Em seu primeiro discurso no Senado, Collor diz que foi vítima de acusação sem provas e de vingança



  O ex-presidente da República Fernando Collor de Mello fez nesta quinta-feira (15) seu primeiro discurso como senador, 14 anos e três meses depois de ser definitivamente impedido pelo Senado, que julgou em 29 de dezembro de 1992 processo de impeachment aprovado em 29 de setembro pela Câmara dos Deputados. Em virtude dessa situação especial, Collor teve atendida a sua solicitação de falar por um tempo acima dos 20 minutos habituais, de modo a fazer um relato completo de como viu o processo que levou à perda de seus direitos políticos por oito anos.

- Os episódios que aqui vou rememorar obrigaram-me a padecer calado e causaram mossas [marcas] na minha alma e cicatrizes no meu coração - disse o ex-presidente logo no início de seu pronunciamento, que se estenderia das 17h30 às 20h30.

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Logo em seguida, dizendo que abria sua "alma e coração" sem "sentimentos subalternos", Collor disse que não era fácil voltar ao passado e reviver o sofrimento por ter sido "agredido moralmente, acusado sem provas, insultado e humilhado durante meses, suportando as agruras de acusações infundadas e a condenação antes mesmo de qualquer julgamento".

O senador alagoano disse que o papel de homem público exige a resignação e o silêncio, especialmente porque as injustiças de que se diz vítima foram "insufladas pelas paixões e alimentadas pelo fragor das ruas insufladas pela cegueira das emoções".

Ao citar fatos históricos como a abdicação imposta a dom Pedro I; o suicídio de Getúlio Vargas; e a ação que depôs e exilou João Goulart, Collor situou seu impeachment numa linha de atos de força que classificou de "rotina periódica" da história política do país.

- Espero virar esta página de minha carreira política, no momento em que a retomo, com o propósito de contribuir, na medida de minhas possibilidades, para o progresso e o bem-estar do país e o aprimoramento de seu sistema político - afirmou o parlamentar. O ex-presidente justificou o longo e minucioso relato de seu pronunciamento a um dever de consciência diante de tantas versões e interpretações dos fatos. Ele atribuiu a sua queda a uma "grande farsa" montada por adversários "movidos pelo rancor".

- É chegado o momento de falar à Nação para mostrar, com serena tranqüilidade, os descaminhos de um processo que seguramente não honra nem dignifica a história parlamentar do nosso país - afirmou.

Abusos da CPMI

O ex-presidente disse acreditar que o processo contra ele baseou-se em "abusos e preconceitos, em uma sucessão de ultrajes e um acúmulo de violações das normas legais, uma sucessão de afrontas ao estado de direito democrático".

De acordo com Collor, essas afrontas começaram com os procedimentos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada para apurar fatos contidos nas denúncias do Pedro Collor de Mello, seu irmão, referentes às atividades de Paulo César Cavalcante Farias, tesoureiro de sua campanha, "capazes de configurar ilicitude penal". Instalada em 1o de junho, a CPMI não teria obtido, segundo o senador, depoimentos ou documentos com "qualquer acusação" contra ele, pessoalmente, nem contra qualquer ato que tivesse praticado como presidente da República.

O parecer, apresentado no dia 23 de agosto imputava ao presidente da República "ilícitos penais comuns, em relação aos quais a iniciativa processual é prerrogativa intransferível do Ministério Público". Mas, lembrou Collor, o mesmo relator considerava que as acusações podiam "configurar crime de responsabilidade, em relação aos quais a iniciativa processual é prerrogativa da cidadania perante a Câmara dos Deputados, já que as omissões do dever presidencial de zelar pela moralidade pública e os bons costumes, são especialmente tratadas pela Constituição federal".

De acordo com Collor, os abusos podem ser evidenciados "na incoerência do relator", que lhe imputou ilícitos penais capazes de configurar crimes de responsabilidade, baseando-se nas afirmações de Pedro Collor sobre conversas entre José Barbosa de Oliveira, Moacir Andrade, Carlos Mendonça e Paulo César Farias, nas quais este teria dito que mantinha uma sociedade informal com o presidente da República, a quem transferia 70% dos lucros. Daí a necessidade de investigar as atividades do "sócio" do tesoureiro, embora para isso a CPI não dispusesse "de poderes".

- Se a comissão não dispunha de poderes para investigar o presidente da República, como poderia imputar-me delitos que não cometi, crimes que não pratiquei e que o relator não indicou, não especificou e nem sequer tipificou? - questionou Collor.

O senador disse que "na sucessão de atos exorbitantes, a CPMI começou por violar o art. 86, § 4o da Constituição, segundo o qual "o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções".

- Se não fui investigado, se não fui notificado, se não fui indiciado, como poderiam a Comissão e seu relator acusar quem não foi nem sequer objeto de investigação? Se havia atos por mim praticados que, mesmo em tese, pudessem caracterizar crimes de responsabilidade ou crimes funcionais, por que não apontá-los, por que não indicá-los e por que não levá-los ao Ministério Público, titular da ação penal? - indagou Collor.

Motivações Políticas

Com relação aos motivos políticos para o impeachment, Collor lembrou que foi eleito por uma coalizão de pequenos partidos, liderados pelo PRN, que detinha apenas 8,4% das cadeiras no Parlamento, cuja representação estava bastante dividida naquele momento da vida nacional.

Na tentativa de sacramentar a paz depois de uma eleição que deixara muito ressentimento por parte dos que perderam, Collor disse ter tentado montar um governo com representantes de todos os partidos. Citou especialmente o PSDB, agremiação que teria desistido de um acordo à última hora.

Mas o parlamentar disse ter localizado no então presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) o seu algoz principal.

- Vejam a animosidade gratuita que aquele representante votava contra mim. Sua atuação terminou por transformar o instituto do impeachment num instrumento de vingança política, de afirmação pessoal e de desforra particular - disse Collor.

Para reforçar a idéia de que foi perseguido por adversários derrotados, o parlamentar lembrou a série histórica de pedidos de impeachment - observando que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi alvo de 26.

- Por que até hoje, mais de 60 anos depois da Constituição de 1946, apenas contra meu governo se deu curso a essa espúria representação? - indagou Collor.

O senador também abordou os termos da representação contra ele baseada na acusaçã o de que permitira, por ação ou omissão, a infração de lei federal, que, segundo ele, os autores da representação, por sinal, não apontam qual fosse. Para Collor, o que tornou a situação mais injusta foi sua pronta determinação à Polícia Federal, ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central no sentido de que tudo fosse apurado com o máximo rigor.

- Não esperei suas repercussões. Não aguardei que me cobrassem providências. A afirmação sequer é minha, nem a invoquei em minha defesa. Pode ser lida no testemunho prestado sob juramento pelo hoje nosso colega, o senador Romeu Tuma, na sessão do Senado como órgão judiciário, do dia 29 de dezembro de 1992 - recordou Collor, lembrando que Tuma exerceu os cargos de Secretário da Receita Federal e de Secretário da Polícia Federal.

Absolvição pelo Supremo

Collor também enfatizou sua absolvição pelo Supremo Tribunal Federal, em 13 de dezembro de 1994.

- Como evidenciam os pronunciamentos dos ilustres magistrados que me julgaram, não há, nos autos, nos documentos e nos depoimentos das testemunhas ouvidas, comprovação de nenhum ato ilícito que eu tenha, em qualquer momento, praticado como presidente da República. Fui afastado na suposição, e tão-somente na suposição, de que as acusações que me fizeram fossem verdadeiras - afirmou o senador.



15/03/2007

Agência Senado


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