Debatedores divergem sobre a eficácia da pena na diminuição da criminalidade
Tanto o livramento condicional quanto o regime de progressão de penas têm de sofrer mudanças profundas para se evitar a impunidade, de acordo com o promotor de Justiça de São Paulo e professor de Direito Rogério Sanchez Cunha. Ele participou nesta quinta-feira (14) de audiência pública na comissão especial que examina o projeto de reforma do Código Penal (PLS 236/2012).
- O regime semiaberto é, na prática, um regime de liberdade e o aberto, nem se fala. Quanto ao livramento condicional, ou nós o reformamos completamente ou então o extinguimos – advertiu o promotor.
Ao comentar as afirmações do jurista Juarez Cirino dos Santos, que o antecedera, Cunha disse ser o rigor da pena necessário para crimes de maior potencial ofensivo, como homicídios e latrocínios.
– Por hora, não temos uma resposta melhor [que a pena] – disse, ao concordar com o Juarez Cirino [dos Santos] quanto à necessidade de enfatizar a punição para crimes de grande potencial ofensivo, o que poderá aliviar o “inchaço” das prisões.
No entender do promotor, políticas sociais são necessárias para reduzir desigualdades, mas quando essas políticas falham, a polícia e a justiça têm de dar uma resposta à população.
Já Santos foi incisivo ao criticar o que considera um excesso de preocupação com o aspecto penal.
- A pena é a única resposta que o Estado tem para a questão criminal no Brasil e essa resposta está dando em mais pena, mais polícia, mais justiça e mais prisão. Onde vamos parar? - questionou o jurista.
Ao defender a redução de crimes no novo Código Penal, o jurista argumenta que a prisão não corrige condenados, mas contribui para a reincidência.
– Não acredito na pena como forma de solução dos conflitos sociais, que devem ser resolvidos através de políticas públicas e não de punição – disse, ao afirmar que a redução da criminalidade está condicionada à redução das desigualdades sociais no país.
Para Santos, o sistema penal brasileiro está falido, e são necessárias medidas como progressão de regime e liberdade condicional como caminho para diminuir os problemas das prisões. Ao contrário do promotor, ele condenou a extinção, dentro do projeto, das figuras do livramento condicional e da suspensão condicional da pena. A seu ver, esses mecanismos são “conquistas universais e indispensáveis". E classificou de "inaceitável" o argumento de que essas figuras seriam incompatíveis com os regimes mantidos na proposta: o de progressão, o aberto e o de cumprimento da pena em liberdade.
- Vão superlotar as instituições penitenciárias por causa das penas maiores e das reincidências, que agora passam a prejudicar a progressão de regime, e assim o preso vai ficar mais tempo sob regime fechado – alertou.
A rigor, segundo Santos, não há sequer a necessidade de reforma da parte geral do Código Penal, uma vez que o texto vigente estaria atualizado em relação aos princípios do Direito Penal. Admitiu, porém, que é importante reformar a parte especial, que define os tipos de crime e penas, principalmente para incorporar ao Código leis que hoje estão fora dele.
Aplicação da lei
Os dois juristas divergiram também sobre outros aspectos da proposta de reforma do Código Penal. No entender de Juarez Cirino dos Santos, o formato dado a diversos conceitos vai dificultar a aplicação da lei. Já Rogério Sanchez Cunha considera que o texto reduz divergências e supre lacunas, devendo facilitar o cotidiano de advogados, juízes e promotores.
Ao analisar a parte geral do Código, onde são definidos os princípios de aplicação da lei penal, Santos disse que o texto apresenta erros conceituais. Como exemplo, citou a definição de “dolo”, o ato consciente objetivando um resultado criminoso. A seu ver, o novo conceito incorpora duas teorias antagônicas, ficando inaplicável.
Em alguns casos, além da questão conceitual, disse estar ainda presente um problema de constitucionalidade. Nesse caso, incluiu o conceito dado ao “crime de omissão”, especialmente com respeito à chamada “omissão imprópria”. Conforme observou, o texto leva a múltiplas interpretações, a ponto de permitir que um cidadão venha a responder por “crime de estupro por omissão”, se deixar sua filha em casa com o namorado e este a estuprar.
"Códigos alienígenas"
Depois de salientar que algumas críticas do jurista eram “pertinentes”, o promotor Cunha enfatizou, porém, que o Código Penal necessita de atualização por inteiro, inclusive na parte geral. Observou que, apesar de ser totalmente vinculado a códigos “alienígenas”, o texto vigente desconhece completamente os compromissos internacionais do país em relação a crimes novos que precisam ser tipificados.
Ainda em defesa da proposta, ele previu que as mudanças sugeridas conseguirão resolver divergências de casos onde há jurisprudências antagônicas, que hoje dificultam sobretudo a decisão do juiz. Ainda como ponto positivo, ele afirmou que o projeto do novo Código é orientado pela preocupação com a vítima, “esquecida” pelo atual.
– É um Código Penal que está preocupado não apenas em punir, mas em assistir o personagem principal do crime, que é a vítima – disse.
Como observou o promotor, nesse ponto, um dos aspectos importantes é a previsão para que o juiz criminal possa determinar a obrigação de pagamento de alimentos à vítima ou a seus descendentes, por conta do crime.
Cunha destacou ainda como positiva a autorização para que o juiz possa combinar sucessivas leis, nos aspectos benignos, para favorecer o réu ou condenado. Citou ainda o tratamento que o texto está dando para permitir que a lei penal alcance o criminoso desde o “início da execução” da conduta, e não apenas quando tiver consumado o crime.
- Quero punir aquele que já começou a escalar o muro para cometer o roubo e o que se armou e já apontou a arma para a vítima – disse.
Sugestões
Aos convidados, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que preside a comissão, informou que os senadores têm recebido diversas sugestões para corrigir "falhas" identificadas no projeto. Afirmou que todas elas já foram encaminhadas ao relator, senador Pedro Taques (PDT-MT), e que modificações já foram feitas.
Taques considerou que a reunião com os convidados do dia foi “muito rica”. De acordo com previsão anterior do relator, o projeto deverá ser votado na comissão até setembro. As audiências vão prosseguir por todo este semestre, com debates também nos estados, conforme cronograma a ser aprovado pela comissão.
14/03/2013
Agência Senado
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