Congresso enfrenta desafio de definir lei antiterrorismo até a Copa




Forças Armadas fazem treinamento antiterrorismo entorno do Estádio Mané Garrincha, em Brasília

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A quatro meses da Copa do Mundo, quando pelo menos 600 mil estrangeiros – inclusive chefes de Estado e autoridades - desembarcarão no país, segundo previsão do Ministério do Turismo, o Congresso Nacional corre contra o tempo para aprovar uma legislação específica sobre o terrorismo. O desafio é elaborar normas que inibam a prática de atos terroristas sem prejudicar os direitos constitucionais de livre manifestação e expressão do pensamento.

Nas redes sociais, usadas como ferramenta para a organização de protestos de rua, há o temor e a desconfiança de que a intenção do poder público é na verdade criminalizar e impedir manifestações como as de junho do ano passado, quando milhões de brasileiros se reuniram nas principais cidades do país.

Relator da Comissão Mista formada no Congresso para regulamentar leis federais e artigos da Constituição, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou uma proposta sobre e o tema, aprovada no fim de 2013 (PLS 499/2013). Ele garante que os direitos de manifestação de pensamento e de realização de reuniões pacíficas em vias públicas serão mantidos:

– Relacionar tal projeto aos movimentos sociais é um equívoco. Nossa intenção é dar ao país uma lei moderna e dura contra o terror. Nada tem a ver com movimentos sociais. Para quebra-quebra, violência nas ruas ou outras ilegalidades, existe o Código Penal, que prevê, por exemplo, dano ao patrimônio, lesão corporal e dano a terceiros. A proposta aprovada também não abrange os black blocs. Incendiar um carro ou destruir lojas e agências bancárias é crime; mas não necessariamente terrorismo – garantiu Jucá, para quem projetos em tramitação no Congresso, como os que proíbem o uso de máscara por manifestantes, devem ser vistos com muita cautela:

As máscaras não são o problema. Uma manifestação pacífica pode ser feita com ou sem elas disse.

Dificuldades

O consultor do Senado Tarciso Dal Maso Jardim, que atua na área de defesa nacional, acha que a preocupação manifestada nas redes sociais se justifica, principalmente pela complexidade do tema. Ele reconhece que a definição de terrorismo tem sido um dos tipos penais mais difíceis com que trabalhou:

– Historicamente já é possível perceber tal dificuldade. A aplicação de leis antiterroristas na América Latina, por exemplo, já gerou distorções. No Chile, aplica-se a lei para os índios mapuches. No Peru, de Alberto Fujimori, ela era válida até para pichadores – explicou o consultor, que também é conselheiro nacional de Direitos Humanos.

Segundo ele, o Direito Penal não permite tipos genéricos, por isso é preciso definir bem o conceito. Ele defende que um tipo penal de terrorismo contenha também a finalidade da ação:

– Sequestrar uma aeronave civil, incendiar um veículo na rua é ou não terrorismo? A depender dos envolvidos, haverá quem diga que sim, mas também existirão os que não concordem com esta tese. Não há consenso no meio acadêmico e na doutrina sobre se determinados atos são ou não terroristas – argumentou o consultor, que, a exemplo de Jucá, disse não haver associação entre o PLS 499 e as manifestações sociais.

Manual da Lei e da Ordem

A possível realização de protestos de rua durante a Copa do Mundo preocupa o governo brasileiro. No dia 20 de dezembro, o Ministério da Defesa publicou a Portaria Normativa 3.461/13 para disciplinar a atuação das Forças Armadas em ações de segurança pública.

O Manual de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) atribui poder de polícia às três Forças Armadas, mediante ordem da presidente da República, e também já virou motivo de queixa nas redes sociais. Na terça-feira (28), o ministro da Defesa, Celso Amorim, reconheceu, em entrevista à imprensa, que serão necessárias mudanças na redação do texto.

O regulamento prevê, por exemplo, ação de blindados em operações para garantia da ordem pública. No seu item 4.3, classifica de “forças oponentes” as pessoas, grupos ou organizações que provoquem ou instiguem ações radicais e violentas. No item 4.4, são consideradas como “principais ameaças” o bloqueio de vias públicas de circulação; a depredação do patrimônio público e privado e os distúrbios urbanos.

Tarciso Dal Maso acha que as críticas recebidas pelo Manual nas redes sociais são procedentes e defende a revisão do texto.

– O militar é preparado para o combate e educado para lidar com a ideia de inimigo. Em segurança pública, não é assim que funciona, por isso, eles precisam recuar em relação a essa visão clássica. Aprendemos muito no Haiti, onde a missão não era para uso da força, mas para fins de pacificação – explicou.

Segundo ele, já que existe a possibilidade de as Forças atuarem na Copa, elas precisam de um regulamento:

– Os militares precisam de uma base para saber como agir em determinadas situações. E um regulamento serve para resguardar os dois lados: as forças do Estado e a população – disse.

Outros projetos

A proposta aprovada pela comissão mista não é a única a tratar do tema. No Senado, tramita o PLS 728/2011, que também tipifica o crime de terrorismo. O autor, senador licenciado e atual ministro da Pesca, Marcelo Crivella, já havia garantido que as manifestações populares não seriam enquadradas pela lei. “Não há a mínima chance de as legítimas manifestações populares ocorridas nos últimos dias virem a ser futuramente enquadradas como crime de terrorismo, caso o projeto venha a ser aprovado”, afirmou ele em nota.

De acordo com o texto original do PLS 728/2011, o terrorismo é definido como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo”.

Em setembro de 2013, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o projeto obteve relatório favorável do senador João Alberto Souza (PMDB-MA), mas recebeu voto contrário da senadora Ana Rita (PT-ES). A comissão acolheu como parecer o voto de Ana Rita pelo arquivamento da matéria.

Segundo a senadora, não haveria tempo hábil para uma análise mais aprofundada da proposta, já que faltava pouco tempo para o início da Copa do Mundo. Para ela, as discussões, já em andamento, sobre a reforma do Código Penal seriam mais apropriadas para realizar as tipificações de crimes presentes no projeto.

Código Penal

Na Comissão Especial responsável por reformular o Código Penal, elaborado em 1940, o relator, senador Pedro Taques (PDT-MT), já manifestou sua opinião publicamente, afirmando que as leis atuais garantem punição a baderneiros que possam se infiltrar nas manifestações de rua. Ainda assim, no PLS 236/2012, que condensa as alterações no código, ele optou por aumentar a pena prevista para o crime de dano ao patrimônio público:

– O patrimônio público não é coisa de ninguém. É algo que pertence a todos nós. O que não podemos tolerar e permitir na democracia é que vândalos possam ficar à margem da lei. Já existe lei para isso, falta aplicar. Os movimentos sociais devem ser valorizados e são bem-vindos, e os criminosos e baderneiros devem ser afastados e responder por seus atos conforme a lei – afirmou o senador, em entrevista à Rádio Senado, em dezembro passado.

Lacuna jurídica

O Brasil não tem uma lei específica para tratar do terrorismo, que foi incluído  no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), com previsão de pena de reclusão de três a dez anos para quem “devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”.

A falta de uma definição relativa ao tipo penal não é um problema só do Brasil. Segundo a Consultoria do Senado, já foram elaborados no âmbito das Nações Unidas (ONU) pelo menos 13 instrumentos internacionais sobre o tema, sem que se chegasse a um consenso sobre quais elementos essenciais devem compor a definição típica do crime.

A Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, assinada pelo Brasil em 2002, limitou-se, por exemplo, a caracterizar a prática como uma “grave ameaça para os valores democráticos, para a paz e para a segurança internacionais”.

Apesar da lacuna jurídica, há valores consagrados na Constituição que deixam clara a posição do Estado brasileiro contra o terror, tanto que classifica o terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, XLIII). Além disso, o repúdio a tal crime está entre os princípios essenciais que devem reger as relações internacionais do Brasil com outros países (art. 4º, VIII).

Para o consultor Tarciso Dal Maso, não há como realizar a Copa do Mundo sem a aprovação de uma lei específica sobre o tema, até porque o Brasil não está livre da ação de grupos terroristas estrangeiros.

– Além disso, os órgãos de segurança, como Polícia Federal, Abin [Agência Brasileira de Inteligência] e Exército, trabalham com conceitos diversos de terrorismo. A lei federal tem de dizer o que é, até para evitar instabilidade jurídica. além disso, se nada for aprovado, ficaríamos sujeitos à Lei de Segurança Nacional – afirmou.



30/01/2014

Agência Senado


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