Especial D.O.: Arsenal da Esperança oferece assistência a pessoas carentes na capital
Criada há 10 anos, entidade procura reintegrar pessoas à sociedade
O número 900 da Rua Dr. Almeida Lima, no bairro do Brás, tornou-se o endereço da dignidade para a população carente da capital. Há dez anos, em área de 27 mil metros quadrados, funciona ali o Arsenal da Esperança, entidade beneficente vinculada à Igreja Católica, que acolhe 1.150 pessoas carentes por noite. Iniciativa é uma parceria com o governo do Estado, empresas privadas e organizações não-governamentais. Não é apenas a busca por um lugar para dormir que move, diariamente, os beneficiados até lá. A chance de ter recepção digna e de encontrar apoio emocional compõe a motivação de quem procura o local. A instituição dá mais do que abrigo. Além da infra-estrutura para descanso noturno e higiene pessoal, oferece alimentação de qualidade, atendimento médico-ambulatorial, possibilidade de formação, capacitação para o trabalho, opções culturais e de lazer, acompanhamento de assistentes sociais e apoio espiritual para quem o deseja.
“O Arsenal não é um albergue, é uma casa de acolhimento. Sua finalidade é resgatar a auto-estima de homens em situação de rua e a sua reintegração social”, explica o vice-presidente da instituição, Antônio Palladino. Para o escultor e ex-usuário da entidade Alberto Faustino de Souza, 32 anos, significa ainda mais. “Falar no Arsenal é uma honra e me emociona muito, pois nele encontrei uma segunda família e um rumo para a minha vida”, diz.
Como a maioria dos que batem à porta da instituição, Souza tomou conhecimento do lugar por intermédio de um ex-morador, num momento de dificuldade. “Fui aconselhado a buscar apoio emocional e material na instituição, pois estava deprimido”, explica. No Arsenal, aprendeu a fazer esculturas, tomou gosto pela arte, passou a dar aulas e hoje produz fontes artesanais decorativas, que lhe garantem o sustento, assim como o de dois de seus ex-alunos.
Antiga vocação
Criada nas instalações da antiga Hospedaria dos Imigrantes, a obra humanitária, curiosamente batizada de Arsenal, surgiu por iniciativa do Servizio Missionário Giovani (Sermig), fraternidade italiana representada no Brasil pela Associação Internacional para o Desenvolvimento – Núcleo São Paulo (Assindes-SP). Seu nome foi escolhido com base no da sede localizada na Itália, o Arsenalle della Pace, que funciona numa fábrica de armamentos desativada (ver boxe).
Convênio firmado com a Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social (Seads), em 1996, garantiu verba mensal à iniciativa e a doação da maior parte do conjunto de prédios construídos em 1886 para receber os imigrantes que chegavam ao Estado, pelo Porto de Santos (parte foi destinada ao atual Memorial do Imigrante). Vindos para trabalhar nas lavouras, principalmente de café, e nas indústrias que estavam surgindo, ficavam na hospedaria por até oito dias, para acertar os seus contratos. Ali dormiam, faziam as refeições, recebiam atendimento médico e conseguiam seus empregos.
A antiga vocação do local, que recebeu o último grupo de imigrantes em 1978, voltou a ser evocada com o Arsenal. Agora, a ação é destinada aos que necessitam de ajuda em geral. Na prestação de contas dos dez primeiros anos de trabalho, a entidade registra 23,5 mil homens acolhidos. Destes, 1.329 tiveram passagem como funcionários na equipe de reinserção profissional e 77 na Frente de Trabalho Especial do governo do Estado. Nesta década, passaram pela equipe de atendimento 105 funcionários efetivos, 12 participantes da fraternidade e mais de 400 voluntários. A instituição tem 200 voluntários, 70 funcionários e 30 pessoas do Programa Frente de Trabalho. Entre os voluntários, há médicos, dentistas, psicólogos, assistentes sociais e bibliotecários.
Dois tipos de atendimento
Segundo Palladino, de 30 a 40 pessoas procuram por vaga diariamente. Atendidas conforme a disponibilidade, só vigora a preferência para quem nunca passou pela casa. São homens de várias idades e de todos os níveis de escolaridade, a maioria jovem, com ensino fundamental. Do total de acolhimentos, nos dez anos, cerca de 1,5% refere-se a refugiados políticos oriundos de vários países e apenas 2,5% de pessoas do Estado de São Paulo. “Recebemos muitos migrantes, que vêm em busca de vida melhor e ficam em dificuldades”, informa Palladino.
O ingresso no Arsenal é sempre no período matutino, a partir das 7 horas. Ao chegar, os novos usuários passam por triagem com os assistentes sociais, que buscam conhecê-los melhor e identificá-los. Depois, recebem material de higiene, uma troca de roupas, um documento de identidade próprio do local e a chave do armário que usarão enquanto estiverem na casa. Palladino ressalta que há 1.150 segredos diferentes para as chaves dos armários: “Aqui, nós procuramos, dentro do possível, garantir o máximo de integridade à rotina de todos”.
Após o café da manhã, são encaminhados ao serviço social para entrevista. Na seqüência, visitam as dependências, enquanto tomam conhecimento das regras da casa, que proíbem o uso de drogas, bebidas alcoólicas e os torna co-responsáveis pelo bom andamento da vida em comunidade. No centro do pátio, que parece a praça de uma pequena cidade (com jardins e bancos bem cuidados), o lema da fraternidade é exibido em pequeno monumento que simula as ruínas de um muro, numa inscrição bem visível: A Bondade Desarma. De acordo com a filosofia ali seguida, é a bondade que torna as pessoas solidárias e as faz ir em busca de justiça.
Há dois regimes de atendimento no Arsenal: o residencial, direcionado aos acamados e portadores de deficiência; e o semi-residencial, com entrada diária às 16 horas, para higiene, lazer, jantar, pernoite e saída às 9 horas do dia seguinte, depois do café. Mas todos os acolhidos têm a oportunidade de permanecer durante o dia na casa, em sistema de revezamento, para participação em atividades que incluem dinâmicas voltadas à descoberta de habilidades, trabalho na equipe de reinserção ou na Frente de Trabalho. Com exceção do voluntário, a tarefa é remunerada e tem prazo estabelecido, pois o propósito é dar oportunidade para o resgate da autoconfiança. “Para oferecermos chances iguais a todos e cumprirmos a proposta da casa, há revezamento, pois a idéia é de que as pessoas encontrem soluções para as suas vidas e voltem para elas. Não incentivamos para que se acomodem aqui, ao contrário”, avisa Palladino.
O Arsenal iniciou reformas em um dos prédios, com o objetivo de receber no futuro mulheres e seus filhos. Por enquanto, só homens são acolhidos.
Sessões de futebol
Durante dez anos, a estrutura das instalações passou por muitas modificações. Na época em que foram cedidas ao Assindes, por intermédio da Arquidiocese de São Paulo, estavam sob a administração do extinto Departamento de Assistência e Integração Social do Estado (Dais) e tinham abrigado uma unidade da Febem. O mau estado de conservação era flagrante, e está registrado em fotos expostas no local. Aos poucos, o local foi recuperado, com a ajuda dos próprios usuários. Hoje, há ambientes limpos e com boa apresentação. “Tudo feito por eles mesmos e por voluntários”, conta o vice-presidente. Para as sessões de TV, principalmente de partidas de futebol, é utilizado o salão principal, equipado com telão. No local, são realizados eventos beneficentes, com o auxílio dos voluntários, para a arrecadação de fundos. Há sala de jogos, capela e biblioteca.
As 1.150 camas, com lençóis trocados semanalmente, são distribuídas em seis dormitórios, com um complexo de banheiros para cada um. Todas são numeradas e destinadas a um único usuário durante a sua estada. O refeitório e a cozinha foram transformados na primeira unidade do Restaurante Bom Prato, programa do governo estadual que serve refeições de qualidade por R$ 1. Além do almoço para os residentes – por volta de 250 – oferece 1,2 mil refeições diárias no horário de almoço e do jantar dos usuários.
Cursos e oficinas
Convênios com as universidades São Judas, Uninove e São Camilo garantem o trabalho de cinco estagiários de nutrição para o restaurante, administrado por uma empresa terceirizada, contratada por licitação. Segundo a nutricionista responsável, Daniela Cavichioli, o diferencial de atuar no local é sentir que o trabalho do dia-a-dia é mais valorizado. O mobiliário do Arsenal é produzido integralmente pelos moradores. As camas, carrinhos de roupas e bancos, entre outros objetos, saem diretamente da marcenaria e da serralheria internas. As roupas são lavadas e passadas na lavanderia. Todo o maquinário foi recebido como doação e recuperado lá dentro.
O encarregado da manutenção geral, Ângelo Gasparotto, 69 anos, é funcionário da entidade desde o princípio. “Dá gosto ver as coisas serem transformadas”, afirma. Para o chefe da serralheria, Everton de Cássio Rodrigues, 24 anos, recrutado por meio de um curso do Senai, o posto que ocupa além de lhe dar a oportunidade de ensinar o seu ofício, possibilita que ajude a quem precisa. “Aqui, a gente tem muito trabalho a doar”, afirma.
Parceria com a Universidade Anhembi-Morumbi garante outras oficinas: computação básica, eletricidade, hidráulica e corte e costura industrial. “Todo o resultado do trabalho é aproveitado pela própria unidade, que recebe as matérias-primas por doações”, revela Palladino. Paralelamente, ocorrem cursos de alfabetização, jardinagem, teatro, coral e arteterapia.
Duas vezes por semana, são realizadas reuniões dos Narcóticos Anônimos (NA). Os Alcoólicos Anônimos têm três encontros semanais. O Arsenal da Esperança é ainda uma das unidades do Centro Arquidiocesano do Trabalhador de São Paulo (Ceat), que presta atendimento às pessoas desempregadas, através de cadastramento, levantamento de perfil profissional, cursos de capacitação, iniciativas empreendedoras e colocação no mercado de
05/11/2006
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