Discurso de Café Filho coloca o Senado como "um cenáculo da experiência, da ponderação e da austeridade"
O discurso de posse do senador Café Filho na Presidência do Senado é um dos destaques do livro de João Bosco Bezerra Bonfim. Café Filho presidiu o Senado em um período ao mesmo tempo conturbado e rico da política brasileira. Em seu discurso, pronunciado em 1951, Café Filho faz um verdadeiro inventário sobre a ação política da instituição. Afirmou, por exemplo, que a sociedade, ao criá-lo, sempre imaginou o Senado como "um cenáculo da experiência, da ponderação e da austeridade".
Segue o discurso de Café Filho na íntegra (*)
Natural há de ser a emoção de quem, alçado à eminência da cadeira presidencial do Senado brasileiro, pela vez primeira se dirige a esta augusta assembléia.
Aqui chego, depois de longa jornada, vindo de planícies distantes, através de caminhos ásperos, em que as fadigas, os perigos e as renúncias foram os acontecimentos de todos os dias. A alegria da chegada impõe-me dirija para trás o olhar, alongando a vista até o meu longínquo e pequenino estado natal, tão nobre nas tradições do seu povo generoso e bravo, a cujos anseios de liberdade tenho procurado servir, suprindo, com o fervor do meu devotamento, a desvalia do meu esforço. Meu espírito emocionado se volta, por igual, para a gloriosa terra bandeirante, onde se originou a minha candidatura, com o gesto democrático do seu ex-governador, meu eminente amigo Ademar de Barros, que, renunciando à oportunidade de reivindicar o posto para o seu estado, quis alçar-me, da humildade da minha província, à altitude deste cargo, que tantos vultos egrégios têm ocupado e dignificado.
O meu pensamento, comovido, volta-se para os trechos percorridos da estrada, bendizendo as lutas que me encheram os dias e os espinhos que tanta vez me fizeram sangrar o coração.
Tudo isso, senhores, todos esses acidentes agrestes da caminhada se avivam ante a magnitude deste lugar e desta Casa e ante as responsabilidades que aqui me aguardam, entre as quais sobressaem as que decorrem do vosso convívio e da honra de dirigir os trabalhos de tão nobre corporação.
Venho para esta cadeira com o espírito anuviado pela consciência dessas responsabilidades e da debilidade das forças com que hei de enfrentá-las.
O Senado brasileiro, Senhores, tem uma antiga e nobre tradição de responsabilidade.
Se lhes procurarmos as raízes, iremos até aqueles dias agitados em que o Brasil ensaiou os seus primeiros passos de Nação independente.
Os homens que lhe traçaram a estrutura, na Constituição de 1824, tinham diante dos olhos, quando não fosse a tradição dos conselhos dos anciãos da antiguidade, ao menos a experiência já quase cinqüentenária da grande nação norte-americana, que se constituíra, dando aos povos admirável lição de sabedoria política, no adaptar e desenvolver, em terras do Novo Mundo, instituições centenárias da Inglaterra, e lançando as bases de uma organização político-administrativa, que haveria de maravilhar o século atual e ser fecunda fonte inspiradora de direito constitucional moderno.
No Poder Legislativo da nação que, em terras brasileiras, desabrochava para a vida independente - Legislativo que era um surpreendente esforço da consciência nacional no sentido da verdadeira democracia -, bem nítido ficou o pensamento de se criar um Senado que fosse, sobretudo, um cenáculo da experiência, da ponderação e da austeridade.
Enquanto do deputado se exigiam apenas as condições normais que o eleitor devia oferecer, do senador se requeria fosse maior de quarenta anos, pessoa de saber, capacidade e virtudes, dando-se preferência a quem tivesse serviços prestados à pátria.
E foi assim que se organizou um Senado vitalício, eleito pelo povo, tendo a acentuar-lhe a feição nitidamente conservadora, a presença, na sua composição, dos príncipes de sangue maiores de vinte e cinco anos.
Como casa legislativa, iniciadora ou revisora, numa experiência de sistema bicameral, que o futuro haveria de consagrar, foram-lhe conferidos quase os mesmos poderes que à Câmara dos Deputados. Se a esta se reservava a iniciativa de algumas leis, ao Senado se assegurava competência exclusiva sobre outras matérias bem reveladoras da relevância do papel que lhe quis atribuir a primeira Constituição brasileira.
Era a mesma preocupação de responsabilidade, ponderação e sabedoria que norteara as Convencionais de Filadélfia ao fixarem a organização do Senado norte-americano.
Assim estruturado, atravessou o Senado todo o período monárquico, vendo sempre crescer o seu prestígio e enobrecerem-se as suas tradições.
Bem analisadas as alterações por que passou nas várias fases constitucionais do regime republicano, força é reconhecer a constância do pensamento de se manter esta Casa na situação proeminente que lhe coube no tempo do Império.
Assim, foi nos esforços iniciais da era republicana, traduzidos nas duas primeiras constituições, que imprimiram ao Senado as suas características definitivas de órgão de equilíbrio federativo, e, como na grande república do Norte, lhe deram a Presidência ao vice-presidente da República, a fim de que, nos casos de interesses estritamente estaduais, as bancadas pudessem ser sempre numericamente iguais nas votações.
A Carta de 24 de fevereiro de 1891, que aproximou mais o Senado brasileiro do povo, por meio da eleição direta dos seus membros, acompanhando ainda nesse passo o exemplo do que já fora adotado nos Estados Unidos, longe de diminuir, aumentou-lhe as responsabilidades, inaugurando na vida constitucional do país o pronunciamento prévio desta Casa sobre certas autoridades escolhidas pelo Executivo: os membros do Supremo Tribunal Federal, os do Tribunal de Contas e os chefes de missões diplomáticas em países estrangeiros.
A de 1934, se lhe reduziu a alçada na elaboração legislativa, reservou-lhe, em compensação, competência em assuntos de maior gravidade, exclusiva para a iniciativa de leis quais os referentes à intervenção federal e nos que interessarem diretamente aos estados. Instituiu, ao demais, uma seção permanente do Senado, composta da metade dos seus membros, para funcionar nos períodos de recesso parlamentar, com funções importantíssimas. Tirou-lhe, é certo, a exclusividade do julgamento do chefe do Estado, ministros, membros da Corte Suprema, porém, assegurou-lhe participação, por três membros, no tribunal que instituiu para esse julgamento, em igualdade de representação com a Câmara dos Deputados e o mais alto tribunal judiciário, que lhe havia de dar Presidência. Ao Senado, como à Câmara, foram então conferidos poderes - que permanecem até hoje - de convocar os ministros de Estado, para ouvi-los, quando necessário. Entre as autoridades cuja nomeação dependia de prévio assentimento do Senado incluiu-se o procurador-geral da República. O papel mais frisante, porém, que a Constituição de 1934 reservou ao Senado foi o de órgão coordenador de poderes, objeto de todo um capítulo especial. Balanceadas as atribuições que perdeu e as que conquistou, não se pode sustentar houvesse a Constituição de 1934 diminuído a competência do Senado.
No regime traçado pela Carta de 1937, o sistema legislativo do país - que não chegou a funcionar - era bem diverso, obedecendo à tendência predominante no cenário universal, naqueles dias tormentosos. Ao Senado correspondia, no Parlamento nacional, o Conselho Federal, de papel [incompleto].
A Constituição de 1946 restabeleceu, com sua feição tradicional, o Senado Federal, órgão integrante, com a Câmara dos Deputados, do Congresso Nacional, detentor do poder de legislar. A sua Presidência voltou a ser conferida ao vice-presidente da República, apenas com voto de qualidade. Como órgão do Poder Legislativo, tem quase as mesmas atribuições que a Câmara dos Deputado s, reservada a esta o início do estudo das leis financeiras, das de fixação das forças armadas e das propostas pelo Executivo, em contraposição com outras atribuições importantíssimas situadas na competência exclusiva do Senado, como o julgamento do presidente da República e dos ministros de Estado nos crimes de responsabilidade, o exame de várias nomeações do Executivo, a aprovação de empréstimos externos dos estados, do Distrito Federal e dos territórios e a alienação de terras públicas de área superior a dez mil hectares.
Essa rápida vista de conjunto na vida do Senado, através das diversas fases constitucionais do país, há de levar o observador imparcial ao reconhecimento de que não tem sofrido descontinuidade a preocupação de manter esta Casa no prestígio que teve desde os albores da nossa vida independente.
E o Senado, pela sua participação na obra legislativa e na vida político-administrativa do país, tem sabido corresponder a essa preocupação, mantendo-se num plano que em nada desmerece das suas tradições no Império e na República. O julgamento que deve receber da consciência nacional não pode deixar de lhe ser plenamente favorável. Em todos os passos da vida nacional, em todos os grandes episódios que enchem as páginas da nossa história, no Império como na República,o Senado tem sempre estado cônscio das suas responsabilidades, delas se desobrigando com exatidão e patriotismo.
Corporações essencialmente políticas, é natural que as casas do Legislativo sejam duramente criticadas pelo que fazem e pelo que deixam de fazer.
O fato não é apenas do Brasil, nem de qualquer país em particular, mas de todos os países onde funcionam assembléias legislativas.
Bem severas têm sido as críticas ao Congresso norte-americano, como ao argentino, que nos serviram de modelos.
Argúi-se, principalmente, contra as casas legislativas, a sua pouca produtividade, além do excesso de tempo gasto com as questões políticas.
O trabalho de uma agremiação dessa natureza não pode ser aferido pelo número de leis que produza, nem pelos discursos políticos que se ouçam no seu plenário. É mister se não esqueça a tarefa beneditina das comissões, onde os assuntos são estudados detidamente antes que cheguem ao plenário. E não se devem perder de vista as condições desfavoráveis em que se processa tão relevante tarefa em luta permanente com a falta de tudo, desde instalações materiais adequadas até os requisitos mais elementares de assistência técnica, para investigações, estudos, planejamentos.
No que diz respeito ao Legislativo brasileiro, não tem a nação de que estar descontente com o seu funcionamento, nesta nova fase das instituições, após a tempestade que convulsionou o mundo, e pôs à prova a vitalidade do espírito democrático universal.
Um exame sereno da obra executada nesses quase cinco anos mostra o muito que o Congresso tem trabalhado no Brasil. Algumas grandes leis de importância ao nosso patrimônio legislativo, a recomendar o patriotismo e a sabedoria dos legisladores brasileiros.
As responsabilidades de quem se veja elevado pela confiança da nação à dignidade desta Presidência crescem sobremaneira de vulto ao se recordarem os varões que por ela pensaram, cujos nomes ficaram definitivamente inscritos nas páginas da nossa história, como credores do reconhecimento nacional por grandes serviços à pátria. Seja-nos permitido recordar alguns dos que mais enalteceram este posto:
No Império, o marquês de Santo Amaro; o Pedro Diogo Antônio Feijó; o visconde de Abaeté; o barão de Cotegipe; e o visconde de Sinimbú.
Na República: Prudente de Morais; Manoel Vitorino; Rosa e Silva; Afonso Pena; Nilo Peçanha; Quintino Bocayuva; Wenceslau Braz; Urbano Santos; Delfim Moreira; Pinheiro Machado; Antonio Azeredo; Bueno de Paiva; Estácio Coimbra; Mello Vianna; Medeiros Netto e Nereu Ramos.
Quanto me confortaria o coração de brasileiro e de político poder sublinhar, nessa enumeração de grandes valores da nacionalidade, os nomes de dois concidadãos cuja atuação no cenário político nacional, onde se projetaram por títulos inesquecíveis, continua a desenvolver-se ante os olhos da nossa admiração - Mello Vianna, o digno mineiro que, depois de ocupar por um quatriênio a cadeira presidencial do Senado, voltou a dar ilustre a esta Casa, no exercício, nos últimos cinco anos, da sua vice-presidência; e, por último, a figura inconfundível de Nereu Ramos, de cuja passagem o Senado ainda guarda bem vivaa recordação, nos marcos luminosos de uma grande Presidência.
A figura do vice-presidente da República, inovação norte-americana no sistema institucional que inspirou as cartas políticas de tantas nações, inclusive a nossa, não devia e não podia ter como destino apenas um papel decorativo e, quiçá, inútil, como pareceu a críticos apressados e superficiais.
Quiseram os pioneiros do regime que adotamos escolher, simultaneamente, um chefe supremo da Nação e outro mandatário que, como ele, tivesse os seus atributos e a sua folha de serviços examinados pela consciência nacional e fosse, sabidamente, o cidadão responsável pelo ônus pesadíssimo da substituição mais alta que, a qualquer momento, pode ocorrer na República.
Não o imaginaram, entretanto, apenas um servidor em estado potencial durante todo o tempo do mandato. Deram-lhe atribuições, não no Executivo, mas no Legislativo. E, marcando-lhe o posto com o sinal indiscutível da grave responsabilidade de um imenso crédito na confiança, colocaram-no na Presidência do Senado, do órgão que é, por excelência, a expressão do equilíbrio e da ponderação, no que diz respeito aos interesses do país. Puseram-no à frente dessa alta corporação, para dirigi-la como juiz, destituído das insígnias partidárias, eqüidistante dos interesses políticos, livre de compromissos regionais, sem possibilidade de interferência nos pronunciamentos, salvo nos casos de empate.
Não é só pelo voto de desempate, aliás de ocorrência raríssima, que o presidente há de colaborar na vida legislativa do Senado. As suas funções, se as quiser exercer como devem ser exercidas, com que se lhe possa, depois, atribuir inexatidão no cumprimento dos deveres que a nação lhe conferiu, há de lhe exigir, inevitavelmente, grande soma de energias, esforço e atividades.
E se ao vice-presidente da República cabe, no trabalho legislativo e político desta Casa, tão absorvente atividade diária, a contrastar com o seu papel de órgão do Executivo, apenas em estado potencial, por que lhe há de negar a condição de membro do Legislativo?
A sua tarefa de todos os dias é no Legislativo. Só excepcionalmente lhe será dado exercer funções no Executivo. Pode acontecer até, transcorra todo o seu mandato, sem se apresentar tal eventualidade, não obstante ter sido afanosa a sua atividade no Legislativo.
Razão tinha, pois, o presidente Nereu Ramos ao declarar, em discurso recente perante o Senado, não considerar o vice-presidente da República órgão do Executivo, mas, sim, do Legislativo.
Esse conceito, aliás, já encontrou consagração recente em julgado unânime da mais alta Corte de Justiça Eleitoral do país, cujas palavras não fujo ao desejo de aqui reproduzir:
"O vice-presidente, pela técnica adotada pela Constituição, teve as suas atribuições normais definidas no art. 61, quando lhe foi deferido o exercício das funções de Presidente do Senado Federal."
Não faz parte do Executivo, e sim do Legislativo, pois o Executivo, em face do art. 78 da Constituição, é exercido pelo presidente da República, e só por ele.
O vice-presidente, em face do texto da Constituição, só se considera integrado no Executivo quando substitui ou sucede o presidente.
Fora disso, está incluído no Legislativo, presidindo o Senado."
Já vos denunciei, sem reservas, o quanto me anuvia o espírito a perspectiva dos deveres que me aguardam nesta Casa, em contraposição com a fragilidade das forças de que me disponho para cumpri-los.
Para a realização da obra em que devo acompanhar-vos, venho, porém, animado de um sincero desejo de cooperação, de um profundo anseio de ser útil ao Brasil, ao regime, ao Legislativo e ao Senado da República.
A uma nítida compreensão da honra que o povo brasileiro me conferiu corresponde, em meu espírito, um empenho infatigável de mostrar-me digno dela.
Para a tarefa que havemos de realizar em comum, com a sinceridade do meu idealismo, o humilde contingente de uma experiência parlamentar, haurida, sobretudo no campo árduo da oposição.
Do trato com as coisas da vida legislativa brasileira, em mais de um decênio, ficaram-lhe algumas impressões, que já me permiti manifestar de público, ao receber o diploma que me proporcionou o privilégio dirigir-vos a palavra neste instante.
A obra legislativa do país está a solicitar um esforço de articulação que possibilite um melhor aproveitamento das atividades que se congregam para a delicada missão de elaborar leis para o Brasil.
Não devem as casas do Congresso Nacional ser compartimentos estanques, cada qual mais ou menos interessada da atividade da outra. Não se justifica multiplicidade de iniciativas sobre matérias idênticas, nem diversidade de rumos, nem conclusões colidentes ou antagônicas numa obra que se deve realizar com o sentido de unidade que há de imperar sempre na vida nacional, como impera em toda a criação.
Câmara e Senado, dentro do Poder Legislativo, devem ajustar-se e completar-se num funcionamento harmônico como o de partes integrantes de um organismo vivo e palpitante. Legislativo, Executivo e Judiciário não se devem comportar, na rigidez exagerada de atitudes de indiferença recíproca, qual se, ao invés de parcelas de um mesmo todo, fossem peças desarmônicas de uma construção exótica. Une-os entre si a identidade dos propósitos, que são os de servir à Pátria comum.
Por que, pois, se evitarem, num excesso de rigorismo de fronteiras que, em verdade, não existem perfeitamente definidas, uma vez que a realidade está a mostrar quanto se interpenetram para que bem se articulem?
E vale lembrar, a propósito, aquela sensata observação de Willoughby sobre a separação dos poderes - em verdade separação incompleta de poderes - no regime institucional do seu país, que serviu de modelo ao nosso. Princípio julgado fundamental ao sistema constitucional que lá, como aqui, se adotou, as necessidades práticas de um eficiente governo impediram tivesse completa aplicação. E foi assim que desde o começo da vida constitucional da grande nação do Norte se sentiu a necessidade absoluta de investir cada um dos três poderes de certos atributos que, pela sua essência, não lhe deveriam pertencer. Aos tribunais se deram atribuições essencialmente do Executivo, de fazer determinadas nomeações; ao Executivo a função legislativa do veto e a judiciária de perdoar; ao Legislativo os poderes judiciários do impeachment, os de julgar certas autoridades, e, através do Senado, a competência executiva de participar da escolha dos titulares de certos cargos públicos.
Vozes autorizadas no Parlamento brasileiro já se têm levantado para pôr em foco os inconvenientes da falta de articulação das duas Casas entre si e do Legislativo com o Executivo, na elaboração legislativa, mormente no que toca ao orçamento.
São bem recentes as observações de um dos mais altos valores desta Casa - o Senador Ferreira de Souza - em palavras lapidares sobre o orçamento da Receita para o ano em curso.
Referindo-se aos defeitos da elaboração orçamentária, assinala:
"O mais importante é, evidentemente, a falta de colaboração entre o Executivo e o Legislativo. Não se trata de colaboração no puro rigor constitucional, senão de colaboração por assim dizer política. Os poderes públicos não podem viver afastados, entendendo-se apenas por via protocolar ou burocrática. A separação e harmonia dos poderes comporta e exige entendimentos pessoais constantes entre os membros respectivos, discussões particulares de projetos e de planos, presença do Executivo no Legislativo pelos seus ministros, pelos líderes das diversas correntes partidárias, relatores dos projetos financeiros e de outros nas comissões parlamentares e presença das correntes legislativas no Executivo".
E acrescenta:
(...) Urge, assim, se comuniquem e se entendam os membros do Executivo entre si e os do Legislativo com os do Executivo, este sob a direção do presidente da República.
(...)
A relativa indiferença dos dois poderes dá lugar a leis financeiras que não se executam, a orçamentos nada orgânicos e nada condizentes com um plano unitário, prenhes de verbasinhas sem significação e sem utilidade, mais descrições de problemas, mais catálogo de pretensões e de desejos que programa sistemático de trabalho durante o exercício.
E finalmente:
Outro defeito está na deficiente combinação entre as duas Casas do Congresso, redundando na ablação de uma função substancial em matéria legislativa - a revisão.
Ninguém melhor queo nobre representante do meu estado retrataria a situação. As mesmas observações se ajustam a toda a elaboração legislativa e não apenas à dos orçamentos e das leis financeiras.
É sabido, por outro lado, o papel preponderante que tem, na feitura das leis, a Câmara iniciadora, que, devendo dizer a última palavra sobre os seus projetos, pode anular por completo a colaboração da revisora, se não houver um perfeito entendimento entre ambas.
Nesse particular, o projeto do Regimento Comum, em fase de conclusão, já dá um passo no sentido de uma colaboração mais íntima entre as duas Casas, quanto à apreciação, pela iniciadora, das emendas da revisora, possibilitando a esta acompanhar os trabalhos daquela através de comissões para esse fim especialmente designadas.
Não nos parecem, todavia, suficientes essas medidas. Há mister de um órgão que exerça permanentemente a missão de coordenar os esforços dos dois ramos do Congresso e deste com o Executivo e com o Judiciário, objetivando aplainar divergências, levando a cada Câmara a orientação predominante na outra, procurando denominadores comuns, que lhes harmonizem as soluções dos problemas, pondo-se em contato, quando necessário, com os órgãos competentes para manifestar o pensamento dos outros poderes e, em suma, realizando o congraçamento de todos em torno dos supremos interesses do país.
Tal é o papel que, a nosso ver, o vice-presidente da República, na sua condição de presidente do Congresso Nacional, deve e pode realizar.
Essa a função que vislumbro na órbita das atividades do detentor do posto a que me conduziu a confiança da Nação como o coroamento da missão, de presidir o Senado, e, por via dessa a Presidência, o Congresso Nacional.
Esse o programa que me proponho para os dias em que, por mercê do mandato recebido, haja de estar ao vosso lado, para o desempenho de tarefa comum, de servir ao Brasil.
Enunciado, em várias oportunidades, esse modo de entender os meus deveres, é com satisfação que recolho, daqui e dali, palavras de aplauso que neleme afervoram ainda mais. Dentre eles, não resisto à satisfação de registrar, pela alta autoridade de quem as profere, as do eminente deputado Costa Neto, relator da Grande Comissão que elaborou a Constituição vigente, e as do Dr. Otho Prazeres, um dos mais dedicados estudiosos dessesassuntos.
Para a realização de tão destemeroso intento é bem de ver que não posso contar apenas com o meu esforço individual.
Indispensável se me torna ter, como base de toda a minha atividade, além da simpatia a colaboração constante dos que, nas duas Casas do Legislativo, representam a Nação nas forças vivas, da sua consciência política.
E, por fim, da ajuda, sempre preciosa, da imprensa, na crítica justa, na advertência oportuna, no focalizar defeitos no trabalho realizado ou desacertos nos rumos traçados e no refletir as reações da opinião pública em face das matérias em estudo. À imprensa, em cujos quadros iniciei a minha vida pública, devo algumas das melhores inspirações que me têm sorteado a atividade política. A ela faço empenho em prestar contas, sem reticências e sem restrições, dos meus atos e das minhas atitudes, porque por ela é que me é dado chegar até a intimidade de cada um dos concidadãos, que me prestigiaram com os seus sufrágios ou com a sua oposição, cujo sentido o político não pode desprezar.
É para a realização dessa tarefa que vos conclamo a todos, senhores senadores, tendo de antemão a certeza de que não me faltarão a vossa ajuda de cada dia, o conselho da vossa experiência, a advertência da vossa sabedoria e as inspirações do vosso patriotismo, para o ideal comum de trabalhar pelo engrandecimento do Brasil.
(*) Discurso pronunciado por Café Filho (PSP-RN) em 16 de março de 1951, 39ª Legislatura.
08/03/2006
Agência Senado
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