Cofres são abertos para Força Sindical







Cofres são abertos para Força Sindical
Executivo libera mais verbas para parlamentares e entidades que votaram ou apoiaram mudanças nas leis trabalhistas

BRASÍLIA - Um dia depois de arrancar da Câmara a aprovação do projeto que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o governo voltou a abrir os cofres da União. O apoio da Força Sindical às mudanças nas regras trabalhistas foi retribuído pelo governo com a liberação de R$ 450 mil. Às 16h53 de ontem, o Sistema de Administração Financeira da União (Siafi) registrou a dotação da primeira parcela de convênio entre a Fundacentro e a Força, no valor global de R$ 1,050 milhão.

O convênio, firmado semana passada, tem como objetivo ''analisar o custo social, humano e econômico dos acidentes de trabalho no município de São Paulo'' que tenham como vítimas metalúrgicos, trabalhadores da construção civil e na área de transporte urbano. O governo entra com R$ 950 mil para o estudo, enquanto a Força Sindical dará como contrapartida R$ 100 mil.
A descoberta foi feita pelo deputado Agnelo Queiroz (PC do B-DF). ''Isto é cooptação por parte do governo federal'', criticou. ''Não dá para dizer que é insuspeita essa atitude.''
Nos últimos 20 dias, a Força foi beneficiada com a liberação de R$ 785 mil, por meio de convênios com órgãos da administração pública. O presidente da entidade, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, fez o lobby do governo na discussão do projeto semana passada.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central Geral do Trabalhadores do Brasil, principais opositoras no movimento sindical ao projeto de mudanças na CLT, receberam tratamento oposto. Nenhuma delas assinou convênio com o governo no último mês ou recebeu verba para projetos e estudos.

Emendas - Na terça-feira, dia da votação do projeto da CLT, o governo liberou R$ 5,1 milhões para emendas ao Orçamento da União de 1999 feitas por parlamentares, como apontou na edição de ontem o Jornal do
Brasil. Atendeu até a pedidos de deputados que não votaram como queria o governo. O deputado José Teles (PPB-SE), apesar de ter uma das bases eleitorais, Gararu, beneficiada com a liberação de R$ 30 mil, votou contra as mudanças na CLT.
Até as 19h44, o Tesouro continuou a emitir ordens bancárias para atender aos pedidos de deputados. Liberou R$ 5,450 milhões para emendas.
O esforço para aprovar o projeto de mudança da CLT na Câmara emperrou no Senado. Em reunião no Palácio da Alvorada ontem, os líderes governistas avisaram ao presidente Fernando Henrique que a votação no Senado vai acontecer, na melhor das hipóteses, em março. O projeto ainda pode ser modificado e retornar à Câmara.
O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), anunciou não ter pressa para a votação no plenário da Casa.


Senadores querem lista para procurador-geral
BRASÍLIA - O presidente da República não poderá escolher livremente o procurador-geral. A decisão foi tomada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ao aprovar emenda pela qual o presidente terá de selecionar um dos nomes de lista tríplice apresentada a cada dois anos pelos procuradores.
Se a mudança for aprovada em plenário, o próximo governo não terá o privilégio de Fernando Henrique Cardoso. Nos sete anos de mandato, o presidente contou com o procurador Geraldo Brindeiro. A proposta original é do relator da reforma do Judiciário, senador Bernardo Cabral (PFL-AM), também presidente da CCJ. A vice-presidência é ocupada por Osmar Dias (PDT-PR).

Derrota - Ontem, senadores governistas tentaram mudar o texto de Cabral mas foram derrotados na comissão. O senador Romero Jucá (PSDB-RR) pretende recorrer da decisão no plenário. ''O pessoal está votando sem saber o que está acontecendo. O assunto ficou anos na Câmara e deve ficar alguns meses aqui'', disse.
Para Romero Jucá, se o relatório for aprovado sem mudanças, haverá uma ''sindicalização'' do Ministério Público. ''O procurador será representante de uma corporação e não da sociedade''.
A sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado foi suspensa antes de outras questões polêmicas entrarem em votação. Várias emendas acolhidas por Bernardo Cabral desagradam ao Palácio do Planalto. Uma delas restringe a escolha de ex-presidentes da República, ex-ministros e ex-parlamentares como ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Eles ficarão em quarentena judiciária e só poderão ir para o STF três anos após deixar o cargo no governo.

Cotado - A proposta tem endereço certo, o advogado-geral da União, Gilmar Mendes. Se aprovarem o destaque, os senadores não permitirão a Fernando Henrique Cardoso escolher o advogado-geral para a nova vaga ao STF. Gilmar Mendes é um dos cotados para o cargo.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou também outro critério para a escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal. Partidos políticos, associações de magistrados e escolas de direito poderão apresentar sugestões de novos nomes. O presidente da República, entretanto, não será obrigado a levar em conta essas recomendações.
A reforma do Judiciário tramita no Congresso desde 1992. Foi apresentada pelo deputado Hélio Bicudo, em primeiro mandato.


Dinheiro do TRT terá de ser devolvido
BRASÍLIA - Os principais acusados pelo superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo terão de devolver os R$ 169 milhões desviados dos cofres públicos. E mais: vão desembolsar multa no valor de R$ 10 milhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) negou ontem recurso apresentado pelo ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o senador cassado Luiz Estevão e os empresários Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Ferraz, condenados em sessão realizada em julho.

Vestido como de costume com um terno azul marinho e gravata listrada, Luiz Estevão acompanhou todo o julgamento. A sessão começou às 15 horas e se estendeu por mais de seis horas. O advogado Fernando Fortes, contratado pela empreiteira responsável pela obra, a Incal, exigiu do ministro Valmir Campelo a leitura das 60 páginas do relatório e não apenas o resumo, como é usual.
A leitura da íntegra do voto do relator não mudou a posição dos ministros. O recurso foi negado por unanimidade. Mesmo assim, Luiz Estevão saiu do plenário se dizendo satisfeito. ''Pude apresentar meus argumentos''.

O ex-senador falou por mais de duas horas. Alegou não haver provas de sua participação no desvio de recursos do TRT. O contrato de venda das cotas da Incal para Estevão, descoberto durante a fase de cassação do senador, seria falso. O documento é considerado pelo Ministério Público Federal uma importante prova da ligação de Estevão com a empreiteira.
Para os ministros do TCU, os réus não apresentaram nenhum fato novo capaz de derrubar as irregularidades constatadas. Mas a condenação de ontem não é definitiva. Os acusados ainda poderão apresentar um novo recurso no Tribunal. Caso não seja suficiente, poderão ainda recorrer à Justiça.
Na sessão de ontem, o ex-presidente do TRT de São Paulo, Délvio Buffulin, conseguiu reduzir a multa que lhe foi imposta, de R$ 1 milhão para R$ 349,5 mil. O engenheiro responsável pela obra, Antônio Carlos da Gama Silva, terá de pagar multa de R$ 17,5 mil.


Câmara confirma fim da imunidade
Apenas um deputado votou contra à medida moralizadora. Projeto ainda precisa passar por duas rodadas no Senado

BRASÍLIA - A Câmara confirmou ontem a restrição aos próprios privilégios. Por 441 votos a favor, um contra e duas abstenções, passou em segundo turno a Proposta de Emenda Constitucional que restringe a imunidade parlamentar. O texto, entretanto, ficou menos rígido. Uma emenda aprovada permitirá aos congressistas continuar imunes a penali dades por crimes de calúnia, injúria ou difamação. ''A mudança não altera o que é essencial ao projeto. Ficou como queríamos. Deixa o parlamentar gritar e falar à vontade'', disse o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG).
A emenda ainda deve ser votada em dois turnos no Senado. Se for promulgada, permitirá ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar qualquer deputado ou senador acusado de crime comum. Antes, era necessária licença dos congressistas, nunca concedida. O assunto foi discutido por mais de cinco anos.
O deputado José Roberto Batochio (PDT-SP) conseguiu atenuar a emenda, com a alteração que dá aos parlamentares imunidade por crimes de opinião e palavra em qualquer situação. O texto original a restringia à palavra e ao exercício parlamentar. Houve polêmica e discussão. ''Queremos liberdade total'', justificou.

Deputados estaduais - Com a nova lei, poderá haver cassações até por crimes cometidos antes do mandato. Também perdem a imunidade os deputados estaduais de todo o país. Para suspender processo do STF, os parlamentares terão que aprovar um requerimento em votação aberta. Internamente, o julgamento dos acusados de delitos será feito por um Conselho de Ética, recém-criado.
O único voto contrário foi do deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG). No primeiro-turno da votação, nove haviam rejeitado a emenda. Mudaram de idéia Eurico Miranda (PPB-RJ), Jurandil Juarez (PMDB-AP), José Militão (PTB-MG), De Velasco (PSL-SP) e José Gomes da Rocha (PMDB-GO).
Alguns deputados que devem ser processados votaram a favor do projeto - entre eles, Eduardo Campos (PSB-PE), acusado de emissão fraudulentas de precatórios. ''Quero que esse assunto seja resolvido o mais rápido possível. Outras pessoas envolvidas foram absolvidas.'' Airton Cascavel (PPR-RR), por corrupção ativa, Eurico Miranda, por agressão, Gervásio Silva (PFL-SC), por estelionato, e Remi Trinta (PST-MA), por racismo, também estão na lista.

Lobby - Para complementar o chamado Pacote Ético, Aécio colocará em votação um projeto que regulamenta o lobby. Em tramitação desde 1992, o projeto propõe o uso de crachá a lobbistas nos salões e gabinetes da Câmara e Senado. A matéria também obriga o registro os presentes a deputados.


Assessor de Serra substitui Matarazzo
BRASÍLIA - O escolhido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para comandar a publicidade do governo não poderia ser mais afinado com o ministro José Serra, um dos pré-candidatos do PSDB ao Palácio do Planalto. João Roberto Costa, conhecido como Bob, vai trocar a Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Saúde pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
A indicação foi confirmada ontem pela assessoria presidencial. O anúncio oficial e a posse devem ocorrer nos próximos dias. O atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Andrea Matarazzo, deverá assumir na semana que vem a embaixada brasileira em Roma.

Aos 38 anos, Bob chega ao Planalto com aval de Serra e Matarazzo. Mas não terá status de ministro. Por decisão de Fernando Henrique, vai exercer a função de secretário de Estado. Mesmo assim, a nomeação é uma vitória do ministro da Saúde na disputa com o governador do Ceará, Tasso Jereissati, também pré-candidato tucano.

O marqueteiro informal do presidente. Nizan Guanaes, aprovou a indicação. Mas jura que não deu palpites. ''Ele (Bob) é um cara fabuloso, é uma escolha da melhor qualidade'', elogiou.
Mineiro de Alfenas, mas residente em São Paulo, Bob veio para Brasília em 1997. Chefiou a comunicação da Saúde na gestão de Carlos Albuquerque, antecessor de Serra. Foi uma indicação do ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta e do ex-presidente da DM-9 Geraldo Moura, ambos falecidos. É formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas.


Ministro promete e solta verba para a mulher
BRASÍLIA - O ministro do Esporte e Turismo, Carlos Melles, cumpriu a principal promessa de campanha da mulher, Marilda, prefeita de São Sebastião do Paraíso, no interior de Minas Gerais. Liberou R$ 2 milhões para construção de um centro olímpico na cidade. O dinheiro foi dividido em duas parcelas, empenhadas em 28 de setembro e 1° de novembro. A obra está paralisada desde 1990. ''Quando entrei na política, me comprometi com a população de terminar o centro'', diz Melles. ''Estando aqui no ministério, não havia como deixar. Não seria perdoado pelo meu povo.'' Ele não esquece as origens. ''Estou ministro, mas sou deputado e bastante distrital''.
A construção do centro olímpico figurava com destaque no programa de governo de Marilda. O dinheiro necessário, antecipava, viria do ministério comandado pelo marido. Melles foi um ativo cabo eleitoral da mulher. Chegou a pedir licença do cargo para se dedicar à campanha. Em um dos programas eleitorais na televisão, anunciou: ''Com a Marilda na prefeitura, vocês ganham dois deputados e um ministro de uma vezada só. Os recursos estão aí. Por favor, me ajudem.''

Gastos - São Sebastião do Paraíso tem cerca de 45 mil habitantes. Segundo dados do ministério, o município recebeu mais verbas para investimentos que muitos Estados. O gabinete de Melles entregou ao Jornal do Brasil uma relação de gastos dos cinco principais programas de infra-estrutura da pasta. Enquanto a cidade natal do ministro recebeu R$ 2 milhões, o Maranhão ganhou R$ 1,4 milhão e Alagoas ficou com R$ 1,1 milhão. Pior é a situação do Espírito Santo e de Mato Grosso do Sul. Cada um obteve R$ 190 mil.
Os dados se referem a empenhos de recursos. O empenho é a primeira etapa do pagamento, quando o governo informa ao banco quem será o beneficiado pela verba.
O orçamento do ministério para esses programas é de R$ 142 milhões. Até agora, foram empenhados R$ 126 milhões. Minas Gerais é o Estado mais bem aquinhoado, com R$ 26 milhões. Depois vêm Santa Catarina e Goiás, com R$ 11,8 milhões cada um.

Bancada - ''Devo ter beneficiado Minas'', reconhece o ministro, ''mas não saberia quantificar''. Segundo Melles, boa parte das verbas destinadas ao Estado atende a emendas da bancada mineira ao Orçamento da União. ''Temos 53 deputados de Minas e eu procuro atender todos bem.''
Os mineiros lideram a apresentação de emendas ao orçamento do ministro conterrâneo. Juntos, pediram R$ 13 milhões em verbas, segundo dados do ministério. Em seguida aparece a bancada do Ceará, com emendas no valor de R$ 11,2 milhões, e a de São Paulo, com 7,9 milhões.


Artigos

Festival universitário
Rafael Linden

Stanislaw Ponte Preta, criador do Festival de Besteiras que Assola o País, diverte-se no túmulo com um episódio ''histórico'' para alguns, ''tragicômico'' para outros. Como professor da UFRJ em dedicação exclusiva, levo a universidade pública a sério. Porém, após 100 dias de greve, a sensação é um misto de desconforto, frustração e ridículo.
Deflagrada em assembléia inexpressiva, a greve na UFRJ ganhou adesão quase total dos professores. Paralisamos a graduação mas, em geral, não a pós-graduação ou a pesquisa. Percebendo, após 30 dias, que a inflexibilidade do MEC e do Andes levara ao impasse, com prejuízo intolerável para os alunos e para a UFRJ, numerosos professores de várias unidades procuraram alternativas.

A primeira foi retirar da pauta a extinção da Gratificação de Estímulo à Docência, por dividir opiniões contra ou a favor de ter parte do salário regida por critérios de produtividade, além de sabidamente inegociável pelo MEC. A partir daí, militantes habituais do corporativismo universitário promoveram uma campanha que primou por adjetivar a oposição como ''produtivistas'' (em tom pejorativo), ''pilantras invasores'', ''pessoal da excelência'' (novamente em tom pejorativo), e outros. A bravura de alguns professores, que ousaram defender a saída de greve discursando debaixo de vaias e impropérios depois de ouvir ''mostrem suas caras'', foi como imolar-se em praça pública. Nesse dia, uma pirueta criativa de um colega com grande experiência partidária fez aprovar um indicativo de saída de greve incondicional, sem data. Aliviados, constatamos que a greve acabaria antes do planeta explodir ou morrermos todos de velhice ou tédio. Era esse o clima de debate ''construtivo''.

Já o MEC se atrapalhou entre seus princípios, a arrogância do pré-candidato e a constatação de que, afinal, não tinha poder para negociar coisa alguma. Tornamo-nos massa de manobra de intrigas palacianas, reféns de candidatos a eleições e chantagens políticas diversas. O Congresso não daria um centavo para fechar a conta do acordo. Isso, antes do prazo fatal. Depois do prazo fatal (e, por coincidência, da campanha relâmpago da candidata do PFL), o Congresso achou dinheiro para o acordo.
Reinou o oportunismo. O Andes fomentou o impasse para esticar a greve; o Executivo apostou no desgaste para poupar uns caraminguás e disfarçar sua responsabilidade pela falta de regulamentação da greve no serviço público; o Judiciário, para se fortalecer na guerrilha trilateral que trava há anos com os outros poderes, mandou pagar salários e cancelou uma liminar de retorno, alegando, ao que parece, que a Constituição garante pagamento de salário com dinheiro público, indefinidamente, trabalhe-se ou não; o Legislativo mal sabe do que se trata, quer saber é das eleições.

Alunos se preocupam com o ano letivo, formatura, vestibular, mas uma parcela militante contribui para o caos. Familiares se desesperam. Já outros bradam ''é isso aí, tem mais é que pressionar esse governo'', enquanto se apressam em transferir os filhos para escolas particulares. Cada um se diz o único defensor do ensino público e desdenha dos outros, e todos contribuem para desgastar a universidade.
Depois desse festival, urge um debate substantivo sobre as universidades, públicas e particulares. Nada do que aconteceu nos últimos três meses tem relevância para esse debate. É assunto sério, que exige pensar antes de falar, definir interlocutores bem-intencionados, com capacidade e decoro. Caso contrário, continuaremos a ouvir as gargalhadas de Stanislaw.


O Irã abre o diálogo
Candido Mendes

Já se exauriram os clichês da crise aberta pelo 11 de setembro, assim como do próprio entendimento do que seja a defesa da civilização e sua ameaça pelo terrorismo, com a emergente e universal cultura do medo. Ou, mais ainda, pelo enrijecimento do padrão de crenças e valores vistos como ameaçados, frente ao inimigo sem face, forçando um fundamentalismo ocidental, para a própria modernidade, tida como sinônimo da globalização até há poucas semanas. Nesse quadro, dos envelopes de antraz seguindo-se aos aviões-bomba, o Ocidente não tergiversa em investir-se como guardião da sobrevivência do gênero humano, concedendo, no máximo, o seu rateio com os corpos históricos que com ele se coliguem para essa cruzada ecumênica, que já se chamou de ''justiça infinita'' e hoje crisma-se como a da ''infinita liberdade''. Nessa varredura, o adversário tem de ser erradicado, por sobre denominadores de culturas, nações, tribos ou máfias, por quem assume o monopólio da defesa de nossos valores, até com a boa fé, nascida da indiscutibilidade da boa causa.

Mas a prática da paz, como a conhecemos no último século, só volta, de fato, à tona nestes dias, se atentar-se ao quanto o terrorismo - crime sumo - pode ser combatido com a especificidade mesma com que as culturas valorizam o homem e dele fazem - em qualquer de suas versões - o primado do implante das civilizações. O pânico do 11 de setembro não pode turbar a obra de cada povo, na síndrome defensiva em que o mundo, depois desse dia, fechou as suas fronteiras e levantou a couraça dos mísseis sem volta e dos bombardeios cirúrgicos.
Significativamente, veio do Irã a quebra desse pânico, na primeira iniciativa de convidar uma humanidade confrangida, no mais íntimo de suas raízes históricas, a abrir-se ao diálogo e a levantar a viseira para ver o outro, de modo a não fazer do diferente o inimigo presumido, se não, de vez, o terrorista nele embuçado. Há que desenovelar o círculo vicioso com que, nos primeiros dias, ao visar-se o Al-Qaeda, brotado de tantas nações islâmicas, desenhou-se um antagonismo grosseiramente recortável na presunção de ''culturas inimigas'', de uma ''guerra santa'' que lhe emprestasse o gatilho.

A história, nesses momentos, procura, com olhos de ver, os homens-ponte, a assumir a carga máxima de risco num conflito crítico, por mais que minado o caminho de seu desmonte. Na convocação de Khatami por um ''diálogo das civilizações'' implicam-se, de imediato, o próprio pluralismo islâmico, todo o contrário do Jihad de Bin Laden; a diversidade criadora, dentro do mesmo Corão, entre sauditas e xiitas; as noções de convivência com a modernização, ao lado do reforço das identidades culturais, retemperadas pelo rigor religioso; o limite com que a Xaria, ou a lei islâmica, recobre a laicização de tantas periferias asiáticas, expostas à terraplenagem modernizadora.
Khatami surge hoje como a primeira interlocução islâmica, nascida da mais recente das revoluções de retorno a uma identidade prístina, reptada até as raízes, pela ocidentalização dos Pahlevis. Na vertigem da mudança, expropriava-se, entretanto, a alma do povo e abria-se a pergunta pela identidade, cobrada estrepitosamente por uma mocidade que perdia a sua placenta histórica. E foi buscá-la no revigoramento imediato, oferecido pelo xiita, na tradição de militância de seu clero, que saía, com Khomeini, do refúgio de Qom e, depois, do exílio francês para restaurar a cultura ancestral, na undécima hora das pasteurizações modernizadoras. Foram os estudantes que derrubaram o Xá, tal como Khomenei emprestou-lhes todo o reengaste no seu corpus histórico.

Abraçou o Irã todas as conseqüências de uma teocracia, no reclamo da coerência última da população iraniana, a pique da dispersão modernizadora, típica de tantas periferias orientais, satelitizadas pela amnésia ocidentalizante. Khatami veio ao poder como resultado da sedimentação desse duplo lance. E sua legitimidade nasce da força de um processo democrático que não tem rival na Ásia islâmica e lhe dá, pela reeleição, o carisma inaudito de definir uma prospectiva nacional, como quer seu eleitorado de moços, num país de meninos, da maior explosão demográfica desta trintena. Conta o líder, doutra parte, com o lastreio institucional de uma legítima revolução religiosa, em que a volta às raízes corâmicas sabe distinguir o depósito da fé, entregue a Khamenei, a sua mediação à vida cotidiana por Rasfasani e a condução de todo processo político pelo presidente da República, ora confirmado no posto, para os próximos quatro anos, por uma verdadeira eleição-referendo.

Na condição superestratégica de corredor entre o mundo saudita e a Ásia Maior, o Irã tem hoje as peças de jogo para, ao mesmo tempo, contra-restar, a contaminação Jihad de Bin Laden. Tal como, a bem do equilíbrio geopolítico da área, opôs-se à ameaça de agressão ocidental ao Iraque, ex-inimigo, ou de aliar-se ao general Musharaf para evitar o novo consórcio ocidental-russo na eternização de forças de segurança no Afeganistão. Não quer a Ásia islâmica uma nova Bósnia ou um Kosovo.
Nosso presidente encontrou-se com seu homólogo iraniano na Assembléia das Nações Unidas, em 11 de novembro último. Essa foi a primeira reunião em 90 anos, dos chefes de Estado de países de importância-chave na periferia da globalização que, nessa ocasião, se afirmaram na força das suas identidades, no mundo latino como no islâmico, de macronações orientadas para o seu próprio mercado interno, na consciência das suas diferenças nos blo cos que as queiram assimilar e na autoridade nascida da democracia incorporada hoje, radicalmente, a ambos os processos políticos.

O intercâmbio universitário começa, entre as duas nações, a sancionar uma primeira resposta brasileira ao convite de Khatami, feito a países que querem mais inquirir e perguntar-se do que ter as respostas feitas dos blocos históricos fechados.
No pós-11 de setembro, dominado pelos novos rateios dos riscos políticos e das modernizações, bloqueadas pela globalização à outrance, a volta ao diálogo é o primeiro trunfo para superar um mundo que pode ficar permanentemente na defensiva, sob o álibi do ataque do terrorismo indistinto. O clamor pelo diálogo das culturas, no caso, não é álibi para fugirem às ditas novas realidades do neofundamentalismo ocidental. Mas o primeiro movimento para que o produto final da cruzada antiterrorista, opaca e acrítica, não seja a definitiva ''civilização do medo''.


Bioterrorismo
José Rodrigues Coura

O uso de agentes biológicos como arma não é novo. Há evidências de que os antigos gregos, romanos e persas tentaram contaminar as fontes de água dos seus inimigos com animais mortos, em fase de putrefação, o que ocorreu também na guerra civil dos Estados Unidos, no século 19. Os tártaros que cercaram a cidade de Kaffa, no Mar Negro, em 1346, jogaram cadáveres de pessoas mortas de peste bubônica, utilizando-se de catapultas, por cima dos muros da cidade, para dissiminar a doença entre os inimigos através dos ''miasmas'' (ar contaminado, como pensavam), conseguindo a sua rendição, possivelmente por disseminação da doença através de pulgas, mecanismo hoje bem conhecido. Outros exemplos, como a vitória de Cortês sobre os índios astecas mexicanos, contaminados com o vírus da varíola, e de fazendeiros brasileiros que contaminavam os índios hostis oferecendo-lhes cobertores que haviam servido a variolosos, foram muitos marcantes.

Vários agentes bacteriológicos como o bacilo do antraz, da cólera, da peste bubônica, da brucelose, da tularemia, da febre Q e de toxinas do botulismo e dos estafilococos, entre outros, e virais, como o vírus da varíola, do sarampo e das febres hemorrágicas , entre os quais o Ebola, o Hantavírus e outros poderiam ser usados, inclusive os conhecidos vírus da febre amarela e do dengue. Dependendo do agente, a disseminação poderia ser feita através de aerosóis, contaminação de objetos, da água e dos alimentos, de insetos infectados, como mosquitos, pulgas e carrapatos, e mesmo de pessoas contaminadas.

O recente episódio da disseminação do antraz, através de cartas nos Estados Unidos, reacende a grande preocupação com esse tipo de bioterrorismo, evitado durante as últimas grandes guerras devido à sua dramaticidade e à própria Convenção de Genebra. que proíbe as guerras químicas e biológicas. Durante a guerra contra o Irã e na Guerra do Golfo, o Iraque cultivou o bacilo do antraz, mas não o usou, provavelmente devido ao conhecimento do que ocorrera na União Soviética durante a Guerra Fria, em 1979, quando um laboratório militar nos Urais deixou escapar, por acidente, esporos do Bacillus anthracis, contaminando 79 pessoas, com 68 casos fatais.

A grande preocupação atual é com o vírus da varíola, erradicada como doença no mundo, mas tendo uma reserva do vírus, em uma instituição dos Estados Unidos e em outra na Rússia. Desde que a doença foi considerada erradicada, não mais se produziu a vacina, da qual hoje não se tem estoque. A população menor de 20 anos, não vacinada, é susceptível à doença. Uma pessoa infectada com o vírus é capaz de produzir uma epidemia de grandes proporções. Especialistas da Organização Mundial de Saúde reúnem-se este mês em Genebra para tratar de uma nova estratégia diante dos riscos da reintrodução da doença.
Apesar dos riscos do bioterrorismo, não é fácil a preparação de seus agentes e da sua disseminação. Mas é possível. A Academia Nacional de Medicina preocupa-se com o assunto e o discute em simpósio neste momento.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

Comunicação truncada
Desde que o governo Fernando Henrique Cardoso se entende por gente, ouve-se falar que o problema central de sua administração é que o Planalto e cercanias não se comunicam bem com a sociedade. E entra secretário de Comunicação, sai secretário de Comunicação, o diagnóstico continuou sempre o mesmo. E pior: sem solução.
A questão, nos últimos dias, no entanto, chegou ao máximo: o atual ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e indicado embaixador em Roma, Andrea Matarazzo, assegurou, por meio de sua assessoria, que foi o último a saber que seu substituto seria João Roberto Vieira da Costa, assessor do ministro José Serra. Bob, como é conhecido, não terá o status de ministro e fica com o título de secretário.
No dia anterior ao anúncio quase que oficial, Andrea Matarazzo insistia que não tinha a menor idéia de quem poderia ser seu sucessor. Traçava até um perfil que, se acoplado à condição de tergiversador, poderia ser um auto-retrato.

Segundo ele, não seria escolhido um político, nem alguém que antecipasse as boas notícias aos jornalistas - para não quebrar o impacto de um trabalho a ser feito pelo presidente da República -, mas também que não revelasse as más. Afinal, o trabalho era melhorar e não piorar a imagem do governo.
Terça-feira à tarde, enquanto todas as redações já tinham acesso à informação sobre o substituto, Andrea Matarazzo jurava que a indicação ficaria para a semana que vem e a escolha poderia recair sobre qualquer um dos nomes que estavam sendo falados. Caio Luiz de Carvalho, da Embratur, e o ex-deputado José Abraão, por exemplo.

Não citou os nomes de José Roberto nem o do deputado tucano integrante da executiva do PSDB, Márcio Fortes, que, com Caio, estavam numa lista entregue por ele mesmo na noite de segunda-feira ao presidente da República. A despeito dessa versão, no Planalto, para onde ele telefonou a um amigo, no fim da tarde de ontem, o que se conta é que o ministro apostava em José Abraão.
Neófito sobre os procedimentos do trânsito de informações em Brasília, Andrea negava o que todos confirmavam e ainda, na quarta-feira de manhã, quando viu o nome de José Roberto nos jornais, disseminou a versão de que estava se considerando traído pelo presidente da República.
Tanto que, à tarde, saiu de seu gabinete em direção ao Planalto simulando uma tentativa de esclarecer o caso, pois insistia em que a escolha havia sido feita à sua revelia. E aí, não sobram opções: ou tivemos um secretário/ministro de Comunicação mal-informado, ou deliberadamente inimigo da verdade ou suficientemente desprestigiado junto a FH para ser pego de surpresa quanto à sua substituição que, ao contrário do que dizia, não se dará na semana que vem. A princípio, José Roberto assumiria ainda esta semana e até já conversou com o presidente.

Este, por sua vez, no fim da tarde, mandou avisar que não havia nada ainda decidido e que, quando houvesse, ele mesmo faria o anúncio. Isso depois da confirmação oficial tanto no governo quanto na Secretaria de Comunicação. Caso o dia amanheça sem essa questão resolvida, com todo o respeito, o que parece é que o presidente da República e seu ainda ministro da Secretaria de Comunicação, combinam no estilo de tergiversar inutilmente sobre os fatos.
Afinal, o caso não justifica segredos nem idas e vindas.
Até porque Matarazzo já anunciava ontem sua ida para a Itália na quarta-feira quando, então, finalmente, poderá assumir a Embaixada do Brasil em Roma. Mas, se ele pretende ficar entre a Itália e o Brasil para ajudar na campanha do amigo José Serra, é prudente que melhore seu estilo de se relacionar com o mundo da política, que azeite seus canais de comunica ção e principalmente que aprenda a diferenciar propaganda de informação. Esta última requer credibilidade e quem a detém como único patrimônio tem o dever de zelar por ela.

Acordo antigo
A história a seguir quem conta é um ex-executivo da Volks que, em 1996, acompanhou de perto uma dura e pioneira negociação entre a empresa e o Sindicato dos Metalúrgicos, para evitar demissões.
Na ocasião, foram reduzidos 20% dos salários e 20% das horas trabalhadas. O mais difícil, por ilegal, foi dividir a participação nos rendimentos da empresa - prevista em acordo coletivo - em 12 vezes. Era permitido dividir apenas em duas vezes, mas o próprio sindicato acabou ajudando a empresa a flexibilizar a regra que, ao fim e ao cabo, permitia que os trabalhadores, no fim do mês, recebessem o salário com valor nominal como se não tivesse havido redução.
Foi a partir daquela negociação que CUT, Ministério do Trabalho e empresas se interessaram em começar a discutir a adaptação das regras da velha CLT à nova realidade.
O executivo, que hoje já não trabalha para a indústria automobilística, confessa-se perplexo com a posição atual da CUT a respeito do projeto aprovado na Câmara na terça-feira.


Editorial

Dois Gumes

O deputado paulista Celso Russomano, do PPB, incorporou à sua curta vida parlamentar episódio que o coloca numa das correntes mais férteis da História republicana brasileira. Trata-se da confusão, sempre alimentada, nunca combatida, entre aquilo que é privado e aquilo que é público. A linha divisória entre estas duas atividades é tão tênue que raramente seus protagonistas se dão conta de como estão pisando em falso quando circulam entre elas.
Segundo denúncia da Justiça do Trabalho de São Paulo, encaminhada ao Ministério Público Federal, ele incluiu na folha de pagamento da Câmara dos Deputados funcionária encarregada de tocar seus negócios privados. Ao encaminhar a denúncia, a juíza Rosana Russo, da 41ª Vara do Trabalho, traçou panorama que, com rara felicidade, vale para este e para todos os outros casos semelhantes: ''Infelizmente, em nossa cultura, o patrimônio público se confunde com o patrimônio privado, como se os representantes do povo pudessem se utilizar da máquina do Estado em benefício próprio, sem que temam qualquer sanção.''

Nisto o deputado sequer foi original, à semelhança dos pecados tornados rotina desde a proclamação da República. O regime, ao ser instaurado, por seu caráter federativo, multiplicou na capital, nos estados e nos municípios, os cargos administrativos e os de representação, criando em pouco tempo a febre do emprego público. Os cargos eram disputados, não como meio de realizar o ''ideal republicano'', mas pura e simplesmente como meio de vida. Bastava chegar ao poder e cada qual já se sentia vitalício e, em conseqüência, nepotista. O serviço público acabou distribuído entre parentes e amigos dos chefes do Executivo municipal, do Executivo estadual e do Executivo federal, e com o tempo também passou a fazer parte dos outros Poderes. O Estado-cabide-de-emprego é coisa bem brasileira.

Não há nada tão antigo e tão atual, tão familiar na História republicana, do que o hábito de fazer dos cargos públicos, logo do Tesouro público, uso privativo.Até o velho jeitinho brasileiro, basicamente antiético, exacerbou-se, tornou-se faca de dois gumes. Ou seja, até certo ponto ele funciona, sem causar grandes problemas. Mas se abriram tantas concessões a este tipo de atitude, que perdeu-se a referência ética do limite entre o direito de cada um e o direito dos outros. No caso da política, deram-se tantos jeitinhos, distribuíram-se tantos empregos, resolveram-se tantas crises particulares com o dinheiro do contribuinte, que a própria classe política perdeu o pouco crédito que ainda tinha aos olhos da opinião pública.
Mas a cidadania já não se deixa mais levar pelas aparências que escondem a verdadeira situação dos bastidores da vida pública. Que a imunidade não se confunda com impunidade.


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12/06/2001


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