Entrevista do governador Mário Covas após encontro com Xanana Gusmão
Parte I
Xanana Gusmão Repórter: Quais as necessidades de seu país hoje? Xanana: Tudo, preciso de tudo. Porque, já ouviu falar da frase ‘vamos começar do zero’? Então há necessidade de tudo. Se me perguntam sobre prioridades, também todas as necessidades ali são prioridades. Nós temos contudo, vamos dizer, posicionamento de prioridades tanto no sentido estratégico, fundamental para nós, como no sentido de que são projetos que só se alcançam ao longo do tempo. E outros a curto prazo. A necessidade deste momento é o restabelecimento rápido da administração, já que a (inaudível) está lá precisamente com essa missão de estabelecer uma administração onde os timorenses participem ativamente na sua própria preparação para a independência. A segunda prioridade é a agricultura, para cortarmos a dependência elementar do exterior e diminuirmos o peso à Comunidade Internacional em estar a dar-nos o que comer através de (inaudível). A terceira prioridade é a saúde, onde agora por causa da má nutrição o organismo da população torna-se muito fraco para poder resistir ao ataque da malária, da tuberculose. Infelizmente todos se assustam com a malária, mas o que acontece em Timor é que a tuberculose está a matar mais que a própria malária lá. Por causa mesmo disso, da má nutrição. Porque a situação da saúde da nossa população não vem desse tempo para cá, já é um problema crônico de assistência sanitária à população. Repórter: E a escola, quando o senhor acha que ela deve começar a ser construída? Xanana: Nós já iniciamos, aliás desde novembro, dezembro, o ensino informal onde professores do regime de voluntariedade ensinavam as crianças, só para ocupar as crianças. Esse curriculum, se alguém tem algum livro em português, ensina em português, quem tem um livro em língua inglesa, ensina em inglês. Portanto, é informal, apenas para ocupar as crianças. Nós estávamos a trabalhar e sobretudo, aqui também veio o padre Fernando Jacó, em projetos concretos por parte do Brasil para nos assistir ao estabelecimento do ensino formal a partir de outubro. Mas isso também não é já o projeto final, na medida em que para o curriculum necessitaremos de tempo para se ver o problema de o ensino da base a reintrodução do português a partir dos primeiros anos da escola, o ensino do português aos adultos, a formação dos professores, a formação profissional das pessoas. Portanto, é tudo um amplo programa de educação que vai passar por fases, etapas. Quanto as escolas, nós estamos à espera aqui. Os donativos de Tóquio, o Banco Mundial e o Banco da Ásia receberam a responsabilidade de reconstruir as infra-estruturas básicas, uma das quais é precisamente as escolas. Reconstruir as escolas, equipa-las, etc. Isso só vai começar na segunda metade deste ano, de forma que as coisas estão muito vagarosas, muito difíceis de se esperar. Repórter: Em quanto tempo o senhor espera reconstruir o seu país? Xanana: Bem, a pergunta não é assim muito correta, se me permite. Poderia dizer sim em quanto tempo espera ser independente porque a reconstrução é um processo contínuo. Para ser independente, em princípio nós não vamos ficar a espera de que tudo esteja já feito, quer dizer, com a comida feita para sentarmos à mesa. No mínimo, termos os ingredientes ou os meios básicos para cozinhar, isso seria necessário, já que por um lado também temos receio de que haja a fadiga dos doadores. E segundo, a partir da construção das infra-estruturas básicas sentimos nós quem está a construir. Portanto, por causa da lentidão da reconstrução, nós diríamos que entre dois, três anos. No entanto, o Conselho de Segurança deu um mandato de dois anos e vamos tentar nos acomodar a esse período. Portanto, quanto tempo para reconstrução se trata de um processo contínuo que nunca mais acabará. Repórter: O senhor sai satisfeito dessa visita ao Brasil? Xanana: Até porque estou feliz. Estou feliz por receber uma disposição total (inaudível) de cooperação, de participação. Não é aquela idéia de ir lá para ajudar, mas ir lá participar. Como foi a participação dos povos irmãos na nossa vitória, assim também vamos construir uma outra vitória ali. Portanto, feliz por vir receber diretamente este calor humano. Não só humano, como um bocado mais de certa intimidade pela afinidade das relações, mesmo da fraternidade. Repórter: Há a possibilidade de o senhor vir a ser presidente do Timor? Xanana: (risos) Covas Repórter: Como o Governo do Estado vai ajudar o Timor? Covas: Bem, a Assembléia Legislativa concordou conosco e temos aí uma ação em comum. Nós vamos ceder a eles uma escola, fabricada segundo os métodos que nós fabricamos aqui, modulada, de forma que pode inclusive ser aumentada oportunamente. Uma escola daquelas que nós fazemos hoje, 12 a 15 salas de aula. Isso dá para atender 4.800 crianças em três turnos, que é o que acontece aqui. Por outro lado nós temos um órgão aqui, que é a Fundap, Fundação de Administração Pública, que já tem tradição nisso. Já esteve em outros lugares. Já esteve em uma série de nações que estavam nascendo e, portanto, ajudou a organização. Por outro lado, nós temos aqui todos os órgãos que podem receber pessoas, mas aí, eu acho que você não está ajudando, você está atrapalhando, porque custa caro mandar alguém de lá para cá. Então, quando houver alguma necessidade, assim, ele acabou de dizer que a tuberculose lá ainda é um fato. Essa é uma coisa praticamente erradicada no Brasil, portanto é uma coisa que a gente pode ajudar. Eu sei que o presidente da República ofereceu toda a sustentação nessa área. A gente aqui em São Paulo quis também firmar, explicitar uma posição, da qual a Assembléia e o Executivo estiveram juntos, no sentido de firmar lá um ponto de referência. São Paulo quer estar presente numa demonstração do apreço que tem por uma nação que tinha 500 mil pessoas durante a fase de dominação. Mataram 200 mil pessoas e quando saíram deixaram a nação praticamente a nada. Incendiaram tudo. São pessoas extremamente simpáticas. Você tem a figura do Xanana, uma figura extremamente simpática. Portanto, eu acho que o mínimo que a gente pode fazer é dar um nível de solidariedade que ultrapasse o limite da palavra. A palavra é óbvio que tem, mas eu acho que a gente precisava fazer alguma coisa e precisamos fazer alguma coisa. E para isso ser feito não custa nada, ou melhor, custa muito pouco você mandar um técnico, um médico qualificado nessas áreas para passar lá um mês. Para São Paulo não custa nada, mas se pedir lá para o cidadão vir para cá, aí custa para eles o que eles não tem para pagar. Porque é uma nação dizimada hoje e que precisa ser reconstruída por inteiro. Ele vê isso com muita clareza. Quando se pergunta quanto tempo demora a reconstrução, reconstrução é um processo, é como construção. Não termina nunca. Para reconstruir o que já tinha sido construído, já vai ser um problema sério. Mas é lógico que como nação autônoma, livre, eles ambicionam ir mais longe do que isso. Eles têm uma grande população rural ainda, portanto devem ter todos os problemas daí consequentes. Mas eles têm sobretudo uma história de luta muito grande. Eles foram um protetorado português, depois, durante algum tempo ficaram uma nação autônoma, domínio autônomo, nação autônoma sob o domínio de Portugal. Depois, foram invadidos pela Indonésia. É um longo período de complicações de natureza política e uma aspiração de liberdade muito grande, que é histórica. Então, acho que para a gente que acredita em democracia, em afirmação popular, que acredita nessas coisas, eu acho que estar presente num instante desses é importante. E você vê que ele sente isso porque, não sei onde ele foi antes, mas um dos primeiros lugares que ele foi no mundo, foi exatamente o Brasil. Porque tem uma série de afinidades. Nós temos afinidade religiosa, nos temos afinidades culturais, nós temos até afinidade de língua. Há sete países no mundo que falam o português. Com o Timor Leste nós vamos ter oito países que tenham o português como língua oficial, portanto uma identidade muito grande. Portanto eu acho que a gente deve04/03/2000
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