papel importante no processo. É preciso fazer um trabalho de estímulo à adoção. Muitas famílias só querem levar para casa crianças sem memória dos maus-tratos da infância. Para elas, as que têm 4 ou 5 anos já são velhas. É justo o temor.

Há que buscar mecanismos engenhosos que venham ao encontro da apreensão e do altruísmo das pessoas. O governo pode garantir, por exemplo, tratamento psicológico gratuito e de qualidade a pais e filhos quando se fizer necessário. Ou permitir desconto no Imposto de Renda superior ao concedido aos filhos biológicos.
Além de ser atitude caridosa, a adoção implicará redução de custos bancados pela sociedade. Orfanatos, equipamentos de segurança, sistema prisional oneram pesadamente os cofres públicos. E raramente cumprem o papel de reeducar e ressocializar o indivíduo.


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01/11/2002


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