Crise financeira global põe em evidência anistia para capitais brasileiros no exterior



A recente divulgação de estudo que posiciona brasileiros milionários na quarta posição mundial entre os que possuem mais dinheiro em paraísos fiscais estimulou debates na mídia sobre a conveniência da volta desses recursos ao país. A solução seria oferecer vantagens fiscais para estimular a declaração dos ativos ocultados do fisco e enviados ilegalmente para fora do país, o que poderia facilitar o reingresso de pelo menos parte da cifra de mais de R$ 1 trilhão (US$ 520 bilhões) mantidos lá fora ao fim de 2010.

Tanto especialistas em direito tributário quanto editoriais de jornais diários voltaram a defender medidas para incentivar a repatriação de recursos lícitos de brasileiros mantidos no exterior após a publicação de relatório da Tax Justice Network focado em evasão de recursos para paraísos fiscais. Os US$ 520 bilhões que os brasileiros conservam ilegalmente no exterior corresponde a 20% do PIB nacional.

Pelo ranking elaborado pela organização independente britânica, em termos de evasão de dinheiro para paraísos fiscais o Brasil só perde para a China (US$ 1,2 trilhão), a Rússia (US$ 779 bilhões) e a Coréia do Sul (US$ 779 bilhões), conforme publicado pela Folha de S. Paulo na segunda-feira (23).

- Nesse momento preocupante da economia mundial, o Brasil precisa de recursos para impulsionar o crescimento – argumenta o senador Delcídio Amaral (PT-MS), na defesa de incentivos para a repatriação dos ativos.

O parlamentar é autor de projeto que concede anistia penal e benefícios fiscais com essa finalidade. O PLS 354/2009 vinha tramitando na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em decisão terminativa, mas neste momento encontra-se à disposição da Secretaria Geral da Mesa, em razão de requerimentos dos senadores Pedro Taques (PDT-MT) e Alvaro Dias (PSDB-PR), para que a matéria seja examinada também por outras comissões.

Pelo projeto, quem se dispor a legalizar os recursos não declarados ao fisco e enviados ao exterior pagaria de 5% a 10% de Imposto de Renda sobre os valores. A menor alíquota seria para ativos declarados que voltassem ao país como aplicações em fundos de investimentos em infraestrutura, agronegócio, inovação e pesquisa científica. Se apenas declarados, mas mantidos no exterior, os recursos ficariam sujeitos a alíquota de 10%. A alíquota normal seria de 27,5%.

A proposta exclui dos benefícios da anistia penal recursos obtidos com o tráfico de drogas, sequestro e contrabando de armas e munições, delitos enquadrados na Lei da Lavagem de Dinheiro. O autor lembra que o conjunto das instituições de fiscalização do país e o próprio sistema bancário dispõem de instrumentos para separar os recursos obtidos em atividades legais, embora não declarados, daqueles originados a partir de atividades criminosas.

 

Insegurança jurídica

Delcídio ressalta que pessoas e empresas enfrentaram incontáveis fatores de insegurança econômica e jurídica no país nas últimas décadas. Os brasileiros, disse o senador, se viram muitas vezes diante de “planos econômicos desarrazoados e até confiscos”. Ele acrescenta que políticas cambiais e tributárias “despropositadas” também contribuíram para um clima de permanente temor.

- Não é difícil entender por que muita gente preferiu se proteger enviando recursos para o exterior – comentou Delcídio.

Agora que a economia se encontra estabilizada, o senador acredita que chegou o momento de o país enfrentar o debate sobre a repatriação dos recursos. Ainda mais, frisou, porque a economia está travada e depende de investimentos privados para voltar a crescer com maior vigor. O senador lembrou que diversos países já adotaram programas de anistia fiscal com essa mesma finalidade nos últimos anos, entre os quais Alemanha, Irlanda, Austrália e Itália, além de diversos estados dos Estados Unidos.

- É um projeto polêmico, não tenho dúvida, mas precisa ser examinado com uma visão franca e sem preconceito – afirmou Delcídio a favor da proposta.

Se depender do senador Pedro Taques, no entanto, o projeto será declarado inconstitucional e irá imediatamente a arquivo. Esse é o ponto de vista que ele pretende defender na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde quer que o projeto seja examinado. Além da CCJ, Alvaro Dias pede ainda a inclusão da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) na tramitação.

Taques disse ter grande respeito por Delcídio, a seu ver movido pelos “melhores objetivos” ao sugerir a anistia penal e benefícios fiscais para favorecer o retorno dos recursos. Porém, ao contrário do colega, acredita que a proposta não impedirá a legalização de recursos de origem criminosa, como o dinheiro do tráfico e da corrupção. Por isso, entende que a proposta fere os princípios constitucionais da razoabilidade e da moralidade.

- Os objetivos econômicos são importantes, mas à sua frente está a Constituição e o respeito à coisa pública – argumentou Taques.

CPMI do Banestado

Pedro Taques lembra que os primeiros debates propondo a anistia fiscal a ativos enviados ilegalmente para o exterior, para facilitar seu reingresso no país, ocorreram na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Banestado, em 2003. As investigações permitiram desvendar esquema ilegal para desviar recursos resultantes de lavagem de dinheiro para o exterior, por meio das chamadas contas CC-5, criadas anos antes pelo Banco Central. Projeto então apresentado pelo deputado José Mentor (PT-SP) permanece parado na Câmara dos Deputados.

Embora convencido da utilidade do seu projeto para o país dinamizar a economia e criar empregos, Delcídio considera indispensável o apoio do governo para que a matéria possa avançar e ser aprovada. Em sua opinião, tudo depende do amadurecimento do debate e do fim de tabus sobre o tema.

Na CAE, o projeto de Delcídio chegou a entrar em pauta ao fim de 2010, com relatório produzido pelo senador Garibaldi Alves Filho, licenciado do cargo para comandar o Ministério da Previdência Social. Garibaldi apresentou um substitutivo ao texto original que amplia os benefícios da lei. Além da possibilidade de redução da alíquota do IR, o incentivo independeria da “origem e forma” como os ativos foram obtidos.



27/07/2012

Agência Senado


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