Universitários vindos de escola pública têm desempenho melhor que os demais



É o que mostra estudo de pesquisadores da Unicamp que orientou a adoção do Programa Ação Afirmativa pela universidade

Estudo de pesquisadores da Unicamp, feito entre 2003 e 2005, revelou que estudante de escola pública tem maior potencial acadêmico do que aquele que veio do ensino privado. O primeiro demonstrou melhor desempenho ao longo do curso nesta universidade. 

A pesquisa gerou o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), que estimula o ingresso de estudante da rede escolar pública, bem como a diversidade étnica e cultural na Unicamp. A participação é opcional e indicada no formulário de inscrição no vestibular. Em vez de cotas, o Paais adiciona pontos à nota final do candidato no vestibular. Quem opta pelo programa receberá automaticamente 30 pontos a mais na nota final, após a segunda fase da prova. Candidato do ensino público autodeclarado negro ou indígena terá, além dos 30 pontos, mais 10 pontos de bônus.

O Ação Afirmativa foi adotado pela Unicamp em 2004. Desde então, os pesquisadores fazem acompanhamento semestral do desempenho dos alunos, utilizando a mesma metodologia dos primeiros estudos. 

A conclusão preliminar é que a medida aumentou a porcentagem de alunos da escola pública na universidade, especialmente nos cursos de alta demanda, como Medicina e Engenharia. O fato garante a presença de estudantes de baixa condição socioeconômica e melhor potencial acadêmico. 

Resultados atualizados do estudo foram publicados na Revista Higher Education Management and Policy, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Melhor desempenho

O trabalho foi realizado por Renato Pedrosa, José Norberto Dachs e Rafael Maia, do Instituto de Matemática Estatística e Ciência da Computação (Imecc), e Cibele Yahn de Andrade, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas. Benilton Carvalho, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, completou o grupo da Unicamp. 

Pedrosa observa que o acompanhamento semestral das turmas tornou-se uma das condições exigidas pela universidade para a adoção do Ação Afirmativa. “Constatamos que nas turmas acompanhadas até agora o resultado é o mesmo: aluno beneficiado pelo programa mostra melhoria no desempenho ao longo do curso, em relação aos demais”, diz o pesquisador. 

Logo no primeiro ano do Ação, a presença de aluno de escola pública aumentou 15,4%, passando de 29% para 34%. O maior impacto ocorreu nos cursos de maior procura. Em Medicina, por exemplo, informa Pedrosa, o comparecimento desses alunos passou de 10% para cerca de  25%. Isso ocorreu porque o número de pontos é fixo e, nesses cursos com mais demanda, com 30 pontos a mais, concedidos pelo Programa Ação Afirmativa, o candidato ultrapassa maior número de concorrentes. 

A admissão de jovens das raças negra e indígena aumentou 44,4% no primeiro ano. “Esse grupo passou de 11% para quase 16% do total, embora ainda esteja abaixo da porcentagem de 23% de estudantes que pertencem a essas etnias no Estado de São Paulo, mas mostra claro progresso em direção a maior eqüidade”, afirma Pedrosa. 

Potencial adormecido

O estudo começou em 2003. Na época, havia a constatação de que a maior parte dos alunos das melhores universidades vinha de escolas privadas. Na Unicamp, a proporção de estudantes nessas condições era cerca de 70%. 

A reitoria solicitou, então, que a comissão responsável pelo vestibular na Unicamp encontrasse justificativas para a adoção do Programa Ação Afirmativa. Como não havia estudos detalhados, coube a nós tomar a iniciativa”, lembra Pedrosa, que trabalhava na comissão. 

Ele e Benilton Carvalho avaliaram o desempenho dos cerca de 7 mil estudantes que ingressaram na Unicamp entre 1994 e 1997, sendo que a maioria deles, na época do estudo, estava em vias de formatura. Os pesquisadores compararam a colocação dos alunos no vestibular com a posição alcançada na média total das notas ao fim do curso. 

Pedrosa conta que a comparação indicou que o estudante da rede pública melhorava de posição ao fim do curso, em relação aos que vinham do ensino pago. Cada curso foi avaliado separadamente. 

Número de pontos

Renato Pedrosa ressalta que o Ação Afirmativa, que começou a funcionar no vestibular de 2005, não foi diretamente derivado da pesquisa, mas serviu para justificar a adoção e determinar aspectos como, por exemplo, o número de pontos a ser acrescentado à nota do estudante do ensino público. 

“Nossa estimativa é que, com a variabilidade estatística, os alunos cujas notas diferem em 10 ou 20 pontos estão, na prática, empatados. Por isso, o programa acrescenta 30 pontos ao candidato da rede pública e mais 10 para negros ou índios”, explica. 

Os autores da pesquisa criaram índice socioeconômico envolvendo o maior número possível de variáveis: se o aluno estuda durante dia ou à noite, se fez cursinho, se trabalha, qual a formação dos pais ou qual a faixa de renda. Além de considerar se o candidato tinha estudado em escolas públicas ou privadas, o índice foi correlacionado com o seu desempenho.

Os pesquisadores interpretaram que aluno do setor público e de camada socioeconômica menos favorecida tinha potencial acadêmico não desenvolvido. Colocados em igualdade de condições, mostravam superioridade. 

“Seria possível também fazer uma interpretação antropológica, concluindo que o ambiente da escola pública, mais hostil e adverso, torna o aluno mais determinado a se superar quando chega à universidade”, sugere Pedrosa. 

No fim de 2006, o estudo da Unicamp foi apresentado no Congresso Internacional da OCDE, em Paris. Depois, publicado com atualizações no periódico da instituição em fins de 2007. 

Com a formatura este ano da primeira turma que ingressou na Unicamp por meio do Ação Afirmativa, o programa será reavaliado. “Nosso grupo vai dedicar-se a estudo mais geral, para descobrir como evoluiu, nos últimos 10 anos, o desempenho do aluno das escolas pública e particular na passagem do ensino médio para o superior”, adianta Pedrosa. 

SERVIÇO

O artigo Academic performance, students background and affirmative action at a Brazilian research university, de Renato Pedrosa e outros, pode ser lido por assinantes da Higher Education Management and Policy (vol. 19 – nº 3) em www.ingentaconnect.com/content/oecd/16823451 

 

Fábio de Castro

Da Agência Fapesp

(I.P.)

 



03/29/2008


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