Cançado vê nova relação entre Estados e tribunais internacionais
Eleito para integrar a Corte Internacional de Justiça, em Haia, o professor Antônio Augusto Cançado Trindade recorreu a sua longa experiência como ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos para expressar seu otimismo em relação ao futuro posto. Durante audiência pública promovida nesta quinta-feira (18) pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), ele disse ter recebido, de países que condenou por violações de direitos humanos, muitos dos votos necessários à sua eleição para integrar o tribunal.
- Condenei muitos Estados, mas todos os de nossa região me apoiaram com seus votos. Isto seria impensável há alguns anos e demonstra a existência de uma mudança de mentalidade, pois os Estados hoje sabem o que é e o que deve ser um tribunal internacional - disse o professor.
Cançado foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça no dia 6 de novembro e tomará posse em fevereiro em Haia, na Holanda. Ele recebeu os votos de 163 países representados na Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde foi aplaudido de pé. Também recebeu 14 dos 15 votos do Conselho de Segurança da ONU, onde foi registrada a abstenção dos Estados Unidos. Ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele recebeu neste ano o IX Prêmio USP de Direitos Humanos, na categoria individual.
Durante a sua exposição aos senadores, Cançado ressaltou inovações que promoveu na Corte Interamericana, como a maior presença de indivíduos demandantes nas sessões da corte, durante as quais esses indivíduos passaram a argumentar em causa própria. O novo juiz da Corte de Haia recordou ainda haver sempre defendido ampla participação de peritos, psicólogos, sociólogos e antropólogos nos debates de casos como os de massacres ocorridos em países latino-americanos.
Cançado disse ter recebido um "benefício espiritual" pela conclusão de julgamentos de casos graves de violações de direitos humanos. Entre esses casos, ele mencionou o do seqüestro de 626 crianças em El Salvador, para posterior venda a interessados em sua adoção. Durante visita a uma universidade de San Salvador, relatou o professor, ele foi cumprimentado por um grupo de jovens que estavam entre as crianças raptadas.
- Sem a justiça internacional, nada disso teria sido possível - disse Cançado.
O professor afirmou ainda ser contrário à criminalização dos migrantes sem documentos que vem sendo adotada, como observou, por países desenvolvidos. Em sua opinião, as fronteiras foram abolidas apenas para os capitais, mas não para as pessoas. Autor do requerimento para a realização da audiência, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) - que presidiu a reunião - também reiterou sua preocupação com a situação dos migrantes e disse estar satisfeito com o anúncio a ser feito nos próximos dias pelo governo brasileiro, de anistia aos imigrantes irregulares que se encontram no país.
Tortura
Em resposta a uma questão formulada pelo senador José Nery (PSOL-PA), a respeito do debate que se trava atualmente no país sobre os limites da aplicação da Lei da Anistia, Cançado disse ser contrário à inclusão entre os anistiados de responsáveis por atos de tortura. Em sua opinião, não pode haver anistia á tortura, uma vez que se trata de um "crime contra a humanidade".
Ainda durante a reunião, o senador Flávio Arns (PT-PR) criticou a demora de organismos internacionais em socorrer vítimas de guerras. Lamentou ainda a dificuldade encontrada pelo cidadão comum em ter acesso a cortes internacionais, como a de Haia. Por sua vez, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apontou a existência de "lacunas" na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que acaba de completar 60 anos. A declaração, a seu ver, deveria incluir dispositivos em favor do direito a um meio ambiente saudável e a uma educação de qualidade para todas as crianças.
18/12/2008
Agência Senado
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