Everardo Maciel: País deve evitar mudanças tributárias bruscas



A simplificação do sistema tributário brasileiro é valida, mas ela deve levar em conta as peculiaridade do pais, afirmou nesta terça-feira o consultor e ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em audiência pública sobre transparência e outros temas tributários.

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Everardo Maciel ressaltou que todos os sistema tributários do mundo são complexos, e que este não seria um típico fenômeno brasileiro. Sendo assim, afirmou, o Brasil não deve se considerar o patinho feio da historia, até porque os europeus consideram o sistema brasileiro simples e eficiente.

- A tributação sobre a renda no exterior é extremamente complicada. As regras são complicadas porque a vida ficou complicada no mundo globalizado, não que eu defenda a complexidade. Tem que reduzir a complexidade do sistema tributário, mas não somos diferentes do resto do mundo - afirmou.

Everardo Maciel lembrou ainda que a carga tributária brasileira é explicada pela despesa do país, uma vez que a Constituição de 1988 fez a opção por um Estado de bem-estar social, ainda que incompleto e ineficiente.

- Se tem despesa, tem carga tributaria. Não existe almoço de graça. Se há programas sociais, vão ser alimentados com recursos públicos que existem na carga tributária - afirmou.

O ex-secretario da Receita Federal reconheceu que o sistema tributário brasileiro tem iniquidades, mas lembrou que a tributação brasileira sobre a renda é tida como um paradigma internacional. Ele ressaltou ainda que desperdício e corrupção são problemas que não têm a ver com carga tributaria, que ainda assim pode ser reduzida.

- Olhar para reduzir a carga é olhar para a despesa. E toda despesa tem pai e mãe, não é órfã. Se alguém cortar uma despesa diz 'essa ai, não, corta aquela que é melhor'. Essa complexidade natural faz com que seja difícil reduzir a carga tributária, não é coisa trivial - afirmou.

O consultor observou ainda que a carga tributária nos Estados Unidos é inferior à brasileira porque lá as despesas são efetuadas pelo contribuinte com extraordinárias oportunidades de deduções.

- O que você gastar pode ser deduzido no imposto de renda. Claro que a carga tributaria vai diminuir, mas não a renda pessoal disponível - afirmou.

"Lógica das Expectativas"

Everardo Maciel disse que toda reforma "é fascinante" porque vai trazer algo melhor do que aquilo que se tem hoje, assinalando que a reforma tributária, de conceito atemporal, é explicada pela "lógica das expectativas", a qual não se explica de imediato.

Ele observou que não existe unanimidade sobre o tema e que as reformas e sistemas resultam de tensões políticas, sendo aprovados pelo Parlamento, que é a "casa da política e dos conflitos".

- Todo sistema é por definição imperfeito, e isso explica a lógica da expectativa da reforma, que com o tempo se torna obsoleta - afirmou.

Como exemplo Everardo Maciel lembrou que até 1945 o Brasil não fazia tributação com bases mundiais, mas apenas em base territorial, levando em conta apenas os resultados auferidos em território nacional. A de base global passou a ser feita em 1996, em razão do advento da globalização da economia mundial, algo que ainda não se impunha por volta de 1970.

Entre as questões básicas que envolvem a reforma tributária, Everardo Maciel disse que a primeira diz respeito ao embate entre os realistas e fundamentalistas, que existe o tempo inteiro. A segunda é a abrangência da reforma, se ela vai ser feita a partir de um remendo ou de uma reforma, realmente.

- Todas as vezes que ampliamos o espectro de uma reforma maximizamos as tensões políticas, o que inevitavelmente resulta em impasse, ficando "a" contra "b", "b" contra "c" - afirmou.

Um erro grosseiro quando se trata da reforma, segundo Everardo Maciel, é confundir o tratamento da carga tributária com matéria de federalismo fiscal e qualidade do sistema.

- Se entrou federalismo fiscal acabou o resto. No Congresso, toda vez que se discutiu algo com mudança no FPM [Fundo de Participação dos Municípios] teve impasse. E isso é natural, tem apelo político, que é mais poderoso que qualquer outro - afirmou.

Everardo Maciel apontou ainda os perigos da via constitucional, uma vez que, segundo ele, não existe país no mundo com tanta densidade em matéria tributaria como o Brasil. Em sua avaliação, quando se ingressa em discussão de questão constitucional, acaba-se tornando a matéria mais rígida.

Ele lembra ainda que há em torno de 250 dispositivos na Constituição, e que na Câmara dos Deputados a última proposição de projeto de reforma tributária tinha 350 normas a acrescentar.

- Isso é administrável, o que explica a dificuldade enorme que temos para resolver questões na área tributária - afirmou.

Ele citou ainda o "servilismo intelectual" de alguns setores, que apostam na adoção de tributos existentes em outros países, como o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), como solução para a reforma tributaria. Everardo Maciel disse que essas transposições podem ser desastradas e que o "medo da mudança" também impede as alterações.

- O erário quer a mudança, mas a mudança tem custo. E se a arrecadação cair? Como é que eu faço? Eu não cortei despesas. E aí? O medo da mudança existe e não é só do Erário, mas dos agentes econômicos, das federações - afirmou.

Em relação ao método da reforma, Everardo Maciel aposta em soluções focalizadas de implantação gradual, que não precisariam ser tratadas ao mesmo tempo, mas de forma estanque.

- É desburocratizar? E a competitividade? É simplificar o sistema? Qual é o foco? - indagou.

Ele disse ainda que na reforma tributária devem ser efetivados os direitos do contribuinte, uma vez que não se pode imputar responsabilidade sem a observância mínima do direito de defesa e de princípios consagrados no mundo inteiro.

"Caminhos perigosos"

O consultor, no entanto, apontou dois "caminhos perigosos" quando se aborda a reforma tributaria: O primeiro é o principio do destino do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que pretende reduzir a zero a alíquota entre operações interestaduais, para que ele passe a ser cobrado no destino e não na origem.

- O princípio do destino tem uma propensão de estímulo à sonegação. Se os estados perdem, vão demandar compensação. Se ganham, incorporam ao fluxo corrente de caixa. Quem paga isso é o contribuinte. Vou ter fundo para compensar as perdas fiscais, aumentando a carga tributaria - afirmou.

O segundo caminho perigoso, segundo Everardo Maciel, é a pretensão de sacralizar o modelo do IVA europeu. Esse é um modelo interessante e de muita vulnerabilidade, segundo ele, que foi adotado por 150 países, mas que só funciona bem na Europa e em algumas partes da Ásia. O modelo parte do pressuposto que o consumidor final vai pedir a nota fiscal, "o que não é verdadeiro", afirmou.

- O IVA ainda é o melhor que existe, mas está centrado em hipótese essencial. Se falhar a última peça, o consumidor final, ele fracassa. Na América latina é um desastre, o nível de sonegação é altíssimo. Ele funciona na Europa porque na Europa funciona qualquer coisa, têm elementos culturais que conseguem sancionar qualquer tipo de solução - afirmou.

Ele também ressaltou que o país mais rico do mundo, os Estados Unidos, não tem IVA, porque a sua introdução ali obrigaria a rediscu ssão da federação americana, o que é impensável.

- Como o IVA vai enfrentar o comércio eletrônico? Isso não vai ser simples nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. Ele na tributação do consumo é a melhor coisa que conheço, mas não se aplica para micros e pequenas empresas.

Everardo Maciel disse ainda que a federalização do ICMS é uma "fantasia absoluta que não tem viabilidade nenhuma, só se tivesse a possibilidade de cometer um genocídio envolvendo todos os governadores, prefeitos" e outros atores políticos.

- O ICMS é um imposto estadual. Tem que se pensar como se corrigem seus problemas. Fora disso entra no campo da fantasia - afirmou.



09/08/2011

Agência Senado


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