Unicamp: Físicos produzem a menor liga metálica do mundo
Fio de ouro e prata tem comprimento de apenas três átomos e diâmetro de um átomo
Nos últimos dias ganhou repercussão na mídia brasileira a proeza conseguida por pesquisadores da Unicamp, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que produziram e registraram a imagem da menor liga metálica do mundo: um fio de ouro e prata com o comprimento de apenas três átomos, e no diâmetro de um átomo. O trabalho foi descrito na revista Nature Nanotechnology, em artigo assinado por Daniel Ugarte (Unicamp/LNLS), Douglas Soares Galvão (Unicamp), Fernando Sato (Unicamp), Jefferson Bettini (LNLS), Sócrates de Oliveira Dantas (UFJF) e Pablo Zimerman (UFJF).
Um fruto da colaboração entre grupos experimentais e teóricos
“É como esticar um chiclete, que vai afinando até romper”, compara Daniel Ugarte, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e pesquisador do Laboratório de Luz Síncrotron. No mundo nanoscópico (dos milionésimos de milímetro), os cientistas produziram nanofios de liga de ouro e prata, observando-os enquanto eram tracionados até a ruptura. Antes, no limite até o rompimento, o fio permanecia momentaneamente ligado pela cadeia de três átomos, imagem que ficou registrada no microscópio. “Esta é a primeira observação experimental de uma cadeia atômica suspensa composta de átomos diferentes. Trata-se da menor ponte que se pode fazer de uma liga”, destaca o professor Douglas Galvão, chefe do Departamento de Física Aplicada do IFGW.
Nas simulações por dinâmica molecular feitas em computador, Galvão e sua equipe já haviam demonstrado que era possível produzir a liga nanométrica de ouro e prata. A validação experimental, no entanto, foi um grande desafio, que consumiu quase dois anos de trabalhos conduzidos por Daniel Ugarte no Laboratório de Microscopia Eletrônica do LNLS. “A criação de uma liga nanométrica apresenta muitas dificuldades. Por causa da facilidade com que os átomos se movimentam, a tendência é que a liga, a partir da redução do seu tamanho, vá expulsando o material metálico que considera impuro”, explica Ugarte. Isso significa que a composição inicial da liga – no caso, contendo certa quantidade de ouro e outra de prata – vai se modificando.
“É como fazer macarrão. Começa com uma bola de massa (a liga metálica) e seus elementos (água, farinha, sal) em certa proporção. Mas quando se puxa e se comprime para fazer o macarrão (nanofio), a porcentagem dos elementos no final é diferente da massa inicial”, acrescenta Ugarte.
Os resultados desta pesquisa oferecem informações importantes para entender o comportamento das ligas metálicas e aprimorar sua utilização. Por isso, embora a relação com o mundo macroscópico pareça muito distante, estas investigações em nanotecnologia podem contribuir para avanços nos setores de metalurgia, construção civil e microeletrônica, para ficar nesses três exemplos. Daniel Ugarte menciona a “spintrônica”, que visa à criação de sistemas que utilizam uma propriedade quântica dos elétrons, ao invés da carga usual em aparelhos comuns. Ligas nanométricas viabilizariam fios com o núcleo de metais magnéticos protegidos por outro metal menos reativo, a partir da combinação correta dos átomos de metais.
“No campo dos metais em nanoescala, tudo é novo e surpreendente”, afirma Douglas Galvão. O professor observa, a título de comparação, que o conhecimento encontrado na literatura sobre metalurgia é pouco válido quando levado à nanoescala, onde outras forças dominam e outras estruturas são formadas. “Veja que o problema da fadiga de metais na aviação ainda não está completamente controlado. Não por acaso, a revisão de um avião é feita por meio de um raio-x da estrutura inteira, a fim de assegurar a inexistência de fissuras. O que provoca a quebra do metal – formação de grãos, de impurezas ou outras interfaces – é uma questão que os estudos em nanoescala podem ajudar a resolver”.
Formas estranhas – Para dimensionar o quanto ainda é preciso aprender sobre as estruturas dos metais, Galvão lembra dois comportamentos surpreendentes verificados no experimento. Um deles é o comportamento do ouro na formação das estruturas atômicas. “Como a quantidade de ouro na mistura era bem menor do que a quantidade de prata – algo como 20% contra 80% –, esperava-se, intuitivamente, que a aparência final da liga fosse da prata. Mas nos estágios finais do processo, perto da formação da cadeia de átomos, a aparência da liga é do ouro”.
Uma nova simulação no computador ajudou a eliminar o estranhamento. Dividiu-se a estrutura em três partes com o objetivo de verificar quantos átomos de ouro e de prata havia em cada região. A parte central, onde se formariam as cadeias, foi acompanhada no tempo enquanto a liga metálica era esticada. “A composição de 20% de ouro e 80% de prata foi mudando conforme se aproximavam os estágios finais, com a estrutura ficando cada vez mais enriquecida em ouro. Isto explica porque no final tudo parece ouro”, diz Galvão.
Outro resultado inesperado na simulação – não-validado experimentalmente e ainda sem um entendimento muito claro – demonstra que em nanoescala os materiais não se comportam como no mundo macroscópico, onde se desenvolve a intuição. Durante o processo de redução da liga, os pesquisadores notaram que o domínio do ouro não vai ocorrendo apenas por segregação, mas formando estruturas lineares completamente protegidas por átomos de prata. Como se trata de liga, era de se esperar certa mistura, com um átomo de ouro eventualmente integrando o pentágono e um de prata fazendo parte da cadeia.
“A surpresa é que o ouro está sempre no centro da estrutura, enquanto a prata sempre acompanha o pentágono. Pretendemos realizar a mesma simulação com ouro e cobre, a fim de verificar se este é um comportamento geral ou uma particularidade da liga de ouro e prata”, antecipa o professor. O princípio, no entanto, já está demonstrado: é possível, como mencionado no caso da “spintrônica”, chegar a um material com um núcleo de metais magnéticos protegido por uma camada de átomos mais inerte. “Este fenômeno do encapsulamento é um processo muito difícil de controlar, mas abre caminho para possíveis aplicações.”
Teoria e experimento – Na opinião do professor Douglas Galvão, o trabalho também mostra como a combinação entre teoria e experimento pode ser frutífera. “Esta colaboração com o professor Daniel Ugarte vem de longa data e tem sido bastante produtiva, com publicação de pesquisas em várias revistas importantes na área”, afirma. O pesquisador ressalta que a teoria, amparada por recursos computacionais cada vez mais potentes, contribui para o entendimento de fenômenos difíceis de serem observados experimentalmente, principalmente em escala de tempo. “Na prática, não dá para seguir os átomos, mas com a simulação, sim. Para nós, este experimento é muito gratificante porque ele se deu a partir de uma proposta teórica. Geralmente, a teoria está atrás, explicando através da modelagem os dados experimentais. O trabalho conjunto de grupos teóricos com grupos experimentais, pouco tradicional no Brasil, pode ser
12/29/2006
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