Excesso de formalismo atrapalha licitações, dizem especialistas
O excesso de formalismo nas licitações foi criticado nesta segunda-feira (2) por especialistas que participaram de audiência pública na comissão temporária que estuda a modernização da Lei 8.666/1993, que trata das aquisições e contratos feitos pelo governo.
A comissão pretende estudar as sugestões e críticas apresentadas e compará-las a propostas em tramitação no Congresso Nacional sobre o assunto, para em seguida elaborar a minuta de um novo projeto de lei. A Lei 8.666/1993 já foi objeto de mais de 600 propostas de mudanças, tendo sido apresentados 518 projetos de iniciativa da Câmara dos Deputados, 157 do Senado e 50 medidas provisórias do governo com o objetivo de alterá-la.
O sócio da Price Waterhouse Coopers, Gileno Gurjão Barreto, disse que o excesso de formalismo provoca perda de tempo com a exigência de documentos desnecessários. Ele lembrou que os Estados Unidos têm uma espécie de agência reguladora que zela pela aplicação de diretrizes na licitação de órgãos da administração federal. Ele defendeu a indenização pela não conclusão de obra, com adoção de seguro, desde que houvesse no Brasil uma abertura maior a seguradoras internacionais, hoje bastante restrita no país.
Barreto também cobrou punição para a apresentação de dados inidôneos e incorretos pelos participantes da licitação, e a definição de prazo especifico para integrantes das comissões de licitação, para evitar que os processos “se arrastem por anos”. Ele também sugeriu que os recursos ocorram apenas em uma única fase do certame, para evitar que os processos tornem-se “absolutamente demorados”.
Barreto propôs que a negociação do pregão eletrônico possa ser estendida a outras modalidade de contratação, dentro de parâmetros pré-determinados. Segundo ele, a adoção de uma central de acervos técnicos para determinadas aquisições também poderia ser utilizada por toda a administração pública de forma mais ampla, e não apenas o cadastro com aqueles que tem o menor preço, que nem sempre configura a proposta mais vantajosa e pode acabar por restringir a aquisição.
Inexigibilidade
Para o especialista sênior em aquisições do Banco Mundial, Carlos Bouza, um orçamento bem feito sempre ajuda a chegar ao orçamento estimado. Já o seu colega de instituição, Frederico Rabelo, também especialista em aquisições, frisou que o único caminho hoje de contratação de alta qualidade ocorre pela inexigibilidade de licitação, que chega a 90% no ramo das consultorias. Segundo ele, uma legislação adequada poderia garantir um processo competitivo de qualidade, não necessariamente com a imposição do critério do menor preço.
Para o ex-deputado Luiz Roberto Ponte, autor do projeto que deu origem à Lei 8.666/1993, é preciso elaborar uma norma que previna a adoção de critérios subjetivos, como forma de evitar irregularidades nas compras públicas. Ele defendeu a existência prévia de projeto e orçamento corretos, que permitam clara definição do objeto da licitação, além do estabelecimento de um preço-teto na contratação; ampla publicidade nas contratações; utilização de critérios objetivos no julgamento das propostas; desqualificação de propostas com preços inexequíveis; punição a atrasos e não cumprimento das propostas; e prazo máximo de 30 dias para pagamentos, que devem ser feitos em ordem cronológica.
A representante da Confederação Nacional dos Municípios, Juliana dos Santos Loiola, sugeriu a criação de um cadastro nacional de fornecedores impedidos de licitar e contratar com a administração pública, o que resguardaria o prefeito de empresas interessadas apenas em burlar o sistema. Ela também cobrou a revisão progressiva anual dos valores de contratação, conforme previsto na própria legislação.
Privado x público
Já o secretário de Fazenda de Salvador, Mauro Ricardo Machado Costa, apontou dificuldades para conciliar interesses privados e do governo nas licitações, e ressaltou que a deficiência para o administrador especificar o bem leva ao encarecimento futuro da obra.
De acordo com Mauro Ricardo, o processo de concorrência é hoje demorado devido a possibilidade de inúmeros recursos que suspendem a licitação até sua conclusão, e permitem que haja “conluio” entre as partes para maximizar o lucro do privado em relação ao poder público, com contratações a preços superiores ao que poderiam ser se houvesse concorrência efetiva entre os participantes.
Mauro Ricardo também defendeu um cadastro nacional de registro de preços, “pois a administração não faz pesquisa adequada de preços, que apresentam gorduras enormes estabelecidas”. Para ele, a alienação de bens públicos, hoje possível por meio de concorrência, deveria ser feita por leilão, o que aumentaria a participação dos interessados e a consequente oferta de preço.
Para o chefe de gabinete do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Ricardo Leite Ribeiro, o aperfeiçoamento da lei deve desestimular a prática de cartéis e infrações à ordem econômica. Segundo ele, os principais setores envolvidos nos cartéis são os serviços terceirizados em obras públicas no Brasil, cujo gasto anual com compras é estimado em R$ 600 bilhões. Ele sugeriu a redução das barreiras à entrada de novos fornecedores, a redução dos custos para participação nas concorrências, a restrição do acesso a informações privilegiadas durante o processo licitatório, e a utilização de instrumentos de tecnologia da informação nas concorrências.
“Desconfiança”
Já o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Edmundo Oliveira, disse que as aquisições do governo “não podem servir para beneficiar os amigos do rei”, e cobrou eficiência nas licitações. A lei atual, afirmou, traz o princípio da desconfiança entre os agentes, e o medo constante prejudica a atuação do administrador público, que está sujeito a responder a processos incômodos ao longo da vida.
Oliveira disse que a lei precisa de comandos mais simples e claros em busca da eficiência, além de maior equilíbrio entre controles e resultados, com autonomia relativa para o gestor público planejar e executar compras, principalmente quando tiver trabalho intelectual envolvido. Ele observou ainda que “é preciso limitar”, pois há 33 exceções na lei, “desde a guerra a compra de hortifrutigranjeiros para a administração pública”.
A comissão é presidida pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e tem como relatora a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que agradeceu as sugestões apresentadas pelos especialistas. A senadora ressaltou que, muitas vezes, a dispensa de licitação chega a ser mais complexa que a própria licitação. Já o relator-revisor da comissão, senador Waldemir Moka (PMDB-MS), disse que o excesso de formalismo nas licitações prejudica até mesmo quem tem boa-fé.
02/09/2013
Agência Senado
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