Ciro no sereno do isolamento









Ciro no sereno do isolamento
Na semana da eleição, aliados defendem a retirada da candidatura

BRASÍLIA - O candidato da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, vai enfrentar a última semana de campanha praticamente sozinho. Até mesmo a coordenação da coligação se afastou dele. Os maiores exemplos da debandada são o ex-governador do Rio Leonel Brizola e o ex-guru de Ciro, o Mangabeira Unger. Os dois sugeriram a renúncia do candidato para ajudar Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, a ganhar no primeiro turno.
Em meio aos boatos de renúncia, Ciro e Anthony Garotinho, do PSB, se encontraram ontem de manhã no Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Ciro estava na sala do hangar da TAM e Garotinho no hangar da Líder. O candidato do PSB foi cumprimentar Ciro e não falou em renúncia. Segundo a assessoria da Frente, Garotinho comemorou com Ciro a possibilidade de um segundo turno de esquerda, referindo-se a uma disputa de um dos dois com Lula.

O líder do PPS na Câmara, João Herrmann (SP), passou o dia ontem convocando políticos da Frente para assistirem juntamente com militantes o último debate entre os candidatos, quinta-feira, na TV Globo. É uma tentativa de levantar os ânimos. Mas Herrmann admite o esvaziamento da campanha.

- Essa história de renúncia baixou a bola de todo mundo. Está cada um pensando no próprio umbigo. O pior é que não dá para reverter isso. As pessoas vão cada vez mais pensar em sua sobrevivência.

O ex-senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) diz que Ciro é o único que pode falar em renúncia. ACM garante que estará com ele até o fim, mas admite a debandada.

- Infelizmente a humanidade é uma só e não muda. É só ver o empresariado de São Paulo que, depois que Lula subiu muito, aderiu ao PT. Todos seguem a onda do poder.

O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), conversou com Ciro pelo telefone ontem. Garantiu que o partido ''estará do lado dele na hora em que for preciso''.


Pesquisa aponta para segundo turno
Lula lidera, mas sem maioria absoluta

BRASÍLIA - A pesquisa CNT/Sensus, divulgada ontem, em Brasília, mantém o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, à frente. Ele aparece com 40,6%, seguido de José Serra (PSDB), com 18,8%, Anthony Garotinho (PSB), com 15,1% e Ciro Gomes (PPS), com 12,7%. O número de indecisos somado aos que pensam votar em branco ou nulo é de 12,3%. A margem de erro é de 3%.

Lula tem 46,2% dos votos válidos, o que aponta para a realização de um segundo turno. Para que isto não aconteça, um candidato precisa ter 50% mais um dos votos válidos. Lula vence todos, em caso de segundo turno. Contra Serra, ganha por 53,4% a 35,2%. Com Garotinho, de 53,3% a 35,5%. E contra Ciro, de 53,6% contra 34,1%.

Lula tem também o menor índice de rejeição: 33,9%. Dentre os ouvidos, 38,9% rejeitam Garotinho, 41,4% não votam em Serra e 42,2%, em Ciro .

- As eleições vão se definir no debate da Rede Globo, quinta-feira - afirmou o diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guedes.


Aécio aproxima FH de Serra
BRASÍLIA - A cinco dias da eleição, a estréia emocionada do presidente Fernando Henrique Cardoso no palanque do candidato tucano José Serra ontem em Contagem (MG) foi uma operação montada pelo candidato ao governo de Minas, Aécio Neves. Com esse mesmo objetivo, o PSDB costurou a pacificação entre o presidente com o governador Itamar Franco, e conseguiu R$ 1 bilhão da União para o Estado.

O pretexto era atrair votos mineiros para garantir Serra na disputa contra Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, no segundo turno. Mas foi Aécio quem teve reforçada a possibilidade de vitória no primeiro turno. Serra se esforçou, mas Aécio admitiu que é difícil mudar a preferência dos mineiros por Lula.

- Essa questão de transferência de votos é complicada - admitiu Aécio, após o comício.

A operação em Minas foi acertada num encontro sigiloso na noite de sexta-feira no Alvorada, em Brasília. Em jantar festivo que terminou às 2h da madrugada, Aécio e FH acertaram abrir os cofres para Minas.

A operação teve a concordância de Lula e do presidente do PT, José Dirceu. Ambos foram consultados por Aécio para evitar estremecimentos.

Apesar de Itamar apoiar Lula, o coordenador da campanha tucana, Pimenta da Veiga, concordou com a reconciliação e insistiu na necessidade de uma demonstração pública de apoio de Fernando Henrique a Serra. Foi uma forma de contornar as inconfidências do presidente ao colega argentino, Eduardo Duhalde, no Itamaraty. Fernando Henrique admitiu que Lula poderia vencer no primeiro turno.

Por isso, a subida de FH no palanque de Serra e sua reaproximação da campanha serviu também para reconciliar o presidente e o candidato oficial. Os dois estavam estremecidos, também, pelas divergências sobre o Mercosul. Ontem, porém, se abraçaram no palanque. O presidente quase chorou. Mas foi Aécio quem faturou. Fortaleceu sua liderança e como possível candidato à Presidência em 2006.

- Essa ofensiva em Minas vai garantir a chegada de Serra ao segundo turno disse Pimenta da Veiga em telefonema ao presidente do PSDB, José Aníbal.


Lula não terá trégua
Funcionalismo entrega pauta de reivindicações a petista

BRASÍLIA - O funcionalismo público federal já está demonstrando que não dará trégua ao próximo presidente da República. Sábado, o Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sindsep) entregou ao candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, uma pauta de reivindicações com cinco mil assinaturas. Querem abrir negociação logo depois da eleição para repor as perdas salariais - que chegam a 89%, segundo o Sindsep - e elaborar o Plano de Carreira do Poder Executivo.

A negociação com os servidores, que têm data-base em janeiro, poderá ser o primeiro teste de um possível governo do PT. No comício que fez sábado em Brasília, o candidato petista preparou o terreno para evitar pressões.

- Não esperem que a gente reponha no primeiro ano as perdas que vocês tiveram em oito anos - advertiu Lula.
Ele garantiu que negociará com transparência, mas pediu paciência caso não possa conceder o aumento desejado.

- Sabemos que Lula não terá condições de recompor as perdas da noite para o dia, mas não haverá pacto de tolerância. Ele vai ter que optar. Há recursos, é só não acatar a política do FMI e parar de pagar a dívida externa - afirmou o secretário-geral adjunto do Sindsep, Cláudio Santana, mostrando que Lula terá dificuldades nas negociações.

O secretário de Organização do PT, Sílvio Pereira, por sua vez, parece não estar preocupado com a situação.
- Se há um candidato que não terá problemas para negociar com os trabalhadores, é o Lula - retrucou.


Garotinho polariza com Lula em comício
Ao lado de Rosinha, candidato do PSB apela para a fé

Em seu último comício no Rio, realizado ao lado de sua mulher, a candidata ao governo do Rio Rosinha Matheus (PSB), o presidenciável Anthony Garotinho (PSB) apelou ontem para o discurso religioso e fez críticas ao adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Diante de um público calculado em cerca de 18 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, na Cinelândia, Garotinho disse que o eleitor pode, por meio da fé, levá-lo ao segundo turno.

- Só tem uma coisa que pode fazer multiplicar o voto: é a sua fé - disse o candidato, que fez um agradecimento especial a Deus.

- Ele é muito grande e vai me dar a vitória.

Com voz rouca, após fazer campanha em quatro cidades do interior paulista, o presidenciável afirmou que a eleição vai ser ''muito complicada'', mas lembrou que ''nada, absolutamente nada, está definido''. E pediu, mais uma vez, apoio do público, formado, em sua maioria, por cabos eleitorais, militantes e candidatos do PSB e de partidos aliados.

Confiante na ida para o segundo turno, Garotinho pediu pela vitória de Rosinha já no dia 6, pois sua família poderá, assim, ajudá-lo na campanha.

- Eu vou para São Paulo, a Rosinha vai para o Nordeste, o Conde toma conta do Rio e a Clarissa vai para Minas. Nós vamos cobrir o Brasil - afirmou Garotinho, dizendo que já tem até slogan para a próxima etapa da campanha:

- É Garotinho e o povo contra o resto.

No palanque, o ex-governador censurou Lula várias vezes:
- O Lula está se descaracterizando. Ele está cercado de más companhias. A aliança dele parece uma Arca de Noé, cabe todo mundo dentro. O risco Brasil é esse aí. É o de ter um governo que não se faz respeitar.
Ao pedir ao público para que Rosinha ganhe no primeiro turno, o candidato apenas repetiu os pedidos feitos no discurso de seu mulher.

Rosinha contou ter sido pressionada por seus coordenadores para não realizar a passeata e o comício de ontem:
- Não sou pautada nem por traficante nem por boato eleitoreiro, mas pelo direito do cidadão de ir e vir. Não vou me intimidar nem por um lado e nem por outro.

Garotinho afirmou que ter tido conhecimento que o fechamento do comércio foi causado por um boato .
- Foi uma boataria deflagrada de forma calculada, estranhamente, às vésperas da eleição para a prefeitura em 1992 - disse o candidato, em uma alusão velada ao prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL).


Jorge crê em 2º turno
Trabalhista comemora subida em pesquisa eleitoral

Candidato da Frente Trabalhista ao governo do Estado, Jorge Roberto Silveira comemorou ontem os resultados da última pesquisa Datafolha, na qual ele aparece com 17%, nos votos válidos, tecnicamente empatado com a candidata do PT, Benedita da Silva. O motivo do otimismo, no entanto, é a queda em seis pontos percentuais nas intenções de voto para a candidata do PSB, Rosinha Garotinho.

- Isso mostra a queda da candidata do populismo e aponta para o segundo turno no Rio - disse acreditar Jorge.
Ele também criticou a ''falta de autoridade e excesso de impunidade'' no Rio de Janeiro, referindo-se à onda de boatos que levou comerciantes a fecharem as portas de suas lojas em vários pontos do Rio.

O candidato trabalhista não descarta, porém, a possibilidade de os boatos terem partido de uma armação eleitoral, semelhante aos arrastões de 1992. Mas nota que ''uma armação eleitoral só tem capacidade de acender o rastilho''.

- Para atingir as proporções de hoje, é necessário clima favorável, de falta de autoridade.

Para Jorge Roberto, os problemas começaram dia 11 de setembro, com a rebelião no presídio de segurança máxima Bangu 1, chefiada por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

- O 11 de setembro foi um divisor de águas na história do Rio de Janeiro. Aquilo foi um enfrentamento claro, aberto, do poder paralelo contra o poder constituído.


Eleições, crime e castigo
A pesquisa do Datafolha publicada ontem pela Folha de São Paulo confirma plenamente a tese, que o tempo tornou clássica, quanto às mudanças que ocorrem no panorama eleitoral nas duas semanas finais da campanha. Em São Paulo, Alckmin assumiu a liderança não faz muito e, nos últimos sete dias, Maluf caiu de 29 para 26 e Genoino, impulsionado pelo efeito Lula, avançou de 22 para 24. Pelo ritmo, deve ultrapassar o ex-prefeito e decidir o Palácio Bandeirantes, no segundo turno, com o governador que está com 30 por cento das intenções de voto. Não são os números, são as tendências da reta de chegada. No Rio, o Datafolha aponta ampla diferença de Rosinha Matheus, mas passou a levantar a hipótese de um confronto final entre a candidata do PSB e Benedita da Silva, que melhorou na avaliação popular e avançou alguns pontos talvez capazes de habilitá-la, no rastro de Luiz Inácio Lula da Silva. Jorge Roberto Silveira também melhorou, apesar do desabamento de Ciro Gomes.

No Estado do Rio de Janeiro, no entanto, especialmente depois da estranha e amedrontadora onda de ontem, há necessidade de uma nova pesquisa, tanto eleitoral quanto conceitual, para identificar algo muito além do jardim. Algo que aparentemente remete ao arrastão de Ipanema, em 92, em cima da eleição do prefeito. Inclusive algo equivocadamente transformado em acontecimento afirmativo dos excluídos, quando na verdade era exatamente o contrário: manobra dos incluídos. O episódio e sua interpretação absurda representaram um preço alto, em todos os sentidos. O mais elevado, para a cidade, a quase institucionalização do crime organizado com suas sombrias ramificações e seu poder de ação e de imprevisto. A classe média, encurralada pelas imagens de televisão e das fotos de jornais, procurou nas urnas a segurança que faltava nas ruas. Ontem, houve uma reedição, uma refilmagem, com outros protagonistas, com atores da vida real, com elaborada direção de cena.

O reflexo eleitoral, seja em que sentido for, é inevitável. Afinal de contas, houve uma manifestação de poder que fechou, direta e indiretamente, os bairros cariocas e da periferia, levando à perplexidade. Tudo isso quase na esquina das urnas. Coincidência? Pode ser. Mas em política, me disse um dia o então senador Tancredo Neves num vôo do Rio para Brasília, a coincidência nunca é coincidência. Tancredo falava pausada e cifradamente nas mortes em série de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda. Lembro como se fosse hoje: mortes em série, afirmou, nunca são coincidência. Compreendi depois ter sido esta a razão de não ter aceito operar-se antes da posse que não houve na Presidência da República.

Agora, no Rio, se retirar regalias de um preso dão motivo a ações como a de ontem, o que poderia acontecer se o desfecho da rebelião de Bangu fosse outro? A governadora agiu com serenidade. Talvez este ângulo de ontem não seja considerado na análise de hoje. Mas esta é outra questão. O fechamento da cidade vai repercutir de forma nacional e internacional. Como influirá no voto é o xis do problema.


Artigos

Reais poderes do presidente
Luiz Orlando Carneiro

Às vésperas de uma eleição que deverá levar ao Palácio do Planalto o líder incontestável de um partido minoritário no Congresso, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do Partido dos Trabalhadores (PT), é incrível que não se tenha dado, durante a campanha, a importância institucional devida às eleições para a Câmara dos Deputados e para a renovação de dois terços do Senado.

As promessas e garantias de todos os candidatos à Presidência da República foram transmitidas ao respeitável público como se o eleitorado fosse escolher um chefe de governo revestido de poderes excepcionais.

A apreciação do alcance dos poderes do presidente da República, à luz da Constituição de 1988 e, em particular, em face da Emenda Constitucional nº 32 (11/9/2001) - aquela que limitou a edição e proibiu a reedição sistemática de medidas provisórias - não pode ser desprezada, neste momento em que parece garantida a escolha de um presidente certamente minoritário no futuro Congresso.

Os dois maiores poderes de que dispõe o presidente da República são, como se sabe, o de veto e o de adotar medidas provisórias (MPs) ''com força de lei'', em casos de ''relevância e urgência''.

O poder de veto não sofreu nenhum mudança desde a promulgação da Carta vigente. Está lá, no parágrafo 1ª do artigo 66: ''Se o presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de 15 dias úteis (...)''. O veto presidencial a um projeto de lei aprovado pelo Congresso só pode ser rejeitado ''pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em escrutínio secreto''.

O presidente Fernando Henrique Cardoso usou, nestes últimos oito anos, com equilíbrio - mas com firmeza - o seu poder de veto. E o utilizou sem maiores problemas, porque não havia deputados e senadores em número suficiente para derrubar um veto de sua lavra. É de se lembrar que o atual presidente governou com maioria razoável na Câmara dos Deputados, e muito confortável no Senado. E bastava essa Câmara revisora não querer derrubar um veto presidencial para anular tal prerrogativa do Legislativo.

Caso as pesquisas eleitorais se confirmem, Luiz Inácio Lula da Silva e seus assessores terão de se dedicar a um minucioso estudo das forças políticas que vão dominar o próximo Congresso. Mas é certo que ele terá de governar de forma consensual.

O PT de Lula lutou bravamente - ao lado de outros partidos e entidades representativas da ''sociedade civil'' - contra o excesso de MPs editadas e reeditadas nos dois governos Fernando Henrique. E conseguiu finalmente - de forma consensual - fazer aprovar a EC 32, há exatamente um ano.

A EC 32 não tornou apenas inválidas as MPs não convertidas em lei, pelo Congresso, no prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período. A emenda diminuiu consideravelmente os poderes do presidente da República quanto ao conteúdo dessas medidas. Assim, entre outros temas, é vedada a edição de MPs sobre direito penal, processual penal e processual civil; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público; diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos suplementares. Além disso, não pode ser editada MP sobre matéria ''já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República''.

Como se pode ver, o novo presidente assumirá o Planalto bem mais engessado pelo Congresso do que Fernando Henrique Cardoso. Por melhores que sejam seus projetos, o novo Executivo terá de negociar voto a voto com o novo Congresso.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Oportunismo pega e não tem cura
É impressionante a sofreguidão com que as pessoas buscam um abrigo quente e luminoso sob o sol da vitória. Ninguém quer perder e este é um sentimento inerente à natureza humana. Mas como tudo nessa vida, a ojeriza à derrota também tem limite. Qual seja, o da dignidade.

Tomemos aqui o caso de certos políticos cuja trajetória de apoios eleitorais nesta campanha tem sido tão reta quando o caminho descrito por Roberto Carlos em ''As curvas da estrada de Santos''.

Agora mesmo, uma parte do PMDB vem de aderir à candidatura de Luiz Inácio da Silva. E não falamos aqui daquela parcela de pemedebistas que desde o início defendia candidatura própria à Presidência e, perdedora, juntou-se ao PT e, desde então, dali não se mexeu. Estes exerceram o sagrado direito à dissidência e nada mais.

Atitude diferente e muito pouco atinente à coerência de posições exibem aqueles que transitam de uma candidatura à outra ao sabor das pesquisas.

Até Lula, hoje beneficiário, foi vítima, em eleições anteriores, da doença incurável, contagiosa e nada infantil do oportunismo.

Pacientes com alto grau de contaminação podem ser encontrados em todos os partidos e setores da sociedade, notadamente aqueles com interesses governamentais específicos.

No campo político, vestem esse figurino à perfeição, por exemplo, alguns candidatos do PSB a governos de estado que desprezavam o candidato de seu partido, Anthony Garotinho, e agora correm atrás de ligar seus nomes a ele no afã de pegar uma carona na melhora do desempenho eleitoral do ex-governador do Rio.

Justiça seja feita, não estão sozinhos nessa demonstração de fragilidade, nem diríamos ideológica para não incorrer em desrespeito ao conceito de ideologia. Em certos casos, o que vimos foi fraqueza de caráter mesmo. Daquele tipo que encara a vida exclusivamente sob a ótica da expectativa de ganhos.

Com José Serra ocorreu o mesmo que acontece agora com Garotinho. No início do horário eleitoral, o tucano subiu nas pesquisas e, por mais que se dissesse que o soluço ainda não se configurava uma tendência, muitos daqueles que já estavam prontos para pular no barco de Ciro Gomes, voltaram ao que imaginavam ser o porto seguro.

Quando a embarcação tucana não se firmou como esperavam e as pesquisas começaram a apontar para uma possibilidade real de vitória do PT no primeiro turno, viraram todos Lula desde a mais tenra idade.

Nesse grupo cabem alguns empresários que diziam para quem quisesse ouvir que o problema deles com Lula não era ideológico, era de ''eficácia''. Outros, do setor financeiro, repetiam o mantra segundo o qual o capital fugiria do país ainda durante a campanha caso Lula assumisse a dianteira.

Hoje, ante à evidência de que o candidato do PT, no mínimo, disputará a final com larguíssima margem de vantagem, optam por aquele que consideravam ineficaz e ainda usam como argumento a ''visão estratégica'' do petista, que já antevêem como ''um grande presidente''.

Ora, ou deu-se a mágica da transformação da matéria, ou estabeleceu-se a completa falta de dignidade diante da provável derrota.

Vítima em estado terminal dos reflexos da epidemia que contaminou muita gente de destaque em sua campanha, Ciro Gomes pôde perceber como são fluidas as fidelidades quando o que comanda as cabeças de homens e mulheres são números de pesquisas e a vitória como objetivo exclusivo.

O problema aqui não reside na posição do candidato que se beneficia da maré cheia. Afinal, a meta de quem disputa um cargo é nítida, legítima e incontestável: ganhar.

Nefastas são as posições dos que se grudam a um projeto com o qual nunca tiveram a menor identidade, apenas porque enxergam nele a possibilidade de se valer das benesses do poder.

De um lado, seria interessante que o eleitor observasse os que se movimentam na periferia de terrenos nos quais nunca transitaram, a fim de mantê-los, pelo voto, na planície.

E, de outro, que o vitorioso dessas eleições surpreendesse depois os oportunistas, reservando a eles boa, prudente e merecida distância do Planalto.

Crime eleitoral
Usar eleitoralmente a disseminação do pânico numa cidade é um grave crime de lesa-cidadania.

Se o PT não dispõe de dados concretos para acusar os adversários por uma suposta autoria da onda de boatos que levou ao fechamentos do comércio em vários bairros do Rio, a recíproca também é verdadeira.

Por isso, as atitudes de José Serra - acusando Anthony Garotinho e Benedita da Silva - e Garotinho - apontando como culpados a governadora e o presidente da República - são de uma irresponsabilidade atroz. Para dizer o mínimo.


Editorial

BUSCA DA MAIORIA

Com sua posição consolidada nas pesquisas - todas elas - e portanto na alvorada de provável vitória, desde que não ocorra o imprevisível, a grande preocupação de Luiz Inácio Lula da Silva deve ser a de garantir maioria parlamentar em bases sólidas e que seja a síntese de campanha, mas sobretudo capaz de viabilizar o seu eventual governo.

Não será tarefa fácil, mas o que é fácil no universo político? Terá que estabelecer um denominador comum entre as aspirações das correntes populares que o terão levado à vitória e a outra face da realidade nacional. Seu ministério deverá inevitavelmente ser o encontro de toda a sociedade brasileira e do país consigo mesmo.
Não se trata de pacto que possa significar equilíbrio estático, mas, sim, de esforço comum, dinâmico, voltado para a construção, com o olhar tanto no presente imediato quanto no futuro.

Os desafios não são poucos. Ao contrário , são inúmeros. O primeiro deles é a retomada do desenvolvimento com a participação livre de capitais, mais voltados para a realização de projetos econômicos do que para aplicações financeiras, que podem render muito a poucos mas que não mudam para melhor as condições de vida dos muitos que precisam reincorporar-se ao mercado de trabalho e que dele foram afastados por um modelo que se esgotou.

A perspectiva da vitória de Lula, primeiro operário a chegar à Presidência da República na História do Brasil, abre por sua vez, ao campo do entendimento e da conciliação, muito mais do que ao universo da adesão, uma característica que nada de concreto poderá acrescentar.

Evidentemente que, no Congresso Nacional, Lula não poderá prescindir da indispensável maioria parlamentar. Os exemplos dos tempos modernos indicam que toda vez que presidentes perderam essa maioria o país entrou em crises gravíssimas.

Vargas, Café Filho, Jânio Quadros, João Goulart são emblemas de alta nitidez mesmo com o passar do tempo. A estes podemos adicionar os generais Castello Branco e Costa e Silva, parcialmente depostos logo após a edição dos Atos Institucionais 2 e 5.

A maioria parlamentar, essencial tanto para o governo quanto para o país, não resulta apenas da nomeação, para o ministério, de representantes dos partidos que vão se aproximar do Palácio do Planalto, responsabilizando-se pela véspera do poder.

Se assim fosse, administração alguma perderia a base no Congresso. O aspecto predominante é a composição política em torno de um projeto de governo e de um programa de ação definido. Não em função apenas do presidente mas de toda a Nação.

A política, arte do possível, é sobretudo o único instrumento que se conhece de realização coletiva. Sem política feita em nível alto, qualquer governo descamba para o insucesso.

Não é o que o Brasil espera. Nem do presidente, nem dos partidos, nem do Congresso.


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10/01/2002


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