Emenda gera polêmica sobre fim da separação na lei brasileira
A Emenda Constitucional 66 facilitou a vida de quem está decidido a terminar seu casamento, mas, por outro lado, gerou uma polêmica em torno do desaparecimento da separação do ordenamento jurídico brasileiro. Embora tenha acabado com a exigência do tempo de separação como pré-requisito para a realização do divórcio, a EC 66 suscitou três linhas de interpretação entre os juristas. Enquanto uma corrente acredita ter havido a extinção do instituto da separação, as outras duas consideram, com ligeiras diferenças, que a separação ainda é um recurso possível para os casais.
Menos radical, esse último entendimento parece estar prevalecendo na doutrina sobre separação e divórcio. O consultor-geral do Senado, Bruno Dantas, e o presidente do Colégio Notarial do Brasil (CNB), José Flávio Bueno Fischer, estão convencidos de que a separação permanece no ordenamento jurídico, porém não mais como requisito para a realização do divórcio. Seria uma opção dada ao casal que quer por fim à sociedade conjugal (decide não mais viver junto), mas ainda não está seguro se quer, de fato, encerrar o vínculo matrimonial (extinção do casamento).
- A aprovação da Emenda 66 é positiva por ter reduzido a intervenção do Estado na vida privada das pessoas. Mas, como casamento é coisa séria, é importante que permaneça o instrumento da separação como um meio termo para os casais usarem num momento de crise conjugal, sem representar, no entanto, a dissolução de todas as relações estabelecidas pelo casamento - argumenta Bruno Dantas.
O entendimento é compartilhado pelo presidente do CNB. Para ele, a separação persiste na legislação como uma espécie de "período de teste" para quem quer desfazer a sociedade conjugal. Assim, as partes fariam a partilha de eventuais bens adquiridos durante o casamento e romperiam com os deveres de coabitação e fidelidade recíproca, mas teriam um tempo para amadurecer a idéia de partir, ou não, para o divórcio.
A permanência da separação no Código Civil (CC), no Código de Processo Civil (CPC) e na própria Lei do Divórcio (lei 6.515/77) seria importante ainda para evitar futuros transtornos para casais indecisos sobre o fim do vínculo matrimonial. É que se os cônjuges tiverem se separado e decidirem, mais tarde, retomar a relação, precisarão apenas fazer uma petição na Justiça ou no cartório para restabelecer o casamento. Se tiverem se divorciado, no entanto, terão de se submeter às exigências de um novo casamento.
Mudança de valores
Bruno Dantas e José Flávio Fischer seguem a linha dos que não reconhecem o fim da separação pela EC 66, mas sim da contagem de prazos de um ano de separação formal e de dois anos de separação de fato para o término do casamento pelo divórcio. Seus defensores sustentam não haver necessidade de modificar a legislação ordinária sobre a matéria, que não estaria em contradição nem em desarmonia com a Constituição ao manter o instituto da separação.
Se ambos dispensam a "regulamentação" da EC 66 para que tenha plena eficácia, a corrente doutrinária que deles se aproxima diverge justamente neste ponto. A discordância gira em torno, para estes, da necessidade de edição de uma lei ordinária alterando a atual redação sobre separação e divórcio no CC. Segundo o CNB, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está aliado a essa tese. Prova disso é ter baixado a Resolução 120/10, que alterou orientações aos serviços notariais e de registro sobre a realização de separação e divórcio consensuais em cartório, mas não excluiu os dispositivos referentes à separação.
Separação extinta
Por outro lado, a desembargadora aposentada Maria Berenice Dias; a juíza substituta da 3ª Vara de Família de Brasília Maria Graziela Barbosa Dantas e integrantes do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) advogam que a EC 66 retirou a separação do ordenamento jurídico brasileiro.
- Atualmente, em face da dinâmica das relações humanas e da mudança dos valores sociais, não mais se justifica a sobrevivência do instituto da separação judicial - avalia a juíza.
Conforme ressaltou, a separação judicial continuou valendo após a instituição do divórcio como uma fase intermediária "a fim de atender aos reclamos de setores mais conservadores da sociedade". Com o amadurecimento dessas relações, sua permanência nas regras legais teria perdido o sentido.
Enquanto esse imbróglio interpretativo não é superado, a separação e o divórcio continuam coexistindo na legislação brasileira. A EC 66 abriu caminho para dissolução do casamento diretamente pelo divórcio, mas o casal ainda pode recorrer à separação se não estiver decidido a romper o vínculo matrimonial. Se os cônjuges estiverem de acordo, não tiverem filhos menores ou incapazes, poderão fazer os dois procedimentos em cartório. Caso contrário, terão de bater às portas da Justiça.29/10/2010
Agência Senado
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