Efeito Lula assusta bancos e derruba mercado



 





Efeito Lula assusta bancos e derruba mercado
ABN Amro recomenda menos investimento no País e Bovespa tem a maior queda desde 2001

O fator Lula voltou ontem a provocar turbulências no mercado: a decisão do banco holandês ABN Amro de recomendar a seus clientes a redução da exposição a títulos da dívida externa brasileira - citando como fatores o crescimento da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a deterioração dos fundamentos econômicos - levou a uma forte alta do dólar e do risco país e a uma queda expressiva da bolsa. Na segunda-feira, o Morgan Stanley e a Merrill Lynch fizeram recomendações semelhantes, o que também havia causado nervosismo entre os investidores. Nesse cenário, a bolsa caiu 4,18%, registrando a maior queda desde 28 de novembro; o dólar subiu 1,44%, e fechou em R$ 2,396, o mesmo nível registrado em 25 de fevereiro; e o risco país pulou de 856 para 883 pontos (8,83 pontos porcentuais acima dos títulos do Tesouro americano).

O economista-chefe para mercados emergentes do ABN Amro, Arturo Porzecanski, disse que a combinação do aumento do risco político com a ascensão de Lula nas pesquisas e a piora dos fundamentos econômicos foi o que mais pesou na avaliação do banco para rebaixar a dívida brasileira de "overweight" (acima da média do mercado) para "neutral" (na médida do mercado).

Além da liderança do petista e da estagnação do senador José Serra (PSDB-SP) nas pesquisas, Porzecanski afirmou que o comportamento da inflação - pressionada pela alta do petróleo - e do crescimento - abaixo das projeções - também influenciaram sua decisão. O economista mencionou ainda a interrupção no processo de redução das taxas de juros pelo Banco Central e o desempenho fiscal. "A meta de superávit primário (resultado das contas públicas excluindo o pagamento de juros) do primeiro trimestre foi atingida a duras penas. Ou seja, quando se soma a esse cenário o risco político, temos uma mudança de perspectiva para os ativos."

Ele disse que o ABN Amro não quer estar "na linha de tiro" como ficaram a Merrill Lynch e o Morgan Stanley depois de rebaixar a dívida brasileira.

Porzecanski refuta as críticas de candidatos, como Lula, e de analistas brasileiros, de que os bancos de Wall Street estão interferindo na vida política brasileira ao fazer tais recomendações. "É um dever que temos com os clientes de alertá-los sobre o que pode acontecer com seus investimentos.

A acusação contra os bancos em Wall Street é ridícula, pois fazemos essa tarefa de mudar recomendações rotineiramente. Se alguém interferiu nos mercados, foram os analistas e economistas do Brasil que circularam por meses rumores danosos e perigosos contra a Argentina."

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, entende que o mercado deverá passar por momentos de grande instabilidade nos próximos meses, por causa das incertezas no cenário político. Para ele, as decisões dos bancos são precipitadas, pois as pesquisas atuais têm pouca importância, já que boa parte dos eleitores só decide em que votar às vésperas da eleição. Loyola ressalta, no entanto, que esse movimento do mercado "é natural", pois os investidores não gostam de mudanças. Segundo ele, o temor do mercado é que o PT adote uma política econômica que leve à alta da inflação e ao descontrole das contas públicas, embora afirme que houve uma "evolução notória" no discurso do PT. A maior parte do mercado, por exemplo, não acredita que o partido dará um calote na dívida. Mesmo assim, há muita desconfiança em relação ao que seria um governo do PT, diz ele. O vice-presidente de mercados emergentes do banco JP Morgan em Nova York, Drausio Giacomelli, resume a posição dos investidores:

"É difícil apagar completamente da memória o que integrantes do partido já falaram. Os mercados sabem que onde tem fumaça pode ter fogo. Mesmo que o investidor não ache que vai ter moratória, por precaução, ele cobra um prêmio de risco maior." É esse temor que explica a venda de títulos da dívida externa - o que provoca o aumento do risco país - e a compra do dólar, considerado um porto seguro em momentos de turbulência.

Mas, contrariando o pessimista que tomou conta de Wall Street, o ING Barings decidiu manter a recomendação "overweight" para os títulos brasilleiros. O economista-chefe para a América Latina do ING, Larry Krohn, entende que é possível que Lula cresça ainda mais nas próximas pesquisas, mas diz que isso já é esperado. principalmente por causa do tempo de televisão. "No entanto, esperamos que em algum ponto no futuro aconteça uma reversão dessa situação."


Presidente do ABN no País não concorda com opinião de analistas
O presidente do ABN Amro Banco Real, Fábio Barbosa, afirmou que discorda do rebaixamento da recomendação para investimentos no Brasil feita ontem por analistas de seu próprio banco. "Os executivos do ABN Amro não compartilham as posições manifestadas em um relatório sobre mercados emergentes. Os analistas têm independência para fazer suas recomendações", disse Barbosa.

"Nós acreditamos que a economia brasileira tem fundamentos sólidos e defendemos o pluralismo de idéias como sendo fundamental para o processo de uma democracia em evolução", afirmou o presidente.

Barbosa acrescentou que o ABN Amro continuará a investir no País: "O Brasil é o terceiro pilar de nossas operações globais, ao lado da Holanda e dos EUA."


FHC diz que não aceita intromissão externa
Planalto rejeita as avaliações de fora e lembra que contas estão sob controle

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso revelou ontem a assessores diretos que não vai deixar que a governabilidade de sua administração seja atingida pelo jogo do mercado internacional. Por isso, refutará todas as tentativas de intromissão em assuntos internos, particularmente os econômicos, como ocorreu com as agências de avaliação de risco, no início da semana.

Ele não aceita, por exemplo, que essas agências se intrometam dando declarações sobre a situação econômica brasileira, como se as contas públicas não estivessem sendo controladas. O presidente tem falado, e vai continuar reiterando, que o controle dos gastos públicos e do déficit fiscal é prioridade do governo e que, todos, no País, têm plena consciência disso.

Para o governo, quem sabe o que é bom para o País é o seu povo ou quem foi ou for eleito por ele. Além disso, os ataques pessoais e políticos, como os feitos anteontem pelo candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva - ao afirmar que o presidente não deveria tomar, daqui por diante, medidas que possam interferir na gestão do próximo presidente - também não ficarão sem resposta (o que ele já mostrou ontem, ao advertir Lula contra o "salto alto" antes da vitória nas urnas). Os ataques ao candidato do PSDB, José Serra, no entanto, terão de ser respondidos pelo pré-candidato tucano.

Pela CPMF - Uma evidente demonstração de que o Brasil sabe da importância desse controle de gastos são os repetidos apelos que o presidente tem feito, aos deputados e senadores, para que o Congresso aprove o mais rápido possível a prorrogação da CPMF. Ele entende que esta seria uma demonstração de maturidade dos parlamentares, por facilitar o ajuste econômico e possibilitar a continuidade das metas econômicas.

Por isso, a partir da semana que vem as atenções do Planalto estarão voltadas para apressar o andamento da CPMF no Senado. O presidente sabe que, quando o Congresso quer, consegue aprovar tudo em até 15 dias,Mas, como não quer ter de correr atrás do prejuízo, o governo abriu duas outras frentes para tentar compensar o atraso na votação do texto.

Uma delas é promover uma série de reuni ões apartir da semana que vem. Outra, já providenciada, foi estudar alternativas para compensar essas perdas, como o crescimento do IOF e cortes de gastos, que não atingirão as áreas de educação e saúde.

O terceiro ponto, que Fernando Henrique também pretende atacar, é conseguir apoio no Congresso para a tese da Advocacia Geral da União (AGU) segundo a qual a noventena - prazo previsto em lei para que a cobrança de um imposto entre em vigor - não precisa ser respeitada. O Planalto entende que, no caso específico do novo texto da CPMF, não é preciso esperar 90 dias para iniciar a cobrança, porque não se trata de um novo imposto, mas apenas de uma prorrogação.

Se a CPMF for aprovada, por exemplo, em 15 de junho, quando o seu prazo expira, e a noventena não for derrubada, o prejuízo do governo deve chegar aos R$ 4,8 bilhões. O Planalto tem pressa na aprovação da contribuição porque sabe que, depois que entrar a Copa do Mundo, nada mais será votado no Congresso. A estimativa é que as últimas votações aconteçam na primeira semana de junho.


Bolsa cai até 'quando o Grêmio perde', reage Lula
Ele critica fragilidade do mercado e alega que desvalorização dos papéis é anterior à candidatura

EREXIM - O pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deu pouca importância ontem à agitação do mercado financeiro depois do anúncio do banco ABN-Amro.

Segundo ele, tentar vincular o rebaixamento de títulos brasileiros à campanha eleitoral é o mesmo que "ligar a desvalorização a um jogo de futebol". "Todo dia a bolsa de valores cai. Cai quando o Grêmio perde, quando o Inter ganha, quando o Corinthians empata. Todo o dia ela cai; todo dia ela sobe", afirmou o petista, que esteve em Erexim, no Rio Grande do Sul, para gravações do seu programa eleitoral.

Segundo Lula, a bolsa de valores é muito "frágil" no País. "Temos hoje na maior bolsa do Brasil apenas 450 empresas colocando dinheiro e ações, quando na verdade nós precisamos é que tenha milhares de empresas, que tenha o povo acreditando na bolsa."

O petista destacou que as desvalorizações dos papéis brasileiros são anteriores à sua candidatura.

"A gente tem de estar muito mais preparado a elaborar um modelo de desenvolvimento para o país para voltar a crescer do que ficar preocupado com o relatório de um banco."

Questionado se o comportamento do mercado pode mudar o direcionamento da campanha do PT, Lula salientou que a "estratégia é ganhar as eleições".

"Vamos trabalhar com muita humildade, viajar o Brasil e apresentar as alternativas que nós temos de apresentar para o Brasil", afirmou.

O petista não quis falar se, num eventual governo, mudaria sua estratégia por causa das desvalorizações dos títulos brasileiros. "Primeiro vamos ter de ganhar. O PT vai ter de trabalhar muito. Vamos ter de ter muita humildade e tranqüilidade. Não temos de estar preocupados com pesquisas neste momento e nem com relatório de banco. Temos de ter duas preocupações: apresentar um programa factível e depois viajar o Brasil para ganhar as eleições."

Adultos - Sobre a hipótese de uma reaproximação do PFL com o PSDB e o PMDB, Lula foi enfático. "Não é um problema do PT. O PMDB é adulto, o PFL é adulto, o PSDB é adulto. Eles fazem o que quiserem. Nós estamos preocupados neste momento em manter nossa conduta de campanha, muita tranqüilidade, humildade e dar respostas concretas àquilo que o povo espera que o PT dê, que o Brasil possa garantir ao seu povo melhor qualidade de vida."

Durante a entrevista, o petista citou a palavra humildade pelo menos três vezes. Na quarta-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso havia cobrado "mais humildade" de Lula. Ele alertou o candidato do PT, que é o líder nas pesquisas de intenção de votos, sobre "botar o sapato alto antes da hora."

Segundo Lula, Fernando Henrique "não lhe deu conselho nenhum". "O presidente deve ter lido alguma coisa que eu venho falando nos últimos 30 dias, que 'a gente não deve ficar alegre quando sobe nas pesquisas, e nem chorar quando cai, porque o jogo nem começou...'" O candidato petista não quis comentar sobre eventual aliança do PT com o PL.

"Quem cuida disso é a direção do partido. Eu sou candidato, e estou na rua fazendo campanha e não estou preocupado com alianças. Não me envolvo", disse "É um problema da direção partidária - tanto do PT quanto do PL", encerrou rapidamente Lula antes de deixar Erexim, no norte do Rio Grande do Sul, onde foi gravar o seu programa eleitoral explorando a agricultura familiar.


Para Mantega, situação é 'momentânea e reversível'
Assessor econômico do candidato rejeita hipótese de que haveria 'onda de pessimismo'

O economista Guido Mantega, principal assessor econômico do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), rejeita a hipótese de que há uma "onda de pessimismo" em relação ao Brasil, provocada pelo crescimento da candidatura Lula. "A repercussão de hoje não é de longo prazo", avaliou. "É uma situação momentânea e reversível."

Segundo ele, a decisão do ABN Amro de reduzir a recomendação dos títulos da dívida brasileira é minoritária. Além do banco holandês, os norte-americanos Morgan Stanley e Merrill Lynch rebaixaram os títulos do Brasil na segunda-feira.

"Se fosse uma situação de consenso dos analistas, eu teria receio de que a profecia se auto-realizasse", afirmou, lembrando que as agências de risco Moody' e Standard & Poor's reafirmaram o rating soberano do País. Mantega ressaltou que as advertências de instituições financeiras e também de políticos sobre as conseqüências negativas de uma eventual vitória do PT podem ser "um tiro no pé". Quando rebaixam os títulos brasileiros no exterior, esses bancos afetam a economia do País no momento e não apenas a do próximo governo.

"Isso pode provocar a redução do investimento externo no País, o que seria uma pena", declarou o economista. Segundo ele, a candidatura de José Serra (PSDB) também pode ser prejudicada. "Há uma correlação entre o desempenho da economia e da candidatura Serra", afirmou. "Se o desempenho for medíocre, o candidato tem pouco a apresentar (para os eleitores)."

Estímulo - Para o deputado Aloizio Mercadante (SP), um dos coordenadores do programa econômico do PT, a reação da equipe econômica foi insuficiente. Ele acredita que o governo não só foi omisso diante dos rebaixamentos como estaria "estimulando" o clima de instabilidade no País, para favorecer Serra.

"Alguns pronunciamentos do ministro Pedro Malan no exterior são parte de uma estratégia explícita para criar o clima de 'quanto pior melhor'", afirmou.

Segundo o deputado, que ao contrário de Mantega não descarta uma onda de pessimismo sobre o Brasil, não existe "fator Lula", mas uma série de elementos que contribuem para a instabilidade macroeconômica, a começar pela crise fiscal, provocada pela perspectiva de queda na arrecadação com o atraso da CPMF. Ele destaca ainda a pressão do sistema financeiro sobre o FMI e o governo americano para criar mecanismos de socorro a investidores internacionais. "O pretexto do sistema financeiro agora é o processo eleitoral no Brasil."


Serra defende 'barganha' no comércio exterior
Tucano afirma que País deve aprender a recorrer a soluções alternativas

RIBEIRÃO PRETO - O candidato José Serra (PSDB) afirmou ontem que o Brasil precisa utilizar instrumentos alternativos para avançar nas negociações de comércio internacional. Segundo ele, o País tem de "aproveitar a definição sobre a TV digital e escolher o modelo (europeu, americano ou japonês) do país que, em troca, eliminar barreiras à nossa agricultura".

Outro exemplo de "barganha" por ele citado foi a concorrência, que está por ser decidida, para a compra de aviõe s para a Força Aérea Brasileira.

"Devemos comprar aviões de países que nos ofereçam algo em troca", explicou.

"Temos que ter claro que o comércio exterior envolve poder. Assim atuam os Estados Unidos, a Europa e o Japão. E assim teremos de atuar." Durante uma visita à feira de agronegócios Agrishow, que acontece em Ribeirão Preto, Serra lembrou que os países desenvolvidos gastam juntos US$ 1 bilhão por dia em subsídios agrícolas.

Serra foi aplaudido por empresários do setor de agronegócios ao defender a redução de impostos como o IPI para as exportações de máquinas e equipamentos agrícolas. Prometeu a criação de um seguro agrícola para o produtor rural e sustentou que o governo Fernando Henrique "fez mais para o campo do que todos os outros governos juntos. Se ainda falta fazer? Falta. Mas estamos no caminho certo."

O ex-ministro da Saúde considerou um equívoco a declaração do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a qual o País deveria parar de exportar alimentos para alimentar a população.

"Temos que alimentar a população, sim, mas temos que exportar cada vez mais, pois é com exportação que vamos gerar salário e emprego para as pessoas poderem cobrar mais comida", observou.

Efeito Lula - Segundo Serra, não há razão para que o mercado financeiro internacional rebaixe os indicadores do Brasil por causa da liderança de Lula nas pesquisas. "Não há motivo realista para isso.

Os banqueiros americanos ainda pensam que a capital do Brasil é Buenos Aires", ironizou.

Segundo o candidato, os bancos não deveriam ficar encomendando pesquisas de opinião com tanta antecedência das eleições. "Pesquisa reflete tanto a realidade quanto debate de futebol."

Vice - Serra afirmou ainda que o candidato a vice-presidente em sua chapa "sem dúvida vai ser do PMDB" e provavelmente do Nordeste. Ao seu lado, o presidente do PMDB, deputado Michel Temer, reiterou a aliança e afirmou que o nome do vice deve ser definido até o fim de semana.

"Estamos discutindo algumas possibilidades e o Henrique Alves é um nome forte." Alves deputado federal do Rio Grande do Norte pelo PMDB. "É o partido que vai definir o nome e depois me falar", afirmou Serra. "Quero uma coligação que me dê maioria para ganhar e para governar."

O pré-candidato tucano evitou criar mais rixas com o PFL, partido de Roseana Sarney. "O PFL é governo e quero que ele continue no governo. Não fizemos nada para desfazer a aliança mas vamos fazer o possível para refazê-la.

A visita de Serra a Ribeirão Preto terminou com um churrasco oferecido, à noite, pelo amigo e ex-presidente do Incra, Francisco Graziano, em uma propriedade próxima, com a presença de grandes produtores e empresários do setor agrícola. (Colaborou Kelly Lima).


Artigos

O paradoxo "ambiental"
Washington Novaes

Já há algum tempo se repete um paradoxo em foros internacionais que discutem as chamadas questões ambientais. De um lado, os ditos ambientalistas (como se alguém pudesse não sê-lo), vistos pelos demais como sonhadores, irrealistas, utópicos; do outro, os ditos realistas, que teriam pés no chão, fundados em verdades científicas. Curiosamente, entretanto, são os primeiros que apresentam números sobre a devastação, a insustentabilidade, a necessidade de novos padrões de consumo - enquanto os outros confiam em novas tecnologias que trarão soluções mágicas e permitirão expandir indefinidamente o consumo e modelos já insustentáveis.

Na recente reunião das partes da Convenção da Diversidade Biológica, na Holanda, embora não tenha sido apenas isso, o quadro de certa forma se repetiu, com um confronto entre essas visões.

De que mundo se está falando quando se trata de biodiversidade?

Se dermos crédito ao "papa" dessa área, o entomólogo norte-americano Edward O. Wilson, em seu recém-publicado livro O Futuro da Vida (Editora Campus), "no final de 2001 a natureza está desaparecendo diante dos nossos olhos, retalhada, esmagada, arrasada, substituída por artefatos humanos (...).

Estamos à beira de um apocalipse (...). Nossa única esperança é saber gerenciar com parcimônia os recursos que nos restam".

Isso exigirá, entretanto, mudanças profundas. Wilson lembra que hoje são necessários em média, no mundo, 2,1 hectares de terras e águas produtivas por pessoa, para atender a nossas necessidades de alimentos, habitação, energia, transporte, comércio, eliminação de resíduos. Nos Estados Unidos, no entanto, essa média sobe para 9,6 hectares por pessoa, enquanto nos chamados países em desenvolvimento não passa de 1,6 hectare. Se o padrão de consumo fosse igualado para todos os habitantes da Terra, precisaríamos de quatro planetas como este, diz ele - na mesma linha do Living Planet Report 2001 (Pnuma-WWF), já citado aqui.

Se a economia mundial crescer a 3% ao ano até 2050, lembra Wilson, o produto interno bruto mundial passará dos US$ 31 trilhões de hoje para US$ 138 trilhões - e isso não seria viável, não haveria recursos para tanto, nem seria suportável o nível de degradação e poluição. É urgente implantar outra visão. "Talvez tenha chegado a hora de parar de chamá-la de ambientalista", sugere ele.

Uma das curiosas possibilidades com que exemplifica é a de renunciar ao consumo de carne: "Se todos aceitassem uma dieta vegetariana, o atual 1,4 bilhão de hectares de terras aráveis seria suficiente para produzir alimentos para 10 bilhões de pessoas" (a previsão para 2050 está em entre 8 bilhões e 9 bilhões). Difícil e complicado, mas lógico.

Se não for por caminhos de redução do consumo, "no ritmo atual um quinto das espécies de plantas e animais estará extinto ou fadado à extinção em 2030 e metade até o final do século 21. (...) O homem está hoje desempenhando o papel de um assassino planetário, preocupado apenas com sua sobrevivência a curto prazo".

Palavras muito fortes. Mas Wilson acha, por exemplo, que preservar apenas 10% das florestas tropicais, a amazônica aí incluída, é pouco: a floresta não se salvaria. E a conservação de florestas foi exatamente o tema mais polêmico da reunião da Holanda, com os "ambientalistas" exigindo moratória imediata no corte de florestas primárias e os países detentores destas - Brasil incluído, ao lado da Malásia e outros aliados - argumentando que é preciso pensar também em uso sustentável, exploração econômica adequada.

Além do mais, seria preciso que os países mais ricos - que são os maiores consumidores das madeiras - aceitassem discutir também sua responsabilidade, contribuíssem com recursos financeiros para as soluções.

Ao final, aprovaram-se 131 medidas e recomendações, sem sanções para o não-cumprimento - o que os "ambientalistas" consideram pouco. Já os diplomatas e outros negociadores entendem que os avanços foram importantes e significativos, na medida em que cada país assume compromissos e metas até 2010, aí incluída uma estratégia global de conservação de espécies vegetais, e terá de implantar sistemas sustentáveis de uso não apenas em florestas, mas também em áreas agrícolas e de pastagens, assim como no comércio internacional. Mas serão precisos "recursos novos e adicionais" que os países mais ricos deverão fornecer (na década decorrida desde 1992, esses recursos diminuíram).

Retorna-se a Edward Wilson: "A criação de uma ética para o meio ambiente é a única forma de a humanidade e o resto da vida terrestre conseguirem passar pelo gargalo em que nossa espécie imprudentemente se meteu." Mais duro ainda: "A trilha do Homo sapiens, o assassino em série da biosfera, chega aos recantos mais remotos do planeta."

Não se pense que Wilson seja um fatalista: "Nem tudo está perdido. Sabemos o que fazer. Talvez ainda haja tempo para agir." E, a seu ver, a bioprospecção, com um mínimo de danos ao ambiente - um dos temas polêmicos em Haia, por causa da biopirataria - "é o caminho do futuro", porque "toda espécie é uma biblioteca viva", da qual pouco ou nada sabemos e extinguimos antes de saber. (...) "Conservar a diversidade biológica é investir na imortalidade".

A responsabilidade do Brasil, nesse caso, é enorme, pela considerável parte da diversidade biológica que se encontra aqui. Mas, em compensação, grande parte do futuro pode estar aqui, se formos competentes.

"Acredito", afirma Wilson, "que faremos a escolha correta. Uma civilização capaz de intuir a existência de Deus e iniciar a colonização do espaço certamente encontrará um meio de salvar a integridade deste planeta e as formas magníficas que ele abriga."

Nesse caso, provavelmente terá de "recuperar a relação com o sagrado", da qual fala o biólogo Paulo R. Ehrlich. Mas esse já é outro papo.

Obs.: No artigo A saga perto do fim (14/4), por distração, houve uma inversão entre as áreas indígenas cinta-larga e macuxi, respectivamente em Rondônia e Roraima. Peço desculpas.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Queremos melhoramentos!
O assunto do momento é a clonagem. Todo dia aparece um bicho novo clonado em laboratório. E não se ficou em ovelhas e galinhas, mas se chegou aos macacos - um passo, claro, para a clonagem humana, que, na novela de televisão já chegou à realidade. Com muita pesquisa e inteligência, diga-se. Mas a impressão que dá é que a autora está tão perplexa quanto nós, telespectadores, sobre o rumo e destino que dará à sua adorável Criatura.

Mas voltando à clonagem real, aí é que está todo o fulcro do problema, o centro principal de todo o interesse: clonar seres humanos. Até que ponto o processo pode ser efetivo, a clonagem atingirá realmente a psiquê ou a cópia ficará apenas na parte física: feições, estatura. Cor da pele e cabelos ou irá também para os miolos; ou pior (ou melhor?) atingirá essa coisa indefinível, imaterial mas inegável - a que chamamos de alma?

Se você clonar um criminoso, a cópia terá também instintos criminosos? Ninguém publicou ainda observações sobre o caráter dos clones, em relação ao seu original. Por exemplo: sabe-se que as ovelhas são, por sua própria natureza, dóceis, pacíficas e agem sempre em grupos, tão unidas que nem precisam ter uma liderança explícita. Todos nós, fazendeiros, sabemos que basta abrir a porteira do redil, e encaminhar à saída o primeiro carneiro ou ovelha, e o rebanho inteiro o seguirá, os de trás atropelando os da frente, como se temessem ficar em solidão.

Outra pergunta: até agora, entre animais clonados, só se tem tido notícias de fêmeas - a começar pela Dolly. Será que eles também podem clonar machos? E em se tratando da espécie humana, vão poder clonar cavalheiros? Ah, essa invenção de clonagem abre espaços tão amplos para a imaginação que até nos deixa tontos!

O grande perigo apontado por todos os que discutem o assunto é a reprodução não autorizada, criminosa, clandestina de seres que não obedeçam aos padrões de ética, beleza, funcionalidade, desejados a todos os seres humanos.

A figura do cientista louco está sempre presente quando se fala nos processos biológicos que visam a interferir com a rotina da natureza. Não é de ontem o alvoroço que atacou a mídia, quando se começou a fazer a inseminação 'in vitro', tornando férteis casais sem filhos por dificuldade de acesso ao óvulo do indispensável espermatozóide. Hoje, o processo é banal, não originou nenhuma anomalia, e quase todo mundo já pode ter filhos, se os quiser.

Mas com a clonagem o campo fica muito mais amplo. Aberto o processo ao uso geral, terá de haver uma legislação específica e uma vigilância estreita dos laboratórios de clonagem, por parte das autoridades responsáveis. Talvez até se crie um Ministério da Clonagem, decretando por miúdos, quem pode ou não pode ser reproduzido. Por exemplo: a idade do clone-mãe? (ou pai): clonando-se um velho, será possível obter um clone jovem?

E a inteligência, os dons artísticos se transmitirão ao clone? Ou apenas os traços biológicos essenciais, a cara, os ossos, a musculatura? Eu, por exemplo, que não tenho filhos, talvez até gostasse de ser clonada. Mas exigiria tantos melhoramentos que, de certo, seria impossível satisfazer. Por exemplo: ser mais bonitinha, sem tendência para engordar, estatura um pouco maior e entranhas muito mais saudáveis: fígado, coração, miolos (não são entranhas, mas vá lá), miolos especiais, queda para as matemáticas e as demais ciências exatas... Ah, tanta coisa que eu queria ser e que não sou!

Vocês dirão: "Mas aí já não seria um clone, e sim um ser bem diferente de você." Claro! Os fabricantes de clones têm de aprender a criar diferenciações, senão não teriam freguesia. Um ou outro egocêntrico doentio poderia querer se reproduzir com total fidelidade. Mas até a verruga do queixo? Ou a urticária, a alergia a certos tipos de alimentos, ou ao tempero, ou ao queijo da pizza?

Há que pensar nisso tudo antes de fazer a encomenda. E voltando à lei disciplinadora: o narcisista delirante poderia exigir dos clonadores reprodução do seu nariz horroroso, que a ele parece lhe dar personalidade?

Agora a pergunta maior: e a inteligência, será clonável? Pois que adianta criarmos seres novos se não formos capazes de os fazer melhores do que os padrões da Mãe Natureza?

O Woody Allen é quase um gênio. Mas aceitará ele que o seu clone lhe reproduza, além do talento, a cara feia. O corpo desengonçado? Até agora só se sabe que o clone é uma reprodução perfeita da sua matriz. Mas qual matriz? A masculina ou a feminina? Se são necessários os dois elementos, macho e fêmea, para fazer um novo ser, qual será a cópia de quem? Da mãe ou do pai? Ou a clonagem dispensa a colaboração do pai? Então só teremos seres femininos? Ah, mas já existe mulher demais no mundo, é só ver as estatísticas.

O mal da humanidade, desde Adão, é querer ser mais sabida do que Deus. Se Ele fez o mundo assim como é, foi porque só dava deste jeito mesmo. Ele deve ter experimentado vários tipos.

Dispõe de todos os sistemas planetários, de todas as galáxias - e só conseguiu nos fazer tais como somos, com todas as nossas deficiências. Quem sabe mesmo se Deus Nosso Senhor, desgostoso da humanidade tal como é, não suscitou essa invenção de clones para nos eliminar pela total monotonia? Os Seus desígnios são insondáveis. Quem sabe, Ele não quer, com a igualdade geral, acabar com a excrescência que é o pecado, nos fazer todos dóceis e inocentes, como um rebanho de Dollys? Ou, pelo menos, deixar que se separem os bons dos maus, por seleção natural, isto é, por seleção de clonagem; e, pondo os maus de um lado, acabar com eles?

Só ficaremos nós, os bonzinhos; afinal, para todos os humanos, o bom somos nós, o mau é sempre o outro...


Editorial

OS 'PENETRAS' DA FESTA DO 1.º DE MAIO

Se alguma evidência ainda fosse necessária para comprovar que a campanha presidencial deste ano entrou em cena com antecedência absurda - e sem paralelo em qualquer democracia consolidada -, o Primeiro de Maio na Grande São Paulo foi a demonstração irrefutável de que a disputa sucessória continua a mobilizar apenas os protagonistas de sempre, aqueles que participam diretamente do espetáculo por interesse próprio ou dever de ofício, como é o caso dos políticos, jornalistas, pesquisadores, publicitários e marqueteiros.

Visto que as figuras em torno das quais se movimenta essa trupe parecem ignorar que, a cinco meses da data do pleito, seis em cada dez eleitores ainda não sabem em quem irão votar - e, sobretudo, não estão nem um pouco preocu pados com isso -, o que se passou nos eventos promovidos pelas duas maiores organizações de representação dos assalariados, a Força Sindical e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), devia servir de lição a todos quantos imaginam que é possível e proveitoso a partidos e candidatos impor à população, por ser da conveniência deles, questões e prioridades para as quais ela só se voltará no momento que julgar adequado.

A lição está contida na indiferença, quando não no ostensivo desagrado das multidões reunidas por ambas as centrais - 1,5 milhão de pessoas na festa da Força Sindical, na Praça Campo de Bagatelle, na zona norte da cidade, e 1/10 disso, ao todo, na dezena de eventos organizados pela CUT na periferia da capital e em Osasco, Guarulhos e Santo André -, sempre que a propaganda política se intrometia na ocasião que o público queria que fosse de puro divertimento, com a apresentação de artistas e a realização de sorteios de carros, apartamentos e eletrodomésticos.

No megashow da Força Sindical, que repetiu a bem-sucedida fórmula "música mais prêmios" do ano passado, a campanha política entrou como Pilatos no Credo. Entre apática e resignada, a massa assistiu em telões estrategicamente distribuídos aos filmetes de 3 minutos cada, em que os candidatos - recebidos como autênticos "penetras" naquela festa - Lula da Silva, José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes (este trazido ao local por seu adepto Paulo Pereira da Silva, presidente da entidade) declamaram as promessas de praxe sobre o que farão, caso eleitos. Lula e, principalmente, Serra chegaram a ser vaiados. Ciro, que também falou em pessoa, foi ouvido com desinteresse. "É difícil o povo aplaudir político", admitiu o sindicalista, que talvez venha a ser o seu companheiro de chapa.

Nem mesmo o seu breve discurso sobre desemprego, jornada de trabalho e questões macroeconômicas conseguiu concentrar as atenções da maioria. Já a CUT tratou de politizar os seus showmícios, propositalmente dispersos para evitar a comparação com o sucesso de público conseguido pela central adversária, a quem o despeitado presidente cutista, Antonio Carlos Spis, acusou de deturpar o Dia do Trabalhador com a sua "pirotecnia".

Deslocando-se de helicóptero, Lula foi a três dos eventos promovidos por seus companheiros. Em nenhum teve recepção calorosa. Em São Miguel Paulista, na zona leste paulistana, não escapou de um começo de vaia quando apareceu para falar, no lugar do grupo musical anunciado pouco antes.

Em Santo André, onde falou durante quase 20 minutos, enquanto a platéia esperava que começasse a apresentação do cantor Martinho da Vila, o candidato petista, quem sabe para atenuar a gravidade de suas palavras sobre assuntos como a delinqüência juvenil, disse que "os deuses" caminham ao seu lado, porque ele teria nascido na data do primeiro turno (6 de outubro) e do seu registro conste a data do segundo turno (27 do mesmo mês). Na realidade, o esforço eleitoral de Lula não há de ter valido os R$ 4,5 mil que a CUT desembolsou pelo aluguel do helicóptero que o transportou de um showmício a outro.

Não porque ele não terá o voto da maioria do público a quem se dirigiu. Mas, por hipótese, se a CUT tivesse organizado um Primeiro de Maio puramente festivo, ainda mais voltado do que o da Força Sindical para o entretenimento das suas platéias, em um dia de folga do trabalho, sem transformar em momento algum os seus palcos em palanques, é improvável que Lula viesse a perder um único eleitor por causa disso. Em outras palavras, os partidos, bem como as organizações sociais suas aliadas, erram ao empurrar a eleição garganta abaixo do povo, forçando a natureza das coisas e expondo os seus candidatos a um efeito bumerangue. A sucessão presidencial entrará no horizonte da população no devido tempo - e não quando interessa aos políticos.


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05/03/2002


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