Candidatos terão de adaptar seus programas









Candidatos terão de adaptar seus programas
Raul Velloso diz que candidatos terão de adotar 'camisa-de-força' para cumprir metas

BRASÍLIA - O ajuste nas contas públicas nos próximos três anos, previsto no novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), vai exigir que os quatro presidenciáveis reavaliem seus programas de governo, principalmente nos itens relativos às linhas gerais de condução da economia. Esta é a opinião do especialista em finanças públicas e economista Raul Velloso. "A não ser que os candidatos repudiem o acordo, eles terão de seguir a camisa-de-força que é a obrigação de cumprir a meta de superávit primário até 2005", enfatizou.

Pelo acordo, União, Estados, municípios e estatais terão de fechar suas contas com saldo positivo - antes do pagamento de juros da dívida pública - equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de R$ 53 bilhões.

Deste total, a responsabilidade do governo federal chega a R$ 40 bilhões.

FMI - Na avaliação do economista, o anúncio do novo acordo trouxe uma linha divisória no comportamento dos presidenciáveis.

"Antes, o céu era o limite em termos de programa de ação, mas agora, em troca dos US$ 30 bilhões, o FMI está fazendo aquilo que os mercados e a equipe econômica atual queriam", comenta ele. "O novo governo já está comprometido com a manutenção do ajuste das contas públicas no nível ideal para estabilizar o crescimento da dívida pública."

Na prática, segundo Velloso, o acordo criou um mecanismo de coordenação das políticas macroeconômicas para praticamente 75% do tempo de mandato do presidente que será eleito em outubro. "Daqui para a frente, a discussão deixará de ser de devaneios de política econômica e fiscal para ser mais equilibrada."

Pelas estimativas do especialista, já no primeiro ano, o novo governo terá de repor cerca de R$ 14 bilhões de receitas que não se repetirão em 2003, a não ser que medidas tributárias sejam aprovadas ainda este ano no Congresso para manter alíquotas adicionais que se extinguirão em dezembro. Além disso, ainda há o fato de que neste ano a União receberá cerca de R$ 7 bilhões de recursos extras por causa do acordo com os fundos de pensão.

Uma das formas de obter mais recursos, geralmente mencionadas pelos candidatos, a do crescimento, lembra Velloso, depende demais de fatores hoje ainda incertos, pois mais investimentos só virão de o risco-país cair. E, como lembram os economistas que discutem o assunto, esses investimentos dependemdiretamente de um ajuste fiscal feito do lado das despesas.

Durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique, as despesas cresceram, mas as receitas também aumentaram, e numa proporção maior. Mas não há nenhuma garantia de que esse tipo de situação continue acontecendo.


Alckmin bate boca com candidato do PMDB
Em debate na TV, eles trocam acusações de corrupção em polêmica sobre o Rodoanel

Com a ausência de Paulo Maluf (PPB), o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que tenta reeleição, se transformou no principal alvo dos participantes do primeiro debate entre os candidatos ao governo de São Paulo, realizado na noite de ontem pela TV Bandeirantes. No momento mais polêmico do encontro, Alckmin protagonizou um bate-boca com o candidato do PMDB, o jornalista e escritor Fernando Morais.

Ao responder a uma questão sobre o Rodoanel, Morais disse que a obra, uma das principais do governo no Estado, estava envolvida em denúncias de corrupção. Alckmin respondeu com veemência. “Corrupção é no quintal de outras pessoas. Ele (Morais) deveria procurar corrupção no seu quintal.”

Morais rebateu com dureza. “Não lhe dou o direito de se dirigir a mim dessa maneira insultuosa”, disse. “Meus bens somados, se vender hoje, não pagam metade dos outdoors a que tenho direito pela Justiça eleitoral.”

O peemedebista, cujo nome vem aparecendo em destaque secundário nos outdoors do candidato ao Senado pelo PMDB, Orestes Quércia, utilizou grande parte de suas falas para atacar o governo. Além do Rodoanel, ele criticou a política de segurança e a renegociação da dívida estadual com a União.

O candidato do PTB, Antonio Cabrera, também atacou bastante o governador, que solicitou vários pedidos de resposta durante o programa. Os candidatos Carlos Apolinário (PGT) e Ciro Moura (PTC) também entraram na onda contra Alckmin. “Eu sou o candidato do governo e os outros que estão aqui são oposição. Eu não tenho como responder tudo, mas ao longo da campanha nós vamos esclarecer uma série de números que foram colocados aqui de uma forma equivocada”, disse Alckmin, em suas considerações finais.

Num dos poucos momentos de debate entre candidatos que apresentam um desempenho relevante nas pesquisas de intenção de votos, José Genoíno (PT) perguntou a Alckmin sobre “o fracasso da segurança pública do governo”. A resposta do tucano veio em tom ácido, com críticas ao vice-prefeito da capital, Hélio Bicudo (PT), que é ligado a entidades de direitos humanos. “O vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, que não sei se será secretário de segurança de Genoíno, tem causado enormes problemas quando a polícia enfrenta de maneira firme as organizações crininosas”, alfinetou Alckmin.

Ausência – A ausência de Maluf também foi assunto de destaque no debate. Frases como “fugiu e se escondeu” ou “não honrou a palavra” foram algumas das utilizadas para atacá-lo. O mediador do encontro, José Paulo de Andrade, lembrou por duas vezes que Maluf não foi ao debate alegando que o formato adotado pela emissora, com dez participantes, seria “insuficiente” para que os candidatos pudessem apresentar suas propostas.

“Quem foge ao debate ofende o eleitor; lamento que um candidato tenha fugido e se escondido”, disparou Alckmin, em sua primeira fala no encontro. Genoíno disse que Maluf não manteve a palavra. “Não é bom para o governo um candidato que queira governar o Estado e não honre a sua palavra.”

Já prevendo os ataques, Maluf falou sobre o assunto na manhã de ontem. “Se eu estivesse presente, reagiria às acusações na hora. Como não estarei, responderei via mídia.”

Sono – Vários políticos que compareceram, ontem, ao debate entre os candidatos ao governo consideraram o programa confuso e “morno”, por causa do grande número de participantes, o que não permitiu discussões mais aprofundadas.

Para o presidente do PSDB e candidato ao Senado, deputado José Aníbal (SP), o debate estava “muito confuso e fragmentado”. Tanto isso era verdade que o próprio Aníbal acabou cochilando na platéia, enquanto os debatedores faziam perguntas entre si.

O encontro teve audiência média de 6 pontos no Ibope – cada ponto equivale de 80 mil pessoas na frente da televisão – nos três primeiros blocos. Também participaram do debate na Bandeirantes os candidatos Carlos Pittoli (PSB), Robson Malek (Prona) e Pinheiro Pedro (PV). (Colaborou Agência Estado)


No Rio, críticas à segurança e ao governo de Garotinho
Benedita se defendeu, Rosinha defendeu o ex-governador e todos atacaram a violência

RIO – A segurança pública foi o tema dominante no debate entre os quatro principais candidatos ao governo do Estado do Rio, promovido ontem à noite pela Rede Bandeirantes. Todos os candidatos se comprometeram a priorizar o combate à criminalidade, e houve muitas críticas à gestão do ex-governador Anthony Garotinho, candidato à Presidência pelo PSB e marido da primeira colocada nas pesquisas de intenção de voto para o governo estadual, Rosângela Matheus.

Rosângela foi questionada em relação aos números apresentados, em particular no que se refere à redução dos seqüestro s durante a gestão de Garotinho. O tom mais agressivo partiu da candidata da coligação PFL/PMDB/PSDB, Solange Amaral, que acusou o governo Garotinho de falsificação de dados nas áreas de saneamento, educação e segurança. “ Agora eu entendi porque eles gastaram mais de R$ 200 milhões em publicidade para contar uma história completamente diferente da realidade”, disse ela.

A situação financeira deixada por Garotinho também foi posta em dúvida pela candidata do PT e atual governadora, Benedita da Silva. Benedita afirmou que recebeu o governo com obras paralisadas por falta de verbas. “Estamos saneando as finanças com muito sacrifício.”

Rosângela se defendeu dizendo que Garotinho deixou o governo com 88% de aprovação e que quem manipula os dados é a gestão do PT. O candidato da coligação Frente Trabalhista, Jorge Roberto da Silveira, procurou ressaltar suas realizações em três mandatos em Niterói.


Líderes tucanos querem que Tasso deixe campanha
Para eles, é melhor que ex-governador assuma de vez apoio a Ciro e 'não atrapalhe' campanha de Serra

BRASÍLIA - Decididos a agir para estancar a sangria na candidatura presidencial do senador José Serra, os estrategistas do PSDB e do PMDB começam a discutir a melhor forma de operar o desembarque oficial do governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), da campanha tucana.

Serristas dos dois partidos e ex-tassistas do PSDB estão certos de que Tasso engajou-se irremediavelmente na candidatura do amigo e parceiro no projeto estadual Ciro Gomes (PPS). Por isso mesmo, preferem tê-lo oficialmente no time adversário a vê-lo figurar como uma espécie de quinta coluna.

"Precisamos tomar uma providência urgente, porque é um absurdo o Serra estar amarrado a ponto de não poder entrar no Ceará", cobra um governador. Os serristas não se conformam com os problemas que enfrentam, decorrentes das críticas públicas de Tasso ao governo federal e ao presidenciável de seu próprio partido.

Como a avaliação geral é de que a atuação do presidente Fernando Henrique Cardoso no episódio em nada ajudou para eliminar as diferenças, já se fala em escalar um novo interlocutor para negociar os termos do desembarque.

Queixoso do afastamento dos companheiros da coordenação da campanha presidencial, o vice-presidente nacional do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), diz que é preciso agir rápido até para preservar um eventual segundo turno. "Está muito claro para nós que a posição de Tasso, pró-Ciro, é uma coisa definida que só ganha força com o crescimento da candidatura do PPS", observa Goldman. "O que lamentamos é que esta situação não está cerceando em nada a atividade política do Tasso no Ceará", completa.

A seu ver, o próprio Serra deveria tomar a iniciativa da virada, com uma declaração de que entende a posição de Tasso em favor de Ciro. "É preciso dizer claramente que, já que ele não nos quer como parceiro no Ceará, Serra seguirá sua campanha no Estado e ponto final."

Há 15 dias, o presidente Fernando Henrique chamou Tasso para uma conversa no Palácio da Alvorada, mas o resultado foi praticamente zero.

Erros - "Só serviu para fortalecer a posição do Ciro", disse à época um dos conselheiros políticos de Serra. Tasso saiu do encontro criticando o comando da campanha tucana, que, segundo ele, cometeu "erros gravíssimos" na montagem dos palanques nos Estados. Referiu-se ao Ceará, onde o senador tucano Lúcio Alcântara enfrenta o peemedebista Sérgio Machado na briga pelo governo estadual.

"Quem tem dois palanques não tem nenhum", disse Tasso, cobrando uma definição de Serra, embora ele próprio jamais tivesse prometido exclusividade ao tucano em seu palanque.

Ao contrário, desde o início da pré-campanha, os tucanos cearenses deixaram claro que não pretendiam abrir mão da presença de Ciro, cuja imagem chegou a figurar no programa anual do PSDB exibido no rádio e na televisão. O nome lembrado para negociar o acordo foi o do presidente nacional do PSDB, deputado José Aníbal (SP), um ex-tassista que tem evitado entrar no debate exatamente para se guardar para o momento do acerto final.


Serra prega reforma no Código Penal
Candidato quer penas mais duras e o fim da liberdade condicional para traficantes

RIO - O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, defendeu ontem uma reforma radical no Código Penal Brasileiro - que inclua o fim da liberdade condicional para condenados por crimes de tráfico, seqüestro e homicídio, para reduzir a impunidade e inibir a criminalidade.

"Ouvi casos de criminosos que têm uma pena de 16 anos, cumprem um, saem da cadeia e acabam cometendo crimes de novo", contou, citando o caso do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, acusado do assassinato do jornalista Tim Lopes."Temos que acabar com regalias de criminosos que saem da cadeia sem cumprir pena."

Serra reuniu-se no Rio com entidades que representam familiares de vítimas de crimes e apresentou parte de seu programa para a área de segurança, uma das maiores preocupações do eleitor. "A Justiça no Brasil acaba não sendo igual para todo mundo." O candidato reclamou também dos recursos judiciais usados por advogados para postergar a prisão de criminosos.

Recebeu o apoio da autora de telenovelas Glória Perez, mãe da atriz Daniella Perez, assassinada em 1992. Daniella completaria 32 anos ontem.

"Esse ponto é nevrálgico. Há um excesso de recursos que não acrescentam em nada, só servem para postergar a prisão", disse a escritora.

Além da liberdade condicional, os presos por tráfico de armas e drogas, seqüestro e homicídio também perderão o direito a visitas íntimas, segundo a proposta do candidato do PSDB. "Não é só celular que permite que o preso continue comandando os negócios de dentro da cadeia."

Serra propôs também a criação de um sistema penitenciário federal, além da implementação do trabalho nas cadeias."Os presos têm de trabalhar; do contrário, perdem as regalias. Geralmente, a família da vítima fica com dificuldades financeiras enquanto o preso é sustentado pela sociedade."

Proteção - Segundo o candidato, é necessário também um amplo programa de proteção às testemunhas, que garanta imunidade para delatores de dentro das quadrilhas de criminosos. "Vou me empenhar para conseguir promover essas alterações no Código Penal", afirmou. Ele próprio foi o articulador do encontro, que contou com entidades como as Mães da Candelária, da Cinelândia e da Praça da Sé, em São Paulo.

Depois do encontro, Serra disse que acrescentaria mais duas medidas à lista:
a obrigatoriedade do exame de DNA para todos os corpos não-identificados ou restos mortais que derem entrada no Instituto Médico Legal (IML) e a criação de um banco de dados nacional sobre pessoas desaparecidas.


Em nova pesquisa, Lula é o único que não cai
Vox Populi mantém petista com 34 pontos e queda dos outros três presidenciáveis

O bate-boca verificado nos últimos dias entre os candidatos José Serra (PSDB) e Ciro Gomes (PPS) não beneficiou nenhum dos dois. É o que indica nova pesquisa do Instituto Vox Populi, divulgada ontem. De acordo com seus resultados, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, se mantém estável na dianteira, com 34% das intenções de voto. Ciro Gomes, que vinha conseguindo crescer de maneira significativa desde o início de julho, perdeu o ritmo e agora está estável.

Depois de chegar a 30% em outra pesquisa do mesmo instituto, realizada no dia 1.º de agosto, agora caiu para 29%. José Serra não conseguiu decolar, obtendo apenas 12% do total. Anthony Garotinho, do PSB, ficou com 9%.

A sondagem do Vox Populi foi realizada com 2004 eleitores, em 115 municípios, entre os dias 9 e 10 de agosto. A margem de erro da amostra é 2,2% para mais ou para menos. De acordo com a especialista em análises eleitorais Fátima Pacheco Jordão, os resultados confirmam os da pesquisa divulgada pelo Ibope na quinta-feira. "Já havia sido observada uma interrupção na seqüência de crescimento dos votos de Ciro Gomes", lembrou a especialista e consultora do Estado.

Estável - Serra desceu de 13% das intenções de voto, na pesquisa de 1.º de agosto, para 12% na atual. É uma variação pouco significativa do ponto de vista estatístico. Mas, vista de uma perspectiva mais longa, é ruim para o candidato do PSDB. Mostra uma estabilidade declinante, segundo Fátima, que relembra a posição de Serra nas quatro sondagens mais recentes do Vox Populi: 16%, 14,%, 13% e, agora, 12%.

Tudo indica que a linha que Serra adotou, desde o debate na TV Bandeirantes, no dia 4, de atacar Ciro Gomes, não alterou para melhor a sua situação.

Seria mais proveitoso para a campanha dele, segundo Fátima, se passasse a falar mais de suas propostas.

Na semana que passou, o candidato do PSDB teria perdido duas ocasiões para fazer isso. A primeira foi o lançamento de seu programa de governo, que poderia ter sido melhor explorada do ponto de vista do marketing. A segunda, o acordo com o FMI. Apontado como um sucesso do atual governo, ele não foi "faturado" por Serra eleitoralmente.

O resultado da pesquisa também confirma, segundo Fátima, que Lula foi o principal beneficiado pelo debate na TV. "Ele está conseguindo se manter estável desde o início de julho." No caso de Garotinho a pesquisa não mostrou novidades.

Entre os assessores de Ciro, o resultado foi visto como a consolidação do candidato na segunda posição da corrrida presidencial. Para o deputado Walfrido Mares Guia (PTB-MG), um dos coordenadores da campanha, confirma que o segundo turno das eleições será entre Ciro e Lula.

Entre os tucanos, a esperança reside no horário eleitoral gratuito, a partir do dia 20. "Será mais fácil mostrar que o Ciro é um enganador", diz o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima.


Artigos

Os benefícios do acordo com o FMI
Alcides Amaral

Das várias lições que aprendi ao longo da minha vida profissional, uma das mais importantes é a de que um acordo só é duradouro quando ele for bom para ambas as partes. E isso é, no meu modo de ver, o que acontece com o recém-anunciado acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Depois dos problemas da Argentina ficou a impressão de que o FMI tinha mudado drasticamente sua postura e que a habilidade política demonstrada ao longo dos últimos anos não mais existia. O suporte financeiro ao Uruguai e, especialmente, o pacote de US$ 30 bilhões para o nosso país vieram demonstrar que a verdade não é bem essa. O FMI readquire o conceito de saber agir politicamente quando a situação o exige - e as condições o permitem -, a exemplo do que já havia feito com nós mesmos em 1998/1999 e com o governo de transição da Coréia do Sul.

Para o nosso país, os benefícios são vários, embora os candidatos da oposição tenham manifestado sua concordância com restrições, pois, como é sabido, assinar em branco com o governo seria politicamente incorreto no momento em que todos questionam o modelo econômico vigente. Acreditamos, entretanto, que o bom senso prevalecerá, que a diretoria do FMI entenderá as limitações do "jogo político" e que o acordo será aprovado nas primeiras semanas de setembro.

Antes de alinhavarmos alguns dos benefícios que vemos no novo acordo, é bom que se diga que ele só foi possível graças ao alto conceito de que o nosso país desfruta junto à cúpula do Fundo.

Foram mais de três anos cumprindo acordos e metas previamente estabelecidas que demonstraram seriedade na condução da coisa pública.

Na medida em que o "risco Brasil" era superior a 2.000 pontos, o que significa que qualquer novo crédito para o País - se disponível no mercado - custaria 20% ao ano acima da taxa dos títulos do Tesouro norte-americano, o acordo com o FMI estabelece prazos de pagamento de dois a cinco anos, com taxa de juros média ao redor de 5% ao ano, visto que elas variam de 4% a 7% ao ano.

Um grande benefício financeiro que não pode ser desprezado.

Com a implementação do acordo, o mercado vai reabrir para as empresas brasileiras, especialmente no que diz respeito às linhas de financiamento de comércio exterior, extemporaneamente cortadas por miopia dos banqueiros internacionais, que, assustados com a Argentina, não deram crédito algum ao nosso passado de cumprimento de tais obrigações. Nem mesmo durante a moratória da década de 1980, e quando as reservas chegaram a ser negativas, o Brasil deixou de servir - pagar os juros - as linhas de comércio exterior.

O máximo solicitado foi que as linhas permanecessem sendo roladas, para que o País pudesse continuar comprando e vendendo produtos e serviços de e aos seus parceiros comerciais.

A redução do piso das reservas internacionais líquidas de US$ 15 bilhões para US$ 5 bilhões deixa mais US$ 10 bilhões para o Banco Central irrigar o mercado, sempre que necessário. Como o setor privado possui títulos no mercado da ordem de US$ 15 bilhões - principal mais juros - vencendo até dezembro deste ano e as chances de renovações ou novas transações são pequenas, esse colchão adicional de liquidez vem na hora certa. Com isso a pressão sobre o dólar - que deverá continuar existindo, por força dessa realidade - pode ser devidamente administrada.

Com a vigência do acordo se elimina, na prática, o risco de quebra de contratos e dos temidos calotes das dívidas interna ou externa. Pois, caso tal aconteça, o País deixará de receber os US$ 24 bilhões disponíveis a partir de janeiro de 2003 e terá, isso sim, de pagar os US$ 10 bilhões sacados recentemente do Fundo. Seria a morte anunciada, uma espécie da indesejável "argentinização", isto é, moratórias interna e externa, disparada do dólar, inflação, recessão econômica e mais, muito mais desemprego. Como, sinceramente, acreditamos que estejamos lidando com pessoas inteligentes e que nenhum candidato cometeria tal barbaridade, cria-se, isso sim, a oportunidade de melhor administração da dívida interna, com alongamento de prazos e redução das taxas de juros via mercado.

O maior dos benefícios será, entretanto, o estabelecimento das condições básicas para o novo presidente, seja ele qual for, iniciar seu mandato trabalhando com afinco para nos recolocar na rota do crescimento sustentado.

Em vez de administrar a crise nos mercados - que terá ficado para trás -, terá as condições necessárias para implementar seu programa visando à tão desejada geração de empregos. Com esse pano de fundo e na medida em que políticas econômicas sadias estejam em vigor - responsabilidade fiscal, políticas cambial e monetária coerentes, controle da inflação -, dá para acreditar no reforço dos nossos fundamentos via reformas tributária e da Previdência e num Brasil crescendo entre 3,5% e 4% ao ano já em 2003, bem acima dos sofríveis 1,5%/2% deste ano.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Alfazema, velhice e mocidade
Todo mundo sabe: já não se namora mais como antigamente. Se a palavra é a mesma, o sentido é outro. Dantes era todo aquele ritual cortês - primeiro os olhares que se encontravam de longe, começando intermitente e furtivo, ia depois ficando mais fixo (na minha longínqua infância esses olhares se chamavam "tirar linha", - lembrai-vos anciãs contemporâneas?) Do olhar se passava ao sorriso, em manobras que poderiam levar horas e até dias consecutivos. Depois era tentar um encontro: passar perto, olhar sem falar, pois a moça quase nunca andava só. Após um infinito de tempo, chegava-se então à abordagem. Por exemplo, o rap az subia ao estribo do bonde, pedia licença para sentar no banco em que ela vinha. Licença dada, ele enxugava a testa e fazia a declaração. Aceito o dito de amor, começa propriamente o namoro.

Me lembro de quando eu tinha uns 12 para 13 anos e, por acaso raríssimo, voltava sozinha do colégio. Desci do bonde no fim da linha e ia rápido para casa, um pouco além, quando senti que um rapaz me acompanhava. Ao me alcançar, ele me tocou de leve no braço, me fixou com uns olhos de um azul desbotado, quase branco e falou rouco: "Senhorita, amo-a, e posso ser correspondido?"

Levei um susto danado, desviei a vista daqueles olhos sem cor, e meti o pé na carreira. Bati com força o portãozinho do jardim, entrei em casa como um pé de vento, tranquei-me no quarto. Me atirei na cama, sem fôlego, o coração na boca.

Afinal era aquela a minha primeira "declaração".

Há uma carta do meu tataravô pedindo em casamento aquela que veio a ser minha tataravó
que terminava nos seguintes termos:
"Recebi os ternos afetos que respeitosamente vos prosterna, o vosso fiel amante.
Fco. J-M."

Tenho comigo a carta, é linda. Como se vê a palavra "amante" era então empregada no seu sentido real - amante é aquele que ama. Com o andar do tempo, a palavra foi mudando de sentido e passou a significar os dois que se amam de amor ilegal, ou mais objetivamente aquele que pratica amor com a mulher de outro. Ou a própria mulher do outro também é amante do amante.

??Por idêntica evolução semântica, passou a palavra namorado e os que poucos anos atrás seriam chamados discriminatoriamente de amante, passa a se chamar docemente "namorado". Os que se amam, qualquer que seja o tipo e o aspecto legal da sua relação, são namorados e pronto.

Isto posto, falemos daqui, da Praia do Leblon: os namorados não são tantos que engarrafem o trânsito no calçadão, mas chegam a albaroar com os corredores e joguistas que pedem desculpas e seguem em frente, tão velozes que a gente espera até que apitem.

Já na areia, a área é mais desimpedida. Um par de adolescentes, enlaçados como dois lutadores, não chego a dizer que "faz amor", mas se entrega a uma ginástica desesperada, cada um procurando morder a nuca do outro, ao que parece. De repente, rolam na areia e já não são amantes, são como filhotes brincalhões em briga simulada.

Um casal de velhos faz a sua marcha higiênica. Ele veste calção esportivo e camiseta, calça tênis modernosos, sombreia a face com pala de plástico verde. Nos trinques. Seria talvez um modelo de elegância se o velho corpo não lhe desmentisse as graças - desde as coxas magras, onde o fêmur ressalta, à frente das pelancas de músculos, o pescoço que é só veia e tendão, a calva que emerge da abertura da pala, estriada de veias roxas, salpicada de manchas cor de ferrugem. A velha que o segue ao lado, com suas pernas curtas tentando acompanhá-lo a passadas largas, veste bermuda e blusão e usa chapéu de palha. Como dizia o Dr. Macedinho, de um de seus personagens da Moreninha, não é feia nem bonita - é uma velha. Mas é claro que o idoso magruço continua a ser o seu galã preferido, tal a ternura com que o contempla, segura-lhe as pontas dos dedos, acompanhando-lhe o rítmo dos braços que cortam o vento do mar, como um nadador. E o sorriso que lhe ilumina a face esfogueada, no esforço de acompanhar o dono. Ou o líder.

Há também pares correndo. Curioso: quase todos brigam enquanto correm.

De repente, surge no mesmo calçadão a musa ruiva, sardenta e linda. É toda longas pernas, pequeno busto empinado, barriga para dentro, bumbum em saliências esferoidais. Enverga uma sunga (calção, bermudinha?) não sei como se chama: brilha como cetim, é ornada de rendas, parece que ela saiu da alcova com sua calcinha, em meio à toalete. Engraçado, seria de esperar que semelhante deusa arrastasse após si um batalhão de moços, contudo só uns dois se vê, a distância prudente. Dois enxundiosos quarentões que descansam no meio-fio, é que vêem em primeiro lugar a sombra da moça que o sol desenha, movediça no pavimento, e se viram ambos, esticam o toutiço, arreganham a dentadura, dizem coisas entre si, sem tirar os olhos da menina que agora já lhes dá as costas, com todos os esplendores da fachada retrô.


Editorial

JOGADA ELEITOREIRA

A Câmara Municipal aprovou em segunda votação o projeto que obriga cinemas, estádios de futebol, casas de espetáculo, teatro e outros estabelecimentos de lazer a conceder 50% de desconto no preço dos ingressos para todos os freqüentadores que comprovarem, por meio de documento de identidade, ter menos de 21 anos de idade. O projeto é a maior jogada eleitoreira que seu autor, o vereador José Mentor (PT), ex-líder do governo na Câmara, poderia ter realizado antes de iniciar sua campanha para deputado federal. "É uma maneira de democratizar a cultura", disse ele.

Se essa fosse sua real intenção, deveria ter convencido a prefeita Marta Suplicy a enviar um projeto de lei estabelecendo novos incentivos ou subsídios, inclusive com a redução de impostos, para o setor. Dessa forma, com custos reduzidos, os espetáculos culturais ficariam mais acessíveis a toda a população. José Mentor quis agradar a uma ampla parcela do eleitorado com recursos alheios, transferindo para o setor privado a obrigação do poder público de garantir lazer e cultura aos carentes.

Dos vereadores que aprovaram o projeto, muitos acreditaram que seus votos favoráveis também poderiam transformá-los em ídolos da juventude. Outros, pouco sabiam o que estavam votando, já que o projeto fez parte de um conjunto de 19 propostas aprovadas num único pacote. Conforme acordo firmado entre as bancadas, pelo menos 55 projetos serão aprovados em pacotes. A manobra garante a cada vereador que pelo menos uma de suas propostas seja aprovada, o que é interessante, principalmente, para os parlamentares que são candidatos nas próximas eleições.

José Mentor afirmou que o seu projeto complementa a lei nacional da meia-entrada, válida apenas para menores de 18 anos matriculados em curso regular. Seu projeto amplia o benefício para todos os menores de 21 anos, estudantes ou não. Juristas garantem que a lei é inconstitucional porque somente o Congresso Nacional, por meio de lei ordinária, poderia impor ao setor privado obrigações semelhantes.

Os empresários encaram a iniciativa do vereador como um confisco e prevêem um desastre. Na maior parte dos casos, não é exagero. Nos estádios de futebol, cinemas e nas casas de espetáculos, os jovens menores de 21 anos representam até 50% do público freqüentador. Diante da perspectiva de queda brutal no faturamento, restaria à direção dos estabelecimentos elevar o preço dos ingressos de forma a compensar os descontos, prejudicando os maiores de 21 anos, que compõem a outra metade do público pagante. Ou transferir as casas de espetáculos para cidades vizinhas.

Se a prefeita Marta Suplicy sancionar a lei, amargará grave queda de arrecadação. Casas de shows e cinemas que fechem as portas condenarão ao mesmo fim estabelecimentos, como restaurantes e bares, para onde se dirige o público após os espetáculos. Toda a cadeia do setor de entretenimento estará comprometida.

Será um contra-senso se a prefeita, que acabou de aprovar um Plano Municipal de Turismo com o objetivo de incentivar os turistas de negócios a permanecer na cidade aproveitando as atrações da capital cultural e gastronômica do País, sancionar o projeto.


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08/12/2002


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