Dirceu lidera, mas eleição no PT pode ter 2.º turno
Dirceu lidera, mas eleição no PT pode ter 2.º turno
Se moderado não obtiver mais de 50% dos votos, escolha de novo presidente será no dia 7
O deputado José Dirceu (SP) saiu na frente na eleição direta que o PT realizou ontem, com voto dos filiados, para escolher seu presidente nacional e renovar as direções em todo o País. Mas o risco do moderado Dirceu enfrentar um segundo turno não estava afastado até as 23 horas. Embora o quórum da eleição tenha sido atingido (129. 292 filiados de um universo de 861.953 aptos a votar), algumas cidades não conseguiram o número mínimo de votantes, o que, em tese, prejudica Dirceu. Foi o caso de duas capitais, como Belo Horizonte (MG) e Recife (PE), além de municípios importantes, como Santos (SP) e Juiz de Fora (MG).
Se o deputado não obtiver 50% mais um dos votos válidos, que excluem nulos e em branco, haverá um segundo turno da disputa no dia 7 de outubro para saber quem presidirá o PT até 2004. O segundo lugar, na noite de ontem, também estava embolado entre dois gaúchos. Em algumas cidades, o posto era do ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont (RS). Em outras, do presidente licenciado do PT no Rio Grande do Sul, Júlio Quadros. Ambos são radicais na seara ideológica petista.
Antes mesmo do resultado oficial, que só deve sair na quinta-feira, o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, já falava do novo perfil da legenda. “A cara do PT será o que a sociedade espera de nós: um partido mais maduro, mais consciente e responsável, que simboliza a ética e o combate à corrupção”, afirmou. Pré-candidato à Presidência da República, ele admitiu até mesmo que a sigla está mais “light” e aproveitou para dar uma estocada no governo federal. “Nesse momento de apagão, o Brasil precisa de alguma coisa light”, ironizou.
Lula votou no diretório de São Bernardo do Campo, berço do PT no ABC paulista. Foi recebido aos gritos de “presidente, presidente” pelos militantes. Abraçado e beijado, levou mais de dez minutos para chegar à urna eletrônica.
A eleição direta no PT é um processo inédito na história partidária brasileira. Contou até com 1.100 urnas eletrônicas cedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além do novo presidente da legenda, os petistas foram às urnas para escolher quem comandará o partido em 27 seções estaduais e 2.834 municipais.
Dirceu também concordou que o PT e o Brasil mudaram nos últimos 21 anos. “O PT não é um partido de vanguarda marxista-leninista: é um partido popular, aberto à sociedade, e está preparado para governar o País.”
Não é sem motivo que Lula e Dirceu têm um discurso cada vez mais light. Se a ala moderada passar no teste das urnas, aumentando ou, na pior das hipóteses, mantendo a atual correlação de forças, estará credenciada para definir o tom do programa de governo e a política de alianças que vão nortear a campanha do candidato ao Planalto.
Além de Dirceu, Pont e Quadros, entraram na corrida pela presidência do PT o economista Markus Sokol e os deputados Tilden Santiago (MG) e Ricardo Berzoini (SP). Apesar de adversários, os dois gaúchos tomaram café da manhã juntos, em Porto Alegre. O ex-prefeito criticou o que chamou de “política light” capitaneada por Lula e Dirceu. “Estamos há 13 anos na prefeitura de Porto Alegre sem maioria na Câmara Municipal e há três anos governando o Rio Grande do Sul com um cerco do Judiciário e do Legislativo”, argumentou. “Temos aqui uma trajetória e uma política de alianças que vêm garantindo a governabilidade sem necessitar de coligações com o centro”, completou Pont.
Quando chegou para votar no diretório da Vila Mariana, em São Paulo, Dirceu afirmou que a esquerda petista propõe um programa “irrealizável” para o País. “Eles dizem que não vão pagar a dívida externa. O que significa isso? Não existe. E quando dizem que vão reestatizar todas as empresas privatizadas? São propostas de um irrealismo total.”
Para Dirceu, a informação de Pont de que os petistas gaúchos governam sem alianças não é verdadeira. “É preciso parar de mentir para a sociedade e para os petistas e assumir com coerência a realidade”, protestou.
Na sede do diretório nacional, o PT testou o sistema de votação paralela que pretende ver adotado no Brasil, em 2002. Na presença de fiscais, uma urna foi clonada, ficou exposta na sede do partido e teve votos computados abertamente em intervalos regulares. “Provamos que o sistema não desvia votos”, disse o presidente em exercício do PT, deputado José Genoíno (SP). “É uma nova técnica de auditoria, que só vem contribuir com a segurança do processo”, concluiu o ministro do TSE Fernando Neves, que esteve no local.
Dirigentes temem que atentado afete sucessão em 2002
Legenda vai prestar homenagem às vítimas nos EUA em programa de TV, na quinta-feira
O programa nacional de TV do PT, que vai ao ar na próxima quinta-feira, vai dedicar um espaço para prestar solidariedade aos Estados Unidos por causa dos atentados terroristas que atingiram aquele país há uma semana. “Nenhuma pessoa no mundo que um dia lutou por democracia pode concordar com qualquer prática terrorista”, afirmou o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. “Ontem foi com os Estados Unidos, amanhã pode ser com o Brasil.”
Dirigentes petistas também estão preocupados com as conseqüências do terror na sucessão presidencial brasileira. O deputado José Genoíno (SP), presidente em exercício do PT, disse que é preciso evitar uma “histeria mundial” contra a esquerda. “Até porque a esquerda sempre teve posição radicalmente democrática e humanitária”, observou. “O PT não aposta no pior, não quer ganhar a eleição numa situação deteriorada do País.”
Lula diz não acreditar que o clima de insegurança traga impacto sobre sua campanha à Presidência da República, em 2002. Analistas políticos sustentam que, se houver uma crise econômica mundial, candidatos de esquerda podem ser prejudicados, já que os eleitores teriam medo de mudanças radicais. “O PT significa hoje uma mudança necessária para o Brasil, uma alternância de poder de um partido que tem competência para estabelecer um novo contrato social no País”, disse.
O líder petista pregou “um pacto com a sociedade”. Para ele, não se trata mais de ficar discutindo a divisão ideológica entre partido de direita e de esquerda. “Precisamos fazer uma aliança que represente o conjunto de forças do bem para mudar o Brasil”, argumentou.
Na avaliação de Lula e de Genoíno, os EUA têm de prender os terroristas que atacaram as torres do World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington, com o apoio de todos os países do mundo. Mas sem atitudes de retaliação. “Os Estados democráticos não podem e não devem confundir suas ações e métodos com os dos terroristas que atuam criminosamente”, opinou Lula. “Não podemos cair na militarização da luta, do salve-se quem puder e do olho por olho”, advertiu Genoíno.
Deputado critica Suplicy por cobrar prévias
Dirceu diz que colega nunca participou desse tipo de disputa e não deve ficar se queixando
Favorito para o quarto mandato no comando do PT, o deputado José Dirceu (SP) disse ontem que o senador Eduardo Suplicy (SP) nunca disputou uma prévia no partido. Com a afirmação, insinuou que ele não deve ficar sempre cobrando este método de escolha de candidatos, uma praxe no PT. Suplicy quer enfrentar Luiz Inácio Lula da Silva em uma prévia, no dia 3 de março, para a indicação do concorrente do partido à Presidência. Mais: agora, insiste para a legenda divulgar este processo com o mesmo empenho que anunciou a eleição de ontem.
“No PT, prévia é uma coisa normal e o Lula vai disputar”, afirmou Dirceu. “Quem nunca disputou prévia no partido foi o Suplicy. Ele teve aprovadas suas candidaturas a governador, prefeito, senador e deputado, sem nunca entrar em prévia. Eu, a prefeita Marta Suplicy, o governador Olívio Dutra, o prefeito Tarso Genro, o ex-governador Cristovam Buarque e até a deputada Luiza Erundina, quando era do PT, passamos por esta escolha.”
Suplicy reiterou que sua candidatura é uma contribuição ao PT. Disse que a realização da prévia consta do estatuto do partido quando há mais de um postulante à mesma vaga. “É fato que nas diversas vezes em que fui candidato houve quase consenso em torno do meu nome, mas eu sempre tive disposição de participar”, resumiu. Depois, perguntou, com ar maroto: “E o Lula, já disputou?”
Ele afirmou ainda que, em 92, entrou na corrida à Prefeitura contra sua vontade, atendendo a pedidos de dirigentes petistas. Na época, perdeu para Paulo Maluf (PPB). Hoje, acha que debates públicos entre ele, Lula e o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, outro pré-candidato, seriam muito positivos. A direção do PT, porém, tem medo da exposição de Lula.
O senador votou ontem em Dirceu. Marta, de quem está separado, também. Os dois são do mesmo diretório, de Pinheiros. Ontem, pela primeira vez, chegaram lá em horários diferentes.
Sem Sarney, PMDB governista quer Renan
Segundo aliados, ex-presidente está fora da disputa pela presidência do Senado
BRASÍLIA – A dois dias de definir o substituto de Jader Barbalho (PMDB-PA) na presidência do Senado, os líderes do PMDB tentam emplacar o nome do senador Renan Calheiros (AL). A articulação pró-Renan ganhou fôlego ontem com a desistência do senador José Sarney (AP). O ex-presidente comunicou a saída da disputa a vários aliados e sinalizou que apoiará o nome indicado pelo partido.
A desculpa dada por Sarney foi o veto do PT a seu nome, contrariando a intenção de ser o “candidato da instituição”. Mas o senador também enfrenta restrições no próprio partido, onde setores o consideram um autêntico representante do PFL no PMDB.
A disputa não vai ser tranqüila dentro do partido. Antes de conhecer a decisão de Sarney, o senador gaúcho José Fogaça havia avisado ontem que concorreria ao cargo se o ex-presidente não fosse candidato. “O único com o qual eu não disputo é Sarney”, disse Fogaça, ressaltando que não tem motivos para deixar de concorrer em benefício de outro peemedebista.
Amanhã, a bancada do PMDB se reúne para escolher o substituto de Jader Barbalho. As desavenças de Renan com o ex-governador Mário Covas, morto em março, estão sendo vistas, no ninho tucano, como fatos passados, e as restrições ao seu nome pelo PFL podem até somar porque ele enfrentou o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Ontem, Renan recebeu em sua casa, no Lago Sul, o líder do PSDB no Senado, Sérgio Machado (CE), o assessor especial do Palácio do Planalto Moreira Franco e o presidente do PMDB, Michel Temer (SP).
Nos jardins da residência, os líderes avaliavam que os nomes de Sarney e do ministro da Integração Nacional, Ramez Tebet (MS), tiveram as chances reduzidas. Mas as negociações continuaram noite adentro.
Depois das conversas na casa de Renan, alguns líderes se encontraram com o senador mineiro José Alencar (PMDB). Antes disso, diante da imprensa, fizeram questão de rasgar elogios ao parlamentar de Minas. Um senador governista, porém, disse que Alencar está sendo usado apenas como “boi-de-piranha”. Alencar, que assinou a CPI da Corrupção, é o vice sonhado pelo petista Luís Inácio Lula da Silva para a sucessão presidencial do ano que vem.
Festa - Ao receber um “parabéns” de um dos filhos adolescentes, Renan logo tratou de explicar que estava aniversariando. Ele completou ontem 46 anos. “Como líder do PMDB, quero uma solução ampla para estancar a crise política que assola o Senado”, se esquivou.
No caso de Sarney, três pontos dificultaram a candidatura. O ex-presidente só aceitava entrar no jogo como nome de consenso. A pré-candidatura à Presidência de sua filha, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), ou a do próprio Sarney, impossibilitava o entendimento com o bloco de oposição. O terceiro empecilho foi a relação amistosa que o ex-presidente mantém com ACM. O cacique baiano é inimigo do peemedebista Jader, que renuncia à presidência do Senado, amanhã, depois de meses sofrendo acusações de irregularidades.
Já Tebet, que se licenciou do mandato de senador para assumir o esvaziado Ministério da Integração Nacional, encontra restrições por estar, no momento, mais ligado ao Planalto que ao partido.
A senadora Heloísa Helena (PT-AL) diz que a oposição vai esperar a definição do PMDB para avaliar a posição que os senadores do bloco vão adotar. “Assim que escolherem um nome, decidiremos se apoiamos ou partimos para candidatura própria.”
Justiça nega devassa fiscal na família de Maluf
Promotores consideravam imprescindível a quebra do sigilo de filhos, mulher e nora do ex-prefeito
A Justiça de São Paulo indeferiu o pedido de quebra de sigilo fiscal dos filhos, da mulher e de uma nora do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB). A medida foi tomada pelo juiz-corregedor Maurício Lemos Porto Alves, que rejeitou requerimento do Ministério Público Estadual. Ele decidiu, também, não enviar à Procuradoria-Geral do Cantão de Genebra rastreamento parcial das ligações telefônicas internacionais feitas pelos familiares do pepebista.
Os promotores de Justiça que investigam a existência de ativos financeiros em nome do ex-prefeito na Ilha de Jersey consideravam “imprescindível” o acesso aos dados fiscais dos quatro filhos (Flávio, Otávio, Lina e Ligia), da mulher, Sylvia, e da nora de Maluf, Jacquelline (casada com Flávio). Os promotores pediram a quebra do sigilo porque acham que recursos depositados no paraíso fiscal teriam como beneficiários os parentes de Maluf.
Apuração baseada no levantamento telefônico revela que Flávio e Ligia podem ter operado contas no Citibank Switzerland, de Genebra, e no Citibank NA, de Jersey. Os promotores pretendiam que esse rastreamento fosse encaminhado ao procurador-geral Jean-Louis Crochet, para instruir investigação preliminar instaurada na Suíça. Em sua petição, eles citaram publicações de Genebra com relatos acerca da investigação aberta por Crochet.
O despacho do juiz-corregedor – indeferindo a devassa fiscal – será juntado hoje aos autos do inquérito criminal aberto por ordem do próprio Porto Alves para apurar a conta de Jersey e suposto superfaturamento de obras públicas contratadas na administração Maluf (1993-1996). O magistrado avalia que os argumentos dos promotores não são suficientes para autorizar a quebra do sigilo.
Anteriormente, Porto Alves já havia autorizado acesso aos dados telefônicos e bancários de Maluf e de seus familiares. Em outra decisão, ele acatou pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública do Município e decretou a quebra total do sigilo (bancário, fiscal e telefônico), mas exclusivamente do ex-prefeito.
Reação - Se sentindo acuado por causa das investigações do caso Jersey, o ex-prefeito paulistano resolveu partir para o contra-ataque. O primeiro passo será a apresentação de dois recursos criminais perante o Tribunal Regional Federal (TRF), para tentar derrubar a medida tomada pelo juiz Fernando Moreira Gonçalves, da 8.ª Vara Criminal Federal, que decretou a quebra do sigilo bancário de Maluf e de seus familiares em todo o País.
A segunda investida terá um caráter político. O ex-prefeito vai à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para protestar contra o que classifica de “métodos agressivos e ilegais” que estariam sendo adotados pelo grupo de jovens promotores de Justiça e procuradores da República que o investigam.
Maluf pedirá solidariedade a um de seus advogados, o criminalista Arnaldo Malheiros Filho, que está sendo processado pelos promotores. O ex-prefeito planeja, ainda, bater à porta da Organização dos Estados Americanos (OEA) – nesse caso, o objetivo será pedir “garantias de preservação de seus direitos”.
Ex-prefeito teme efeitos de 'cerco sem precedentes'
A estratégia foi definida sábado, após reunião com quatro advogados que compõem o pelotão de defesa de Paulo Maluf. Participaram do encontro, na residência do pepebista, os criminalistas Malheiros Filho e Ricardo Camargo Lima e os especialistas em direito civil Ricardo Tosto e Paulo Guilherme Mendonça Lopes.
Maluf demonstrou estar abalado com o que chama de "cerco sem precedentes". O ex-prefeito dá sinais de preocupação com os desdobramentos do caso Jersey.
Ele até aceita ser alvo das apurações, mas não admite que a vida de seus familiares seja vasculhada. Ele não quer que os filhos Flávio, Otávio, Lina e Lígia e a mulher, Sylvia, passem por humilhações.
Para os advogados, a decisão do juiz federal Fernando Gonçalves deve ser contestada. Eles consideram "absurdo" o fato de o magistrado ter quebrado o sigilo bancário dos parentes de Maluf, embora nenhum deles seja réu na ação penal da 8.ª Vara Federal que apura fraude na emissão de títulos públicos para pagamento de precatórios.
A tarefa da defesa, porém, será complicada. Há duas semanas, os advogados tentaram obter liminar em habeas-corpus impetrado no Tribunal de Justiça para livrar os familiares de Maluf de outra decisão judicial, que decretou a quebra do sigilo telefônico e bancário. O desembargador Gentil Leite indeferiu o pedido de liminar.
Para Malheiros Filho e Camargo Lima, o Ministério Público fez "investigação particular que só saiu da clandestinidade a partir de 18 de junho, quando foi encaminhado à Justiça o pedido de quebra de sigilo".
Artigos
Nada justifica o terrorismo!
SANDRA CAVALCANTI
Nos debates realizados na Constituinte, houve longa discussão sobre a necessidade de serem definidos, de forma clara, os crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça, anistia ou perdão. Ainda estavam vivos os sofrimentos dos períodos de ditadura, tanto os vividos sob o tacão de Getúlio Vargas quanto os suportados durante o período militar, após o AI-5 de 1968.
No primeiro artigo proposto, constavam a tortura e o tráfico de drogas.
Emendas acrescentaram os chamados crimes hediondos. Propus, então, que o terrorismo figurasse no artigo com destaque. A aprovação não foi fácil.
Havia um clima de boa vontade para com os terroristas, na base de que os fins pudessem justificar os meios...
Finalmente, o texto foi aceito. No Brasil, o terrorismo é crime inafiançável, insuscetível de perdão, anistia ou graça.
Por que insisti tanto na idéia? Porque considero o terrorismo a mais covarde das formas de se tentar alcançar um objetivo. O terrorista age de forma sorrateira, solerte, insidiosa e desleal, com total desprezo pela dignidade humana e pelas regras que sempre existiram e funcionaram, até mesmo entre inimigos em guerra.
O ato terrorista é o mais baixo de todos na escala dos crimes. Sua principal característica é a covardia. Jamais enfrenta o adversário. Jamais se revela.
Jamais se importa com os inocentes que pagam pelo seu ódio.
Por isso, sempre achei que ninguém pode aceitar o terrorismo, sob nenhum pretexto. Não há objetivo político que o justifique.
Neste trágico episódio de Nova York, que ficará indelével na memória de nosso planeta, além da brutalidade cometida contra milhares de pessoas indefesas, começo a ficar apavorada com algumas das explicações e justificações que foram divulgadas pela mídia. Vejo, com horror, que a propaganda desses criminosos já fez lavagem cerebral em muita gente que se presumia civilizada e normal. Por muitas dessas opiniões se pode avaliar como está alastrada e forte a contaminação de suas almas pelo vírus do terrorismo!
Percebendo como seria chocante manifestar claro apoio a um massacre tão covarde e tão cruel, que resultou no assassinato de milhares de inocentes, as opiniões dos contaminados começam sempre com hipócritas palavras de compaixão. Em seguida, porém, fazem questão de "explicar as profundas razões de ordem social e política que levaram os terroristas ao gesto extremado...".
Li algumas dessas explicações (sic!). São colocações verdadeiramente imorais, que distorcem os fatos, desrespeitam a verdade e acabam por lançar toda a culpa sobre as vítimas!
A verdade verdadeira, no mundo dos civilizados, dos que praticam a democracia e onde a lei impera, é que nada pode justificar um ataque terrorista. Nem os anteriores, nem o do fatídico dia 11. Não há diferença social ou econômica que ofereça razões para aquela inimaginável brutalidade.
Infelizmente, com imensa tristeza e muito medo, vejo que o terrorismo já é aceito e justificado entre nós, apoiado por estranhos e inaceitáveis argumentos.
Muitos artigos foram publicados pela nossa imprensa e pela de outros países.
Notei, com muita apreensão, que alguns de seus autores mal conseguem disfarçar a alegria de ver o gigante americano merecendo o justo castigo...
Até um conhecido bispo, tido e havido como homem de fé, saiu-se de seus cuidados para explicar e justificar a iniciativa dos terroristas, num artigo absolutamente lamentável: "A culpa não é dos autores do massacre. A culpa está na má distribuição da riqueza no mundo." Outro articulista, muito importante também, se dá ao luxo de condenar o terrorismo de direita e aliviar a barra dos que o praticam em nome da esquerda... Mas não ficam por aí os absurdos. Um dos mais badalados professores de ciência política, fazendo uma análise completamente fora dos fatos, acha que as torres foram derrubadas, na verdade, pelo atos isolacionistas (sic!) do presidente Bush.
Alguns leitores, e muitas leitoras, vão mais longe: aplaudem, sem nenhum pudor ou piedade, o que foi feito, achando que se tratou de merecido castigo. Se pudessem, estariam dançando nas ruas da Jordânia...
É isso o que me preocupa. A gente sabe que todo terrorista esconde a sua insanidade sob o manto fantasioso de uma causa ou de um ideal, que serve para explicar o seu desequilíbrio. Com essas razões, supostamente elevadas, ele procura encobrir os seus ressentimentos, as suas frustrações e os seus ódios. O fanatismo religioso, as lutas raciais e as diferenças de classes são a sua munição preferida. Ultimamente, sinto que esses venenos começam a circular mais intensamente entre nós. Exacerbação de racismo, desrespeito aos poderes constituídos e às leis, competição política entre religiões e aumento na luta de classes. Esses costumam ser os ingredientes perfeitos para a formação de grupos de fanáticos. E onde se formam grupos de fanáticos o terrorismo brota com força.
Infelizmente, o mundo tem sido muito condescendente com os que adotam práticas terroristas para impor seus objetivos. Alguns governos chegam a dar a impressão de que não acham que o crime de terrorismo seja tão grave assim...
Estão mortalmente enganados! No mundo inteiro, o terrorismo está-se tornando a mais eficiente forma de desestabilização de todas as conquistas do mundo democrático.
No admirável pronunciamento de Tony Blair, que entrou para a História como uma peça à altura de Churchill, fica clara a tese de que o fundamentalismo islâmico, ao orientar, sustentar, treinar e abastecer grupos terroristas, em várias partes do Planeta, tem como alvo principal a eliminação das sociedades democráticas. O terrorismo é usado como arma para acabar com os sistemas políticos que respeitam a dignidade da pessoa humana e garantem os direitos individuais.
O ataque terrorista a Nova York e ao Pentágono não foi só um ataque à nação americana ou só o maior massacre sofrido pelos seus cidadãos. Foi, acima de tudo, uma demonstração clara dos objetivos desses grupos, que pretendem eliminar da face da Terra os países que cultivam a democracia.
Quem encontrar motivos sociais e econômicos para justificar o ataque terrorista do dia 11 de setembro desconfie de si mesmo. Está contaminado.
Pode estar certo de que já está sob o efeito da mesma lavagem cerebral que produziu aqueles fanáticos. Contra essa terrível e insidiosa forma de terrorismo temos de armar nossas defesas. Já está mais do que na hora.
Ética negociada
CARLOS ALBERTO DI FRANCO
Os brasileiros assistem, desiludidos, aos sucessivos capítulos da mais recente novela rodada no cenário da Ilha da Fantasia. Alguns dos protagonistas da frente de resistência ao chamado "pacote ético" têm conseguido ultrapassar todos os limites da imaginação. Surpreende o autismo dos políticos, sua notável incapacidade de pulsar a indignação da sociedade.
A hipótese de quebra do sigilo fiscal, com a publicação na Internet e no Diário Oficial das declarações de renda, de bens e de dívidas dos deputados, tem despertado fortes reações na Câmara dos Deputados. Alguns, equivocadamente, confundem o urgente esforço de transparência com supostos agravos às prerrogativas constitucionais. Outros misturam a necessária preservação da independência parlamentar com um inaceitável passaporte para a impunidade. Imunidade é uma garantia para o exercício de um serviço à sociedade, jamais para o iníquo abuso de um privilégio. O fim da imunidade para os crimes comuns não deveria ser objeto de uma indecorosa negociação, mas, sim, o resultado de um consenso ético.
Infelizmente, os fatos demonstram que estamos longe dessa hipótese. A recuperação da dignidade do Parlamento, essencial para o bom funcionamento da democracia, reclama vigilância. É fundamental que os políticos saibam que a imprensa, numa rigorosa prestação de serviço, será a memória da cidadania.
E você, caro leitor, pode e deve fazer muito. Na verdade, a legítima pressão da sociedade é a única arma capaz de romper a malha de corporativismo que tem transformado a política num exercício de defesa de interesses menores.
De fato, alguns homens públicos vivem de costas para a sociedade. Tal distorção também se explica pelo nosso conformismo. No fundo, somos todos responsáveis. Precisamos reconhecer que os que estão do lado de lá (os políticos e os governantes) foram eleitos e, freqüentemente, reeleitos pelos que estão do lado de cá (por nós). Trata-se de uma equação que tem o mérito de eliminar a cumplicidade do anonimato.
O Brasil, sacudido por uma onda de decência, vai descobrindo que é preciso mudar a forma de ser da sociedade. Mudar os valores dominantes que privilegiam o ter em detrimento do ser. A crise brasileira tem raízes profundas. É necessário superar uma moral de chavões e uma ética de passeata. O futuro será pavimentado com muito trabalho e boa dose de renúncia. A ética - esse conjunto de valores que regem os atos humanos - não é, como querem crer certos ideólogos da indústria cultural, simples verniz que retoca as aparências do universo humano. Ao contrário, é a própria condição de sobrevivência do homem neste mundo. Torpedeados os valores, é toda uma estrutura que desmorona.
Como lembrou o psicanalista Jurandir Freire Falcão, "existe um elo indissolúvel entre o político que lesa o erário, o cidadão que ultrapassa o farol vermelho e o assaltante que mata: todos deixaram de levar em conta a lei". O jeitinho brasileiro, informal e descomprometido, oculta a sua face anti-social. Muitos dos que condenam a situação nacional querem que as coisas mudem pela ação dos outros. É preciso superar a moral da omissão. A batalha da liberdade se trava no âmago da sociedade civil: cobrando responsabilidades, elegendo com consciência os representantes públicos, exigindo uma legislação que respeite a dignidade humana, pressionando legitimamente as autoridades.
Não há atalhos no campo ético. O futuro depende de esforços pessoais que se somam e começam a mudar pequenas coisas. É preciso trabalhar com seriedade.
É preciso fazer o que é correto, e não o que pega bem. Mudar os rumos exige, sobretudo, a coragem de assumir mudanças pessoais. Esse esforço, apoiado no realismo do dia-a-dia e na força expansiva do trabalho bem-feito, pode virar o Brasil do avesso.
Colunistas
DORA KRAMER
Pensamento sem rumo
Por toda parte, em todas as conversas, a única certeza que as pessoas conseguem expressar desde os atentados terroristas, que ainda nos deixam a todos desconcertados, é a de que o mundo vai mudar. Mas até agora ninguém é capaz de produzir, com chance de acerto, um único pensamento a respeito do rumo que a Humanidade irá tomar: será o da guerra total ou, afinal, o da paz?
Dada a comprovação da inutilidade dos artefatos tecnológicos e de que para a destruição do ser humano basta o próprio homem e sua circunstância de inversão do valor da vida que dá à morte o sentido da salvação, é possível que o caminho seja o do diálogo. Do reconhecimento das diferenças sem que isso represente ofensa à existência do outro, do abandono da prepotência e da lógica do extermínio que, ao fim e ao cabo, é a lógica do terror.
Mas, para que não fiquemos apenas no campo da abstração e possamos devagar voltar a discutir assuntos mais próximos a nós sem perder de vista a lição de Nova York sobre a relatividade da correlação entre fracos e fortes, cabe uma reflexão a respeito do que se altera aqui nesse Brasil no que tange às relações entre nossas forças políticas. Falamos, evidentemente, no campo do embate das idéias que é o que temos em jogo.
A gravidade do ambiente internacional conseguiu, há quatro dias, reunir ainda que por breve momento, governo e oposição para lidar com uma questão que estava acima das concepções políticas de cada um. Ambos os lados - o governo ao chamar e a oposição ao aceitar - mostraram que já se compreendem algumas coisas por aqui para além das simplificações de sempre.
Tratava-se de conferir respaldo a uma posição do Estado brasileiro, que inclusive será defendida na assembléia geral da ONU - cuja abertura é prerrogativa nossa - daqui a alguns dias. Ninguém falou em cooptação, ninguém suspeitou disso, a confiança mútua permeou a reunião. Se isso terá um significado mais adiante, só o tempo dirá.
O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro, acha que é possível haver. No encontro de quinta-feira, o petista sugeriu ao presidente Fernando Henrique Cardoso que desse a dura resposta que, logo depois, o governo divulgaria em nota de repúdio às criticas do ministro Domingo Cavallo à política cambial brasileira.
"O governo precisa aprender que algumas questões que dizem respeito à nação necessitam do diálogo com as forças divergentes", pondera Walter Pinheiro.
Conexão eleitoral A reunião entre líderes de oposição e situação nada teve a ver com intenção de obter apoio à política econômica, nem poderia, muito menos sua realização deve autorizar interpretações que guardem qualquer relação com movimentos eleitorais. Talvez por isso, haja quem - como o ex-deputado Fernando Lyra, coordenador da campanha de Ciro Gomes - não acredite em desdobramentos.
"Aquele encontro encerra-se em si mesmo."
Ainda que seja assim, não é ajuizado pensar que aquela reunião tenha sido o único fato político produzido aqui à luz dos acontecimentos dos Estados Unidos. Nenhum dos candidatos - ainda bem - ousou fazer ainda publicamente conexões a respeito dos reflexos sobre a disputa presidencial.
Soaria mesquinho, além de parecer um debate desproporcional. Mas, afinal, em algum momento as interpretações começarão a vir a público. Nos bastidores, já se iniciaram ainda de forma muito preliminar.
Gente ligada ao marketing político, por exemplo, acha que o impacto do terror tende a favorecer candidatos conservadores e sepultar de vez candidaturas de caráter mais voluntaristas. Embora a tese favoreça o seu campo de atuação, o senador Jorge Bornhausen, considera qualquer avaliação precipitada. Mas aponta: "Foi aberta uma porta para a reflexão de que o eleitor não aceitará qualquer condescendência com ilícitos."
Referência óbvia às relações do PT com o MST, o que, diga-se, deixa o deputado Walter Pinheiro bastante indignado: "É evidente que o eleitor não fará a mais longínqua conexão entre terrorismo e a ação do MST. Além disso, o PT foi o primeiro partido a reagir conjunta e veementemente aos atentados."
Já Fernando Lyra, que acha inevitável uma alteração de rumo no debate nacional - "será que alguém vai se interessar em discutir o FMI ou a crise da Argentina?" -, não considera que o eleitorado tenderá necessariamente a escolhas mais conservadoras. "Fará sim opções mais qualificadas."
O coordenador da campanha de Ciro Gomes cita a eleição americana: "Ninguém tinha dúvida de que o Bush não estava à altura de cargo. Ele foi eleito por um defeito da democracia americana que não leva em consideração o conceito de maioria. No entanto, aceitou-se o arranjo da legislação que permitiu a posse e comprovou-se, agora nesse episódio, que ele realmente não estava à altura do cargo."
De qualquer forma, todos concordam que haverá mudanças profundas na agenda brasileira, embora a perplexidade ainda impeça que se detecte exatamente que alterações serão essas.
Editorial
Os limites que Cavallo ultrapassou
Já se tornaram rotineiras as manifestações antibrasileiras do ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo. Por diversas razões - entre as quais a grande exposição de pessoas e empresas que se endividaram em dólares -, Cavallo não pode reconhecer que a política de câmbio fixo que determina a paridade entre o peso e o dólar, por ele implantada no primeiro governo Menem, se domou a inflação e estabilizou a moeda, num primeiro momento, agora é o principal fator determinante da perda de competitividade da indústria argentina e o nó górdio que, se não for desatado, impedirá a recuperação da economia daquele país.
Como não tem condições objetivas de livrar-se da armadilha por ele mesmo criada, Cavallo culpa o Brasil pelos infortúnios da Argentina. Há três meses, na reunião anual da Associação dos Bancos da Argentina, afirmou, numa alusão direta ao Brasil, que o país que desvaloriza a sua moeda rouba os seus vizinhos. Agora, num encontro com empresários, o ministro da Economia criticou a "política de desvalorização" do governo brasileiro e, murchando as orelhas, desferiu o coice, afirmando, em tom de ultimato, que "ou o Brasil muda sua estratégia e defende a poupança de seu povo, ou vamos ter de repensar nosso esquema de integração".
O homem que acaba de determinar um corte de 13% nos salários dos servidores públicos e dos aposentados tem a ousadia de dizer que "se o Brasil continuar com a política de redução de salários e aposentadorias via desvalorização, o povo argentino não continuará a ver com agrado a parceria com esse país".
Graças a essa parceria, que há tempos o ministro Domingo Cavallo diz ser indesejada e inconveniente, desde 1995 a Argentina vem obtendo superávits comerciais que têm impedido o agravamento da crise cambial daquele país. No ano passado, apesar das desvalorizações que Cavallo tão duramente condena, o superávit foi de US$ 610 milhões. Este ano, já passa dos US$ 700 milhões e deverá bater a marca do bilhão.
Graças a essa parceria, o Brasil absorve mais de 25% das exportações argentinas, em grande parte comprando trigo, petróleo e veículos, produtos que poderiam ser adquiridos em outras praças, seguramente em melhores condições, não fosse a determinação política do Brasil de manter o Mercosul e de não contribuir para o colapso da economia do país vizinho.
Cavallo não perde oportunidade para fazer o Brasil de bode expiatório porque não pode sair da camisa-de-força do câmbio fixo, não consegue reverter as sombrias perspectivas que cercam a economia argentina e, sobretudo, porque não admite que naufraguem as suas ambições políticas de se tornar o próximo ocupante da Casa Rosada.
Daí agredir sistematicamente o Brasil, atropelando a verdade sem maiores cerimônias. Desta vez, além de confirmar que é um "casca-grossa", perdeu o senso do ridículo ao atribuir ao governo brasileiro uma "política de desvalorização" cambial, como se a grande desvalorização do real não estivesse afligindo o governo brasileiro tanto ou mais que o argentino.
Tem razão o presidente Fernando Henrique ao dizer que Cavallo "passou dos limites" - limites do bom senso e da boa educação.
O governo brasileiro também não é ingênuo a ponto de não perceber o que está por trás da proposta de Cavallo de estabelecer, entre os dois países e no quadro da coordenação macroeconômica do Mercosul, "bandas de distanciamento máximo entre as moedas". Estando o peso atrelado à paridade com o dólar, essa banda nada mais seria que a quebra do regime de câmbio flexível, ou seja, Cavallo quer que o Brasil adote o mesmo sistema que tem impedido a recuperação argentina.
Só em um ponto o ministro Domingo Cavallo tem razão. Se o relacionamento especial entre os dois países é tão penoso para a Argentina, chegou mesmo o momento de revê-lo, não se afastando a hipótese de, livre dos compromissos do Mercosul, o Brasil procurar em outras partes parceiros comerciais menos hostis. É isso o que deseja o presidente Fernando de la Rúa?
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