Vinte anos depois do Plano Collor, ex-presidente pede desculpas à população pelo bloqueio do dinheiro



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"Peço desculpas, as mais sentidas e as mais humildes, aos brasileiros que passaram por constrangimentos, traumas, medos, incertezas e dramas pessoais com o bloqueio do dinheiro. Lamento que tenha acontecido. Hoje, não faria de novo". Assim o senador Fernando Collor (PTB-AL) se manifesta hoje sobre o empréstimo compulsório que deixou apenas 50 mil cruzados novos (equivalente a R$ 6 mil) nas contas correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos em 16 de março de 1990, dia posterior à posse do primeiro presidente eleito após o regime militar.

- Mas a minha agenda macroeconômica prevalece até hoje, quebrou tabus como a abertura da economia, a Lei da Informática, as reservas de mercado, as privatizações, o não-calote da dívida externa. Tudo isso era parte do plano de estabilização, mas hoje só falam no bloqueio do dinheiro - lamenta Collor.

O hoje senador, que renunciou à Presidência da República em dezembro de 1992, na reta final do processo de impeachment, garante que sua queda foi "orquestrada pelo grande empresariado", que não aceitou a perda de privilégios, reservas de mercado e não absorveu a competição com produtos estrangeiros decorrente da abertura de mercado.

- Minha queda começou na Avenida Paulista, ainda em 1990, pouco tempo depois da posse - disse Collor, que tem pronto um livro em que conta detalhes de todo o período, com conversas e conspirações, mas que não sabe ainda quando será lançado. Fernando Collor concedeu a seguinte entrevista à Agência Senado e à Rádio Senado:

Em que momento da campanha o senhor sentiu que a vitória era mais do que provável e, a partir daí, começou a montar uma equipe, escolher cada um, elaborar o Plano Brasil Novo, com uma inflação já de 84% ao mês? 

Desde a campanha, sabíamos que os problemas na economia que iríamos enfrentar eram de uma magnitude nunca vista no Brasil do século passado. Por isso, pensamos em um plano que aproveitasse os erros e acertos do Plano Cruzado, para ter chances de êxito. Quando a candidatura começou a ganhar musculatura, a ter resposta nas ruas e nas pesquisas e o segundo turno parecia certo, iniciamos então a preparação do programa de governo, que teve a coordenação da economista Zélia Cardoso de Mello. 

E como o senhor chegou ao nome da Zélia? Já a conhecia? 

Sim, eu a conheci quando eu era governador de Alagoas e ela, assessora do então ministro da Fazenda Dílson Funaro, que a designou para acompanhar o meu governo, o ajuste fiscal e as reformas que fazíamos para equilibrar as contas do estado. Quando o ministro Funaro deixou o governo, a doutora Zélia continuou a trabalhar conosco, eu a contratei, ela formou uma equipe e nos prestou assessoria. Quando, já candidato a presidente, comecei a elaborar meu programa de governo, eu a convidei para coordenar o trabalho. 

O senhor já tinha idéia, durante a campanha, do que iria fazer depois de eleito?

Sem dúvida. As contas públicas estavam absolutamente deterioradas, tudo estava indexado em uma ciranda realimentadora da inflação absurda, a dívida externa era insuportável, as reservas em moeda estrangeira estavam zeradas. Mas o pior de tudo era a inflação que impedia qualquer planejamento, tanto de governo quanto da vida das pessoas comuns. Era o pior dos impostos, o elemento mais cruel e concentrador de renda de uma economia, que castiga justamente os mais pobres, que não podem se defender. Esse era o problema mais imediato. Mas a agenda que implantamos permanece até hoje, e permitiu o sucesso do Plano Real dois anos depois. Era tabu, era proibido no país falar em abertura da economia, no fim das reservas de mercado como o da informática.

Diziam que abrir o mercado de informática permitiria que o capital internacional tivesse acesso à nossa inteligência, aos nossos segredos, ao nosso conhecimento.Diziam que a dívida externa não deveria ser paga, porque era ilegítima, fora contraída de forma irregular. Diziam que o Brasil deveria romper com o FMI. Tanto que o nosso programa, em entrevistas e debates, era o oposto dos outros candidatos. Nós já falávamos em estado menos pesado e mais eficiente, em abertura da economia. Os outros candidatos defendiam um estado que resolvesse todos os problemas do país; diziam que a abertura da economia iria quebrar a indústria brasileira, construída para substituir importações. Diziam que a indústria automobilística não poderia competir com os carros importados, iria fechar e provocar desemprego. 

O único ponto em comum que todos tínhamos, e era um consenso na sociedade inteira, era a urgência de vencer a inflação. O resto eram falsos dilemas, que foram desmoralizados e não são levados mais a sério, o que demonstra que, há 20 anos, nossa visão estava correta. Infelizmente, não coube a mim estabilizar a economia, mas as bases, a semente do Plano Real foram lançadas com a nossa agenda macroeconômica. 

E como se chegou à idéia de bloquear o dinheiro, os ativos financeiros, e como o senhor recebeu a idéia?

Todo presidente aprende com o antecessor, tanto com os erros quanto com os acertos. No Plano Cruzado, vimos que o congelamento de preços foi feito em um momento de liquidez, não excessiva, mas real. E quem tinha dinheiro na ciranda financeira, no overnight, até mesmo quem vivia de salário, correu às compras, para aproveitar os preços congelados. Quem pensava em comprar geladeira, máquina de lavar e televisão nova, em trocar de carro, em consumir mais, correu às lojas. E a indústria, naquele momento, não estava preparada para repor estoques, para atender à demanda. Veio o desabastecimento, as prateleiras ficaram vazias, as pessoas tinham o dinheiro mas não tinham o que comprar. A inflação voltou então forte, uma inflação de demanda. 

Quando tomamos posse, havia ainda mais liquidez, o dinheiro aplicado na ciranda financeira se havia decuplicado, o quadro de dinheiro em circulação era incontrolável, e a moeda valia cada vez menos.Vimos então que um dos pressupostos básicos para estancar o processo, era um novo congelamento de preços. Mas não podíamos fazê-lo com todo aquele dinheiro disponível em bancos, em aplicações financeiras. 

E aí veio a idéia do bloqueio do dinheiro...

No início, pensamos apenas em bloquear por tempo determinado os títulos ao portador, os títulos da dívida pública, do Tesouro. Mas o mercado, essa coisa intangível, sabe se defender muito bem. Quando então falamos em acabar a inflação com um tiro só, perceberam logo que vinha congelamento. E pensaram: vão congelar, mas não podem incorrer no mesmo erro do Plano Cruzado. Então, o bloqueio do dinheiro será muito mais amplo. E todos começaram a migrar dos investimentos para as contas correntes e para caderneta de poupança, houve até enormes saques em dinheiro. E nós, às vésperas da posse, estávamos monitorando todo esse movimento. 

Ainda na campanha, o senhor garantiu que a poupança seria preservada.

Eu nunca afirmei isso. Ao contrário, em um dos debates eu disse que o meu adversário é que iria confiscar as poupanças, justamente para evitar que a pergunta me fosse feita. O fato


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