Um dia na unidade de Arujá da Fundação Casa
Conheça como é a rotina do novo modelo pedagógico aplicado aos jovens infratores atendidos pela Fundação
“Bom dia família!” É com essa frase que começa a reunião matinal diária na unidade Arujá da Fundação Casa, na grande São Paulo, que abriga jovens com dependência química. Todos os funcionários e jovens em regime de internação da unidade, inaugurada em novembro do ano passado, participam do encontro, que dura cerca de uma hora. Esse é o momento de discutir questões referentes ao dia-a-dia da unidade, orar, refletir sobre diversos temas, corrigir atitudes, elogiar colegas, se inteirar sobre os principais fatos noticiados pela mídia e até cantar para descontrair. “O objetivo é realçar o senso de comunidade, trabalhar assuntos positivos e negativos e sempre terminar com enlevo espiritual. Não tem a ver com religião, mas com levantar o astral”, explica Dorival Cardoso Lima, diretor da unidade.
A reunião, bem como os seminários realizados periodicamente na unidade, obedecem ao modelo norte-americano conhecido como Daytop de Comunidade Terapêutica. O conceito é o mesmo utilizado em grupos de recuperação como os Alcoólicos Anônimos (AA), baseado no aprendizado social e na auto-ajuda, ou seja, cada pessoa que vive naquela comunidade se interessa e se sente responsável pelas outras. “É como numa família ideal, onde deve existir amor, carinho e respeito, mas também regras e limites”, explica Cardoso.
Respeito
Sempre tratados pelo nome, os jovens recebem apoio e orientação dos funcionários em todas as atividades que desenvolvem ao longo do dia. Na reunião matinal, por exemplo, são os adolescentes que iniciam a oração, lêem um pequeno texto para reflexão e apresentam o ‘Jornal Arujá’, com as principais notícias do Brasil e do mundo. Sempre acompanhados por funcionários, que ajudam a vencer a timidez ou a realizar uma tarefa mais difícil, como ler em voz alta.
Embora, claro, todos preferissem estar em liberdade, os adolescentes sentem-se respeitados e entendem que estão lá para aprender. “Não é a mesma coisa de estar em casa, com a nossa família, mas, se pensar bem, temos aqui um monte de mães e pais. Quando a gente precisa de conselho, sempre tem alguém para aconselhar. Quando a gente está triste, as pessoas percebem”, comenta o jovem W.C., de 17 anos. Ele está na unidade Arujá há dois meses e já passou outros dois meses na Unidade de Internação Provisória do Brás, na zona leste da capital. “O jeito que os funcionários tratam a gente é diferente. Eles também tratam bem nossos familiares. Aqui a gente aprende informática, educação, disciplina e respeito”, explica.O adolescente acha que quando deixar a unidade conseguirá mostrar que mudou. “Vou dar a volta por cima, mostrar que o trabalho aqui deu certo”, afirma.
T.S.T., de 17 anos, que já esteve na Unidade de Internação Provisória do Brás duas vezes e está em regime de internação há pouco mais de um mês na unidade Arujá, também acredita que sairá melhor do que entrou. “Quando fazemos alguma coisa errada, eles (os funcionários) mostram o que fizemos e ensinam a fazer o certo. Estou aprendendo muita coisa aqui”, diz.
Modelo pedagógico
O modelo de Comunidade Terapêutica adotado na unidade Arujá é um projeto piloto dentro da Fundação Casa. Ali, mesmo com as férias escolares, os jovens não têm tempo ocioso. O horário das aulas, no período da manhã, é preenchido com a prática de esportes. No período da tarde, oficinas, que se estendem até às 22 horas. Entre as atividades oferecidas: oficina de redação, oficina de leitura, informática e culinária. Aliás, a culinária é uma das preferidas dos internos.
O jovem A.J.S., de 18 anos foi o primeiro a conquistar a semi-liberdade na unidade. Ele recebeu a notícia numa reunião realizada logo após o almoço. Mal teve tempo de se despedir dos amigos e funcionários, porém, antes de chegar ao carro que o levaria para a unidade de semi-liberdade no bairro da Penha, zona leste da capital, A. foi pergunto apreensivo: “Onde está meu caderno de culinária?”.
Descentralização
A implantação de um modelo pedagógico diferenciado, com ênfase na recuperação dos jovens, só é possível graças a substituição da antiga Febem (que contava com unidades para muitos jovens), pelas pequenas unidades, voltadas ao atendimento dos adolescentes das regiões em que estão instaladas.
A unidade Arujá, por exemplo, tem capacidade para 56 jovens, sendo 40 em regime de internação e 16 em internação provisória. Atualmente, porém, conta com menos de 30 adolescentes em regime de internação e está começando a receber internos provisórios. Isso porque, além de ter sido inaugurada há pouco tempo, a unidade recebe apenas jovens da região.
O que chama atenção, é que o número de funcionários é bem superior ao de internos: mais de 60 pessoas, entre corpo educacional e segurança. “No novo modelo damos atenção especial ao atendimento individual”, explica a presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella. Atualmente, a Fundação conta com 27 unidades pequenas espalhadas pelo Estado. Até 2010, a previsão é chegar a 59.
A Unidade de Arujá é administrada seguindo o modelo da gestão compartilhada. Ali além do diretor e da equipe de segurança, composta hoje por 30 funcionários da Fundação, também atuam na unidade 32 funcionários da Sociedade Assistencial Ampara Brasil (Saab), organização não governamental vinculada à Igreja Brasil para Cristo. A eles cabe o atendimento sócio-educativo dos internos. Quando a unidade atingir o limite de 56 jovens internados, receberá mais 15 funcionários da Fundação para a segurança.
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Cíntia Cury
(I.P.)
02/11/2008
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