FH critica pilares da economia







FH critica pilares da economia
O presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou ontem uma cerimônia na Universidade de Moscou, onde recebeu o título de doutor honoris causa , para criticar os dois pilares do sistema de Bretton Woods que regem a ordem econômica do mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

— O sistema de Bretton Woods está obsoleto, se é que algum dia cumpriu os objetivos para os quais foi criado — disse o presidente.

Diante de uma platéia atenta de acadêmicos — muitos deles, leitores de suas teorias sociológicas — o presidente fez uma avaliação do que precisa ser reformado para a criação da nova ordem internacional.

O Banco Mundial, segundo o presidente, precisa ser habilitado a promover o desenvolvimento, e o FMI, dotado de meios para assegurar liquidez ao sistema financeiro internacional.

No segundo dia de sua visita oficial à Rússia, Fernando Henrique voltou a comparar as crises russa e brasileira, sustentando que, nos dois casos, o estopim foi um sistema financeiro que julgou ser preciso estancar com os financiamentos, independentemente dos esforços dos dois países para corrigir as distorções internas. Ele queixou-se do problema ainda pendente da volatilidade dos fluxos financeiros. Num jantar oferecido pelo presidente russo Vladimir Putin, tocou de novo no assunto:

— O Brasil e a Rússia foram vítimas da volatilidade do capital financeiro. Na verdade, fomos vítimas de um tempo em que a economia foi globalizada, mas a política não. Inexiste um mecanismo efetivo de monitoramento político dos movimentos de capital. Urge criá-lo.

Repetindo as linhas gerais do discurso que fez na Assembléia Nacional Francesa no ano passado, o presidente criticou o G-8, o grupo dos sete países mais ricos do mundo e mais a Rússia, dizendo que “os rumos da globalização, pela universalidade de seus efeitos, não podem ficar à mercê de instâncias restritas como G-7 ou G-8 (que substituiu o G-7)”. Ele considera o melhor espaço para diálogo o Grupo dos 20 (G-20), que inclui países ricos e emergentes.

Rússia apóia Brasil para Conselho da ONU

Da crítica ao G-8, o presidente emendou com a necessidade de se reformar o sistema da ONU.

— Em nome da legitimidade, o sistema das Nações Unidas carece de atualização. O Conselho de Segurança deve ser ampliado e reformado para melhor refletir a realidade de nossos dias — disse.

A reforma do Conselho de Segurança da ONU foi um dos pontos altos do encontro que o presidente teve ontem com Putin, no Kremlin, centro do poder russo. Num comunicado conjunto, assinado pelos dois presidentes, Brasil e Rússia concordaram que o Conselho de Segurança -— dominado desde o fim da Segunda Guerra por cinco países com poder de veto na ONU (Estados Unidos, França, Reino Unido, China e Rússia) — precisa ser mais representativo.

A Rússia tornou-se ontem o primeiro integrante permanente do conselho a apoiar a candidatura do Brasil a membro permanente. No comunicado, a Rússia diz que considera o Brasil, “membro influente da comunidade internacional, como um dos candidatos apropriados para ocupar vaga de membro permanente, no contexto de um possível acordo sobre a ampliação do Conselho de Segurança”.

O Brasil é uma “Rússia tropical”

Em cada discurso, Fernando Henrique quis mostrar como Brasil e Rússia, em muitos aspectos, estão afinados. Para os acadêmicos, na universidade, ele definiu o Brasil como “uma Rússia tropical”.

— Quero com isso ressaltar o fato de os dois países estarem inseridos de maneira singular no Ocidente, de constituírem uma espécie de outro Ocidente. A imagem que de si projetam os povos russo e brasileiro foi construída ao longo de um diálogo duradouro e por vezes tenso com o pensamento ocidental, ora assumido como modelo, ora como espelho invertido daquilo que éramos ou nos sentíamos credenciados a ser.

Os presidentes enfatizaram as coincidências de pontos de vista entre os dois países. Para o governo brasileiro, essa é a base da esperada aliança estratégica do Brasil com a Rússia.

O comunicado também faz uma crítica indireta aos EUA na área de desarmamento, quando os dois presidentes reafirmam a importância do Tratado de Mísseis Antibalísticos, um acordo de 1972 abandonado no ano passado pelo governo de George W. Bush. Brasil e Rússia declararam ontem que consideram o tratado um dos pilares do sistema jurídico na área de desarmamento.

No documento, o Brasil manifestou apoio à entrada da Rússia na Organização Mundial de Comércio (OMC), uma das prioridades de Putin na área econômica, que depende de longo processo de negociação entre os 144 países membros da OMC. Brasil e Rússia assinaram vários tratados ontem, entre eles, o de extradição, para permitir melhor coordenação no combate ao crime organizado, e um programa de intercâmbio cultural, educacional e desportivo. Putin aceitou convite de Fernando Henrique para visitar o Brasil ainda este ano.


FH articula e consegue aproximar Serra de Tasso
BRASÍLIA. Graças à intervenção do presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Saúde, José Serra, e o governador do Ceará, Tasso Jereissati, finalmente tiveram sua primeira conversa depois de meses de conflituosa relação. Após uma delicada operação — que contou com a participação decisiva de Fernando Henrique — Serra não apenas telefonou para a casa de Tasso no sábado como está convidando aliados do governador para integrarem o núcleo de coordenação política de sua campanha. O ministro, que se recusava a procurar o governador alegando que não havia o que dizer, encontrou um motivo: agradecer a declaração de apoio feita por Tasso no dia anterior.

— Serra e Tasso já se falaram. Não sei se Tasso estará em Brasília no lançamento da candidatura de Serra. Mas o clima entre os dois melhorou muito — comemorou o senador Teotônio Vilela (AL).

FH, Aníbal e Pimenta convenceram Tasso

Antes do esperado telefonema, foi necessária a atuação do presidente do PSDB, José Aníbal (SP), e do ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, além de Fernando Henrique. Eles convenceram Tasso a dar demonstração pública de fidelidade partidária, anunciando apoio ao candidato do PSDB. Na sexta-feira, véspera do embarque para a Rússia, o presidente telefonou para o governador, que vinha manifestando irritação com o governo. Ficou acertado, então, que Serra telefonaria para Tasso no sábado.

Não é só. Convencido de que precisa da adesão sincera de Tasso para conquistar votos no Nordeste, onde só encontra sólido palanque em Pernambuco, Serra concordou com as ponderações de Fernando Henrique, para quem é fundamental ampliar o círculo de políticos próximos a ele.

Na semana passada, Serra convidou o ex-governador José Richa, fiel aliado do falecido governador Mário Covas e de Tasso, para participar da coordenação de sua campanha. Richa ainda não respondeu. Ele diz que trabalha para uma empresa em São Paulo e que, dificilmente, conciliaria as duas funções. E avisou que não tomará qualquer decisão sem consultar a família Covas e Tasso.

— Mas não acredito que sejam contra — ressalvou.

Pimenta da Veiga, recém-convertido ao serrismo, também foi convidado para exercer o papel de coordenador na campanha do ministro. Ele teve papel importante nas duas campanhas de Fernando Henrique. O ministro disse ontem que espera a volta do presidente, no fim de semana, para decidir qual será sua missão.

Segundo Pimenta, ao voltar da Rússia, Fernando Henrique reunirá seus ministros para discutir a data de saída dos candidatos. A expectativa é que recomende a exoneração após o carnaval, data programada para a saída de Serra. A debandada co njunta diluiria atenções e acabaria derrubando obstáculos à candidatura de Serra. Resolveria o problema da presença no governo do ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, que se lançou pré-candidato do PMDB à Presidência.

Saída de Suassuna resolveria problema na Paraíba

Outro problema seria resolvido com a saída de Ney Suassuna, maior adversário do PSDB na Paraíba. Lá, os tucanos se negam a apoiar Serra porque estão contrariados com o desempenho de Suassuna. Semana passada, o PSDB da Paraíba esteve em Brasília para reclamar, no Planalto, do fato de Suassuna ter atendido a todas as prefeituras do estado, à exceção das de João Pessoa e Campina Grande, administradas pelos tucanos Cícero Lucena e Cássio Cunha Lima.

— Além do boicote às duas cidades, Suassuna adota um discurso muito agressivo contra nós quando vem aqui — queixou-se Cunha Lima.

No fim de semana, Aníbal teve que viajar à Paraíba para aparar essas arestas. Ontem, ele ainda discutia com Serra a data do anúncio da candidatura do ministro. Originalmente prevista para amanhã, foi adiada para a quinta-feira, dando maior prazo para a organização do anúncio e a convocação dos tucanos. Será um ato formal, sem pompa, no âmbito da executiva do PSDB.


Roseana criticará o PT e o PSDB no programa do PFL
BRASÍLIA. A governadora do Maranhão, Roseana Sarney, volta ao ar hoje em cadeia nacional de rádio e TV, no horário eleitoral do PFL, protagonizando uma versão mais agressiva do que a dos programas anteriores. Numa das inserções, ela fará críticas sutis ao PT e ao PSDB. Roseana dirá que o Brasil não pode ter um presidente do Maranhão, ou da CUT, do MST ou de São Paulo. Ela dirá que o presidente deve representar o país e o povo. Assim, tentará atacar indiretamente o PT, que é ligado aos movimentos sindicais e aos sem-terra, e também o PSDB paulista e o ministro José Serra.

Em outro filmete que também estréia hoje, Roseana falará da Argentina. Em tom de alerta, dirá que o problema é a desunião dos políticos. “Não me venha dizer que falar em união é coisa de mulher. O povo sabe das coisas e o povo quer que os políticos parem de criar problemas para resolver os problemas do povo”, dirá a governadora.

Para caracterizar que se tratam de programas partidários, todas as inserções passarão a ter a assinatura “Compromisso com o Brasil, PFL é 25”. No dia 31, o PFL veicula o programa partidário mais longo, de 20 minutos. A idéia básica das inserções é convencer que Roseana não representa a volta das oligarquias ligadas ao ex-presidente José Sarney.


Itamar: ‘Mailson é analfabeto em economia’
BELO HORIZONTE. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), rebateu as provocações do ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, qualificando-o de “insignificante e analfabeto em economia”. Itamar se referia às declarações de Mailson, para quem o governador e o ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes (PPS) são “candidatos periféricos em marcha para a insignificância”. Além disso, Mailson foi irônico ao dizer ontem, em São Paulo, que o governador mineiro “oscila de acordo com o topete”.

Itamar respondeu às críticas afirmando que Mailson levou o Brasil a uma das maiores taxas de inflação da história. Também pediu ao ex-ministro que o deixasse em paz.

“Um homem dessa insignificância, que levou o Brasil a uma das maiores taxas de inflação, portanto um analfabeto também em economia, deveria se manter ocupado, com seus patrões, em continuar escrevendo uma história de subserviência e de entrega da pátria por um punhado de dólares”, afirmou o governador, em nota.


PT considera provocação slogan de Rosinha
“Não basta ser mulher, tem que ser Rosinha”, slogan criado pelo PSB para a campanha ao governo do estado da primeira-dama e secretária de Ação Social, Rosinha Matheus, acirrou os ânimos no PT. A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembléia Legislativa, a deputada Cida Diogo (PT) considerou o slogan uma provocação ao seu partido, que já lançou a candidatura de outra mulher, a vice-governadora Benedita da Silva, à sucessão do governador Anthony Garotinho. Ontem, a candidatura de Rosinha ganhou novo impulso. Nas prévias do PSB, Rosinha teve sua candidatura aprovada por 90 dos 92 diretórios municipais.

Ao anunciar o resultado, o presidente regional do PSB, o deputado federal Alexandre Cardoso, afirmou que o partido vai realçar o desempenho de Rosinha à frente da Secretaria de Ação Social, onde ela comanda projetos que, no início do governo, eram de responsabilidade de Benedita:

— Rosinha, à frente da Secretaria de Ação Social, teve uma gestão vitoriosa. Vamos mostrar essas marcas, como o restaurante popular e o cheque-cidadão. São projetos que na gestão da Rosinha tiveram um desenvolvimento mais transparente, rápido e eficaz.

Cida disse que comparações entre os desempenhos de Benedita e Rosinha à frente da área social são descabidas porque a vice-governadora foi boicotada por Garotinho. Benedita não comentou o assunto.

PSB quer que Rosinha aceite candidatura até sexta-feira

— No primeiro ano de governo, o que foi destinado de recursos para a vice-governadora e para a Secretaria de Ação Social? Nada. Mas depois entrou Rosinha, mulher do governador. Aí ficou fácil. Rosinha nunca se envolveu em movimentos de defesa da mulher. Benedita tem um histórico de lutas nessa área — disse Cida.

A deputada é integrante do grupo de trabalho do PT que prepara a transição do governo, prevista para abril, quando Benedita deve assumir o cargo no lugar de Garotinho, que renunciará para disputar a Presidência.

Na quinta-feira, Rosinha receberá da direção do PSB o resultado das prévias e de consultas feitas entre deputados e prefeitos do partido, todos a favor de sua candidatura. Sexta-feira, receberá novo apelo para se candidatar, desta vez do Movimento Nacional de Mulheres do PSB.

— Esperamos que, no máximo até sexta-feira, ela diga que aceita ser candidata — disse o deputado estadual Geraldo Moreira, membro da comissão do PSB que trata da sucessão de Garotinho.


Marta rasga a roupa em área de risco
SÃO PAULO. A prefeita Marta Suplicy (PT) escorregou no barro e rasgou a calça quando visitava a favela do Morro do Sabão, no Jaguaré, Zona Oeste, na tarde de ontem. Ela adiou a reunião com o presidente de honra do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, para tentar convencer os moradores que continuavam na área de risco a irem para o albergue da prefeitura.

Acompanhada do secretário de Implementação das Subprefeituras, Jilmar Tatto, a prefeita entrou nos barracos, mas foi impedida de ir ao alto do morro pelo superintendente de Obras da Secretaria de Infra-estrutura Urbana, Flávio Ferreira Topa. Marta prometeu cadastrar hoje as famílias no programa Renda Mínima e priorizar os desabrigados nos projetos habitacionais.

— Disse que eles podiam morrer e mostrei as propostas. Essas pessoas vivem em situações limite. Tenho receio que aconteça uma tragédia na próxima chuva — afirmou a prefeita.

As 25 famílias desabrigadas ficarão no Centro Desportivo do Jaguaré até a construção de casas pré-fabricadas em terrenos que serão escolhidos pela Administração Regional da Lapa. Segunda a prefeita, existem 915 áreas que correm risco de desabamento na cidade.

Sete barracos desmoronaram e 25 foram interditados no Morro do Sabão, por causa da chuva de domingo. Além disso, 50 pessoas ficaram desabrigadas e passaram a madrugada de ontem no acostamento da Marginal Pinheiros.


Casal acusa deputado de exigir 70% do salário
BRASÍLIA. Nélio Vieira e sua mulher, Célia Regina Simões Vieira, que trabalhavam para o deputado Dino Fernandes (PPB-RJ), acusam o parlamentar de demiti-los por se recusarem a repassar 70% de seus salários para ele e sua mulher. Em denúncia enviada à Ouvidoria da Câmara e ao presidente da Casa, Aécio Neves (PSDB-MG), Nélio disse que Célia Regina, exonerada em dezembro, foi agredida pela mulher de Fernandes.

O casal trabalhava no escritório político comunitário de Irajá. Fernandes desmente Nélio e diz que nunca houve agressão em nenhum dos cinco escritórios de atendimento comunitário que tem no Rio. E nega que tenha obrigado alguém a devolver parte dos salários. Fernandes ameaça Nélio com um processo.

Se Aécio tomar providências, o primeiro passo será enviar a denúncia à Corregedoria, onde o corregedor Barbosa Neto (PMDB-GO) pode decidir acionar o Conselho de Ética.

Na mensagem enviada à Ouvidoria da Câmara e a Aécio, Nélio Vieira afirma: “Estou decepcionado com o comportamento do Departamento Pessoal no episódio da funcionária Célia Regina Vieira. Solicito o pedido de abertura de inquérito contra o responsável pelo setor, bem como contra a pessoa do deputado Dino Fernandes, por exigir de seus funcionários a devolução de parte de seus salários”.


Congresso pode mudar a MP do Imposto de Renda
BRASÍLIA. O presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), alertou ontem para a possibilidade de o Congresso derrubar modificações incluídas pelo governo na medida provisória que regulamenta a correção na tabela do Imposto de Renda. Tebet disse que, pelo que ouviu de líderes de diversos partidos, não repercutiu bem a decisão de aumentar a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) paga por empresas e profissionais liberais e de manter a alíquota de 27,5% para quem ganha acima de R$ 2.115,01 mensais.

— Não vou polemizar nem ameaçar. Mas, se fosse o governo, não contaria com a aprovação do texto exatamente como está. Não são favas contadas — disse Tebet.

Ele afirmou ter ficado chateado ao constatar que o texto fora alterado após uma conversa com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, pouco antes da aprovação.

No último fim de semana, Tebet conversou com políticos da base e da oposição, que se queixaram da manobra do governo.

Líder do PT pede hoje a convocação de Malan

Apesar disso, Tebet acha que não vale a pena discutir a questão durante o recesso. Ele tentou convencer o líder do PT na Câmara, deputado Walter Pinheiro (BA), a desistir de convocar Everardo Maciel e Pedro Malan. Não teve sucesso e Pinheiro deve enviar hoje o pedido de convocação. O petista afirmou que adiar o debate é aceitar a estratégia da equipe econômica de diluir as resistências às mudanças.

— É claro que concordamos com a posição firme de Tebet quanto à maneira com que o governo conduziu a questão até agora. Mas achamos que ele vai nos entender e aceitar a convocação agora — ponderou Pinheiro.

O presidente do Senado insiste na tese de que, como o Congresso vai ter mesmo que discutir o tema antes de aprovar a medida provisória, que a convocação de Pedro Malan e Marco Maciel seja feita durante os debates, em fevereiro ou março.


Artigos

O MST e o governo federal
FREI BETTO

Desde ontem, e até sexta-feira, o MST promove, em Belo Horizonte, seu 100 Encontro Nacional. Vai debater sua agenda de mobilizações neste ano eleitoral, e tentar superar o impasse — ou, como prefere João Pedro Stédile, o empate: nem o governo federal logra destruir o MST, nem o MST consegue fazer avançar a reforma agrária.

Há muita demagogia com o dinheiro público. Basta dizer que os cofres do Tesouro Nacional receberam de volta, no fim do ano passado, cerca de R$ 100 milhões destinados ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Esta quantia deveria ter sido emprestada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário aos sem-terra assentados.

O ministro Raul Jungmann culpa os bancos, alegando que eles retiveram o dinheiro, pois estariam mais interessados na ciranda financeira que no crédito rural. Tal acusação é um atestado público de incompetência do governo. Um país que tem governo não admite que bancos manipulem a seu bel-prazer recursos públicos destinados a famílias carentes.

A opinião dos prejudicados não coincide com a do ministro. Para obter crédito, os assentados precisam apresentar projetos. Para elaborar projetos, necessitam da assessoria de agrônomos do Incra. Pois uma das condições para os assentados sacarem é, segundo Delwek Matheus, dirigente do MST, a contratação de empresas de assistência técnica.

Ocorre que o Incra vem reduzindo drasticamente o número de técnicos disponíveis para acompanhar os assentados, a começar pela desarticulação da Emater, suspeita de afinar com o MST. No Maranhão, a governadora Roseana Sarney extinguiu, com uma canetada, a Emater, deixando os assentados sem ponte entre as suas necessidades e os recursos públicos.

Em vez de criar instrumentos para uma boa política fundiária, em Brasília o governo federal criou o Departamento de Conflitos Agrários, vinculado à Polícia Federal, como se a questão fundiária fosse caso de polícia e não de política. E o Incra tenta substituir o técnico agrícola pela figura do empreendedor social, nomeado para cada assentamento.

No discurso e na publicidade, tudo vai bem como antes no quartel de Abrantes. O executivo garantiu ao Pronaf, para a safra de 2001, R$ 500 milhões. Ao repassar o dinheiro aos bancos, o governo teria esquecido de estabelecer suas exigências à intermediação do empréstimo aos agricultores. O que levou o ministro Jungmann a um desabafo: os bancos, no Brasil, não foram feitos para atender ao povo. Mas parece que o governo foi feito para atender aos bancos, do contrário não permitiria que tamanho boicote à agricultura familiar passasse em brancas nuvens. Segundo o ministro, dos 4,8 milhões de agricultores, só 800 mil tiveram acesso ao crédito bancário.

De acordo com o MST, a meta do governo federal era assentar, em 2001, cerca de 100 mil famílias. Houve até propaganda na TV, incentivando os sem-terra a se cadastrarem diretamente nas agências dos Correios. Mais uma iniciativa oficial para tentar isolar o MST. Contudo, o próprio movimento incentivou os agricultores a se inscreverem nos Correios. Segundo João Pedro Stédile, 860 mil se inscreveram. Porém, não mais de 60 mil teriam sido atendidos, dos quais só 21 mil foram realmente assentados. Assim, 800 mil tiveram a experiência da contradição entre a publicidade oficial e a política real.

É cômodo escrever teses acadêmicas que enfatizam o protagonismo dos pobres na resolução de seus problemas. Difícil é suportá-los como força organizada que se recusa a fazer o papel de correia de transmissão do Estado, como ocorria nos países socialistas.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO

O cacife do PMDB

Com três pré-candidatos à Presidência da República mas sem qualquer garantia de que uma dessas candidaturas será levada até o fim, o PMDB está cuidando de fortalecer os seus palanques regionais. Nos próximos dias, os dirigentes do partido vão retomar as viagens aos estados. Enquanto PSDB e PFL concentram suas forças no plano nacional, o PMDB aposta nas eleições estaduais.

O partido tem, segundo seus dirigentes, candidatos competitivos em quase 15 estados. São palanques fortes que poderão abrigar lá na frente tanto a pefelista Roseana Sarney quanto o tucano José Serra. A cúpula prega o discurso da candidatura própria, mas é certo que um candidato peemedebista à Presidência com menos de 10% de intenções de voto tem sobrevida curta. Só dura até junho.

A força do PMDB nos estados é tema até da nova campanha do partido. Cartazes e panfletos que serão distribuídos nos diretórios estaduais e municipais reforçam essa “vocação estadual” da legenda. Seu presidente Michel Temer lembra que nas últimas três eleições a votação do PMDB nos estados foi uma das maiores entre todos os partidos. Em 1994, os candidatos a governador do PMDB receberam 15 milhões de votos, enquanto que o candidato a presidente Orestes Quércia recebeu pouco mais de três milhões.

Outra candidatura como a de Quércia, ou como a de Ulysses Guimarães em 1989, o PMDB não vai encarar este ano. Ontem, Michel Temer recebeu em São Paulo a visita do ministro Raul Jungmann, que foi expor melhor as razões de sua pré-candidatura.

— Eu disse a ele que queremos candidatura própria, mas ela precisa ser bem construída e com chances — afirmou Temer.

Até 17 de março, quando será realizada a prévia presidencial do PMDB, a cúpula do partido não poderá avançar em outra direção. Mas já está tratando de construir um bem precioso: palanques fortes nos estados para oferecer — e negociar — ao presidenciável que vier a ganhar o apoio do PMDB.Aécio Neves fará uma visita especial amanhã: ao ator e compositor Mário Lago, em sua casa em Copacabana. Para entregar-lhe pessoalmente a Medalha do Mérito Legislativo.

Aos amigos, quase tudo...

Todo ano é a mesma coisa: o parlamentar apresenta emendas ao Orçamento da União, no valor de até R$ 2 milhões, mas dificilmente essas verbas destinadas a obras e serviços são liberadas totalmente pelo governo. E quando o dinheiro sai, vai preferencialmente para os parlamentares governistas. Em 2001, a “preferência” do governo pelas emendas de aliados foi confirmada. Os dez parlamentares mais beneficiados são governistas. E os dez mais prejudicados são da oposição.

No levantamento feito pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR) sobre a execução das emendas de 2001 apenas José Ronaldo (PFL-BA) conseguiu a liberação de quase a totalidade dos recursos: 95%. Atrás dele, o que conseguiu mais foi Odílio Balbinottti (PSDB-PR), com 64% das suas emendas executadas.

Na outra ponta da lista, o mais prejudicado foi o deputado Aldo Rabelo (PCdoB-SP), que até o dia 22 de dezembro — data dos últimos dados disponíveis —, não teve um centavo liberado para projetos e obras. Na lista de dez, o da oposição que alcançou maior percentual de liberação foi João Paulo (PT-SP), 6%. Dr. Rosinha diz que é contra as emendas individuais:

— Mas se elas existem deveriam ser executadas sem discriminação.

Civilizados

No Rio, hoje, tucanos e pefelistas trocarão gentilezas e agrados. O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, estará pela manhã com o prefeito Cesar Maia para formalizar a doação de dois terrenos de propriedade dos Correios à prefeitura do Rio. Um, na periferia, ganhará um projeto de habitação popular. O outro, no Arpoador, poderá virar parque ou praça.

Pimenta vai ainda, ao lado de Ronaldo Cezar Coelho, ver como funciona a distribuição de remédios nos postos dos Correios.

Made in Brazil

O Vox Populi, instituto de pesquisa de Belo Horizonte, está ampliando seu mercado. Depois de trabalhar para campanhas eleitorais em países da América do Sul e da África, vai agora para a Europa. O presidente do instituto, João Francisco Meira, embarca hoje para Lisboa com uma equipe para fazer pesquisas sobre as eleições parlamentares, que acontecerão dia 17 de maio. Vai a convite do Partido Socialista, que levou um susto ao perder a maioria nas eleições municipais de novembro.

A ASSOCIAÇÃO dos microempresários da Baixada Fluminense levará hoje ao prefeito de Caxias, José Camilo Zito, uma proposta para ser incluída em seu programa de governo — caso venha mesmo a ser o candidato do PSDB ao governo do Rio. Além de inusitada, a proposta é das mais polêmicas: os pequenos empresários da região querem que a sede do governo estadual seja transferida para a Baixada. Alegam que a região tem 12 municípios, mais de dois milhões de habitantes e grande potencial de crescimento. É, portanto, muito mais representativo que a Zona Sul, argumenta o presidente da associação Mário Sodré. E Zito pode gostar da idéia.


Editorial

Problema nacional

O número de imóveis em situação irregular no Rio já está próximo de 40% e cresce bem mais rapidamente do que as construções executadas dentro das regras da legislação municipal. Tanto em termos percentuais como em valores absolutos, os números das construções irregulares são maiores na Zona Oeste (Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, principalmente), na região de Jacarepaguá e na Zona Norte.

Embora vários imóveis destinados à classe média não tenham habite-se por falta de cumprimento de todas as exigências da legislação, um levantamento do Instituto Pereira Passos — cujos resultados foram divulgados na edição de domingo do GLOBO — mostra que esse aumento de construções irregulares na cidade se deve especialmente à expansão das favelas e dos loteamentos clandestinos.

Tal fenômeno decorre tanto do pouco crescimento da renda média da população como da ineficiência da política habitacional para atendimento de famílias mais humildes. A política habitacional se baseia em um sistema de financiamento que mesmo a classe média hoje tem dificuldades para suportar, já que o país convive há vários anos com taxas de juros extremamente elevadas e isso não poderia deixar de se refletir no crédito imobiliário. Para as famílias de baixa renda, esses financiamentos são quase inacessíveis. A autoconstrução também exige grande esforço de poupança, impossível para pessoas de renda baixa que tenham antes de adquirir um terreno para fazer a obra. A conseqüência disso tudo é o aumento da favelização e das construções irregulares.

A ausência de uma política capaz de resolver o problema de habitação das famílias de baixa renda acaba gerando outras dificuldades que desembocam na necessidade de mais despesas públicas no futuro. No caso do Rio, as construções irregulares são acompanhadas da falta de infra-estrutura e saneamento básico. Com isso, canais, rios e lagoas são poluídos pelo lançamento de esgoto in natura , o que exigirá posteriormente um esforço muito maior para a recuperação do meio ambiente.

Essa degradação é insalubre para as famílias e, de certa forma, também contribui para a violência urbana, pelo próprio clima de ilegalidade em que as pessoas são obrigadas a conviver. Diante do tamanho do problema habitacional para as famílias de baixa renda, a solução dependerá mais de uma ação de caráter nacional. A atenção que o governo federal vem dando para essa questão é, sem dúvida, insuficiente.


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01/15/2002


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