Déficit pode comprometer pagamento de salários



Déficit pode comprometer pagamento de salários Depois de retirar R$ 1,1 bilhão do caixa único, governo enfrenta cobrança da oposição para repor os valores O diagnóstico de que o Estado está falido, com o qual governo e oposição concordam, reacendeu a discussão sobre o risco de atraso no pagamento do funcionalismo nos próximos meses. Para manter os pagamentos em dia, o governo vem sacando recursos do chamado “caixa único”. Já retirou R$ 1,175 bilhão e agora enfrenta a cobrança da oposição para que apresente um plano de reposição desses recursos. O secretário da Fazenda, Arno Augustin, reconhece que a situação é “muito difícil” e que o déficit é a grande preocupação do governo: – Não posso dizer que seja impossível ocorrer atraso nos salários. Só posso dizer que o Estado trabalha para que isso não ocorra. O governo apostava no aumento da receita com a utilização dos recursos dos depósitos judiciais de ações tributárias, mas a Assembléia rejeitou o projeto com a justificativa de que seria uma “temeridade liberar os depósitos judiciais para um governo que sacou a descoberto mais de R$ 1 bilhão”. Se o projeto tivesse sido aprovado, cerca de R$ 100 milhões, segundo o governo, ou R$ 200 milhões pelos cálculos da oposição, entrariam nos cofres do Tesouro. Os recursos ficam depositados no Banrisul até o julgamento das ações, que às vezes pode demorar anos. A Secretaria da Fazenda tentou implantar no Estado o modelo vigente na União. Quando um contribuinte deposita em juízo dinheiro de impostos federais ou multas contestados na Justiça, esses recursos são liberados para o governo federal. Se a União perde a ação, devolve o dinheiro corrigido. O governo não descarta a possibilidade de reapresentar o projeto dos depósitos. Por enquanto, a alternativa para aumentar a receita é combater a sonegação e buscar recursos em Brasília. O secretário da Fazenda espera obter o ressarcimento de R$ 800 milhões por obras realizadas pelo governo estadual em rodovias federais. A liberação desses recursos dependeria do reconhecimento do Ministério dos Transportes de que a União é devedora do Estado. Augustin atribui a continuidade dos problemas financeiros do Estado à não-aprovação no Legislativo de projetos de “mudança estrutural”, como o que previa a alteração das alíquotas do ICMS. Na origem do desequilíbrio, estariam os gastos com pessoal, principalmente inativos. Segundo o secretário, a oposição está empenhada em “diminuir a capacidade de gerenciamento do governo e fazer com que o Estado atrase salários”. – Os deputados do PMDB disseram que o Estado não precisava desses valores – reclama. – O governo não quer enfrentar o problema do débito que ele mesmo gerou – rebate o deputado estadual Cézar Busatto (PMDB). Gestão temerária tem sido uma expressão empregada por Busatto, Berfran Rosado (PMDB) e Bernardo de Souza (PPS) para definir a atuação de Augustin. Com o trio, faz coro João Luiz Vargas (PDT), que acusa o secretário de haver gerenciado mal os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Augustin classifica as denúncias como falsas. Ele salienta que Berfran e Busatto teriam omitido trechos de uma lei para que pudessem exigir a correção dos saldos orçamentários. Nos corredores da Assembléia Legislativa, parlamentares oposicionistas apostam na instalação de uma CPI para investigar as supostas irregularidades. O primeiro passo teria sido a aprovação, na semana passada, da subcomissão proposta por Bernardo com o objetivo de apurar a movimentação do caixa único. Estado lidera ranking de inativos O Rio Grande do Sul é o Estado que mais gasta com pessoal inativo, em relação à receita corrente líquida. Segundo dados do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), apresentados pelo secretário da Fazenda, Arno Augustin, as despesas representam 38,6% da receita. Augustin destaca ainda que débitos com inativos e pensionistas representam 50% da despesa com pessoal do Estado. O Rio Grande do Sul tem uma diferença de 7,6 pontos percentuais sobre o segundo colocado no ranking, Minas Gerais. Rio de Janeiro e São Paulo estão logo abaixo. O relatório do MPAS, datado de junho de 2001, considera dados do ano passado. Os gastos com pessoal são considerados pelo secretário como o principal problema das finanças públicas gaúchas. Para 2002, o governo prevê que sejam desembolsados R$ 5,2 bilhões com a folha de pagamento. Dois campeões de sobrevivência na lama Atolados em denúncias, Jader Barbalho e Paulo Maluf ignoram as evidências e ainda resistem Os dois políticos mais citados no noticiário nos últimos dias têm em comum a extraordinária capacidade de conviver com denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito. O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf (PPB) enfrentarão nas próximas semanas o desfecho de processos de investigação que podem acabar com suas carreiras políticas (veja quadros). Os dois já sobreviveram a tantos tombos que nem os maiores adversários se arriscam a escrever um epitáfio. Pressionado pelo PMDB a renunciar ao mandato de senador para escapar de um processo de cassação por falta de decoro parlamentar no Conselho de Ética, Jader não só resiste como promete reassumir a presidência do Congresso no próximo dia 17, quando termina a licença de 60 dias. Uma semana antes, o Conselho de Ética deve votar o parecer da subcomissão, que já decidiu recomendar a abertura do processo. Jader está próximo de se transformar em unanimidade nacional: a maioria dos senadores acha que ele deve ser processado por falta de decoro, e o povo em geral conta com a cassação. Uma pesquisa do instituto Sensus mostrou que 86,3% dos entrevistados que conhecem o caso do desvio de recursos do Banpará acham que Jader é culpado. E 81,4% querem que ele seja cassado e processado pela Justiça. Paulo Maluf convive com acusações e processos desde que foi nomeado prefeito de São Paulo, em 1969, e depois governador, em 1979. De lá para cá foi deputado federal, perdeu a eleição para presidente da República no Colégio Eleitoral, em 1985, e a eleição direta de 1989, foi derrotado duas vezes na eleição para o governo de São Paulo, se elegeu prefeito em 1992, elegeu como sucessor o desconhecido Celso Pitta – que ficaria conhecido pela gestão desastratada – e mesmo assim chegou ao segundo turno no ano passado. Investigado pelo Ministério Público e pela CPI da Dívida Pública na Câmara de Vereadores de São Paulo, Maluf teve quebrados os sigilos bancário, fiscal e telefônico. A descoberta de uma conta na Suíça e de dinheiro investido em um paraíso fiscal do Canal da Mancha, a Ilha de Jersey, complicou a situação de Maluf, que planejava concorrer ao governo de São Paulo no próximo ano. Apesar da descoberta de ligações telefônicas para a Suíça e para Jersey e da confirmação da existência de contas em seu nome e no de seus familiares, Maluf reagiu com o mesmo sarcasmo dos tempos em que seu nome deu origem ao verbo “malufar” – sinônimo de troca de apoio por favores. Disse que não tem e jamais teve conta no Exterior e prometeu doar à Santa casa o dinheiro que o Ministério Público conseguir encontrar em seu nome fora do Brasil. Projeto determina novas regras para o horário eleitoral gratuito Espaço deve ser determinado pelo desempenho nas urnas Os pequenos partidos serão os mais prejudicados pelo projeto aprovado quinta-feira no Senado que altera as regras para a divisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. Pelo projeto, que ainda terá de ser apreciado pela Câmara dos Deputados, o horário de propaganda eleitoral gratuito será dividido entre os partidos levando em conta o resultado das urnas, na última eleição para a Câmara. Na eleição passada, o PPS – sigla do presidenciável Ciro Gomes – elegeu somente três deputados federais, depois disso o partido inchou bastante e hoje tem uma bancada de 13 parlamentares na Câmara. Mas pelas novas regras, só contariam os três eleitos em 1998. O PFL, partido do autor do projeto o senador catarinense Jorge Bornhausen, será o maior beneficiário das novas regras. Desde a última eleição, a bancada do partido na Câmara perdeu nada menos do que 10 parlamentares: elegeu 105 deputados federais e hoje só conta com 95. Se a proposta for aprovada pela Câmara, a mudança na legislação atingirá todas as legendas. Além do PPS, entre os partidos que podem perder tempo no rádio e na TV estão o PSDB, o PT, o PMDB o PL e o PC do B. Entre os que ganham mais espaço estão o PFL, o PPB, o PDT e o PTB. Hoje a divisão do horário eleitoral gratuito entre os partidos leva em conta a representação partidária no início de cada legislatura, o que permite a muitos parlamentares eleitos mudarem de legenda antes mesmo da posse. Com grandes chances de passar na Câmara dos Deputados, o projeto estabelece ainda que a propaganda no rádio e na TV começará 45 dias antes das eleições. Foi aprovada também uma emenda que classifica a boca-de-urna como crime eleitoral e ficou decidido que a escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre as coligações deverão ser feitas entre 10 de junho e 5 de agosto do ano eleitoral. Já o prazo máximo para a solicitação de registro de candidaturas à Justiça Eleitoral será o dia 10 de agosto. Declaração sobre jogo do bicho gera polêmica no PT O presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou sexta-feira que as denúncias sobre um suposto envolvimento do governo gaúcho com o jogo do bicho não têm fundamento. A declaração foi feita durante seminário sobre o crime organizado realizado pela ONG Instituto Cidadania, durante o qual o líder petista gerou polêmica ao defender a legalização do jogo do bicho. Na ocasião, Lula fez questão de defender o governador gaúcho. – Conheço muito Olívio Dutra. E, se neste país eu tivesse que escolher cinco pessoas sérias e honradas, pode ficar certo que uma delas seria ele. – O que queremos é que tudo seja apurado, para percebermos todas as mutretas que estão sendo montadas. Ou seja: os deputados adversários do PT que dizem que existe a ligação não conseguem sustentar a denúncia – afirmou Lula em relação à CPI da Segurança Pública, em andamento no Legislativo gaúcho e que investiga as supostas ligações do PT no Estado com o jogo do bicho. Um dos coordenadores do programa de governo do PT, o ex-procurador geral de Justiça e ex-deputado Antônio Carlos Biscaia, declarou-se radicalmente contra a legalização do jogo. Biscaia considera que legalizar o jogo é “anistiar os bicheiros”, classificados pelo ex-procurador como “criminosos que mandaram matar pessoas”. O encontro realizado quinta-feira no Rio de Janeiro reuniu especialistas da polícia, do Judiciário e do Legislativo para discutir formas de combate ao crime organizado. Dos debates sairá o programa do PT para a segurança pública, que será divulgado em 15 dias. Artigos Reformas frustradas SÉRGIO DA COSTA FRANCO Há muitos anos que se cogita de reformas e que se prometem reformas disto e daquilo, mas pouca coisa efetivamente se tem reformado com proveito para a nação. Ainda agora, a poucos meses do término de seu mandato, líderes do governo prometem empenho na execução de duas reformas de grande significação: a tributária e a política. Mas parece óbvio que não pode haver sinceridade em tais promessas, pela claríssima razão de que nem o governo sabe exatamente o que quer, ou pelo menos não diz o que pretende. E é evidente que não se realizam reformas de profundidade, com inevitável repercussão na Carta Magna, sem largo e esclarecedor debate prévio, que conduza a um mínimo de consenso sobre as linhas mestras das emendas. Quanto à legislação tributária, o único acordo geral é o de que existem tributos demais, e de que a carga tributária é mal distribuída. Mas a União se inclina por emendas que favoreçam sua receita, os Estados não querem saber de reduzir seus impostos, e os municípios, como sempre, almejam a ampliação de sua renda. Dessa guerrinha em família, tudo o que podem esperar os contribuintes é o agravamento de seu sacrifício, sob novas e mais cativantes rubricas. Corrigem-se complicações burocráticas, fecham-se canais à evasão e à sonegação, mas o resultado final é um assalto mais efetivo à bolsa do Zé Pagante. Ainda há poucos dias, o relator da pretensa reforma tributária, na Câmara dos Deputados, estava sugerindo elevação da alíquota do Imposto de Renda de 27,5% para 35%, o que tornaria o governo um sócio privilegiado de todas as nossas atividades, em perfeito desestímulo ao trabalho honrado e à honesta declaração de rendimentos. Mas se a reforma tributária não acontecerá tão cedo, sobretudo pelo conflito de interesses entre a União e as unidades federadas, a outra – a sempre decantada reforma política – tropeça na força de inércia dos beneficiários dos vícios constitucionais e de um sistema eleitoral licencioso e falsamente democrático. Se reclamamos aos beneficiários das distorções, não se vislumbram muitas chances de êxito Em matéria de “vícios constitucionais”, nenhum parece mais grave que o da representação desigual e injusta na Câmara, onde aos Estados com mínima população se asseguram oito representantes, enquanto o mais populoso – São Paulo – está limitado a 70 deputados, em flagrante desvantagem aritmética. Pela estranha benesse concedida às unidades pequenas ou aos vazios demográficos, há um contingente de “excedentes” na Câmara – bancada de privilegiados, com votação de vereador, porém deliberando sobre os destinos de toda a nacionalidade. A regra é de tal modo viciosa, que torna um eleitor de Roraima muito mais importante e influente que um eleitor de São Paulo. A Constituição, no artigo 45 e parágrafos, nega-se a si mesma, infringindo a norma básica da isonomia, fixada no art. 5º. Houve no passado um general (Inácio de tal) que se insurgia contra o fato de seu voto valer tanto quanto o de sua lavadeira. Ele não conseguiu que seu sufrágio se tornasse qualificado pela competência; mas os eleitores do Amapá, de Tocantins ou de Sergipe, certamente desfrutam do voto qualificado que se negou ao general Inácio. Pouco mais de 30 mil habitantes de Roraima já elegem um deputado federal, enquanto são necessários quase 500 mil paulistas para alcançar a mesma prerrogativa. Esta cerebrina aritmética política nasceu nos tempos da ditadura militar, para garantir as maiorias da Arena. Mas os constituintes de 1988 não foram capazes de corrigir a anomalia gritante, embaraçados quiçá pela presença da bancada dos “penetras”, beneficiários dessa fórmula que torna um acreano mais poderoso que um mineiro ou um gaúcho. Reforma política séria também não poderia dispensar a mudança do sistema eleitoral, para adotar-se o voto distrital, dando fim aos eleitos na carona dos “puxadores de voto”. Pois ou o político possui base eleitoral sólida e efetivos vínculos com a região em que atua, ou carece de representatividade, não devendo ser eleito como pingente dos companheiros de prestígio. Quando muito, em solução intermédia, seria de aceitar-se o sistema alemão, ou distrital misto, numa concessão ao voto legítimo, porém excepcional, na legenda partidária. E é pacífico que os favorecidos pelo voto esportivo, pelo voto religioso ou pelo voto corporativo – que são os grandes beneficiários do sistema de representação proporcional individuada – não têm concorrido para a glória ou para a clarividência dos parlamentos... Outra regra que se impõe aprovar é a da fidelidade partidária, para terminar com a escandalosa peregrinação dos eleitos que pulam de uma bancada para outra, impunemente, sem nenhum respeito pela opção de seus eleitores. Também evidente é a necessidade de restringir ao mínimo as “medidas provisórias”, escandaloso expediente de despotismo do Executivo. Entretanto, se reclamamos reformas aos próprios beneficiários das distorções constitucionais e legais, não se vislumbram muitas chances de êxito. É como pedir ao gambá que vigie o galinheiro. Crime organizado LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA O Instituto Cidadania realizou na última sexta-feira, no Rio de Janeiro, o terceiro seminário nacional do projeto de segurança pública que será apresentado para debate na sociedade até o final de setembro e deverá estar concluído nos próximos meses. O primeiro seminário, em São Paulo, tratou do papel dos municípios na segurança pública. O segundo, em Recife, abordou a questão das instituições policiais. O tema desse último foi o crime organizado. Haverá ainda outro em Belo Horizonte sobre a delinqüência juvenil. Também foram realizadas uma mesa-redonda sobre persecução penal e uma audiência pública, no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo. Como os outros projetos do instituto, o de moradia, já concluído no ano passado, e o Fome Zero, que já está em debate público e será entregue aos parlamentares brasileiros no Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro, o projeto de segurança pública é suprapartidário e aberto à aplicação por parte de qualquer governo que tenha compromisso com o presente e o futuro do nosso país. O crime organizado é um dos mais graves problemas de segurança pública e violência no Brasil e no mundo. No nosso caso, a situação é absurda. Enquanto nossas instituições policiais e todo o sistema de segurança pública estão vivendo dificuldades dramáticas, o crime cada vez se organiza mais e cria raízes profundas no Estado brasileiro. Na maior parte do país, os agentes de segurança não têm salários dignos nem qualificação suficiente e atuam sem equipamentos adequados, sem planejamento consistente, em poucas palavras, sem política pública consistente. Esse é um dos maiores paradoxos de nosso país. Ricos e pobres, muito mais os pobres, têm pago um alto preço por isso. O que fazer? Em primeiro lugar, é preciso saber do que é que estamos falando quando nos referimos ao crime organizado. Às vezes, a imprensa se reporta ao varejo das drogas, nos morros do Rio ou nas periferias de São Paulo, empregando a expressão “crime organizado”. Está errado. Quem conhece esse problema no dia-a-dia, sabe muito bem que os varejistas das favelas e das periferias estão apenas parcialmente organizados. Só há organização local. Por isso, os grupos se tornam rivais e disputam entre si os espaços e os mercados. Quando há organização para valer, há a paz dos cemitérios e não confrontos armados. Pelo contrário, quando existe organização, os líderes das gangues fazem acordos entre si e se estruturam para evitar conflitos. Os embates são irracionais, do ponto de vista da organização criminosa. Ela prefere pactos de convivência e distribuição de esferas de ação. Ela opera com a divisão racional do trabalho criminoso. A estrutura do crime organizado está bem longe das favelas, dos bairros populares e das periferias. Está camuflada em endereços nobres das cidades. Concentra-se no atacado, não no varejo, e articula o tráfico de drogas com o comércio ilegal de armas, vinculando esses processos à lavagem de dinheiro e a investimentos em paraísos fiscais. O crime organizado é sofisticado, fala idiomas estrangeiros, usa computadores, conhece os procedimentos mais modernos da administração financeira e se esconde sob máscaras legais. Constitui, portanto, o coração do tráfico de armas e drogas, que é, como sabemos, o problema mais grave, aquele que afeta mais intensamente a segurança pública. Porque é ele precisamente que alimenta o crime no varejo. Fornece em grande escala as drogas e armas para os traficantes e outros criminosos agirem na sociedade. Hoje, o problema atingiu um patamar tão grave que nós teremos de fazer um verdadeiro mutirão para enfrentá-lo. Um mutirão que envolva a conscientização da sociedade – os eleitores devem exigir cada vez mais as credenciais éticas de seus candidatos – e que mobilize muita competência investigativa, orientada para o alvo certo: a lavagem de dinheiro, os laços financeiros internacionais, as máscaras legais, o atacado do tráfico de armas e drogas, a infiltração nas instituições públicas dos operadores políticos dessa rede criminosa. Essa competência necessária não se esgota nas polícias. Precisa envolver o Ministério Público, os setores organizados da sociedade civil, o Banco Central, a Justiça e todas as instituições pertinentes. E há ainda um ponto da maior importância, que deve ser sublinhado: a questão da ética na política. Ainda há condições de evitarmos que o Brasil caia nesse caminho sem volta. Senão, a sociedade brasileira perderá completamente seus instrumentos de defesa e de construção de um futuro mais digno e justo. Quando discutimos crime organizado não estamos falando apenas de segurança pública. Estamos falando do futuro do Brasil. O nosso, e o dos nossos filhos e netos. Colunistas JOSÉ BARRIONUEVO – PÁGINA 10 O encontro dos campeões de voto O ex-governador Antônio Britto (PMDB) e o atual prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro (PT), embalam os sonhos de milhões de eleitores gaúchos como principais alternativas para a disputa pelo Palácio Piratini no ano que vem. Ao mesmo tempo, são hoje as maiores incógnitas para seus partidos. Britto jura que não quer e não vai disputar o governo do Estado mais uma vez e Tarso se elegeu prefeito no ano passado prometendo cumprir os quatro anos de mandato. Querendo ou não, ambos estão entre os nomes fortes do PT e do PMDB para a eleição de 2002. Na noite deste domingo, Britto e Tarso fazem um debate qualificado no programa Plano Aberto, mediado pelo jornalista Lasier Martins, no Canal 20 da Net. Gravado na última quinta-feira, o debate dos possíveis adversários nas urnas no ano que vem irá ao ar a partir das 22h. Apesar das posições firmes, a gravação teve alguns momentos de descontração. Os talismãs de Brizola Em meio às comemorações dos 40 anos da Legalidade, Leonel Brizola deixou escapar um de seus maiores segredos, que carrega na mala há 37 anos. Nem correligionários e amigos mais próximos, como o vice-presidente do PDT gaúcho, Pedro Ruas, sabiam que uma bandeira do Brasil com as cores já desbotadas pelo tempo é a companheira inseparável do líder. Em abril de 1964, ao seguir para o exílio, Brizola colocou-a entre seus pertences e nunca mais tirou. O principal símbolo do Brasil se tornou um talismã para o ex-governador e foi revelado em Porto Alegre na semana passada, surpreendendo até mesmo Ruas. Sutis diferenças O governador Olívio Dutra evitou comentar a atitude do colega Geraldo Alckmin no episódio do seqüestro do apresentador Sílvio Santos. Questionado por um jornalista, tangenciou: – Não sei o que se faria numa circunstância dessas. É o tipo de coisa que não se premedita. Já o prefeito Tarso Genro deixou claro um estilo diferente do de Olívio. Foi objetivo e manifestou-se contrário à intervenção de Alckmin, qualificando-a como uma irresponsabilidade. Boa vizinhança Ao saber que Antônio Dorneu Maciel estava deixando a direção-geral da Assembléia, o chefe da Casa Civil, Flávio Koutzii, telefonou para se despedir. De Portugal. – És um adversário duro, mas leal – disse na oportunidade. Ao chegar a Porto Alegre, os ex-colegas de Assembléia se encontraram. Governo ignora categoria A última esperança do presidente do Sindicato dos Servidores do IPE, Antônio Augusto Bernd, de chamar a atenção do governo para a categoria é obter o apoio dos deputados estaduais. É que os servidores do IPE mais uma vez ficaram fora do realinhamento de 14,9% e também dos 27,94% parcelados oferecidos a outras categorias. Depois de 10 paralisações Estado afora, os trabalhadores do IPE esperam que os parlamentares criem uma emenda que estenda a eles o reajuste. Cabo eleitoral O deputado estadual Paulo Odone aceitou fazer parte da chapa de Michel Temer na disputa pelo diretório nacional do PMDB. Como Temer deverá ser eleito, Odone pretende usar o cargo para defender a candidatura de Pedro Simon à Presidência da República. Esta é a idéia. Autonomia O seminário sobre o Estatuto da Cidade, realizado sexta-feira pela Famurs, reuniu cerca de 400 representantes de prefeituras. Um sucesso. A entidade está incentivando os prefeitos dos 404 municípios gaúchos com menos de 20 mil habitantes a estruturarem seus próprios planos diretores. Pé na estrada De olho em 2002, o governo assina nas próximas semanas os contratos para reconstrução de rodovias no Estado. A licitação foi um verdadeiro filé em tempos de vacas magras. Nada menos que 50 empresas concorreram ao lote de estradas em licitação internacional. As sete empresas selecionadas vão abocanhar R$ 166 milhões em obras para as regiões Norte, Centro, Missões e Nordeste do Estado. São 2,8 mil quilômetros de estradas. Mais um gaúcho O nome do advogado Luiz Carlos Lopes Madeira saiu no Diário Oficial da União como mais novo ministro do TSE. Madeira era substituto e agora ocupa a titularidade da função, ao lado de outros dois gaúchos na mesma corte: o presidente, Nelson Jobim, e a ministra Ellen Gracie Northfleet. Promessa necessária A analista de sistemas Adriana Costa assumiu a presidência do Sindicato dos Servidores Civis da Brigada Militar prometendo brigar por concurso público para a categoria. O Sindicivis já teve 3,6 mil servidores, hoje tem menos de mil. Isso obriga policiais a deixar as ruas para cobrir tais funções. Editorial A condição humana Mais de um século depois de abolida oficialmente nos países do Ocidente, a escravidão volta a ser um tema de veemente debate mundial e uma das mais destacadas pautas da reunião da ONU sobre o racismo, em Durban, na África do Sul. Não se trata agora de impedir essa prática anti-humana, nem de fechar os oceanos aos navios negreiros, como se fazia ao final do século 19. O debate atual sobre o racismo concentra-se nas conseqüências sociais daquele fato histórico – a discriminação racial e a pobreza – e a estratégia para eliminá-las. Infelizmente, por interesses conhecidos e para evitar a discussão sobre eventual indenização pela escravatura, os Estados Unidos esvaziaram o encontro de Durban recusando-se a enviar uma delegação de alto nível. Infelizmente também, uma questão localizada – o sionismo e o conflito árabe-israelense – acaba ganhando espaços que poderiam ser utilizados na apreciação de temas mais decisivos e mais abrangentes. Ao decidir-se por uma conferência “contra o racismo, a discriminação, a xenofobia e a intolerância correlata”, a ONU já não coloca em debate a existência dessas práticas, mas a maneira de combatê-las. Mais de 50 anos depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o planeta ainda não conseguiu ver implantados seus dois primeiros artigos, exatamente os que afirmam que “todos os homens nascem livres e iguais” e que qualquer pessoa deve ter seus direitos e liberdades reconhecidos “sem distinção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição”. Espera-se que a conferência ajude a valorizar as pessoas pelo único e simples fato de partilharem da condição humana O Brasil tem grandes credenciais para ser uma voz importante na reunião de Durban. Primeiro, por ter sido um dos beneficiários do tráfico negreiro. E, segundo, por ter construído uma sociedade onde a miscigenação racial, que é um fato, confere uma importante vantagem para implantar uma sociedade sem ódios e sem preconceitos. O ideal ainda está longe e há uma dolorosa dívida social a ser quitada. A passagem da retórica acadêmica ou das declarações políticas para a implantação de uma sociedade sem discriminações não é fácil. Mas não se pode negar que, entre os modelos existentes, o Brasil arrola, ao lado da coluna dos débitos, exemplos de créditos que pode exibir perante o mundo na reunião da África do Sul. Neste sentido, a decisão adotada sexta-feira na abertura dos trabalhos de conceder a uma brasileira, a socióloga maranhense Edna Roland, a tarefa de ser a relatora-geral da conferência é o reconhecimento desses avanços e dessa postura pública de condenação a qualquer gênero de discriminação. Espera-se que a Conferência de Durban colabore para fazer com que a comunidade mundial – e o Brasil em particular – se empenhe em encontrar os caminhos que conduzam à valorização das pessoas pelo único e simples fato de partilharem da condição humana. O direito à pré-escola O Censo Escolar 2001, recém-divulgado pelo Ministério de Educação (MEC), revela que o número de matrículas no ensino infantil experimentou notável incremento em relação ao ano passado. As creches, que atendem crianças de até três anos, registraram expansão de 19%. Já na pré-escola, destinada à faixa etária de quatro a seis anos, verificou-se um aumento de 8,9%. Com isso, cresce significativamente um campo da formação que há poucos anos apresentava enormes carências, mas que hoje acolhe 5,9 milhões de crianças, predominantemente por iniciativa das prefeituras municipais (3,9 milhões de vagas) e da rede privada (1,6 milhão). Em contraste, o levantamento do MEC detectou uma queda de 1,4% nas matrículas do ensino fundamental. Não há, contudo, nenhum paradoxo nessa discrepância de tendências. A redução que se observa nas quatro primeiras séries do nível básico é em verdade resultado de uma soma de fatores concomitantes. Entre eles estão a queda na taxa de natalidade, a melhora do fluxo, ou seja, a diminuição do contingente de alunos que repetem as séries, e do índice de 97% de crianças e adolescentes entre sete e 14 anos com vagas asseguradas nos educandários, o que limita as pressões sobre o sistema de ensino. É de se ressaltar que taxa como essa representa praticamente a universalização do atendimento, como determina a Constituição. O essencial é que se busque a elevação da qualidade da formação ministrada Já o aumento da procura pela pré-escola é fenômeno comum a todas as sociedades emergentes, nas quais se ampliam os anos de escolaridade já a partir das necessidades dos pais, ante as novas exigências do mundo do trabalho. O atendimento em tal nível, que até a década de 80 era tido como exceção e privilégio, hoje se vai disseminando de forma positiva, pois trata-se antes de tudo do reconhecimento de um direito democrático. Somado esse contingente ao do ciclo básico, há hoje no Brasil 54,5 milhões de estudantes, não computados o ensino supletivo e o superior. Com isso – e em especial pela explosão da procura pelo nível médio –, se vai expandindo o índice de escolaridade da população, que já começa a aproximar-se do contabilizado por nossos vizinhos do Uruguai e da Argentina. O essencial, contudo, é que as autoridades concentrem seus esforços não apenas na ampliação da oferta de vagas, mas especialmente na elevação dos padrões da formação ministrada, o que passa desde logo pela valorização do magistério. Por isso mesmo, instrumentos como o Fundef devem ser crescentemente estimulados, ao mesmo tempo em que se acentuem os esforços para a fiscalização da aplicação dos recursos gerados pelos contribuintes. Topo da página

09/02/2001


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