Especial: deputados relatam visita a assentamentos em Hulha Negra



Barracas de plástico preto montadas na beira da estrada, crianças descalças jogando bolita, mulheres carregando galhos de árvores para armar as barracas e homens jogando futebol. Isto é o que se vê quando se aproxima do assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Estância Velha, em Hulha Negra, visitado na última sexta-feira pelos deputados Luís Augusto Lara (PTB) e Paulo Azeredo (PDT). De acordo com o quadro relatado pelos parlamentares, cerca de 100 metros colina acima, outro assentamento – de agricultores vindos de Tupanciretã não-ligados ao MST vive um drama. A fazenda em questão já foi comprada pelo governo estadual. Depredação "A distância que separa estes dois grupos é pequena, mas - em termos ideológicos – a distância é gigantesca. Enquanto no assentamento do MST culpa-se a prefeitura e o governo FHC pela miséria enfrentada, no assentamento Tupanciretã culpa-se o MST pela destruição promovida quando da invasão da sede da fazenda", relatou o deputado Luís Lara. A casa em questão teve suas portas e janelas arrancadas e utilizadas como lenha. O forro também teve o mesmo fim, assim como muitos dos móveis. As louças do banheiro foram destruídas e a cozinha está irreconhecível. Os fios de luz foram cortados e o gerador da fazenda foi irremediavelmente estragado. O pior aconteceu com o único poço artesiano da propriedade. “Eles usaram o poço artesiano como vaso sanitário para que não fosse mais utilizado como fonte de água”, denuncia o agricultor Dirceu Marques, de 59 anos. Aproximadamente 30 pessoas lutam pela sobrevivência na sede da fazenda, em precárias condições. “Sem o poço artesiano, temos que buscar água num riacho que fica a uma hora de caminhada daqui. Temos que fazer esta viagem várias vezes porque só temos um balde para carregar a água”, diz Élvio Pereira Machado, de 53 anos. Comida também é rara. “Só vem arroz e feijão. Nunca veio leite. Faz mais de dois meses que não vem nada”, comenta Machado a respeito das cestas básicas dadas pelo governo do Estado. O prefeito de Hulha Negra, Marco Antônio Ballejo Canto (PDT), faz outra crítica ao sistema de cestas básicas. “O governo não leva em conta o tamanho da família. Uma família com três pessoas recebe a mesma ração que outra com sete pessoas’, afirma. Abandono O deputado estadual Luís Augusto Lara (PTB) esteve nos assentamentos na última sexta-feira (17/08) e viu a miséria enfrentada pelos agricultores de Tupanciretã. “Como não são do MST, estas pessoas não fazem parte do sistema político do Partido dos Trabalhadores e, por isso, ficam abandonados pelo governo do Estado”, disse o parlamentar. Lara afirma que o governo atual repete o mesmo erro de outros partidos. “As famílias são jogadas na terra sem as menores condições de vida e trabalho. A saúde, o transporte, a alimentação, a escola têm que ser bancadas pela prefeitura, pois o governo estadual não faz seu trabalho direito”, informa o deputado. Lara cobra a seqüência da reforma agrária promovida pelo Estado. “Temos que pressionar pela segunda etapa deste processo. A terra foi adquirida e as famílias já estão no local. É preciso que se dêem as condições de trabalho e moradia para estas pessoas”, diz o petebista. Descendo a colina, chega-se ao acampamento do MST. O cenário de miséria é semelhante ao encontrado entre os agricultores de Tupanciretã. Entretanto, uma diferença se faz notar imediatamente. Enquanto no primeiro agrupamento não havia líderes, bandeiras e discursos político-partidários, no acampamento do MST há profusão de bandeiras vermelhas, lideranças ostentando relógios importados e discursos inflamados contra o governo federal e a prefeitura local. “A responsabilidade é da União e da prefeitura, não é do Estado”, afirma Adelar Feyh, líder do MST. Mesmo diante da dura realidade, ele elogia o governo estadual. “O governo do Estado está fazendo a reforma agrária. Está mal, mas é reforma agrária”, disse. Tensão O deputado estadual Paulo Azeredo (PDT) não se conteve e perguntou ao líder do MST qual era a responsabilidade do governo estadual por aquela miséria encontrada. Feyh esquivou-se, dizendo que “não devemos entrar no mérito da administração estadual”. Em tom de ameaça, ele disse que não permitiria críticas ao movimento. “Não admitimos que estas fotos, estas filmagens e anotações sejam negativas a nós. Vocês sabem da força do nosso movimento”, declarou. Feyh reclamou que não havia luz sequer para ele carregar a bateria do seu celular para se comunicar com outros assentamentos e com a prefeitura de Hulha Negra. Em resposta a esta reclamação, o deputado Azeredo lembrou que a CEEE é estatal e que a falta de luz deve-se à depredação promovida pelo MST na sede da fazenda. Feyh alterou-se e não quis comentar o assunto. Foi mais além, ameaçando proibir as filmagens e confiscar o filme da máquina fotográfica e as anotações deste jornalista. O líder do MST disse ainda que a prefeitura havia cortado o combustível do carro utilizado por um dos integrantes do MST e o direito de fazer ligações a cobrar para a prefeitura. Em resposta, o prefeito Marco Antônio Canto disse que o corte de despesas atinge todo o município. “Se falta remédio aqui no assentamento, falta também na sede do município”, concluiu. Embora o tom por vezes áspero e de ameaças que marcou a conversa entre os deputados e o líder do MST, a impressão final foi bastante positiva. “A vinda de representantes de Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa aqui abriu um canal de negociações. Vamos ouvir os companheiros para levantar as necessidades e montar uma proposta a ser apresentada a vocês”, concluiu Feyh. Abrindo Fronteiras- Depois de verificar a situação no assentamento da fazenda Estância Velha, os deputados da Comissão de Agricultura foram ao assentamento, considerado modelo pelo governo estadual, “Abrindo Fronteiras”, inaugurado pelo governador Olívio Dutra no dia 30 de dezembro de 1999. Na ocasião, cada família recebeu um lote de 17,5 hectares. Quase 20 meses depois, as famílias ainda não têm casas, nem condições para plantar. “Faz 20 dias que o material chegou. Conforme vamos construindo, vai chegando mais madeira e telhas”, diz o agricultor Moacir Domingos Pazeti, oriundo de Cerro Grande. “Para construir o telhado é preciso esperar pelo engenheiro”, complementa. Para a aquisição de eletrodomésticos, animais e obras para rede de água é necessário fazer um financiamento no banco. “Temos que tirar R$ 2 mil. R$ 1 mil para construção de um poço artesiano e outros R$ 1 mil para animais, eletrodomésticos, móveis e ferramentas para trabalhar a terra”, informa Pazeti. A energia elétrica será a última benfeitoria que será conquistada. “A luz só virá para o assentamento como um todo depois de estudo da CEEE’, disse o agricultor. A casa que estão construindo há 20 dias tem 54 m2 e servirá de moradia para o casal e seu filho. O custo de cada moradia é de R$ 4,6 mil. O assentamento não leva em conta as diferenças climáticas existentes entre as regiões do Rio Grande do Sul. “Aqui é bem diferente de onde viemos. Não sabemos o que vamos plantar porque a terra, o clima, tudo é muito diferente e desconhecido”, diz a esposa do agricultor, Íris Pazeti. O casal lembra os anos difíceis em que ficaram acampados com o MST. “Passamos dois anos e meio acampados antes de sermos colocados aqui. No início, não éramos do MST, mas tivemos que passar a ser, senão não receberíamos este lote”, afirmam. Os deputados Lara e Azeredo criticaram a demora no andamento das obras. “O governo estadual não pode esperar quase 20 meses para dar continuidade à reforma agrária implantada nesta fazenda,” disse Lara. Já o pedetista, criticou o excesso de madeira usada na construção das casas e a qualidade das telhas enviadas aos assentados. “Há desperdício de material e a qualidade das telhas é duvidável, ainda mais tendo que enfrentar um clima inóspito como o encontrado nesta região”, disse Azeredo. Os deputados estaduais vão levar as informações que colheram e o material produzido, durante a visita ao município de Hulha Negra, à Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa. Com isso, pretendem unir esforços para que possam exercer pressão sobre o governo estadual para que seja garantida a qualidade de vida que é alardeada pela propaganda oficial do governo estadual.

08/21/2001


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