USP: Cursinhos populares formam além do vestibular



Existem dentro da USP vários cursos pré-vestibulares de caráter social

Para muita gente, a entrada na Universidade representa o fim de toda e qualquer relação com o Ensino Médio e com os tensos períodos pré-vestibulares. Outros, porém, continuam olhando para esse universo com preocupação e tentam, na medida do possível, contribuir para que outras pessoas possam conquistar a tão sonhada vaga na universidade pública.

Existem dentro da USP vários cursos pré-vestibulares de caráter social. Criados em sua maioria pelos próprios alunos, eles se ocupam em dar oportunidade para que estudantes de baixa renda - que normalmente tiveram acesso a uma educação básica precária - tenham condições de concorrer a uma vaga no ensino superior público. Além de funcionar sem fins lucrativos, gratuitamente ou com mensalidades baixas, são projetos sócio-culturais, no sentido de constituírem-se em espaços de discussão das formas de acesso à universidade pública e de proporcionar atividades extra-classe que formam para a vida.

A intenção é fornecer, mais que o conteúdo exigido pelo vestibular, uma formação diferenciada que, antes de tudo, dê aos alunos ferramentas de intervenção social, mesmo que não ingressem na universidade. “Por mais que nossos alunos não passem, eles saem do cursinho com a consciência de que esta é uma universidade pública e, como tal, oferece uma gama de serviços que estão disponíveis para todos, independente de terem passado ou não na Fuvest”, observa Vagner Onório, secretário do Cursinho do Crusp. O coordenador do Cursinho da FEA, Maurício Kahashiro compartilha da mesma opinião: “Nem todos serão aprovados, mas esse aluno tem que sair daqui com algum ganho”.

Outro aspecto que os Cursinhos procuram trabalhar é a auto-estima do aluno, conseguida na proporção em que ele adquire segurança para avançar com autonomia. Para Fabrício Bittencourt, coordenador pedagógico do Cursinho do XI, ligado à Faculdade de Direito, o cursinho “tem que fazer a pessoa pensar que a USP, a Unicamp, a Unesp são acessíveis para ele. Promover uma desmarginalização do aluno, para que ele se enxergue como cidadão”. Como lembra Haydèe Svab, coordenadora do recém-fundado Cursinho da Poli USP, “antes dele ser vestibulando, nosso aluno é uma pessoa”.

Nesse sentido, o desenvolvimento de atividades culturais é uma preocupação sempre presente. Muitos desses cursinhos organizam sessões de teatro e cinema, grupos cênicos e de dança com a participação dos alunos, além de visitas monitoradas a museus e outros centros de cultura. “Às vezes coisas simples, como passar um filme, possibilita a abertura de um mundo para eles”, pondera Maurício. Os cursos pré-vestibulares vêm se firmando também como espaço de discussões e engajamento político. Surgem associações representativas de alunos como a AACP (Associação dos Alunos do Cursinho da Poli), que se tornam cada vez mais participativos nas discussões sobre os critérios de acesso à universidade pública.

Para Vagner, é característica fundamental de um cursinho popular ter engajamento político que vai além de compromissos comerciais. Rubens Bias, um dos coordenadores do Cursinho Psico USP parece estar de acordo. “Acho que é próprio da universidade pensar nas formas de seleção de quem entra. É sua responsabilidade discutir as formas de inserção e os cursinhos proporcionam isso de maneira bem intensa”, pondera.

Mensalidade

Um cursinho popular, no rigor da definição do termo, não cobraria mensalidade. Contudo, diante da necessidade de se manterem - e com qualidade - sem ajuda privada ou estatal, muitos se vêem obrigados a cobrar pelos serviços prestados. Mas até quanto cursinhos pagos mantêm um caráter popular? É difícil estipular um preço máximo a ser cobrado, mas coordenadores parecem concordar que ele deve ser o mais baixo possível, mantendo-se o princípio da não-lucratividade, sem comprometer a qualidade de ensino e formação. Evidentemente, um desafio.

Para a maioria cursinhos, ser gratuito não é o essencial, mas, como observa Rubens, “ser voltado para pessoas de baixa renda deve ser sua primeira preocupação”. Haydèe também vê a questão sob essa perspectiva: “o custo é parte da concepção de projeto social, mas não é suficiente para definir como tal. Não é só porque ele é barato que ele é um projeto social, mas se for caro não tem como ser um projeto social”.

Aspectos mais subjetivos, como a formação política e cultural, recebem a mesma relevância que os financeiros na definição: “não é só mensalidade. Não tem como incluir o aluno se não se faz também um trabalho social com ele”, opina Amadour Diene, do Cursinho de Núcleo de Consciência Negra.

Os cursinhos do gênero vivem o paradoxo de serem para aqueles que menos tem condições de pagar e de, ao mesmo tempo, terem que cobrar para manter a boa qualidade de seus serviços. Além do mais, muitas vezes recorre-se a critérios socioeconômicos de seleção quando há mais inscritos que vagas: são priorizados os mais pobres, que são também os que menos tem recursos para se manter no curso, tornando sua permanência difícil. Histórias de alunos que não conseguem dinheiro sequer para o transporte são freqüentes.

Por outro lado, fazer com que os alunos tenham algum custo pode ser um incentivo para que não abandonem as aulas. “Nossa experiência mostra que cobrar uma mensalidade, por mais baixa que seja, traz um maior comprometimento do aluno”, conta Maurício Kahashiro, do Cursinho da FEA, hoje totalmente gratuito. Como se percebe, o setor, mesmo sendo de cunho popular, lida com pessoas de realidades financeiras distintas.

Cursinho da Poli

A questão do pagamento dos cursinhos populares foi o epicentro das discussões que culminaram na refundação do Cursinho da Poli na USP pelo Grêmio Politécnico (GP) em ato no último 21 de junho. A decisão foi tomada pelo Grêmio por este acreditar que o Cursinho da Poli não deu continuidade ao caráter social com que fora criado, sendo transformado “num projeto lucrativo, mais preocupado com as demandas do mercado do que com a inclusão social”, segundo o site do GP. Atualmente os alunos do Cursinho da Poli sediado na Lapa pagam pelo semi-extensivo - com início em agosto - 5 x R$ 334,00 no período matutino e 5 x R$ 255, 00 para no noturno, com possibilidade de bolsas.

Desde meados de 2004 o Grêmio rompeu seus laços efetivos com o Cursinho, por acreditar que não estava sendo respeitado enquanto parte de decisão, segundo Haydèe Svab, ainda que formalmente tivesse um dos oito postos que compõe o Conselho Curador da Fundação PoliEducar (que controla o Cursinho), sua instância máxima. Por e-mail, Edílson Adão, um dos coordenadores da unidade da Lapa, afirmou que o Cursinho da Poli apóia a refundação. “Achamos boa a iniciativa e demonstra uma preocupação há muito esquecida pela diretoria do Grêmio Politécnico que abandonou o Cursinho da Poli em 2002. É isto que queremos, que surjam mais opções para atender a enorme demanda social posta na cidade, no estado, no país”.

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08/10/2006


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