FH economiza no combate ao crime
FH economiza no combate ao crime
Nos últimos três anos, governo não cumpriu investimentos em segurança pública previstos no Orçamento da União
BRASÍLIA - A execução do prefeito de Santo André, Celso Daniel, por seqüestradores, e o crescimento da violência no país são conseqÜência da política, ou falta dela, do governo federal para a segurança pública. O combate ao crime organizado, que agora promete se tornar prioridade, não estava entre as principais preocupações da administração Fernando Henrique Cardoso pelo menos no segundo mandato. A responsabilidade do Planalto é comprovada nos números do Orçamento, imunes a discursos e promessas.
Os investimentos do governo federal na área de segurança pública ficaram abaixo da previsão nos últimos quatro anos. Bem abaixo. No ano passado, por exemplo, o governo só gastou 59,18% do orçamento inicial de R$ 572,5 milhões no setor. As verbas para policiamento, modernização do sistema e financiamento de projetos de combate ao crime somaram R$ 338,8 milhões. O projeto orçamentário deste ano, aprovado pelo Congresso no fim de 2001, prevê investimentos de R$ 566,3 milhões. É R$ 6,2 milhões menor do que o planejado para o ano passado. E não há garantia que seja cumprido integralmente, como não o foi no passado.
Muitos programas receberam bem menos da média do orçamento liquidado, ou seja, do que foi efetivamente gasto. A prevenção e repressão ao crime organizado, a cargo do Ministério da Justiça, custou aos cofres públicos no ano passado pouco mais de R$ 1,5 milhão. O valor representa apenas 19,38% dos R$ 8,1 milhões previstos para o combate a quadrilhas de seqüestradores, narcotraficantes e comércio ilegal de armamentos, por exemplo. Em 2000, o desembolso foi quase insignificante diante da dimensão do problema: R$ 917,8 mil. O orçamento daquele ano previa gastos de R$ 2 milhões.
Promessa - O investimento em segurança pública e o combate à violência integravam um dos cinco itens de prioridade de governo que levaram Fernando Henrique a se eleger, pela primeira vez, em 1994. A promessa foi repetida quatro anos depois, quando, nas urnas, ganhou direito ao segundo mandato. Juramento que deixou de ser cumprido logo nos primeiros 12 meses do retorno ao Planalto. Em 1999, o Ministério da Justiça investiu apenas R$ 30,95% dos R$ 121,1 milhões em segurança pública previstos no Orçamento. As verbas federais efetivamente liberadas continuaram abaixo dos limites estabelecidos pelo próprio Planalto nos anos seguintes.
Em 2000, cerca de 42% do programado deixou de ser investido. Do total de R$ 475,4 milhões autorizado pelo governo, o Ministério da Justiça gastou R$ 275,6 milhões.Os dados são públicos e podem ser acessados na internet, na página da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.
A assessoria de imprensa do Ministério da Justiça contesta os números levantados pelo Jornal do Brasil. Informa que os dados não incluem despesas de custeio - seriam R$ 1,2 bilhão no ano passado. Os investimentos tratam das despesas em obras e compra de equipamentos. Não levam em consideração o custo de manutenção da máquina pública.
Alguns projetos na área de policiamento sequer tiveram um centavo liberado pelo Tesouro Nacional. É o caso da integração dos sistemas de informação das polícias estadual e federal. O orçamento de 2001 previa R$ 8,050 milhões. Mas investiu no combate ao narcotráfico. De R$ 1,5 milhão previsto, gastou R$ 1,325 milhão.
Violência atropela Serra
Escalada da criminalidade muda discurso do pré-candidato tucano a presidente
A consternação e a revolta provocadas pelo assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, atropelaram o discurso técnico do pré-candidato tucano ao Planalto. Em almoço com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro, ontem, o ministro da Saúde, José Serra, arrancou aplausos ao alterar o tom do discurso de uma hora e falar sobre segurança pública. ''A questão da violência no Brasil tem que ter outra abordagem, de guerra, com mudança de legislação'', disse. Para o ministro, o tema ''vai ganhar um peso muito maior'' neste e no próximo governo.
Serra defendeu ''penas diferenciadas'' e ritos ''mais adequados'' no processo judicial, mas reiterou ser contrário à pena de morte. Citou uma pesquisa que identificou como o maior medo do brasileiro a velhice desassistida, sem aposentadoria ou atendimento médico, ao falar da escalada da violência. ''Mas no ritmo atual, a violência vai se sobrepor até a isso'', admitiu. O tucano classificou a violência como ''o grande gargalo'' do turismo brasileiro.
O destaque dado ao tema não foi gratuito. Antes de discursar, o ministro ouviu uma provocação do presidente do Conselho Superior da Associação, Humberto Mota. ''Segurança pública é, no momento, um flagelo nacional'', queixou-se Mota. O empresário criticou a ausência de políticas de segurança pública e penitenciária, de ressocialização de menores infratores e defendeu o aumento da repressão para dar tranqüilidade aos cidadãos. Mas mandou um recado: os empresários não darão votos a candidatos que se pautarem em ''denúncias pessoais e pirotecnias de marqueteiros.''
Tal qual o presidente Fernando Henrique Cardoso, que na campanha de 1994 apresentou uma plataforma com cinco pontos, Serra fez o mesmo. Mas não apontou claramente os problemas a enfrentar, como fez Fernando Henrique - que citava emprego, educação, saúde, segurança e agricultura. O pré-candidato enumerou questões mais abrangentes. Defendeu a continuidade das ações do governo em cinco planos: estabilidade, políticas sociais, controle do déficit público, diplomacia internacional e democracia.
Serra se estendeu ao falar de avanços sociais e começou pela seara do ministro Paulo Renato Souza, a educação. ''Não vai ser necessário reinventar. Em sua maioria, nossas políticas são boas'', afirmou. Citou o crescimento do percentual de brasileiros alfabetizados, de crianças no ensino fundamental e de pessoas que fazem doutorado. Destacou também os avanços de sua pasta e prometeu ampliar o programa Médico de Família. ''Hoje, ele cobre 50 milhões de brasileiros e brasileiras e será duplicado no próximo governo.''
A política de exportações, a redução das taxas de juros e o fim dos impostos em cascata também estiveram presentes na fala do tucano. Reconhecendo a elevada carga tributária, Serra afirmou: ''Podemos conduzir o Brasil ao desenvolvimento sem aumento da carga tributária''. Para fechar o discurso, prejudicado pela falta de luz que impediu o uso do sistema de som, o ministro prometeu priorizar o Rio caso eleito presidente. Ao final, devido ao apagão, foi obrigado a descer a pé os 14 andares do prédio, cercado por seguranças.
A situação ajudou a que Serra escapasse de perguntas mais incômodas dos repórteres, sobre o surto de dengue e sobre os resultados da política de segurança do governo federal .
Polícia Federal ganha mais poderes
Presidente prepara MP para permitir atuação de agentes contra crime organizado. Alckmin quer proibir celular pré-pago
BRASÍLIA - Pressionado pelo crescimento da violência, tema que promete centralizar o debate na campanha ao Planalto, o presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu reagir. Analisa os termos de uma medida provisória para ampliar a área de atuação da Polícia Federal e permitir que intervenha na investigação de crimes antes de responsabilidade apenas dos governos estaduais, como em seqüestros.
Este é um dos resultados do encontro de ontem entre o presidente, o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, e o governo de São Paulo, Geraldo Alckmin. A idéia da participação da PF nas investigações foi do governador paulista. O texto preparado às pressas pelo Mini stério da Justiça autoriza a PF a investigar crimes de repercussão interestadual e internacional.
Hoje, os delegados federais dependem de solicitação dos governos estaduais para agir fora de sua alçada. A lista de delitos entre os quais está autorizada a agir, inclui também tortura, genocídio, terrorismo, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, trabalho escravo, crimes contra a mulher e a criança e roubo e furto a bancos.
Prática - Antes mesmo de pronta a medida provisória, a idéia será posta em prática. A execução do prefeito de Santo André, Celso Daniel, por seqüestradores, será investigada por uma força-tarefa integrada pela PF, Receita Federal, Forças Armadas - se houver necessidade - e a polícia estadual.
O texto da MP foi discutido com secretários estaduais de segurança pública e representantes do Núcleo de Estudos contra a Violência da USP. Outras 20 propostas foram debatidas. No final da tarde, no Planalto, o governador paulista apresentou ao presidente 13 propostas para conter o avanço do crime organizado. Parte das medidas, no entanto, dependem de aprovação pelo Congresso.
Alckmin sugeriu que os bens de seqüestradores e outros investigados se tornem indisponíveis. Caso o criminoso não prove a origem do patrimônio poderá perdê-lo. O governador propôs ainda que a pena para o porte ilegal de armas adulteradas seja aumentada. Quer restringir também os movimentos de presos considerados perigosos. E, para evitar o deslocamento de acusados entre os presídios e os fóruns, as atividades processuais devem ser realizadas no interior dos centros de detenção. ''São Paulo faz mais de mil escoltas por dia para levar presos a depor'', argumentou Alckmin. ''Isso mobiliza a polícia e aumenta o risco de resgate.''
Celular - As idéias do governador não pararam por aí. Algumas são polêmicas, como a proibição de venda de celulares pré-pagos. ''Eles são usados de maneira indiscriminada'', observou. ''Pode reduzir a comodidade de alguns, mas a sociedade sairá ganhando.''
Hoje, Fernando Henrique e o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Renato Guerreiro, vão se reunir para analisar a proposta. No encontro, FH vai cobrar da Anatel mais rapidez na adoção de equipamentos que bloqueiam ligações em regiões próximas a presídios.
O governador de São Paulo quer também que a PF deixe de fiscalizar as empresas de segurança particulares. A competência passaria para as polícias estaduais. O contingente da PF deve, segundo o governador, ser ampliado. Alckmin sugeriu ainda a FH que as Forças Armadas atendam com mais rapidez o pedido de compra de armamentos especiais feito pelos Estados e destruam logo as armas apreendidas.
O governo anunciou a construção de quatro presídios federais de segurança máxima, com capacidade para até 250 presos. ''Os recursos já existem e a compra dos equipamentos está adiantada'', disse Aloysio.
Cabo cai e 67 milhões ficam no escuro
Dez Estados ficam sem luz com queda de linha entre Ilha Solteira e Araraquara e governo não consegue explicar apagão
BRASÍLIA - A queda tde um cabo da linha de transmissão de energia entre a Usina Hidrelétrica Ilha Solteira e a subestação em Araraquara, no Estado de São Paulo, provocou o apagão de ontem. O blecaute se estendeu por dez Estados do Sul, Sudeste, Centro-Oeste e o Distrito Federal. A falta de luz atingiu 67 milhões de pessoas. O fornecimento foi interrompido entre seis minutos, em Brasília, e mais de sete horas, em alguns cidades paulistas.
Mais uma vez surpreendido, depois da pane de março de 1999, o governo não sabe até que ponto o sistema energético é vulnerável a este tipo de acidente. Pelo menos foi o que confessou, ontem, o ministro de Minas e Energia, José Jorge. Ele alegou a necessidade de mais investigações para responder à dúvida. Não soube dizer por que o cabo de transmissão se rompeu. A Secretaria de Energia de São Paulo confirmou o problema na linha de transmissão da estatal Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulistas (CTEEP).
O secretário paulista de Energia, Mauro Guilherme Arce, acredita que os técnicos levarão mais 24 horas para encontrar a explicação. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em nota oficial, informou que o sistema foi desligado às 13h34. O fornecimento começou a se restabelecer às 14h05. No Sudeste e Centro-Oeste, o apagão atingiu 74% dos consumidores.
Durante a tarde de ontem, à falta de explicação, técnicos da Itaipu Binacional e de Furnas Centrais Elétricas SA trocaram acusações sobre a responsabilidade do apagão. O presidente da Eletrobrás, Cláudio Ávila, achou prematuro apontar culpados. A estatal controla a maior fatia do parque de geração de eletricidade do Brasil.
Sem linhas - O diretor-presidente da Itaipu Binacional, Euclides Scalco, contou que às 13h13 as oito máquinas da hidrelétrica pararam e a causa mais provável estaria nas linhas de transmissão. As linhas, explicou o presidente da Eletrobrás, Cláudio Ávila, recebem manutenção de Furnas. Servem para escoar a produção de eletricidade de Itaipu para Furnas e Eletrosul - fornecedora de energia para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Uma hora depois do blecaute, a luz voltou na região Sul. No Centro-Oeste, o apagão durou alguns minutos e o tempo de interrupção variou Estado por Estado. No início da noite, segundo Itaipu, parte das turbinas já estavam gerando energia. Às 18h, enviavam 5.676 Megawatts (MW), pouco mais da metade da demanda do Sudeste e Centro-Oeste no horário de pico, quando o consumo se intensifica.
Ontem à noite, a assessoria de imprensa de Furnas informou que a direção da estatal não comentaria causas ou responsáveis pelo apagão. Preferia aguardar o resultado da investigação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O presidente da entidade, Mário Santos, prometeu entregar hoje um relatório detalhado sobre a pane.
O desabastecimento mobilizou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). À noite, o ministro José Jorge informou que técnicos da agência reguladora estão acompanhando as investigações do ONS. O diretor-geral da Aneel, José Mário Abdo, informou que os consumidores prejudicados pelo blecaute poderão pedir ressarcimento às distribuidoras regionais. Caso se recusem, devem recorrer à Aneel. Em 1999, 9 mil consumidores foram indenizados.
Pagamento de contas confunde consumidor
Bancos vão cobrar acréscimo que Procons consideram ilegal
Contas vencidas ontem podem ser quitadas hoje sem multa. A falta de energia afetou o sistema bancário. O consumidor não pode pagar por isso, alega o o advogado José Roberto Soares de Oliveira, presidente da Associação Nacional de Assistência ao Consumidor e Trabalhador (Anacont). ''Todas as contas vencidas no sábado, domingo ou ontem têm as datas de pagamento transferidas para hoje'', garante. ''A quitação não foi possível por motivo de força maior e o consumidor não pode ser punido.''
A diretora-executiva do Procon de São Paulo, Maria Ines Fornazaro, concorda. ''As contas podem ser quitadas hoje sem multa ou acréscimo'', observa. ''Se o banco ou o responsável pelo recebimento não aceitar, o consumidor deve procurar o Procon.''
Nesses casos, orienta-se o cliente a pagar a fatura, mesmo se houver cobrança de multa, e reclamar depois. ''Como é uma cobrança indevida, o valor pago a mais será devolvido em dobro'', explica Oliveira. ''Mesmo que sejam quantias pequenas, deve-se reclamar. Só assim as empresas melhoram.''
Em várias agências bancárias, a falta de energia interrompeu integralmente as atividades, obrigando os clientes a enfrentar filas nas ruas. Inútil. Quando o abastecimento foi normalizado, o expediente bancário já estava encerrado. Apesar disso, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que a cobrança de m ultas vai seguir exatamente o previsto nos contratos com as empresas, incluindo os pagamentos vencidos ontem. A regra só será alterada, informa a assessoria da federação, quando as empresas detentoras do crédito autorizarem o perdão da multa.
Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria Estadual de Fazenda já comunicou que o IPVA poderá hoje ser quitado hoje sem acréscimo. O Banco Central, que regula a atividade bancária, não se manifestou.
Consumidores que tiveram prejuízos com o apagão, como danos a computadores ou outros aparelhos elétricos, precisam fazer o orçamento do conserto em assistência técnica autorizada e pedir ressarcimento à concessionária de energia do Estado. Sem acordo, deve-se procurar um órgão de defesa do consumidor ou entrar com ação nos Juizados Especiais Cíveis, os Tribunais de Pequenas Causas. ''O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor deixa claro que a concessionária é obrigada a pagar os prejuízos, independentemente de culpa'', afirma o presidente da Anacont. ''Não importa se o problema foi em Furnas ou Itaipu, se o consumidor do Rio sofreu dano, a Light tem de pagar.''
Estados cobram perda por gasolina
BRASÍLIA - Os governos estaduais querem ser compensados pelas perdas na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incide no preço dos combustíveis. Os Estados vão perder dinheiro porque a queda no preço da gasolina fará com que o imposto cobrado sobre cada litro vendido seja menor. Cálculos do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) mostram que essa perda estadual será em torno de R$ 1,6 bilhão neste ano.
Para cobrar o ICMS sobre os combustíveis, as secretarias estaduais de Fazenda tomam por base o preço médio cobrado pelos postos locais. Sobre esse preço médio incide o percentual do imposto cobrado em cima de cada litro vendido pelos postos. Propostas para compensar a receita tributária serão discutidas hoje na reunião do Confaz, em Brasília.
Em Tocantins, já houve um corte de 18,06% na base de cálculo do ICMS, para acompanhar a queda no preço da gasolina. Antes, a base levava em conta o valor do litro cobrado em dezembro do ano passado, mais caro que o praticado atualmente. Já em Minas, para não perder arrecadação, o governo ainda está cobrando o ICMS com base no preço de dezembro. Distribuidores e revendedores recolhem o imposto como se o litro da gasolina custasse R$ 1,81, em vez de R$ 1,50, preço cobrado hoje.
Artigos
O Brasil precisa se ver
Nelson Hoineff
O filme brasileiro Abril despedaçado, de Walter Salles, perdeu o Globo de Ouro na noite deste domingo para o bósnio Terra de ninguém, mas em compensação outro brasileiro, O invasor, de Beto Brant, ganhou dois dias antes o prêmio de melhor filme latino-americano no Festival de Sundance.
O início do ano é generoso com o cinema brasileiro, que aparece com destaque fora do país - e absorve internamente várias lições mercadológicas, como a contenção de custos, a diversidade da produção e a necessidade de olhar de forma mais organizada para algumas parcerias essenciais, que vão dos produtores estrangeiros à televisão. Distribuidoras multinacionais como a Columbia, a Warner e a Fox têm entrado sistematicamente na co-produção de vários títulos brasileiros - valendo-se de benefícios da legislação brasileira que antes não eram plenamente assimilados - e distribuído nacionalmente essas produções. Os resultados comerciais, no entanto, são na maioria das vezes abaixo das expectativas. Por que isso acontece? Há quem tente explicar pelo fato de que o brasileiro não gosta de seu próprio cinema. Pela milésima vez, isso foi desmentido na semana de cinema brasileiro que a TV Globo acaba de promover - na qual seis dos sete filmes exibidos ficaram na liderança da audiência.
As razões são outras e apontam para um fato grave: o público brasileiro está se desacostumando de ir ao cinema. Ironicamente, enquanto a indústria tratava de aparar as arestas que ela tradicionalmente negligenciava, a mais tradicional forma de distribuição do produto cinematográfico acabou não sendo lembrada como deveria. Espaço havia para isso. Nos últimos três ou quatro anos, as salas de cinema no Brasil evoluíram extraordinariamente, graças à entrada no mercado de exibidores estrangeiros como a Cinemark ou a UCI, que juntas já detêm cerca de 20% das salas existentes no país. Mas o hábito de consumo de cinema pouco se alterou, consagrando uma extraordinária demanda reprimida.
Um estudo recentemente produzido por William G. Lopes Saab e Rodrigo M. Ribeiro para o BNDES mostra a evolução do número de salas de cinema no Brasil - de 1301 em 1998 para 1525 em 2000 (nos Estados Unidos, a título de comparação, são mais de 35 mil salas). Ainda assim, o Brasil tem hoje uma sala de cinema para cada 119.429 habitantes - quatro vezes menos do que seria considerado ideal. No ano passado, foram vendidos cerca de 80 milhões de ingressos no país. Esses ingressos foram comprados por cerca de 10 milhões de pessoas, que foram ao cinema uma média de oito vezes ao ano. Isso quer dizer que 93% da população brasileira simplesmente não entraram numa sala de projeção.
A modernização da exibição não se limita às melhoria dos padrões de qualidade de projeção, conforto e atendimento. Inclui formas diferenciadas de comercialização do produto cinema. Nos grandes multiplexes, por exemplo, a venda de pipocas e refrigerantes já responde por 20% da receita total. Se a evolução continuar dessa maneira, em breve os exibidores vão tentar convencer os produtores a dar seus filmes de graça em troca de um percentual da lanchonete.
O fato é que o consumo por capita de cinema no Brasil é da ordem de 0,42 - e se isso acontece, então é claro que alguma coisa está errada. O baixo índice costuma ser atribuído à política de preços, que torna o cinema uma diversão cada vez mais cara e elitizada no país. Mas são também assustadores o concentracionismo de salas dentro das grandes capitais e o sumiço absoluto da exibição cinematográfica em cidades de pequeno e médio portes.
É indiscutível que os incentivos à produção de cinema no Brasil não estão se fazendo acompanhar por formas agressivas de encorajamento à construção de salas onde elas não existam e de barateamento de preços onde a população não tenha condição de absorvê-los. O que pode ser questionado é se tais incentivos ao mercado de exibição seriam legítimos. Algumas sociedades optaram por subsidiar a exibição de filmes tal como subsidiam a produção (na Índia, que tem a maior produção do mundo, o preço médio do ingresso é de U$ 0,50). De concreto, sabe-se que se não há salas, não há formação de platéias. E se não há novas platéias, não há a massa crítica, que é a matéria-prima para o desenvolvimento da arte, especialmente a cinematográfica.
O momento em que o cinema feito no Brasil volta a ser presença quase obrigatória em eventos internacionais - como Abril despedaçado e O invasor acabam de lembrar - é o melhor para que se estimule na população o hábito de ver essas realizações, e para que lhe sejam dados meios para isso. A complexidade da sociedade brasileira não deveria ser exposta ao povo apenas nos canhestros discursos eleitorais. Para que seja entendido, o Brasil tem que se ver. Os últimos três dias foram pródigos em mostrar que o Brasil está precisando se ver. E ainda não se inventou forma melhor e mais democrática de se exibir a sociedade do que através da produção audiovisual.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer
A paz cultivada no cotidiano
O prefeito de Salvador, Antônio Imbassahy (PFL), conheceu Celso Daniel exatamente durante uma reunião de prefeitos promovida pelo Instituto da Cidadania, do PT, para d iscutir a questão da violência urbana. Lá, o baiano defendeu a tese de que o poder público local tem grande capacidade de interferência no problema - com ações que cultivem a paz e a tolerância nas grandes cidades. Visão esta que é ignorada pelo Estado, de modo geral, cujas propostas para a segurança pública giram sempre em torno de uma única ótica: construção de presídios, aparelhamento da polícia, aumento do policiamento nas ruas e investimento na qualificação de pessoal e melhoria de equipamentos.
Tudo isso, evidentemente, é necessário, mas, na opinião de Imbassahy, não basta, porque diz respeito exclusivamente à repressão do crime e, não, à prevenção da violência, que se manifesta de diversas formas e tem as mais variadas causas. ''Ela se mostra tanto na ação do bandido propriamente dito, quanto na discriminação a homossexuais, passando pela briga de vizinhos por causa de uma música alta, até naquela família que espanca um idoso só para mandá-lo ao hospital e se ver livre dele por um tempo.''
Essa conclusão sobre o poder dos pequenos e localizados gestos, Imbassahy tirou, não apenas, da experiência de cinco anos frente à Prefeitura de Salvador - onde fez com que o conceito de ''cultura da paz'' permeasse toda a estrutura da administração da cidade -, mas também da troca de idéias com prefeitos de cidades complicadas, como Cáli e Bogotá.
''Além do poder local ser ignorado, o governante também não entende que ele é apenas um articulador dos vários poderes que existem numa cidade fora da estrutura oficial'', diz ele. Em cada secretaria de Salvador, Imbassahy nomeou uma pessoa ligada diretamente ao gabinete do prefeito, com a função de detectar focos de conflitos urbanos e conferiu a ela autonomia para resolver o problema sem precisar consultá-lo.
Às vezes são os grupos com interesses comuns que o procuram para dar informações e propor soluções. Por exemplo, a Associação das Prostitutas fornece o mapa dos pontos problemáticos, em reuniões periódicas com o prefeito, em cujo gabinete tem entrada garantida também o pessoal da Associação dos Travestis de Salvador (Atras).
''Nas cidades onde é grande a desigualdade, o poder público tem o dever de atuar no sentido de ampliar a tolerância e a harmonia entre os cidadãos. A propósito do assassinato de Celso Daniel, o presidente Fernando Henrique acertou quando apontou para o conteúdo de arrogância que existe naquele que comete a violência.''
Quando se refere à indiferença que sua tese provoca, Antônio Imbassahy fala com conhecimento recente de causa. Quando do lançamento do pretensioso e inútil Plano Nacional de Segurança Pública, pelo qual haveria uma integração geral de poderes para combater o crime, o prefeito tentou dar sua colaboração ao governo federal, mas foi solenemente ignorado. ''Até os projetos que mandei, eles perderam.''
Críticas a Alckmin
Apesar de reconhecer a enormidade e a complexidade dos problemas de São Paulo, o prefeito de Salvador, ainda assim, acha que o governador Geraldo Alckmin contribui para piorar a situação quando, na opinião dele, ''transmite uma postura de falta de pulso e controle da situação. Se a polícia paulista não prender, e rápido, o assassino de Celso Daniel, o governo está acabado''.
Na concepção de Imbassahy, uma série de episódios - desde a não-resolução do assassinato do prefeito de Campinas, em setembro, até a negociação com o seqüestrador da filha de Silvio Santos e depois a morte dele em condições suspeitíssimas, passando pela fuga de presidiários por helicóptero - podem levar Alckmin não apenas a perder a eleição, ''como provocar a volta de situações passadas e indesejáveis''. Ele não cita especificamente, mas implicitamente refere-se a uma possível vitória eleitoral de Paulo Maluf.
Imbassahy acha, particularmente ''inadmissível'', o que classifica como ''desrespeito da polícia para com o governador'', no episódio da morte do seqüestrador de Patrícia Abravanel. ''Ou a polícia não sabe o que houve naquela troca de tiros, na qual morreram dois policiais, e ignora também as circunstâncias em que morreu o criminoso na prisão? A polícia sabe perfeitamente o que aconteceu e não informou ao governador. Se informou, foi pior, porque ele não agiu.''
Francamente
No discurso, como sempre, a reação indignada do governo federal ao crime de Santo André, foi perfeita. No campo dos simbolismos, das promessas, do palavrório grandiloqüente, dos gestos largos, nota 1.000. No terreno da ação, no entanto, Fernando Henrique Cardoso está prestes a terminar dois mandatos, com zero à esquerda, no quesito segurança pública.
Até agora o Estado foi derrotado e não dá sinal de que sabe como ganhar essa luta.
Editorial
ERA DA BARBÁRIE
A execução brutal do prefeito de Santo André, a segunda em poucos meses no ABC paulista, indica que a violência nas cidades brasileiras atingiu o ponto de não retorno. Daqui para a frente as autoridades não podem tergiversar. Se a morte de Celso Daniel ficar impune e se a ela se somarem outros atos insanos no âmbito dos seqüestros, assaltos, tráfico de drogas e crime organizado em geral, a população perderá a confiança na polícia e nos políticos.
As mortes estúpidas nas ruas, nos sinais de trânsito, na dinâmica impiedosa dos seqüestros deixaram de ser apenas caso de polícia e se tornaram caso político. A nação inteira está envolvida na falta de segurança que se tornou, com razão, paranóia coletiva. A própria classe política se sente agora atingida fisicamente pela violência que nada respeita. Como disse um sociólogo, esta classe deve deixar de lado os devaneios eleitorais e se concentrar na dura realidade dos grandes centros, além de colocar em definitivo a questão na agenda política.
O presidente Fernando Henrique afirmou que ''a violência em São Paulo passou dos limites''. Lá, o número de seqüestros - um dos crimes mais hediondos da humanidade - aumentou quase 400% no último ano. Mas não é só em São Paulo que a violência ultrapassou a imaginação, tampouco apenas nas grandes metrópoles. A exemplo de Santo André e Campinas, o crime destemperado se espraiou para as cidades médias e hoje ninguém mais pode se sentir seguro nas ruas, dentro de casa ou em qualquer lugar. Como disse o presidente Fernando Henrique, ''o nível do vandalismo, da violência, dos crimes, é inaceitável. A arrogância dos criminosos está passando de todos os limites''.
É indiscutível que a criminalidade saiu do âmbito dos estados e se tornou problema federal. O Plano Nacional de Segurança teima em não sair da gaveta. Os presídios continuam inabitáveis, mesmo para os delinqüentes mais perigosos. As polícias se recusam a se subordinar ao Ministério Público, providência com a qual poderiam montar inquéritos mais inteligentes (atualmente dois terços deles retornam da Justiça para melhores investigações). As bandas podres policiais resistem à limpeza sem a qual não haverá eficiência policial. E é inconcebível que ainda não tenha havido a fusão das polícias Civil e Militar. Sem comando único, cada uma agindo em sentido contrário, a segurança das cidades continuará na estaca zero.
Diante dos desencontros da autoridade e até de greves policiais que deixam cidades inteiras inermes, as quadrilhas se sentem bafejadas pela impunidade. O Brasil precisa de uma legislação mais dura para enquadrar a criminalidade, mas a legislação sozinha nada resolverá se a polícia, reformulada, saneada, bem equipada, não for para as ruas aplicar os novos métodos.
A elucidação do crime brutal de Santo André é uma questão de honra para o país, antes que o Brasil retroaja definitivamente à era da barbárie.
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01/22/2002
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