Comissão da Verdade da Reforma Sanitária será instituída em congresso



A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) lançam, neste sábado (16), durante o 6º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, a Comissão da Verdade da Reforma Sanitária (CVRS), com apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A comissão tem como objetivo investigar as violações dos direitos humanos por agentes do Estado ocorridas no período de 1946 a 1988, referentes às ditaduras Vargas e Militar.

Inspirada na Comissão Nacional da Verdade (CNV), que já atua no Brasil, a CVRS começou a ser pensada a partir da publicação, em 2012, de uma norma da Comissão da Verdade que permitia a criação de comissões da verdade locais (estaduais, municipais, das câmaras legislativas, de associações de trabalhadores, de mulheres, dos índios, de trabalhadores rurais etc).

Na mesma norma, a Comissão Nacional da Verdade passava a investigar as violações orquestradas pela Operação Condor, que envolveu Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, que incluía não só o intercâmbio de metodologias e práticas de tortura, mas a troca de prisioneiros em uma articulação dos aparelhos repressivos da América Latina.

Segundo a presidente da CVRS, Anamaria Tambellini, a existência de casos de tortura em todo o País mobilizou os integrantes da Comissão: “sabemos de muitos casos de trabalhadores ou ex-trabalhadores da área de saúde que sofreram violações. Alguns já tiveram os direitos políticos restaurados, mas outros continuam desaparecidos ou nunca foram identificados”, explica.

O trabalho da comissão abrangerá todos os trabalhadores independentemente do cargo, sejam médicos, enfermeiros, auxiliares, que estejam ou tenham trabalhado no sistema de saúde, em universidades, em clínicas privadas, etc. O trabalho não é restrito ao funcionalismo público, mas não se limitará ao levantamento dos casos de pessoas violadas, enfatiza Anamaria. “Vamos querer saber também como os trabalhadores da saúde ajudaram a ditadura, como foi o caso de alguns colegas médicos, que colaboraram diretamente nas sessões da tortura”, afirma.

Coleta de informações

Durante o lançamento da Comissão, será apresentado o plano de trabalho e feito o lançamento do site da CNVR, com os sistemas de informação e comunicação. O sistema de informação receberá notificações e relatos de casos, com a pessoa – vítima, parente ou testemunha de algum caso – escrevendo o seu relato no site, mas os dados pessoais não serão expostos. A pessoa poderá também anexar fotos, áudios, filmes, discursos, recortes de jornal ou colocar a sua opinião para serem armazenados. Os visitantes terão acesso aos relatos, além do número de notificações recebidas por estado, sexo, idade e período histórico.

Já o sistema de comunicação contará com o trabalho de jornalistas que captarão as notícias publicadas, inicialmente na mídia impressa, sobre as Comissões da Verdade que estão atuando em todo o País, disponibilizando essas informações no site, de forma analítica e categorizada. Depois de um ano, será gerada uma publicação de como a mídia impressa trabalha essas informações. Para Anamaria Tambellini, a iniciativa tem um papel histórico, pois “é uma forma de desvendar os porões da ditadura, trazendo à luz esses casos. Mas, esse processo também iluminará a todos nós, para pensarmos em uma possibilidade de democracia para que esses fatos jamais voltem a acorrer”, ressalta.

Grupos de apoio

Inicialmente, cinco núcleos já estão sendo formados, todos atuando nas capitais. São eles da Bahia, do Ceará, de Pernambuco, do Paraná e de São Paulo, que já está mais organizado e com o qual o núcleo do Rio já está trabalhando mais diretamente. “Nossa política é trabalharmos articulados com todos os grupos e passarmos informações uns para os outros, municiando o sistema com informações de todos. Eles também usarão o nosso sistema”, explica Anamaria.

As audiências públicas também serão utilizadas, desde que haja vontade das pessoas violadas de darem seus depoimentos em público, como explica a presidente da Comissão. “As reuniões poderão ser públicas ou privadas, conforme o pedido da pessoa. Mas, estamos tendo muito cuidado e para isso procuramos ajuda da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para podermos acionar mecanismos de defesa, quando for necessário, de possíveis ataques de grupos insatisfeitos com o que está vindo à tona”, informa Anamaria.

Vários grupos serão formados, dentre eles o de historiadores, que trabalharão sobre os documentos que forem sendo incorporados ao acervo da CVRS. “Trabalharemos também com universidades e os núcleos de comunicação da Abrasco, do Cebes, do Icict, da Ensp e da Asfoc”, explica.

A própria Comissão avaliará os casos e relatos, mas ela também terá autonomia para convidar outras pessoas para acompanhar as avaliações. Um grupo transdisciplinar fará uma análise integral de todo o material e outro grupo será encarregado das relações institucionais com a sociedade civil e outras Comissões da Verdade. A presidente da CVRS destaca a formação de um grupo de saúde mental, “que dará apoio às pessoas vítimas de tortura e se articulará com outros grupos de apoio psicológico”.

O núcleo do Rio de Janeiro já estuda realizar um evento no próximo ano. “Em abril de 2014, quando se completam 50 anos do golpe militar que instaurou a segunda ditadura na história do país, queremos realizar um grande evento”, afirma Anamaria. Os detalhes ainda serão discutidos mas, segundo ela, o evento já conta com o apoio da presidência da Fiocruz.

Na mesa redonda do lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária, que será coordenada pelo presidente da Abrasco, Luis Eugênio Portela, estarão presentes a presidente da CVRS, Anamaria Tambellini, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, presidente da OAB-RJ e da Comissão da Verdade no Rio, Wadih Damous, e o advogado “que mais defendeu perseguidos da ditadura”, ex-deputado e integrante do grupo Tortura Nunca Mais, Modesto da Silveira.

Segundo Anamaria, “as Comissões da Verdade são importantes para o Brasil para que o País possa afirmar a sua identidade e para pensarmos se temos a democracia pela qual tanto lutamos, tanta gente morreu ou foi torturada, presa, ou perdeu seus direitos políticos e/ou seus empregos”, finaliza.

 

Fonte:
Fundação Oswaldo Cruz



18/11/2013 15:18


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