A força da imaginação vence o medo









A força da imaginação vence o medo
O publicitário Washington Olivetto usou e abusou da criatividade para atravessar 53 dias de isolamento num cubículo

Durante 53 dias de seqüestro, Washington Olivetto travou uma luta árdua para superar condições adversas. Na hora do desespero, apelou para o que sabe fazer melhor e levou para o cativeiro a matéria-prima dos publicitários: criatividade. Como se estivesse na mesa de trabalho, o refém não parou de pensar um segundo sequer. O resultado foi uma mistura de idéias geniais com outras um tanto mirabolantes, seguindo a cartilha do brainstorm - momento em que os criadores de comerciais deixam a imaginação fluir sem compromisso.
No cubículo com menos de três metros quadrados, Olivetto venceu obstáculos com sacadas dignas de quem exercita a imaginação diariamente. Algumas chegaram a lembrar o detetive MacGyver, do antigo seriado Profissão perigo, famoso por construir bombas letais com palitos de dente e chicletes usados.
No momento de maior tensão do seqüestro, quando a luz se foi e o ar rareava, o publicitário teve seu momento de agente secreto. Perfurou revestimentos de papelão nas paredes e soltou o parafuso de uma dobradiça usando uma das hastes dos óculos. A ação abriu uma fenda na porta e permitiu a entrada de oxigênio.

''Senti falta de ar e me passou a idéia de morrer'', disse. Mais tarde, a preocupação foi levada ao extremo. Apesar do calor, o refém ficou de camisa para não parar de suar. Lembrou da fórmula da água (H2O) e criou uma curiosa lógica: quanto mais suor evaporado, mais oxigênio no ambiente.

A noção de tempo nos 53 dias foi mantida graças à música que não parava de tocar. Olivetto calculou que cada CD tem cerca de 50 minutos, e assim foi somando. A conta imprecisa provavelmente causaria uma defasagem comprometedora ao longo das semanas, mas as anotações do refém no Dia de Iemanjá, no fim do seqüestro, faziam referência à data, mostrando que a tática deu certo.

A música ajudou por um lado e atrapalhou por outro. Com o volume nas alturas, o receio era de ficar surdo. Mais uma vez a mente funcionou e fez uma escolha difícil. A higiene foi preterida para salvar os tímpanos: na hora do banho, nada de lavar as orelhas. Assim, a cera amenizava o barulho.

O MacGyver da publicidade usou talheres de plástico para gravar nas paredes os nomes das pessoas que ama. Quando teve em mãos caneta e bloco, desandou a escrever compulsivamente. Colocava qualquer coisa no papel. ''Para não ficar louco'', explica. Valia tudo, desde o registro das obras literárias favoritas até anotações sobre projetos profissionais em andamento. A família era tema constante. ''Escrevi sobre minha mulher, sobre meu filho. Foi uma coisa bonita, afetiva.''

Redigir a mão foi quase uma volta ao passado para quem não vive sem o computador. A rotina agitada não reserva tempo nem mesmo para o livro que Olivetto está escrevendo sobre uma de suas maiores paixões: o Corinthians. Em novembro do ano passado, disse ao Jornal do Brasil que deixaria a empreitada a cargo do co-autor, o jornalista Nirlando Beirão. No cativeiro, tudo mudou. Com tempo de sobra, montou toda a estrutura do livro e poupou um bocado de trabalho do amigo.

Mas quando o sofrimento apertava a tensão se refletia no estado físico. Nos últimos dias de cativeiro, pediu aos seqüestradores uma ''bebida forte''. O objetivo não era afogar as mágoas nem tentar esquecer a situação em que se encontrava. Em mais um método da cartilha Olivetto, o álcool serviria para atenuar o formigamento e o mal-estar que sentia no peito. O medo das dores se justifica por conta de uma endocardite - inflamação no coração - adquirida recentemente.

A tacada de mestre do refém, no entanto, acabou não acontecendo. Já desesperado, pensou em simular um desmaio para chamar a atenção dos bandidos e incentivar uma possível libertação. Mas para representar tal cena, não basta ser um dos melhores publicitários do Brasil. ''Não sou ator e fiquei com medo de eles perceberem'', explicou.


Energia vai subir ainda mais em março
BRASÍLIA - As contas de energia elétrica dos 4,69 milhões de clientes da Light e da Cerj vão ficar 1,9% mais caras a partir do próximo mês. O aumento é decorrente de uma contratação de 2.105 Megawatts (MW) pelo governo federal para atender o mercado caso os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas fiquem abaixo do esperado. O reajuste dá apenas para manter as unidades térmicas à disposição dos consumidores. Mas se esta quantidade de energia tiver que ser produzida, a conta será mais salgada, com o aumento podendo chegar a 6,64% para as tarifas da Light e de 6,91% para as da Cerj.

Na prática, os consumidores estarão pagando uma espécie de seguro para que 57 usinas a diesel e a óleo combustível fiquem paradas nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Os 410 mil consumidores de baixa renda das duas empresas foram excluídos deste encargo. No Brasil, 13 milhões de clientes estão também isentos do reajuste.

Para o restante dos consumidores, o custo extra será cobrado até junho de 2006, quando deixará de funcionar a Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE), criada para gerir esta energia emergencial. No bolso do consumidor, a conta virá em dois estágios específicos. A partir de março, os 34 milhões de consumidores residenciais, industriais, comerciais e rurais do país vão pagar R$ 0,0049 para cada quilowatt (kW) consumido. Uma casa com gasto mensal de 200 kWh por mês terá um desembolso extra de R$ 1,98. Este gasto vai aparecer na conta como sendo ''encargo de capacidade emergencial''.

Se as usinas tiverem que produzir energia para atender o mercado, o consumidor teria que pagar mais R$ 0,012 pelo kWh. O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Eduardo Ellery Filho, afirmou que isso só ocorrerá se os reservatórios ficarem com pouca água, como no ano passado. Neste caso, estariam excluídos da conta consumidores com gasto abaixo de 350 kWh por mês. Numa residência com consumo de 400 kWh por mês, a despesa adicional chegaria a R$ 4,80 a cada 30 dias.


Itamar, o matador de Celso Daniel
Polícia identifica chefe da quadrilha que executou prefeito de Santo André

O crime de maior repercussão do início deste ano parece estar próximo de ser desvendado. A polícia paulista prendeu ontem um rapaz de 17 anos e garante ter identificado o líder do bando que seqüestrou e assassinou o prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT). O menor dirigiu a caminhonete Blazer, um dos carros usados na ação pelo grupo, no último dia 18. O chefe da quadrilha é Itamar Messias Silva dos Santos, apontado pela polícia como especialista em seqüestros-relâmpago, morador da favela Pantanal.

A confissão do rapaz de 17 anos serviu para esclarecer algumas das dúvidas que pairavam sobre as investigações. Ele confirmou que uma Blazer queimada encontrada pela polícia foi mesmo usada pelos criminosos. O veículo ficou escondido em um dos supostos cativeiros estourados, onde havia um envelope com o número do plano de saúde do prefeito. Em frente à casa, dois homens armados com carabinas fizeram a vigilância do seqüestrado.

O prefeito foi morto a tiros um dia depois de ter sido retirado à força da caminhonete Pajero do empresário Sérgio Gomes da Silva, com quem jantara. O corpo foi deixado em uma estrada de terra em Juquitiba.


OAB e Congresso rebatem presidente
Fernando Henrique critica manobras de advogados para soltar criminosos nos tribunais e pede mutirão para mudar leis

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso quer um mutirão do Congresso Nacional para aprovar, em uma semana, leis que mudam o Código de Processo Penal. Só as alterações legais, disse o presidente, podem p ôr fim à sensação de impunidade, que atribuiu à ação de maus advogados. Esses profissionais, criticou Fernando Henrique, recorrem a chicanas para soltar criminosos nos tribunais.
As declarações irritaram congressistas e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

''Não adianta a polícia pegar o bandido e o juiz, por articulação de um advogado - que usa as leis e deixa a Justiça sem alternativa -, liberar o bandido para assaltar de novo'', discursou o presidente, durante a inauguração do Centro Integrado de Operação de Segurança (CIOPS), no município de Novo Gama, próximo a Brasília. ''Quem matou, quem seqüestrou, tem que ir para a cadeia. Não pode ficar impune, pura e simplesmente, apelando, infinitamente, em tricas e futricas, pelos tribunais afora''.

Irritado, o presidente do Senado, Ramez Tebet (MT), disse que as medidas serão aprovadas com ''brevidade, mas sem açodamento''. Há 60 projetos na fila de votações. E devolveu ao Executivo a maior parcela de responsabilidade no combate ao crime. ''Não é o Congresso que prende assaltante e seqüestrador'', criticou. O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), foi mais longe e não escolheu palavras. ''O presidente é um macaco que não olha para o próprio rabo''. Ele acusou o governo de não ter incluído projetos da área de segurança na lista de prioridades do ano passado.

O presidente da OAB, Rubens Aprobato cobrou do presidente os nomes dos ''maus advogados''. Para Aprobato, sem identificá-los, a crítica torna-se genérica e perde a validade. O vice-presidente da entidade, Roberto Bosato, classificou de irresponsável o discurso presidencial. ''Há maus exemplos em qualquer categoria e eles não são maioria'', disse. ''Não somos responsáveis pelo caos social e pelo aumento da criminalidade.'' Bosato afirmou que a entidade não pretende reagir formalmente. ''É nhenhenhém do presidente''.

O Judiciário prefere manterse distante da briga. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Mello, disse que se o povo não está satisfeito com a legislação penal, deve empenhar-se para mudá-la no Legislativo. ''O Judiciário não pode condenar a ferro e fogo. Tem de cumprir, e tem cumprido, o que está na lei'', limitou-se.

No discurso em Novo Gama, Fernando Henrique pediu que o Congresso supere interesses setoriais. Culpou o corporativismo pela dificuldade de votar a proposta de emenda constitucional que permite aos Estados unificar os comandos das polícias militar e civil. ''Há interesses enraizados em algumas corporações'', disse. Diplomático, o presidente evitou dizer que a resistência mais forte vêm dos comandos das PMs. ''Chegou o momento de dizer um basta ao corporativismo''.

Fernando Henrique lembrou o passado de exilado político para justificar a defesa por maior rigor no cumprimento das penas de criminosos. ''Aquele que é seqüestrado, assaltado, que tem família e que morreu é ser humano também e não pode ver que seus algozes estão se beneficiando'', disse.

O ex-ministro da Justiça e líder do PMDB, senador Renan Calheiros (AL), concordou com a urgência das votações. ''Condenar alguém leva mais de oito anos'', ilustrou. Para Renan, é preciso dividir a culpa. ''O governo demorou para começar a gastar com segurança nos Estados''.


Recorde sem registro
Ricardinho equilibra a bola por 27 horas

BRASÍLIA - Atraídos pelo alarido em torno do Recordista Mundial de Embaixadas, os clientes do shopping se revezaram na platéia. Ricardo Neves abriu os trabalhos na tarde de terça-feira. Encerrou o tour-de-force às 21h da quarta. Serpentina, aplausos e aquela música do Ayrton Senna como trilha-sonora. No meio do caminho, ganhou dores nas duas panturrilhas, nas costas e no braço direito. Passou a maior parte do tempo num cercadinho de seis metros quadrados, sob os olhos da platéia. Na noite de terça, com o shopping fechado, Ricardinho e sua produção garantem que o malabarismo continuou, com o atleta dando voltas pelos corredores vazios.

Ninguém ficou contando, mas Ricardinho calcula ter feito mais de 210 mil embaixadinhas em Brasília. Parava de quando em quando para se alimentar, claro. Água mineral com canudinho, soro fisiológico, pêra e banana devidamente fatiadas. Tal dieta, explicam os nutricionistas, impede a formação de ''resíduos sólidos''. Os chamados ''resíduos líquidos'' eram despejados no baldinho, atrás de um biombo, equilibrando a bola no pescoço.

Pior para o Atlético-MG, que perdeu um esforçado aspirante. O mineiro chegou a treinar nas divisões de base do clube, mas acabou dispensado por ser baixinho: 1,60 metro. ''Tudo bem'', dá de ombros. ''É difícil achar outros caras com o meu raciocínio.''

Duzentas e dez mil embaixadas depois, Ricardinho embolsou o cachê - quantia que não revela. Nunca teve emprego regular. Vive de exibições. Agora pretende subir a Torre Eiffel, na terra de Zidane, controlando a bola. Depois, saltar de um pára-quedas fazendo embaixadinhas na abertura da Copa do Mundo do Japão e da Coréia do Sul. Se as leis da Física permitirem.


BC e Procons dividem fiscalização dos bancos

BRASÍLIA - Uma decisão salomônica foi o meio encontrado pelo governo para acabar com a disputa entre o Banco Central (BC) e o Ministério da Justiça pela fiscalização dos bancos. A partir de agora, os Procons ficarão oficialmente responsáveis por receber queixas relativas aos serviços bancários e bens de consumo. Ao BC caberá controlar as demais operações.

''O Banco Central fica com os aspectos relacionados à política monetária'', explicou o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira. ''O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor cuida das relações com o cliente.''
Tarefas - Na prática, significa que os Procons vão tratar do envio involuntário de cartões de crédito e de problemas com entrega de talões de cheques pelos correios, por exemplo. A demora nas filas das agências bancárias também será analisada pelos Procons. O BC, por sua vez, ficará encarregado de questões relativas a financiamentos e investimentos, como a cobrança indevida de juros.

A divergência entre o Banco Central e o Ministério da Justiça começou depois que os bancos recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar escapar do Código de Defesa do Consumidor. O BC, criador do Código de Defesa do Cliente Bancário, concordou com as instituições financeiras. O Ministério da Justiça, não. A ação será julgada no próximo mês.

O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, tomou a iniciativa de ir ao Ministério da Justiça selar a paz. Ontem, sem fazer alarde, reuniu-se por meia hora com Aloysio Nunes. O encontro não estava na agenda do ministro.

A divisão de atribuições ainda não foi alinhavada por completo. Ainda há muito a debater. Um dos pontos nebulosos é quem dará a palavra final sobre a cobrança abusiva de tarifas. Além disso, se o STF decidir que os bancos têm que obedecer ao Código de Defesa do Consumidor, o poder dos Procons volta a se ampliar.


Artigos

Cultura do carnaval
Paulo Roberto Direito

Muita gente critica o fato de o Brasil, o Rio de Janeiro em particular, ficar dominado pelo espírito do carnaval muito antes de sua realização. Reclama-se de que tudo pára, em detrimento do interesse da população. Exagero à parte, essa visão não leva em conta a cultura do carnaval, que se mistura com a cultura do país tropical, sem lhe arrebatar a seriedade e a grandeza.

O que se deve pôr em destaque nessa hora é a função da festa popular como marca indissociável de um povo generoso, capaz de abrir-se para a alegria, ainda que em meio a enormes dificuldades de uma tão disparatada realidade social que lança as classes dependentes de rendimentos fixos ou salários no pântano de um incerto amanhecer.

Se a festa p ertence ao povo, é preciso que todos contribuam para que exista realmente diversão, alegria, sem excessos, sem abusos, sem comportamentos agressivos ao bem-estar do tempo de cantorias e alegorias. Para isso, o carnaval não deve se esgotar no desfile das escolas de samba. Lamentavelmente, esse desfile já não é palco do povo. Os ingressos reservados para os turistas, para as elites, por preço elevado, deixam apenas uma migalha do espaço para aqueles que, verdadeiramente, fazem o carnaval, responsáveis pelo samba e pela pura alegria. O desfile, agora, e vem de longe, está mais para o espetáculo do que para a espontaneidade da explosão carioca.

É claro que vai depender do poder público a criação da retomada das condições concretas para que o povo volte a desfrutar da beleza carnavalesca. Dançar, cantar, fantasiar-se, tudo isso é parte do imaginário e do espírito de nossa gente. São bem-aventuranças da vida de quem se sente feliz. O que se deve buscar para o futuro é exatamente, encontrar o caminho para espalhar a temperança no reinado de Momo.

Para isso, espera-se que o poder público reforce a segurança das ruas, garantindo a fiscalização contra os excessos, mas sem excessos, fazendo com que a cada dia, com a intensidade da folia, sinta o povo que pode brincar serenamente, como se as ruas pudessem, de novo, ser conquistadas, sem o medo que hoje nos domina a todos.

É dever das autoridades retirar o carnaval do limite em que hoje se encontra. E introduzi-lo, para além do calendário turístico, também no calendário cultural, no espectro da arte popular, dando apoio aos criadores do espírito que se reúnem sob a bandeira dessa festa.

Dê-se, enfim, ao carnaval o elixir da atividade verdadeiramente cultural, repetindo em um grito só: carnaval é cultura, é cultura brasileira, é cultura do povo brasileiro. Tem a mesma dignidade das artes.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Uso criminoso da política
Arte do contraditório, da conciliação, exercício do embate de idéias, garantia da representação democrática e popular, a política - com freqüência muito além do suportável - tem seu sentido distorcido, seja pelos que a praticam à margem da lei, seja pelos que nela encontram proteção para infringir normas legais ou morais, seja pelos que a usam como justificativa para imprimir ao crime uma estatura de ato heróico ou gesto de perseguição de ordem ideológica.

Muito mais que uma distorção, esse tipo de prática escamoteia intenções e reduz um instrumento legítimo da sociedade à condição de adjetivo redutor do sentido puramente criminoso de certos atos e indutor de falsas interpretações a serem usadas de acordo com o interesse do freguês.

Altera tanto os fatos a nacionalidade dos seqüestradores de Abílio Diniz, em 1989, e de Washington Olivetto agora, quanto os motivos que levaram aos assassinatos dos prefeitos de Campinas e Santo André ou mesmo a origem dos assassinos de um grupo de turistas portugueses, não faz muito, em Fortaleza. Os mandantes eram compatriotas, mas os executores, brasileiros da gema.

Todos são igualmente fruto de ações criminosas, cuja qualificação diferenciada apenas confunde o cenário em que se examinam as razões da violência e as formas de combatê-la e, não raro, leva a equívocos como aquele que mobilizou não apenas o PT, mas a Igreja e o governo brasileiro pela extradição dos seqüestradores de Diniz.

Não importa se a pressão começou com o PT e os padres, e ao Ministério da Justiça coube apenas se acovardar e ceder diante de uma greve de fome. Fazer essa alegação, como muitos fazem agora, atribuindo a petistas a responsabilidade única da defesa leviana de seqüestradores, é desviar o foco do fato principal: houve privilégio, leniência e, com isso, abertura de precedentes para que os seqüestradores agora em questão - os de Olivetto - aleguem suas discordâncias com a ditadura chilena para confiscar a liberdade, perturbar a sanidade, negociar a sobrevivência e, no limite, extinguir a vida de um ser humano.

Nesse diapasão, é absolutamente impróprio que se crie uma artificial diferença entre crime comum e crime político. Assassinatos, roubos, seqüestros são crimes, seja qual for a motivação. E o exercício da política, da expressão do pensamento, nunca é criminosa. A não ser para os regimes totalitários. Criminosos por definição.

Está correto o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, quando rejeita, em princípio, a tese da extradição. Entre outros motivos porque, para não ser contraditório, precisaria defender junto ao Supremo Tribunal Federal a imediata resolução do caso da mexicana Gloria Trevi - confinada no presídio da Papuda sem que nenhuma acusação tenha sido formalizada contra ela, legalmente.

Os erros cometidos à época do seqüestro de Abílio Diniz - desde por parte de quem caiu na armadilha de atribuir-se a autoria a simpatizantes do PT até os que foram pegos por ela depois na defesa dos bandidos - não devem servir, agora, a comparações equivocadas. Mas a lições aprendidas e jamais repetidas. A mais importante, a de que não existe ideologia no crime, a não ser como arma de desmoralização da política.

A voz de Saramago
O encerramento do Fórum Social Mundial em Porto Alegre recuperou, literalmente, a expressão ''esquerda festiva'', algo esquecida - por pejorativa - no tempo. O ritual dançante que encerrou o Fórum deixou em segundo plano a única idéia consistente produzida, na verdade, por um ausente: o Prêmio Nobel de literatura José Saramago.

Deixando de lado a autocomplacência e o conservadorismo que assolam certa esquerda, Saramago tocou no ponto que, se bem explorado, poderia fazer de encontros como o de Porto Alegre reuniões produtivas para o efetivo avanço do ''novo mundo'' que pregam, mas, contraditoriamente, impedem sua consecução por reverência a valores vencidos no tempo e no espaço.

É isso o que diz Saramago na mensagem que enviou ao Fórum, alertando para a banalização das posições dos partidos, da burocratização do sindicalismo, segundo ele, ''responsáveis pelo adormecimento social decorrente da globalização econômica''.

Crítico feroz e, por vezes, intolerante da globalização, o escritor português aponta a ausência de condições de se estabelecer um contraponto sério e eficaz, por causa da insistência dos partidos de esquerda na repetição de ''fórmulas caducas'' que os faz ''alheios e impotentes às brutais realidades do mundo atual, fechando os olhos para as evidentes ameaças que o futuro está a promover contra aquela dignidade sensível e racional que imaginamos ser a ação de todos os seres humanos''.

Ou seja, Saramago vai ao cerne: ou os que se revoltam contra a supremacia ''dos poderosos'' aceitam o contraditório, a autocrítica e o pluralismo de idéias, ou continuam celebrando a si próprios, mas sempre inertes e a reboque daqueles que condenam.


Editorial

TRABALHO E VOTOS

Ao fazer o balanço de sete anos de seu governo, o presidente Fernando Henrique afirmou que lançou as sementes que vão mudar a face do país. Reconheceu que falta muito por fazer e é preciso avançar mais, mas advertiu que não se deve jogar fora tudo que aí está. ''Não vamos deixar jogar fora um Brasil novo'', disse. ''O rumo está dado e temos de seguir nesse projeto com mais energia''. O tom de desafio, quase uma provocação, certamente não ficará sem réplica dos partidos de oposição. Porém, dois aspectos da fala presidencial estão acima de paixões e juízos de valor. O primeiro é a decisão de governar até o último dia do mandato ''como se ele estivesse no início''. E o segundo foi o apelo para que o ano eleitoral não prejudique os trabalhos do Congresso. Por mais ferrenho que seja o crítico, é forçoso rec onhecer que o governo e o país não podem parar por causa de eleições.

Quanto à máquina estatal, cabe ao Poder Executivo mantê-la azeitada e em funcionamento. Existem 11 meses de trabalho pela frente, e, ao que se sabe, o governo economizou recursos no Orçamento de 2001 para tocar obras e projetos importantes este ano, especialmente nas áreas de saúde e educação. Estima-se que o primeiro escalão tenha reservado R$ 13,7 bilhões para novos investimentos. Não há motivo para surpresa. Mesmo na esfera estadual, os dois primeiros anos de mandato são usados para fazer caixa e planejar obras. Os projetos se desenvolvem no terceiro ano. E no último vem o período de realizações e inaugurações, que coincidem com períodos eleitorais. Não se inauguram grandes obras em meio de mandato. Assim manda a tradição e assim se fazem os sucessores.

Se o esforço de caixa mantém a tradição republicana, outro hábito deveria ser demolido a marretadas. Trata-se do histórico esvaziamento do Congresso em anos marcados por eleições. Argumentam os políticos que não é possível evitar a ênfase às campanhas partidárias nos Estados. E este ano - com eleições em todos os níveis, exceto o municipal - não será diferente. Os 513 deputados estão atrás de votos e 54 dos 81 senadores encerram o mandato em dezembro. Conclusão de quem é do ramo: a agenda do Congresso está prejudicada e é remota a chance de o governo conseguir aprovar projetos polêmicos. Tudo recairá sobre a nova legislatura.
O presidente da República, porém, mostrou-se confiante: ''Espero que as leis sejam votadas. O governo vai trabalhar para que essa agenda se cumpra, pois ainda restam 11 meses, e esse tempo não pode ser perdido''. No mesmo diapasão, o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães, afirma que ''não há desculpa para alguém dizer que em ano eleitoral não há como trabalhar''. Há quem sustente que o apelo é inútil. E as promessas de esforço concentrado cairão no vazio, não passarão de meras palavras.

É lamentável. Acima das ambições políticas estão os interesses do país. A pauta de votações é extensa e inadiável. Envolve temas econômicos como a prorrogação da CPMF e a regulamentação do sistema financeiro mas também inclui questões de cunho mais amplo, vitais para a sociedade - entre elas, a modernização da lei de execuções penais, o combate ao crime organizado, as novas atribuições da Polícia Federal e a autonomia na gestão das polícias estaduais. Não faz o menor sentido prejudicar votações importantes em nome de resultados eleitorais. Quem age assim não merece pedir votos. E, muito menos, recebê-los.


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02/08/2002


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