Debatedores divergem sobre necessidade de conceitos de informática no Código Penal




Melissa Blagitz, os senadores Taques e Viana, Túlio Vianna, Pedro Markun e Carlos Sobral

Durante a audiência pública da Comissão Temporária da Reforma do Código Penal Brasileiro, nesta terça-feira (16), profissionais de Direito convidados para o debate divergiram sobre a necessidade de se definir conceitos de informática na Legislação. A Comissão analisa o Projeto de Lei do Senado (PLS) 236/2012, apresentado pelo senador José Sarney (PMDB-AP) a partir de anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas durante sua gestão na presidência do Senado.

A procuradora federal Melissa Blagitz de Abreu e Silva salientou que as definições de conceitos de informática previstos no artigo 208 do projeto são muito semelhantes às definições constantes da Convenção de Budapeste. Ela assinalou que, embora o Brasil não tenha aderido à Convenção, esta foi aceita pelos países europeus, pelos Estados Unidos, pelo Japão e pela Austrália, entre outros. Para a procuradora, é importante que esses conceitos tenham uma definição parecida, já que os crimes de informática ultrapassam fronteiras.

Já o professor Túlio Vianna, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirmou que o projeto traz quatro definições, mas usa apenas duas na tipificação dos crimes. Os conceitos de provedor de serviço e de dados de tráfego não são utilizados na proposta, que trata apenas dos dados informáticos e do sistema informático. O professor sugeriu retirar os conceitos do texto final, até porque o Código Penal raramente define conceitos, segundo o professor. Túlio Vianna sugeriu a retirada das definições, preferindo que o juiz e a jurisprudência o façam.

Ele sugeriu até mesmo mudar o título do capítulo dado aos crimes cibernéticos, que para ele é um nome “completamente midiático”. Sugeriu, no lugar, crimes de informática.

O delegado Carlos Miguel Sobral, chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal, também opinou que as definições deveriam ser consolidadas pela jurisprudência. O policial afirmou que as definições deixam mais clara a tipificação penal, mas, em contrapartida, engessam essas tipificações, o que não é aconselhável em um setor onde a tecnologia muda dia a dia.

Marco civil

Representando a organização Transparência Hacker, que reúne mais de mil hackers em todo o país, Pedro Markun disse que, antes da votação do Código Penal, é preciso aprovar o marco civil da internet, cujo projeto espera votação na Câmara dos Deputados. O hacker afirmou que o Código Penal deve ser orientado para o que interessa à sociedade, e não para o que interessa “a delegados e advogados”.

O programador reclamou que a Lei 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, teve um debate muito restrito, sem a participação da sociedade. A lei também foi criticada pela procuradora Melissa Blagitz, o que levou o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) a lembrar que um requerimento de urgência retirou o projeto da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), tendo ele sido votado diretamente no Plenário.

– O projeto foi aprovado às pressas, sem exame mais elaborado. Isso tem de servir de lição, a CCJ existe para isso, especialmente no exame de matérias de interesse penal – afirmou Aloysio Nunes.

Pedro Markun afirmou ainda que os parlamentares têm de se familiarizar mais com a internet. Para ele, “enquanto os congressistas não usarem a internet para entender o que se perde quando se criminaliza algumas práticas, não vamos conseguir construir um bom Código Penal”. O vice-presidente da Comissão, senador Jorge Viana (PT-AC) – que presidia os trabalhos – confessou ser “um pouco analfabeto” no assunto e salientou que este é um tema completamente novo no Código Penal.

Aperfeiçoamentos

Melissa Blagitz enalteceu alguns pontos positivos do projeto em exame no Senado. A procuradora entende que ele é um avanço maior que a Lei 12.737/12 porque, ao contrário dessa, permite a condenação ainda que não fique claro o motivo do crime cibernético, o que nem sempre é possível demonstrar.

Outro aspecto positivo por ela levantado é a punição para quem produz, quem vende ou quem tem a posse de programa utilizado para invasão de sistema informático. A legislação atual penaliza apenas quem produz o programa, o que gera dificuldades porque as quadrilhas são segmentadas: quem produz geralmente não é quem obtém os dados, que normalmente os repassa a terceiros, que fazem os desfalques.

A procuradora observou que o projeto corrige outro problema na lei batizada com o nome da atriz: paradoxalmente, a obtenção das fotos no computador de Carolina Dieckmann não poderia ser considerada crime, já que a lei em vigor não prevê fotos entre os conteúdos protegidos. Outra sugestão da procuradora é que as autoridades nominadas como alvo de crime para agravamento da pena – como os presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal (STF) – sejam substituídas pela expressão “crimes contra a administração pública em geral”.

Por fim, Melissa Blagitz pediu que o artigo que trata da intimidação vexatória – o famoso bullying –, previsto em outro capítulo do projeto do Código, tenha sua previsão de pena aumentada caso o crime seja praticado via qualquer meio de comunicação. Alertou para o fato de o bullying ser muito praticado em redes sociais, tendo levado um adolescente ao suicídio na Inglaterra.

Pirataria

O professor Túlio Vianna sugeriu, entre outras coisas, que seja melhor definida a menção ao lucro indireto com a cópia de trabalho protegido por direito autoral. A proposta do novo Código permite que qualquer pessoa copie um trabalho para seu uso pessoal, proibindo qualquer tipo de lucro com a cópia, seja ele direto ou indireto. Ele citou, num exemplo extremo, o funcionário da loja que copia o livro: ele estaria tendo um lucro indireto com a cópia.

O professor também alertou para o artigo que proíbe a modificação da obra intelectual sem autorização do autor. Citou um trecho do filme A Queda, que trata dos últimos dias de Adolf Hitler à frente do Terceiro Reich, que foi muito usado no Brasil para tratar, com humor, temas nacionais.

– Não podemos deixar que os direitos autorais sejam inibidores da criatividade – afirmou.

Segurança

Respondendo ao senador Pedro Taques (PDT-MT), relator da Comissão Temporária, o delegado da PF Carlos Sobral disse que o Brasil está preparado para um ataque informático. Afirmou que a Polícia Federal tem hoje um Centro de Segurança Cibernética com grupos operacionais atuantes em 15 estados. Esses grupos deverão ser transformados em delegacias, mas é preciso uma lei autorizando essa mudança.

Já Melissa Blagitz opinou que o país não está preparado, enquanto não houver uma legislação específica, como a que está sendo proposta pelo projeto. Para ela, sem que haja uma lei, não há como agir.

Também respondendo ao relator, o professor da UFMG opinou que não se pode punir o site Wikileaks pela divulgação de informações sigilosas, desde que essas tenham sido obtidas por meios lícitos. Para ele, as pessoas que repassam as informações sigilosas é que devem ser punidas; “o resto é liberdade de informação e de ser informado”.

O professor também argumentou que o direito autoral não pode ser empecilho para a divulgação do trabalho intelectual. Em sua opinião, é preciso cuidado para não criminalizar o leitor ou o fã. A legislação, acrescentou, não pode ser voltada para a editora, para a gravadora ou para a produtora.

Além de Jorge Viana, a audiência pública teve como presidentes os senadores Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente da Comissão; e Armando Monteiro (PTB-PE).



16/04/2013

Agência Senado


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