CCJ rejeita PEC do voto facultativo, mas texto pode ir a Plenário
Embora rejeitada nesta quarta-feira pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidania (CCJ), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2012, do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) que institui o voto facultativo, terá nova discussão pelo Plenário. A garantia foi dada pelo presidente da CCJ, Vital do Rego (PMDB), segundo ele, em nome do debate.
O texto mantém a obrigatoriedade do alistamento eleitoral a partir dos 18 anos, mas desobriga o eleitor de votar. Depois de mais de duas horas de debates, foi derrotado o relatório favorável à matéria, de autoria do senador Pedro Taques (PDT-MT), que recebeu 16 votos contrários e apenas seis a favor.
A discussão evidenciou duas teses divergentes: a que foi derrotada, de que o voto é antes de tudo um direito cívico do cidadão e que torná-lo obrigatório seria incompatível com as liberdades individuais; e a vencedora, segundo a qual, votar é também um dever.
Autor da proposta, Ricardo Ferraço disse que o voto obrigatório não funcionou como ferramenta para aperfeiçoar a democracia brasileira.
- O Estado não tem que ser tutor do cidadão, que deve ser respeitado na sua decisão sobre se deve ou não votar – argumentou Ferraço.
Taques, o relator, disse aos colegas que “a quantidade não é melhor que a qualidade”, em referência ao número de votantes. Aproveitou ainda para tecer críticas ao atual sistema eleitoral, lembrando que hoje a maioria dos partidos atua no “mercado”, sem preocupação em divulgar programas e qualificar a participação do eleitor. A seu ver, o voto obrigatório amplifica essa distorção, sem contar o problema essencial da restrição à liberdade de se abster, já que se trataria de um direito e não de uma obrigação.
- Liberdade não pode ter cabresto de coronel, não pode ter cabresto de partido político nem cabresto legal quando o que está previsto em lei não se afigura como razoável – afirmou Taques.
Taques e Ferraço também argumentaram que na maioria das democracias consolidadas o voto é facultativo. Ferraço observou ainda que o voto obrigatório é predominante na America do Sul, sendo adotado em 14 dos 24 países. A seu ver, esse seria um "traço exótico", revelador da capacidade da região em inventar a “jabuticaba”, na contramão da experiência dos mais “evoluídos”.
Dilema antigo
Ao longo do debate, no entanto, foi se evidenciando ampla maioria a favor da tese de que o voto é tanto um direito quanto um dever. Quem primeiro expressou essa visão foi o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), depois de relatar que pensava diferente e que mudou de opinião. Observou que o dilema já existia desde a Revolução Francesa, quando se discutiam os “contornos da cidadania” e se posicionou a favor da ideia da função social do voto.
- O cidadão só se complementa quando sua ação, por meio do voto, ajuda a construir a expressão da soberania popular – justificou.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) lembrou que o cidadão tem todas as facilidades para cumprir o dever cívico do voto, podendo votar em branco ou anular, e até mesmo deixar de comparecer e depois justificar. Segundo ele, o fim do voto obrigatório pode trazer “resultados imprevisíveis”. Chegou a citar os riscos de isso provocar o aumento do “custo” do voto, um alerta repetido por outros senadores. Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) disse que hoje já se gasta muito nas eleições e questionou sobre qual seria o custo para o eleitor também comparecer às urnas.
Já o senador Humberto Costa (PT-PE) considerou que o voto obrigatório já faz parte da cultura política do país. Além disso, salientou que uma votação em níveis mais amplos de participação garante aos eleitos maior legitimidade política para que possa implementar suas ações. Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) mencionou que só defenderia o voto facultativo quando pagar impostos também fosse facultativo, já que vêm dos tributos os recursos para "sustentar a máquina" dirigida pelos eleitos.
Outros senadores também mencionaram a função pedagógica do ato de votar, sob a justificativa de que, nesse caso, o eleitor acaba sendo induzido a discutir sobre propostas e candidaturas.
Retorno do tema
Mesmo com a rejeição à proposta, o fim do voto obrigatório retornará à pauta da CCJ na próxima semana. Esse foi o compromisso assumido pelo presidente da comissão, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), depois de pedido do senador Alvaro Dias (PSDB-PR) para que uma PEC de sua autoria (14/2003) seja colocada em votação. Nessa proposta, no entanto, não está sendo sugerida a adoção do voto facultativo. Ele explicou que a intenção é retirar a regra do voto obrigatório do texto da Constituição, para que o tema seja definitivamente regulado por meio de lei complementar.
Alvaro Dias mencionou a existência de sua proposta logo no início do debate e atribui a um “equívoco democrático” o fato de sua PEC, embora sendo mais antiga, ter sido ultrapassada no exame pelo texto articulado por Ferraço. Porém, salientou que não se tratava de uma “briga por autoria” e manifestou a intenção de voto a favor da PEC do colega, dizendo que o importante é aprovar a tese do voto facultativo.
- O voto obrigatório tem sido a marca dos estados totalitários que precisam de comparecimento às urnas para dar aparência de legalidade a regimes de força – argumentou.
Penalidades
Atualmente, a Justiça Eleitoral impõe multa que pode chegar a R$ 3,51 ao eleitor que deixar de votar e não justificar sua ausência às urnas. Se não cumprir esta exigência, ele terá de enfrentar ainda os seguintes impedimentos: impossibilidade de se inscrever em concurso e tomar posse em cargo público; suspensão do recebimento de salário (se servidor público); proibição de participar de licitações, obter empréstimo em bancos oficiais, tirar passaporte ou carteira de identidade, renovar matrícula em instituição de ensino e praticar qualquer ato para o qual se exija quitação com o serviço militar ou Imposto de Renda.
Apesar de manter a tradição do voto obrigatório iniciada com o Código Eleitoral de 1932, a Constituição de 1988 não a enumera entre suas cláusulas pétreas, segundo observou Taques no relatório. A regra estaria baseada, conforme assinalou, “na visão de que o Estado deve tutelar o eleitor e ensinar-lhe o valor e a importância do voto, mesmo que tenha de recorrer a mecanismos coercitivos contra aqueles que se recusarem a exercer aquilo que é considerado um direito seu”.
O relator chamou atenção ainda para os artifícios usados pelo eleitor para lidar com esta exigência e expressar sua insatisfação com a obrigatoriedade do voto. Além da abstenção, que se situou em torno de 18% nas três últimas eleições nacionais, há os votos nulo (em média 6%) e brancos (em média 3%) registrados nos pleitos em questão. No debate, senadores observaram que países com voto facultativo lidam com nível de ausência às urnas tão elevados que chegam a comprometer a representatividade dos eleitos. Foi citado que, nos Estados Unidos, de modo frequente nem 50% dos eleitores vão às urnas.
02/10/2013
Agência Senado
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