Bolsa Família pode ser replicado internacionalmente
O secretário-geral da Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA, na sigla em inglês), Hans-Horst Konkolewsky, anunciou que a entidade, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), iniciará uma campanha para estimular que o modelo do Bolsa Família seja replicado em outros países em desenvolvimento. Konkolewsky esteve em Brasília para participar das comemorações de 10 anos do Bolsa Família, em outubro, e concedeu entrevista, em que comenta sobre a campanha e sobre os motivos que levaram a ISSA a premiar o Brasil.
MDS – O que determinou a escolha do Brasil para receber o I Prêmio por Desempenho Extraordinário em Seguridade Social?
Konkolewsky - O prêmio é atribuído a instituições e programas de acordo com a relevância da contribuição que oferecem para a proteção social no país. No caso do Brasil, o Bolsa Família foi premiado porque conseguiu preencher todos os três requisitos estabelecidos pela ISSA. Em primeiro lugar, pelo forte compromisso político do governo e de seus líderes em relação à proteção social e suas condicionalidades. O segundo critério foi a excelência na implementação e administração do programa pelas autoridades federais, estaduais e municipais. E o terceiro, e muito importante, é o extraordinário impacto do Bolsa, ou seja, é possível apresentar resultados de que ele funciona de verdade. Havia uma lista de fortes candidatos a esse prêmio, mas o Bolsa Família despontou claramente como o mais preparado e o que, de fato, preenche todos os critérios da Associação, além de ter sido o programa que obteve as mais elevadas notas em todos os requisitos.
MDS – Muitos países já demonstraram interesse em conhecer o programa brasileiro. O Sr. vê a possibilidade de que o Bolsa Família venha a ser adaptado para outros países?
Konkolewsky – Na verdade, também esse foi outro critério estabelecido por nós e que o Bolsa Família também preenche magnificamente: o de que o programa não poderia ser tão específico e característico de um país, que não pudesse ser transferido para outro. No entanto, é preciso reconhecer que não é possível, simplesmente, transferir um programa ou um sistema e implantá-lo de forma idêntica em outro país. Sempre haverá um contexto específico cultural ou circunstancial de cada nação que deve ser respeitado. E, ainda assim, o programa brasileiro recebeu uma nota alta neste quesito, o que desperta muita curiosidade em relação ao seu funcionamento.
MDS – O que mais desperta o interesse de outros países pelo Bolsa Família?
Konkolewsky - Posso dizer que tem havido muito interesse na experiência brasileira com o Bolsa Família. Há muita colaboração de outros países, por exemplo, no grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e temos conhecimento de que muitos estudos e pesquisas vêm sendo feitos internacionalmente sobre o Bolsa Família. E muitas delegações de outros países têm vindo ao Brasil para conhecer o programa. O que mais atrai atenção é a filosofia por trás do Bolsa Família, que oferece aos mais pobres um benefício base para as necessidades mais urgentes, mas condiciona isso a certas exigências, como, por exemplo, matrícula e assiduidade da criança na escola e avaliação periódica de saúde das crianças e da família. Então, eu penso que é por isso que esse modelo vem sendo estudado com atenção no mundo inteiro. Inclusive, vários elementos do Bolsa Família já estão sendo replicados em vários países.
MDS – Em sua opinião, que condições são necessárias para que o Bolsa Família seja multiplicado em outros países?
Konkolewsky - A experiência brasileira desperta muito interesse internacionalmente, notadamente nos países que estão fazendo a transição similar de um estágio econômico a outro. Ou seja, quando ainda há sérios problemas de pobreza em que é necessário assegurar ajustes sociais para corrigir desigualdades decorrentes do desenvolvimento econômico. Digo isto porque o que nós sabemos é que o investimento feito no programa Bolsa Família, além de se pagar, ele se multiplica, já que retorna para o país em forma de crescimento econômico e social. Ou seja, gera empregos e riqueza para a sociedade. Então, definitivamente essa experiência com o Bolsa Família é bastante relevante mundialmente. Para termos uma ideia, o programa brasileiro serviu de inspiração para a edição de uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em que se estabelece um patamar mínimo de proteção social, de forma que todas as nações se comprometeram a conquistar esse patamar de segurança social. Então é claro que haverá ainda mais interesse, por parte dos países que ainda não conseguiram estabelecer esse patamar mínimo, de olhar com atenção para a experiência do Brasil. Estou convencido de que a experiência com o Bolsa Família já pode ser considerada um marco para que países em desenvolvimento alcancem certo grau de seguridade social e manterá essa importância no futuro.
MDS - É realista a aplicação do Bolsa Família em outros países, considerando as realidades distintas de cada nação?
Konkolewsky - Implantar um programa ou um sistema de seguridade social já é algo complexo, principalmente copiar o modelo de um país para outro. Há diferenças do sistema de governo, regime escolar, forma de tributação, redistribuição de renda, entre outros. Não existe um único modelo. No entanto, países em situação econômica e social semelhante ao Brasil certamente vão analisar com interesse o modelo do Bolsa Família. Um dos aspectos mais interessantes é o baixo custo, apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou seja, bastante razoável ao orçamento de qualquer país em desenvolvimento. Acredito ser possível se preparar financeiramente para um programa como esse.
MDS – Então seria uma questão de vontade política?
Konkolewsky – Sim, é uma questão de prioridade e de comprometimento político, porque sabemos que financeiramente é possível. Penso que é importante dialogar com os países para que se compreenda a importância de se construir sistemas eficazes de seguridade e proteção social, porque sabemos que é um investimento no capital humano, no desenvolvimento da sociedade e não apenas um custo. É, de fato, um investimento, como enfatizaram em seus discursos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff. Seria importante que o governo brasileiro, como já vem fazendo, promova cada vez mais esse conhecimento em fóruns internacionais. O Brasil e o governo brasileiro foram muito proativos durante as discussões e a formulação da recomendação da OIT, adotada há um ano. Essa experiência brasileira foi a base para esta recomendação internacional, ou seja, o modelo brasileiro já foi ‘traduzido’ em um instrumento internacional. A grande questão agora é saber quanto tempo os países vão levar para adotar a recomendação da OIT e implantar um sistema de seguridade social mínimo, de tal forma que proteção social torne-se um dos diretos humanos básicos.
MDS – As convenções e campanhas da OIT são adotadas por grande parte dos países das Nações Unidas. É possível para a ISSA realizar algo nos mesmos moldes mundialmente?
Konkolewsky - Eu acredito que, para promover essa nova recomendação de seguridade social, haverá a necessidade de se criar uma aliança internacional para assegurar sua implementação mundialmente. Para mim faz sentido que agora, já no ano que vem, seja o momento adequado para promover e realizar uma campanha para que ele seja implementado pela maioria dos países. A Associação fez um memorando de entendimento, em associação com a OIT, dando apoio incondicional à adoção desta recomendação. No entanto, é a OIT a organização responsável por isso, já que está em contato com representantes de governos, trabalhadores e empregadores. A OIT ficará responsável por sua implementação em nível político, enquanto a ISSA se responsabilizará pelo lado administrativo entre os nossos associados.
MDS – Quando esta campanha será iniciada?
Konkolewsky- Nós começaremos esta campanha daqui a duas semanas em Doha, no Catar, quando teremos a cerimônia da entrega do prêmio ao Brasil e algumas rodadas de discussões sobre seguridade social. Um dos dias do Fórum Mundial de Seguridade Social, que acontecerá de 10 a 15 de novembro, será inteiramente dedicado a debater proteção social e sua abrangência em nível mundial. Haverá também uma sessão dedicada às experiências dos países do BRICS, entre eles o Brasil, que fará uma explanação sobre o Bolsa Família. No mesmo dia, a OIT apresentará sua recomendação de seguridade social e a ideia da campanha para sua adoção. Será durante o Fórum que o Brasil receberá o Prêmio para Desempenho Extraordinário em Seguridade Social. Nesse dia tão especial, queremos mobilizar a atenção mundial, e em especial dos países associados à ISSA, de forma que eles se tornem parceiros ativos na promoção da abrangência de seguridade social. No último dia do Fórum teremos seminários com ministros de Estado de diversos países, que debaterão a questão da vontade política e de como é possível desenvolver o comprometimento político para ampliar a abrangência da proteção social e estabelecer sistemas e programas como o Bolsa Família
Fonte:
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
14/11/2013 11:29
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