Especial D.O.: Parceria encaminha portadores de necessidades especiais ao mercado de trabalho
Iniciativa entre EMTU e Avape é direcionada a maiores de 14 anos, usuários das linhas metropolitanas, com direito a isenção do pagamento de tarifa
“Incluir o portador de necessidades especiais na sociedade e fazê-lo resgatar sua cidadania é uma das preocupações de nossa empresa”, diz Joaquim Lopes, presidente da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU-SP). Desde que assumiu o cargo, em 2002, Lopes estuda a questão das pessoas com deficiência. No mês de março, conseguiu concretizar uma de suas metas: a EMTU-SP e a Associação para a Valorização e Promoção dos Excepcionais (Avape) assinaram convênio para a inclusão social dessas pessoas, encaminhando-as a cursos de capacitação, clínicas de reabilitação e centros de convivência. Desde a sua criação, a parceria beneficiou 622 portadores de deficiência. O serviço é direcionado a maiores de 14 anos que utilizam as linhas metropolitanas e procuram o Posto do Passageiro Especial Jabaquara (PEJ) para obter a carteira que garante a isenção do pagamento da tarifa. Nesse posto, recebem orientação da Avape e são encaminhados aos serviços oferecidos, de acordo com as suas necessidades. Dessa forma, o usuário obtém o benefício e a possibilidade de se capacitar profissionalmente para ingressar (ou retornar) no mercado de trabalho.
Antes de iniciar o projeto, a EMTU-SP realizou estudo para conhecer o perfil socioeconômico dos que buscavam a Carteira de Identificação do Passageiro Especial. O levantamento indicou que 70% deles vinham de famílias com renda familiar de até três salários mínimos e com situação socioeconômica agravada pelas limitações. “Precisávamos reverter esse quadro. Por isso, procuramos organizações que pudessem ajudá-las. Assinamos convênio com a Avape e com a Associação dos Metroviários Excepcionais (Ame), que têm know-how neste setor”, afirma Lopes. O presidente da EMTU-SP enumera vários benefícios: “Ao auxiliar o usuário especial a obter qualificação profissional e inseri-lo no mercado de trabalho, estabelecemos novo paradigma: deficiência não é sinônimo de invalidez. E mostramos ao prestador de serviços que ele pode se tornar um potencial cliente-consumidor. A reabilitação do indivíduo ainda contribui para o setor, pois a redução de passageiros não-pagantes diminui o custo do transporte”. São 152 mil usuários especiais cadastrados no PEJ.
Novos rumos
Em julho, mais de 90 pessoas foram indicadas para os cursos de informática, telemarketing, redação empresarial, atendimento ao público e recreação infantil, dirigidos principalmente aos que estão ingressando no mercado ou procuram nova profissão. É o caso de Luís Antônio Ladeira Pereira, 40 anos, que estuda informática na unidade da Avape da Avenida Brasil. “Trabalhei como gerente comercial durante 13 anos e aos poucos fui perdendo a visão e a possibilidade de atuar no mercado profissional”, conta. Pai dos adolescentes Tiago, 19 anos, e Camila, 15, Luís quer voltar a trabalhar e por isso se atualiza constantemente: “Estou no sexto curso, fiz de tudo um pouco: de gestão de pequenos negócios a informática”.
Além da aprendizagem do uso do software, os alunos treinam num teclado comum cujas teclas têm pequenas saliências, como se fosse braile. “Dessa maneira, conseguem depois utilizar um teclado comum, pois conhecem como está disposto”, explica o instrutor de informática Heliomar Estricanholi de Oliveira. Há mais de cinco anos na Avape, Heliomar afirma ficar satisfeito quando um aluno consegue emprego.
Para os profissionais da Avape e para os portadores de deficiência visual, a recolocação de um profissional é sempre algo a ser comemorado. De acordo com o censo do IBGE de 2000, dos 27 milhões de brasileiros com deficiência, 57,2% tinham dificuldade para enxergar e 0,6% eram cegos. O chefe de treinamento da Avape de Santo André, Marcelo Vitoriano, diz que das 246 pessoas inseridas pela entidade no mercado em 2005, apenas 2% eram deficientes visuais. O porcentual confirma a discriminação do cego.
A funcionária pública aposentada Cleide Gomes de Almeida, 38 anos, sabe bem o que é o desconhecimento das pessoas quanto ao trato com o deficiente visual. “Ganhei um labrador negro para ser o meu cão-guia. No terceiro dia que estava com ele, meu vizinho atiçou o seu rotweiller para atacar o meu cão. Por sorte, os vizinhos correram e conseguiram salvá-lo. Hoje, ele fica em casa, enquanto saio sozinha, pois, tenho medo que seja agredido novamente”, lamenta.
Cleide foi encaminhada, há dois meses, pela Associação Dorina Nowil para fazer cursos na Avape. “Gosto de manter-me atualizada, e já sugeri cursos para o pessoal da casa, como o de braile para portadores de deficiência visual e de massagem terapêutica, pois está comprovado que essas pessoas têm os outros sentidos mais aguçados.”
A reabilitação clínica foi o serviço mais solicitado na EMTU, com 50% de procura por tratamentos na área de saúde. As unidades da Avape de São Bernardo do Campo e zona leste de São Paulo prestaram assistência médica a 74 usuários, desde a avaliação até a orientação do paciente, por meio de exames e consultas com neurologistas, neuropediatras, psiquiatras infantis, fisiatras e pediatras.
Os 187 atendimentos ocorreram nas Unidades de Atendimento do Programa de Reabilitação Profissional na Avenida Brasil e Mooca. Só na região do ABC, 40 pessoas participaram de cursos profissionalizantes no programa de Santo André e São Bernardo do Campo.
Vida nova
Na Avape, os usuários dos serviços (oficinas e cursos) são chamados de clientes. “Quando chegam aqui, muitos vêm com problemas de auto-estima, ora superprotegidos pela família, ora excluídos por elas. Trabalhamos para reverter esse quadro e nossa maior vitória é vê-los trabalhando, conquistando autonomia e sendo respeitados em sua integridade como seres humanos”, diz Eliana Victor, gerente de Divisão de Reabilitação da Avape.
Para Ralf Macedo Lima, de 15 anos, participar do programa da Avape é uma forma de se integrar na sociedade. “Agora saio mais de casa e tenho feito amigos aqui. Também melhorou meu relacionamento familiar”.
Encaminhado pela psicóloga, Adriano Machado da Silva, 24 anos, participa também do programa. Morador de São Bernardo do Campo, o jovem diz que sua vinda para a instituição mudou o modo como observava a vida: “Antes, ficava assistindo à TV o dia todo, agora saio com amigos, vou ao shopping e de vez em quando ao cinema”.
Giselle Merchan está há 11 meses na instituição e chegou indicada por um ex-empregador. “Eu trabalhava numa empresa, no setor folha de pagamento. Eles mudaram e, ao me demitirem, indicaram a Avape para eu aprimorar meus conhecimentos. Agora trabalho e tenho aprendido que fatores como pontualidade, assiduidade, produtividade e outros contam na hora da contratação e na continuidade do trabalho”.
Como funciona
Os clientes (usuários) da Avape passam por avaliação e, conforme suas características e habilidades pessoais, são direcionados para uma vivência profissional que simula o ambiente de trabalho. São oferecidas oficinas de adereço, restauração de móveis, culinária, produção, serviços administrativos, entre outras. De acordo com Maria Cristina Bachiega, chefe das unidades da Avenida Brasil e Mooca, “as atividades são desenvolvidas sempre em grupos, sob o acompanhamento de monitores e supervisionadas por psicólogos e assistentes sociais. O tempo de permanência nas estações de trabalho varia de pessoa para pessoa. Cada cliente tem uma ficha de avaliação de competências, como pontualidade, assiduidade, apresentação pessoal, relacionamento com colegas e com o instrutor, comunicação oral e escrita, atenção/concentração, vitalidade/iniciativa, trabalho em equipe e disciplina”. As oficinas funcionam das 8 às 17 horas, com intervalo para a hora do almoço.
Quando o aprendiz está adaptado ao mundo do trabalho, é encaminhado para as empresas com as quais a Apave mantém parcerias, e inserido em vagas condizentes com sua vocação profissional. Após a contratação, são acompanhados, caso necessário, por psicólogos e assistentes sociais, que fazem visitas sistemáticas ao ambiente de trabalho, a fim de garantir o êxito do processo. “Trabalhar na Avape é um desafio. Tenho um irmão deficiente e sempre tomei conta dele, mas descobri aqui que precisamos ter paciência, pois são como uma flor que desabrocha, desde que bem cuidada”, diz o monitor Paulo Sérgio Fernandes, responsável pela oficina de produção da Avenida Brasil.
Obstáculos para trás
Segundo a professora de informática para deficientes auditivos Fabiane Cattai da Silva (que dá aulas na Avape de Santo André), “os obstáculos foram ficando para trás. Todos os dias tenho um desafio a superar, e nesses cinco anos, as vitórias foram imensas”. Fabiane é especialista em Língua Brasileira de Sinais (Libras), linguagem para surdos, e faz pós-graduação em Educação Especial na FMU.
Para a assistente social Cristina Sasonatto Brandão, “trabalhar na Avape modifica o nosso modo de encarar a vida. Passamos a reconhecer valores, como profissionais e seres humanos, que a sociedade consumista está deixando para segundo plano. Aqui aprendemos qual é o objetivo de nossas vidas: a doação”.
De acordo com o psicólogo Flávio Gonzalez, subchefe da unidade Santo André, “não há desafio maior do que trabalhar com pacientes especiais. Aprendemos a ver em cada um deles a chama da potencialidade que a sociedade tenta apagar”. Há dez anos na Avape, Flávio diz que a sociedade brasileira passa por processo de amadurecimento e ocorrem mudanças importantes quanto à situação do portador de deficiência: “Acredito que daqui a dez anos a realidade será outra e a pessoa com necessidade especial será tratada com mais dignidade, se
08/11/2006
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