China está mais aberta que Brasil, diz embaixador



O Brasil poderia abrir-se mais aos investimentos internacionais, na opinião do novo embaixador da China, Chen Duqing, além de investir na busca de maior produtividade e na divulgação de seus produtos no exterior. Em entrevista concedida à Agência Senado, na véspera da chegada ao Brasil de Wu Bangguo, presidente do Comitê Permanente da Assembléia Popular Nacional da China, Duqing lembra que existem oportunidades e desafios no processo de globalização: "em muitos casos, a China está mais aberta do que o Brasil, que poderia ser mais flexível em certas medidas, para introduzir mais capital estrangeiro" - observou.

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Duqing defendeu maior cooperação econômica entre os dois países. Mas advertiu que, caso alguns setores brasileiros não venham a se modernizar, não apenas produtos chineses, mas também indonésios ou vietnamitas poderão chegar ao país. 

Agência Senado - A viagem ao Brasil do presidente da Assembléia Popular da China ocorre dois anos depois das visitas bilaterais feitas pelos dois presidentes da República. Pode-se dizer que Brasil e China têm hoje uma relação política mais densa? 

Chen Duqing - As relações políticas têm sido mantidas em alto nível. O lado chinês sempre considera importante, como parceiro estratégico, manter muito alto o nível de intercâmbio político. Neste ano já esteve na China o vice-presidente José Alencar. Agora, a visita de nosso presidente da Assembléia Popular Nacional dá prosseguimento ao relacionamento. Pela hierarquia, o senhor Wu Bangguo é o número dois do nosso país. Só por este ângulo se pode sentir o significado muito político dessa visita. 

Agência Senado - O presidente Lula tem defendido uma "relação estratégica" com a China e a chamada parceria Sul-Sul. Por outro lado, a oposição brasileira acha que o Brasil estaria se distanciando de alguns mercados importantes. No que diz respeito ao relacionamento bilateral, a oposição algumas vezes tem dito que o Brasil dá mais importância à China do que a China ao Brasil. O que o senhor acha disso? 

Chen Duqing - Talvez seja uma percepção um pouco unilateral, sem se inteirar do conjunto da situação. Nesse processo cada vez mais globalizante, realmente existem muitas oportunidades e desafios. A China e o Brasil podem trabalhar juntos para que a tendência globalizante possa favorecer mais os países em desenvolvimento. É pena que até agora as regras sejam ditadas pelos países desenvolvidos. Agora, quanto à questão da cooperação Norte-Sul e da Sul-Sul, temos que ficar muito conscientes. A globalização traz desafios, não se pode ficar somente pensando de um lado e deixando o outro lado. Temos que reconhecer agora a economia dos países do Norte, que são mais fortes, mas precisamos saber nos relacionar bem, não em detrimento de nossos interesses.

Agência Senado - A China tem atraído grande quantidade de investimentos estrangeiros por causa de sua flexibilidade em relação a esses capitais? 

Chen Duqing - Talvez possa interpretar sua pergunta em dois sentidos. Primeiro, a China tem sido flexível em adotar o capital estrangeiro para aumentar nosso crescimento econômico. Também há desejo do capital estrangeiro de encontrar (locais) onde possa ter maior produtividade e maior lucro, essa é a regra do mercado. Por outro lado, em muitos casos a China está mais aberta do que o Brasil. O Brasil poderia ser mais flexível e mais aberto em certas medidas, para introduzir mais capital estrangeiro. Há um detalhe curioso nesse sentido. Muitas empresas estrangeiras instaladas no país se declaram como empresas nacionais. Mas esses capitais já não querem que outros entrem. O processo não pode favorecer os que já estão aqui. Tem que admitir a concorrência.

Agência Senado - O senhor fala de empresas chinesas? 

Chen Duqing - Chinesas e de outros países. Veja a área de infra-estrutura. Muitos empresários estrangeiros querem investir aqui, acham que as condições não são muito claras e acabam ficando um pouco inibidos. 

Agência Senado - Quando o presidente Hu Jintao esteve aqui, foram feitas promessas de grandes investimentos em infra-estrutura, até em troca do reconhecimento da China como economia de mercado, mas dois anos depois não há nada concreto. Como está a discussão desses investimentos? 

Chen Duqing - Meus amigos brasileiros e empresários falam de um gargalo que limita o crescimento econômico. A China neste momento tem mais condições de colaborar com o Brasil. O interesse mostrado durante a viagem do nosso presidente não esfriou. O problema é que fazer investimento de grande envergadura não é como comprar uma passagem para Nova York, que se compra hoje e sai amanhã. Há muitos fatores a resolver, como o estudo de viabilidade, o estudo de impacto ambiental e a desapropriação de terras. Tenho citado o caso de usina siderúrgica em São Luis, que a Vale do Rio Doce construiria junto com a chinesa Baosteel. Tem-se trabalhado muito, mas o projeto está parado. Um alto executivo da Vale me disse que o problema não está com o lado chinês, mas do lado brasileiro, e no nível estadual. A Baosteel começou a trabalhar também com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em um projeto para Itaguaí (RJ), ao lado do porto de Sepetiba, mostrando que o lado chinês continua empenhado.

Agência Senado - A cooperação bilateral em ciência e tecnologia já mostrou resultados, como o lançamento de um satélite binacional. A China tem investido muito nessa área, formando muitos cientistas e criando diversos parques tecnológicos. Como o senhor vê o potencial de cooperação nessa área? 

Chen Duqing - Agora precisamos estimular cientistas dos dois países, para que se juntem e identifiquem novas áreas (de cooperação). O caso do satélite é um sucesso, algo inédito entre dois países em desenvolvimento. O caso dos aviões Embraer também envolve alta tecnologia. Na informática o Brasil tem áreas avançadas. Estive em uma empresa de Brasília que está tentando entrar no mercado chinês e disse a eles, com franqueza, que eles têm que divulgar muito (os seus produtos). Quando se fala de informática, os empresários chineses logo vão pensar em Japão, Estados Unidos e Europa, não no Brasil.

Agência Senado - Na questão econômica, a China vem caminhando fortemente para se tornar a segunda potência e talvez, no futuro, a primeira. Muitas vezes isso representa uma oportunidade para empresários brasileiros e muitas vezes é visto como um risco pelos mesmos empresários. Há mais oportunidade ou risco? 

Chen Duqing - Um empresário disse recentemente que, no intercâmbio com a China, o Brasil sai duas vezes favorecido. Primeiro, ao comprar muitos produtos primários brasileiros, a China ajuda a elevar os preços desses produtos. Segundo, a China exporta produtos para cá com preço bastante competitivo, o que ajuda a segurar a inflação. Alguns setores se sentem realmente ameaçados. Mas isso na verdade é a concorrência. Caso esses setores não tenham melhor produtividade, não vão conseguir resistir. Se o produto chinês não entrar, pode entrar o indonésio, o vietnamita. Para o consumidor, o que interessa é preço e qualidade. Alguns dizem que Brasil sempre foi protecionista. Durante certa fase isso pode ser neces sário, mas algumas empresas ficaram viciadas com esse protecionismo e reclamam demais, sem pensar que devem melhorar a sua produtividade. Quem vai pagar por esse preço é o consumidor. A melhor forma é cooperar com o concorrente. Vocês podem entrar na cadeia de produção da China e os chineses podem entrar na cadeia de produção aqui, para ver como os dois lados podem sair ganhando. 

Agência Senado - Não existe o risco de o Brasil se tornar fornecedor apenas de matérias-primas e a China fornecedora de produtos industrializados? 

Chen Duqing - Não, porque o Brasil não é fazenda e a China não é a fábrica do mundo, assim como a Índia não vai ser o escritório. O Brasil tem todas as condições para deslanchar de novo, como já teve a sua época áurea. Mas agora temos que fazer certa reflexão sobre por que o Brasil ficou um pouco para trás nos últimos anos. Cabe aos brasileiros tirar essa conclusão. A China pode comprar outras coisas, desde que o produto seja de boa qualidade e competitivo. Até no caso dos aviões, a China já comprou e quem sabe, se puder, até compra mais. Tem que saber vender. O café brasileiro é ótimo, mas quem vende mais são os Estados Unidos e a Alemanha. Não se pode vender só o grão, tem que trabalhar com os processados.

Wu Bangguo e Renan Calheiros discutem integração entre Brasil e China



29/08/2006

Agência Senado


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