Crise econômica, excesso de MPs e reajustes de aposentadorias marcaram debates em Plenário em 2008
A crise financeira que abalou os Estados Unidos e a Europa e atingiu o Brasil foi um dos temas mais citados pelos parlamentares em discursos no Plenário durante o segundo semestre de 2008. Enquanto a bancada governista procurava tranqüilizar a população, afirmando que as medidas adotadas pelo Executivo eram suficientes para blindar a economia, como afirmou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), a oposição acusava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não perceber a gravidade da questão.
Para o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), por exemplo, a crise financeira chegou ao Brasil não como uma "marola", como afirmou o presidente Lula, mas como uma "tempestade devastadora", que tem provocado recessão e desemprego. A queda das taxas de juros foi uma das sugestões feitas para tentar estimular a economia, assim como a redução dos gastos públicos e a concentração nas obras de infra-estrutura, como as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A divergência de opiniões entre governo e oposição a respeito do enfrentamento da crise desembocou na discussão sobre o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Os parlamentares acabaram aprovando a criação do fundo, mas não os recursos destinados a ele. O Executivo decidiu então destinar R$ 14 bilhões à reserva por meio de medida provisória, atitude que está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Interferência
A constante edição de medidas provisórias pelo Executivo também rendeu discursos muitas vezes exaltados de parlamentares que acusavam o Planalto de "usurpar a função legisladora do Congresso". Também houve críticas à atuação do Poder Judiciário, acusado de legislar ao interpretar as leis, como no caso da fidelidade partidária.
Em várias ocasiões, como na cerimônia que comemorou os 20 anos da Constituição, o próprio Garibaldi Alves Filho, presidente do Senado, afirmou haver uma invasão dos outros Poderes da República sobre o Congresso. Em abril, a oposição protestou com a obstrução das votações na Câmara e no Senado, e Garibaldi chegou a permanecer 45 dias sem ler novas MPs em Plenário.
A crise culminou com a devolução da MP 446/08, que pretendia conceder benefícios tributários a entidades filantrópicas e anistiar instituições suspeitas de fraude. Foi a primeira vez desde 1989 que o Senado devolveu uma MP ao governo. A atitude ainda está sendo questionada juridicamente.
Aposentadorias
Outro tema que mobilizou parlamentares de todos os partidos foi a tentativa de recompor o valor das aposentadorias e pensões por meio da votação de três projetos: o PLS 58/03, que permite ao beneficiário da Previdência Social receber montante equivalente, na atualidade, ao número de salários mínimos recebidos à época da concessão do benefício; o PLC 42/07, que determina uma política de atualização dos salários mínimos e cuja emenda garante o mesmo percentual de reajuste do mínimo às aposentadorias e pensões; e o PLS 296/03, que prevê o fim do fator previdenciário.
Tais matérias, que são de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) ou receberam emendas suas, já tiveram sua tramitação completa no Senado e foram encaminhadas à Câmara, mas levaram senadores de todos os partidos a realizarem três "vigílias" em Plenário, na tentativa de sensibilizar o Executivo e os deputados a aprovarem-nas. Mão Santa (PMDB-PI), Mário Couto (PSDB-PA), Pedro Simon (PMDB-RS), Expedito Júnior (PR-RO), Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Rosalba Ciarlini (DEM-RN), entre outros, apoiaram o movimento encabeçado por Paim.
Piso salarial para os professores
A aprovação do projeto que criou o piso salarial de R$ 950 para os professores e falta de disposição de alguns municípios para o cumprimento da lei, sob a alegação de falta de recursos, também foi registrada em discursos. Cristovam Buarque (PDT-DF) é o autor da proposição convertida em norma jurídica.O Senado decidiu também que os recursos destinados constitucionalmente à educação devem ser usados apenas nessa área, ficando de fora do cálculo da Desvinculação de Receita da União (DRU). Defendida pela senadora Ideli Salvatti (PT-SC), a Proposta de Emenda à Constituição 93/06, que trata do tema, agora tramita na Câmara.
Mais recursos para a Saúde
Também marcaram o ano os debates em torno da regulamentação da Emenda Constitucional 29, que determina os percentuais mínimos a serem investidos em saúde pelos governos federal, estaduais e municipais. Proposta nesse sentido (PLS 121/07), de autoria do senador Tião Viana (PT-AC) foi aprovada em abril e seguiu para Câmara. Caso aprovada daquela Casa, a matéria (PLP 306/08) garantirá R$ 23 bilhões a mais para a Saúde, nos próximos cinco anos.
Pré-sal
A descoberta de grandes jazidas de petróleo localizadas na chamada "camada pré-sal" também motivou prolongados debates, tanto em Plenário como nas comissões. O Senado chegou a promover um seminário, com a presença de especialistas da área, para discutir o assunto. Os debates trataram da viabilidade da exploração dessas jazidas, da necessidade de se criar uma nova empresa para administrar o petróleo pré-sal e de como aplicar os recursos oriundos dessa exploração. Com relação a isso, houve várias propostas: formação de uma poupança para necessidades futuras do país, aplicação em infra-estrutura, aplicação em ações sociais.
Biocombustíveis
Paralelamente ao debate sobre o petróleo pré-sal, correram as discussões sobre a ampliação do uso de biocombustíveis. Sobretudo no começo de 2008, quando o preço do petróleo quase atingiu U$ 150 dólares o barril, muitos senadores defenderam o uso dos combustíveis derivados de recursos renováveis, como o álcool etanol, produzido a partir da cana, e o biodiesel, produzido a partir de vegetais como soja e girassol, entre outros.
Muitos senadores reagiram às críticas feitas - sobretudo nos Estados Unidos e na Europa - à adoção dos biocombustíveis, vistos como vilões da crise de alimentos que assombrou o mundo no primeiro semestre de 2008. Os parlamentares brasileiros lembraram que o etanol brasileiro é bem menos poluente do que o petróleo e libera mais energia do que os seus similares produzidos a partir de milho ou de beterraba. Eles destacaram também que, no Brasil, há espaço para a ampliação das lavouras de cana-de-açúcar sem que isso ameace a produção de alimentos.
Conflitos sócio-ambientais
A demarcação da Reserva Raposa/Serra do Sol de forma contínua ou em ilhas, decisão que está sendo referendada pelo STF, também gerou debates: senadores como Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Augusto Botelho (PT-RR) apontaram a importância da permanência dos arrozeiros na região, e outros, como João Pedro (PT-AM) e Marina Silva (PT-AC) defendem a permanência somente dos índios no território.
Nepotismo
Uma súmula editada pelo STF proibiu o nepotismo nos três Poderes da República. Com isso, parentes de parlamentares e de servidores com cargo de chefia tiveram que ser demitidos. Senadores que defendiam a permanência de "pessoas de confiança" no trabalho de gabinetes ou que pediam a imediata demissão de qualquer parente registraram suas posições em discursos. Foram demitidos mais de 80 parentes de senadores e servidores.
Investigações
A utilização indevida de cartões corporativos, a má aplicação de verbas públicas destinadas a organizações não-governamentais (ONGs) e o uso da Internet para a prática da pedofilia foram assuntos que mobilizaram os senadores no Plenário e fora dele - tanto que motivaram o funcionamento de três comissões parlamentares de inquérito no Senado em 2008.
Logo no começo do ano, a imprensa denunciou alguns ministros e outros funcionários do Executivo pelo uso abusivo de cartões corporativos. Instalada em março, a CPI Mista dos Cartões Corporativos, como ficou conhecida, foi presidida pela senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) e teve como relator o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ). Os trabalhos da CPI Mista foram encerrados em 5 de junho, com a aprovação do relatório final que propôs um projeto de lei regulamentando o uso de cartões corporativos e sugeriu ao Ministério Público que investigasse irregularidades ocorridas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva.
Já a CPI das ONGs, instalada em 2007, prosseguiu neste ano os seus trabalhos. Inicialmente presidida pelo senador Raimundo Colombo (DEM-SC), passou a ter como presidente o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) depois que Colombo se licenciou, no final do primeiro semestre. A comissão tem como relator o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). Diversas organizações não-governamentais foram investigadas até agora, entre elas a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), acusada de ter pago indevidamente a reforma do apartamento ocupado pelo então reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland, orçada em aproximadamente meio milhão de reais. Em novembro, os trabalhos da CPI foram prorrogados por mais 180 dias.
Por fim, a CPI da Pedofilia, presidida pelo senador Magno Malta (PR-ES) e tendo como relator o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), vem investigando, desde março, inúmeros casos de abuso de crianças e adolescentes e de uso da Internet no aliciamento de menores de idade para a prática da pedofilia e na distribuição de material pornográfico com imagens de crianças e adolescentes.
A CPI já conseguiu que grandes empresas de telecomunicação e Internet como Google, TIM, Oi/Telemar e Brasil Telecom, entre outras, assumissem o compromisso de prevenir e reprimir o mau uso dos canais e sites que disponibilizam. Além disso, projeto de lei proposto pela comissão tipificando condutas relacionadas à pedofilia e estabelecendo penas já foi aprovado no Congresso e aprovado pelo presidente da República. A comissão também continua em 2009 os seus trabalhos.
Reflexos da Satiagraha
A Operação Satiagraha, em que a Polícia Federal prendeu, entre outros, o banqueiro Daniel Dantas, foi assunto de acalorados debates em Plenário. Muitos senadores acusaram a instituição de ter transformado a prisão dos acusados em um "espetáculo", abusando do uso das algemas. Outros senadores defenderam a PF e apoiaram especialmente o delegado Protógenes Queiroz, que chefiou a operação. Também foi muito criticado o presidente do STF, Gilmar Mendes, que concedeu, por duas vezes, habeas corpus ao empresário Daniel Dantas.
Supostas irregularidades na operação acarretaram investigações que demonstraram a participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Satiagraha e apontaram o uso excessivo e indiscriminado de escutas ilegais, que atingiram o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e Gilmar Mendes.
30/12/2008
Agência Senado
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