Aos 20 anos da web, Brasil discute marco legal



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A web pública completou 20 anos em 30 de abril, e duas semanas depois o “pai” da aniversariante veio ao Brasil dizendo que o país está na vanguarda da legislação sobre internet. O cientista britânico Tim Berners-Lee participou da World Wide Web Conference 2013, no Rio de Janeiro, onde 1.097 participantes de 46 países debateram presente e futuro da rede. Em 1993, na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, Berners-Lee publicou um documento que tornou as tecnologias da web de domínio público e livres de royalties. Para comemorar o aniversário, a Cern recuperou o endereço original do primeiro site da história (1992).

No Rio, Berners-Lee declarou apoio ao projeto de Marco Civil da Internet (PL 2.126/2011), que está pronto para ser votado na Câmara antes de chegar ao Senado. Ao lado do deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator da proposta, o cientista incentivou os brasileiros a pressionarem para que a votação comece logo. Segundo ele, o Brasil está à frente dos demais países porque a proposta parte da perspectiva de direitos humanos. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, também participou da conferência e reforçou o apoio.

O projeto trata de direitos do usuário da web, com regras gerais para funcionamento. Molon disse que a votação na Câmara ainda não aconteceu devido à resistência de ­alguns grupos, em especial de provedores de internet. Segundo o deputado, o marco civil será o primeiro passo, de onde virão outras leis sobre áreas específicas, como comércio eletrônico.

— Parte dos aspectos civis estão sendo propositalmente deixados de fora, como o direito autoral, para outra legislação específica — explica Igor de Freitas, consultor do Senado.

Ficam fora do marco civil questões penais, por exemplo. Elas serão tratadas em leis próprias, como a Lei 12.737/2012, que entrou em vigor no mês passado ­estabelecendo prisão de até um ano, mais multa, a quem invadir computadores, ­smartphones ou tablets para acessar dados sigilosos sem autorização ou disseminar vírus.

As duas principais questões tratadas no marco civil, disse Freitas, são a qualidade do serviço e o uso de dados pessoais de navegação. Ele explica que o direito à privacidade conflita com os interesses da livre iniciativa para fins comerciais: grandes serviços on-line, como Google e Yahoo, têm boa parte das receitas vindas da venda dos dados dos usuários ao mercado corporativo. Freitas lembra que a cobrança por serviços básicos na internet acabou, pois o lucro vem das informações geradas pelo próprio usuário.

Apesar da importância dos temas apontados por Freitas e do entusiasmo do “pai da web”, o projeto de marco civil sofre críticas. O pesquisador de Ciência e Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) Marcello Barra diz que o texto deveria priorizar a universalização do acesso.

— Do jeito que o projeto está, consagra a exclusão digital e aumenta a exclusão social. Tinha que começar com a democratização do acesso, não com as relações comerciais. Na verdade, é um marco anticivil - afirma.

O pesquisador enfatiza a necessidade de democratização do acesso para fortalecimento da democracia pela liberdade de informação. Para exemplificar, lembra que semana passada a Comissão da Verdade informou que, em 1993 a Marinha mentiu sobre 11 mortes ocorridas ­durante a ditadura militar.

— Nem todos os setores da sociedade têm interesse de que a informação flua de maneira mais democrática — afirmou Barra.

O governo tem anunciado ações no sentido de democratizar a internet. Há três anos foi lançado o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), para viabilizar acesso com velocidade de um megabyte a R$ 35 mensais, beneficiando 40 milhões de pessoas em 4.278 municípios do Brasil até o fim de 2014. Limitações técnicas, porém, têm impedido que as metas estejam sendo atingidas e só 56% das cidades foram atingidas até agora. Freitas afirma que houve excesso de otimismo; Braga diz que faltam investimentos públicos.

Em julho, o governo pretende lançar o PNBL 2.0, orçado em R$ 125 bilhões, e parte dos recursos serão investidos  em um satélite a ser lançado no fim do ano que vem. O sistema atenderá cidades onde as dificuldades para implantação da rede física são maiores, principalmente no Nordeste. A meta do governo é, em cinco anos, fazer a internet chegar a 90% dos domicílios.

Senado procura manter a legislação atualizada

No Senado, os debates sobre internet também têm priorizado a universalização do acesso, principalmente com alta velocidade. O presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), Zeze Perrella (PDT-MG), lamenta que o setor de informática no Brasil esteja num patamar inferior ao dos países desenvolvidos, apesar dos preços mais altos.

— Vamos responder ao desafio da massificação dos serviços de banda larga — afirmou o senador.

Perrella mostra preocupação com a velocidade das ­inovações e afirma que a legislação nunca pode ficar ultrapassada. Uma das prioridades da CCT, segundo ele, é evitar o "descompasso das leis com a realidade".

Em abril, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, participou de audiência pública na CCT para falar sobre metas para os dois próximos anos. Ele previu que o preço dos ­smartphones tenha redução de até 30% devido à decisão do governo de deixar de cobrar PIS e Cofins para aparelhos de até R$ 1.500, conforme publicado dia 9 no Diário Oficial da União.

Na audiência, o ministro afirmou que há 263 milhões de celulares no Brasil, dos quais 80% são pré-pagos. Segundo ele, as vendas de smartphones aumentaram 700% entre 2009 e 2012. Paulo Bernardo estima que, até o ano que vem, os aparelhos cheguem à metade das vendas de celulares no país.

Sobre as ações que estão sendo desenvolvidas para oferecer banda larga barata e com qualidade, Paulo Bernardo citou a aprovação, no Senado, do projeto de Lei Geral de Antenas (PLS 293/2012), do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que permitirá o avanço da rede 4G, com mais velocidade nas conexões sem fio. A proposta agora aguarda votação na Câmara.

Em maio, a CCT ouviu o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Batista de Rezende. Ele anunciou que alguns dias depois seriam divulgados os primeiros resultados da medição da velocidade dos serviços de banda larga fixa em três estados: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. As operadoras conseguiram cumprir as metas da Anatel (resultados aqui: http://bit.ly/anatelbandalarga).

Até agosto, segundo Rezende, serão divulgados os resultados dos serviços de banda larga em todos os estados. O objetivo é dar ao usuário mais condições para escolher. Pelas regras, as ­empresas devem entregar no mínimo 60% da velocidade prevista em contrato para a banda larga — tanto fixa quanto na móvel. No ano que vem, o índice aumentará para 70%.

Economia digital representa 3,2% do PIB brasileiro

Estudo divulgado em abril pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) revela que a economia digital representa 3,2% do produto interno bruto (PIB) de Brasil, Argentina, Chile e México. Na União Europeia, a parcela chega a 5% do PIB. A secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, destacou a necessidade de promover a economia digital para avançar na redução da desigualdade.

Segundo a Cepal, as tecnologias da informação contribuíram para 14% do crescimento do PIB brasileiro entre 1995 e 2008. O estudo demonstra também que o comércio eletrônico tem crescido no país: visitas aos sites de compras alcançaram 91% dos internautas no Brasil.

— É difícil aferir números mais específicos, como a número de empregos gerado pela internet. Mas há dados que dão a dimensão do potencial: o segundo maior captador de anunciantes publicitários do Brasil hoje é o Google. Só perde para a Rede Globo — disse o consultor Freitas.

O ministro Paulo Bernardo prevê empresas de internet vão engolir as de rádio, televisão e todas as mídias. Ele questiona o conceito de oligopólio e aponta a tendência de convergência de mídias. Nas palavras dele, “tudo vai virar uma coisa só, trafegando pela internet”.

No Brasil, a internet alcança atualmente 82,4 milhões de pessoas com mais de 16 anos de idade. Segundo o IBGE, o número de internautas brasileiros cresceu 143,8% de 2005 para 2011, período em que a população cresceu 9,7%. O acesso à internet continuava sendo maior entre os jovens, especialmente nos grupos etários de 15 a 17 anos (74,1%) e de 18 ou 19 anos de idade (71,8%). Os números do IBGE foram divulgados em 16 de maio, véspera do Dia Mundial da Internet, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011.

Apesar de 53,5% dos brasileiros com mais de 10 anos de idade ainda não utilizarem a rede, a proporção de internautas aumentou mais nas classes de rendimento mais baixo (veja gráfico ao lado), na direção da democratização. Em 2011, dos 29,2 milhões de estudantes da rede pública, 19,2 milhões (65,8%) usaram a internet. Já entre os 8,4 milhões da rede privada, 8,1 milhões (96,2%) usaram a internet. Em 2005, os percentuais eram 24,1% e 82,4%.

O que a internet está fazendo com nossos cérebros?

Não é exagero dizer que nestes 20 anos a internet mudou o mundo. A comunicação de massa ficou muito mais democrática, as fontes de informação multiplicaram e o espaço para debate se ampliou. Qualquer pessoa pode ser produtora e difusora de informação. Em contrapartida, é preciso ter mais cuidado ao receber qualquer notícia: checar, confirmar, filtrar.

— Em relação a comunicação e conhecimento, temos hoje outra sociedade. Há 20 anos, apenas um grupo restrito de autoridades e grandes empresas tinha condições de ter acesso a serviços de informação que hoje são oferecidos gratuitamente — disse Marcello Barra.

Mas há críticas às mudanças que a internet provoca. O jornalista norte-americano Nicholas Carr lançou, em 2011, o livro A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Ele afirma que o excesso de informações oferecidas na internet tem causado impacto negativo na nossa capacidade de reter informações, tornando-nos rasos e superficiais. Com base em pesquisas, o autor argumenta que a rede está mudando a estrutura e o funcionamento do cérebro.

Barra discorda de Carr. Afirma que, pelo contrário, a internet difunde textos e resgata a palavra. Nesse novo contexto, até a venda de livros cresceu, segundo ele. O pesquisador da UnB acredita também que a internet não mudou a essência da estrutura da sociedade nem das relações de produção. Mas diz que, na questão dos contatos pessoais, as relações estejam ficando mais transparentes, mais honestas.

— As pessoas vão se revelando mais devido à exposição on-line. Além disso, como a internet dá vazão a muito mais informação, o autoconhecimento aumenta. A gente muda com informação e conhecimento — afirma.

Saiba mais

- Site da Cern em comemoração aos 20 anos de web pública (em inglês)

- Principais pontos do projeto de Marco Civil da Internet

- Apresentação do ministro das Comunicações na CCT em 9 de abril de 2013

- Apresentação do presidente da Anatel na CCT em 7 de maio de 2013

- Revista Em Discussão! sobre expansão da banda larga
(fevereiro de 2011)

- IBGE: acesso à internet e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2011



28/05/2013

Agência Senado


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