FHC chama candidatos para discutir transição








FHC chama candidatos para discutir transição
Procurado por emissários do governo, Ciro aceitou convite; demais candidatos também não devem se opor

BRASÍLIA – O presidente Fernando Henrique Cardoso quer encontrar-se com cada um dos principais candidatos à sua sucessão para conversar sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o processo eleitoral. O do PPS, Ciro Gomes, foi procurado e aceitou o convite. Anthony Garotinho (PSB) disse que não se nega a conversar. A expectativa é de que o tucano José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também aceitem.

As datas das reuniões não estão definidas. No começo da noite, o Palácio do Planalto confirmou, em nota assinada pelo ministro Pedro Parente (Casa Civil), que Fernando Henrique “está convidando cada um dos candidatos para conversas sobre economia brasileira, os entendimentos com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o conteúdo do acordo com o FMI e o papel do acordo no processo de transição.”

Para o presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), o convite não causa nenhum problema à Frente Trabalhista e o encontro não deve confundir o eleitorado. “Trata-se de uma conversa com o presidente e Ciro foi o único a dizer claramente que não pretende manter o acordo com o FMI se o interesse público indicar o contrário”, afirmou o senador.

“É importante demonstrar que queremos dialogar. É importante que tenhamos um bom diálogo com o governo.”

Antecipado – Na avaliação do Planalto, Lula não deve impor dificuldades para se reunir com o presidente, já que tem adotado um tom moderado. O petista já disse que considera o acordo com o FMI inevitável e mais de uma vez deixou claro que pretende contribuir para dissipar os temores que ainda existem sobre sua candidatura.

Garotinho disse que seu assessor econômico, Tito Ryff, foi consultado domingo. “A conversa depende da pauta a ser proposta pelo presidente”, ressalvou. “Não vou lá referendar o acordo com o FMI, porque amanhã Fernando Henrique pode dizer: vocês estiveram aqui.”

A possibilidade de Fernando Henrique encontrar-se com os candidatos está sendo analisada pelo governo há algum tempo. A idéia inicial era deixar as conversas para depois do segundo turno. Mas as turbulências na economia e a influência do processo eleitoral nisso levaram o Planalto a decidir antecipar os contatos. No fim de semana, o presidente conversou com políticos do PSDB a respeito.

A expectativa é que isso ajude a reverter os indicadores do mercado, que não deu a resposta esperada para o acordo assinado com o FMI. Para fontes do governo, o acordo não afastou as dúvidas de investidores sobre o compromisso dos candidatos de manter os termos negociados. O objetivo das reuniões, segundo uma das fontes, seria justamente assegurar tranqüilidade ao mercado para que a transição se faça sem atropelos.

Fernando Henrique acha importante os candidatos harmonizarem o discurso sobre o FMI.

Segundo as fontes, ele não pretende entrar em discussões partidárias nem interferir nas campanhas, mas quer fazer um apelo para que os candidatos ajudem a preservar a governabilidade.

Pelo acordo, serão liberados US$ 6 bilhões este ano e US$ 24 bilhões em 2003, se o novo presidente assumir os compromissos acertados. Deles, o mais importante é manter o superávit das contas públicas em 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB) pelos próximos dois anos. A maior parte da assistência, portanto, será dada ao próximo governo.

“Colchão” – O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse ao Bom Dia, Brasil, da TV Globo, que o acordo “oferece um colchão de financiamento para o próximo presidente”. Ele lembrou que o País negocia outros US$ 2 bilhões com o Banco Mundial e o BID. “Seriam uns US$ 26 bilhões ou pouco mais disponíveis para o próximo ano, para o próximo presidente, com um mínimo de condicionalidades”, argumentou.

Na sua opinião, nenhum candidato vai recusar o acordo. “Minha leitura – de notas dos candidatos – é que ninguém vai ser contra um acordo que diz: ‘Repete este superávit primário que vocês já aprovaram na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que todos os partidos aprovaram. Isso permitiria a queda dos juros. E de quebra você tem mais 26 bilhões.’ Ninguém vai recusar isso.” (Colaboraram Fredy Krause, Gilse Guedes e Tânia Monteiro)


Frente constata fragilidade de Ciro no Nordeste
Comando da campanha avalia que, exceto o Ceará, candidato precisa dedicar-se mais à região

BRASÍLIA - O comando da campanha da Frente Trabalhista decidiu ontem que o presidenciável Ciro Gomes dedicará mais tempo de sua agenda a viagens para a Região Nordeste. À exceção do Ceará, onde foi prefeito da capital e governador, Ciro registra fraco desempenho nos demais Estados nordestinos. O candidato também manterá compromissos semanais no segundo maior colégio eleitoral do País, Minas Gerais, onde o petista Luiz Inácio Lula da Silva ainda mantém a preferência da maioria dos eleitores.

"Ciro vai ter que ir mais freqüentemente ao Nordeste, as pesquisas apontam essa necessidade", afirmou o líder do PTB na Câmara, Roberto Jefferson, com assento no comando da campanha. A partir da próxima semana a agenda do presidenciável estará mais voltada para as grandes e médias cidades nordestinas. Já na semana passada, o candidato, numa agenda montada de última hora, esteve fazendo comícios em Aracaju (SE), Petrolina (PE) e cidades do interior da Paraíba.

A avaliação do desempenho de Ciro em todos os Estados foi feita ontem em encontro dos coordenadores de sua campanha. Foi a primeira reunião coordenada, ainda que informalmente, pelo deputado Walfrido Mares Guia (PTB-MG), que assumiu a função depois da saída do presidente do seu partido, José Carlos Martinez, da coordenação-geral da campanha.

As análises do desempenho de Ciro foram baseadas em pesquisas qualitativas e quantitativas encomendadas pela Frente Trabalhista ao Instituto Vox Populi.

"É em cima dessas análises que vamos montar a agenda do candidato para os próximos dias", disse Jefferson.

A estratégia é concentrar as viagens onde seu desempenho eleitoral ainda é fraco. Será a mesma tática adotada em Minas. "Há 30 dias, Ciro tinha no Estado metade das intenções de votos do Lula, mas hoje está praticamente empatado", conta Walfrido, mostrando os números de pesquisas do Vox: há um mês o candidato do PPS tinha 14% das intenções de votos dos mineiros, e hoje está com 25%, contra 32% de Lula.

Divisão - "O desempenho do Ciro melhorou porque ele passou a visitar Minas pelo menos uma vez por semana", observou Walfrido. Para tentar ultrapassar Lula na corrida pelos votos dos mineiros, o presidenciável deverá ir ainda esta semana a três cidades do Estado: Juiz de Fora, Diamantina e Ipatinga. "A idéia é ir em cidades-pólo de Minas."

Ainda com base nas pesquisas, o comando de campanha de Ciro fez uma avaliação positiva do candidato da Frente. Lembraram que o candidato tucano José Serra tem cerca de 10% de Minas, apesar de o candidato do PSDB ao governo local, Aécio Neves, estar à frente das pesquisas. A questão é que os tucanos do Estado estão divididos. E Ciro continuará apostando nesta divisão.

O candidato da Frente Trabalhista estaria em vantagem em relação a Serra, segundo os coordenadores da campanha, também em São Paulo, onde teria 30% das intenções de votos no Estado, contra 15% do tucano e 34% de Lula.


'Não sou da turma do eu me amo', diz Lula
Candidato contesta Ciro, para quem petista não tem "história de experiência"

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que não é da turma do "eu me amo", numa referênc ia ao candidato do PPS, Ciro Gomes. "Não sou da turma do eu me amo.

Eu acho que não sou melhor do que ninguém, quero ser igual. Eu não sou resultado de minha inteligência, e sim da minha experiência política", disse em resposta às críticas feitas por Ciro e dirigidas ao petista. Para exemplificar a "história da experiência", Lula se lembrou do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela. "Sabe qual era a experiência do Mandela quando foi eleito presidente da África do Sul? Vinte e sete anos de cadeia. E transformou-se num dos grandes estadistas mundiais", defendeu o petista durante debate realizado pelo jornal Folha de S. Paulo, na capital.

Lula estava à vontade diante dos entrevistadores e de cerca de 300 pessoas, platéia formada por leitores entre eles o médico José Aristodemo Pinotti.

Também estavam lá políticos como o seu candidato a vice José de Alencar (PL) e nomes do PT como o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo; o presidente do PT, deputado José Dirceu; o senador Eduardo Suplicy; o prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci; a deputada Esther Grossi, além da mulher de Lula, Marisa com quem ele brincou durante o evento. "Minha mulher não vai ser ministro da Fazenda, vai ser minha mulher mas sabe que a gente ", brincou ao falar sobre economia.

e dos entrevistadores. Questionou se aqueles que se dizem experientes "deram mais comida, educação e emprego para o povo?", outra alfinetada em Ciro, e foi aplaudido pelo público que riu em vários momentos. "O que eu quero saber é se as pessoas que administraram uma cidade, um Estado, melhoraram os indicadores sociais. Falam muito que melhoraram as finanças, mas o problema do País não é só esse", disse. Ele se lembrou do técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, que bancou sua opinião e apostou no time. " O Brasil não precisa de um administrador, e sim de um dirigente."

Lula considerou que ninguém fez mais pelo País do que o PT, que produziu documentos e propostas. "Eu não falo de site não (alusão a Ciro e Anthony Garotinho, candidato do PSB)", disse, arrancando risos da platéia. E brincou: "Há muitas pessoas capazes neste País, mas se ninguém se apresenta (para o desafio de ser presidente) a gente se coloca."

O presidenciável disse que ele e a cúpula do partido avaliam que este é o melhor momento na disputa. "Nunca tiveram uma oportunidade tão extraordinária de ganhar as eleições como temos agora." Na opinião de Lula tudo vai depender da capacidade do seu partido de estabelecer uma "comunicação com o povo."

Candidato ao natural - A expectativa do estudante de direito, Fernando Pereira de Araújo, era saber se Lula saberia se portar.

"Acho que ele não vai estar com discurso ensaiado como na TV", disse.

O advogado Ermerson Villas Boas Gonçalves, de 29 anos, reduziu pela metade as 14 horas de estudo para prestar um concurso e foi ouvir Lula. Para o advogado, aquele era um "público seleto", leitores do jornal. "Adoro política e gostaria de perguntar ao Lula o que ele vai fazer para combater a corrupção no País."


Lula defende ‘Estado forte’ na economia
Candidato do PT ressalva, porém, que isso não significa “fazer tudo”

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu ontem a presença de um Estado forte na economia do País, mas com limites: “Sou defensor de um Estado forte, mas isso não significa que o Estado tem de fazer tudo.”

A frase foi dita a um auditório de cerca de 300 pessoas que foram participar de um seminário promovido pelo jornal Folha de S. Paulo, no shopping Patio Higienópolis, em São Paulo. Nas alternativas que apresentou para lidar com o ajuste fiscal e ao mesmo tempo pôr em prática os seus projetos sociais, Lula afirmou que pretende contar com o apoio da sociedade civil, o que significa fazer parcerias. “O governo não precisa fazer muito, pois a sociedade organizada, com o apoio do Estado, consegue fazer sua parte”, explicou.

Parcerias – No encontro, em que foi sabatinado por vários jornalistas e por pessoas da platéia, ele demonstrou não estar muito preocupado com a notícia de que os recursos de investimentos para 2003 dificilmente passarão de R$ 8 bilhões (o que inviabilizaria muitos dos programas de todos os candidatos ao Planalto). Em vez de recorrer a cortes, ou à prorrogação de impostos, Lula afirmou que um melhor gerenciamento de recursos, e parcerias do Estado com o setor privado, podem ser suficientes para que o Brasil dê um “salto de qualidade” em sua produção e volte a crescer, o que garantiria condições para seu projeto de inclusão social.

“Quero assumir um compromisso de que é plenamente possível garantir que em quatro anos não tenhamos uma criança fora da escola, e que uma criança não vá dormir sem que tenha pelo menos três pratos de refeição por dia”, disse o candidato.

Desprezando contas e cálculos oficiais, ele observou que, “se os candidatos trabalharem com a contabilidade oficial, ninguém faz nada”. E completou: “Então, é melhor deixar todo mundo que está ai.” Lula disse, também, que a seu ver a Lei Fiscal não era necessária: “Já pensou em lei dos maridos sérios?” perguntou, sugerindo que os administradores públicos têm obrigação de ter as contas em dia. Depois, ficou exaltado ao falar do minsitro da Fazenda, Pedro Malan. “O Malan não é dono da verdade. O que ele fez não é imutável”, disse. “Porque lei tem de ser imutável? Se você comete erros pode negociar.”

Bem-humorado, ele fez uma comparação: talvez seja preciso contratar o Mandraque (o mágico personagem de histórias em quadrinhos) para resolver a situação de “diminuição de juros e realizar o crescimento econômico”. ASSINA/ASSINAINTERTITULO/INTERTITULO

Lula afirmou, sobre o o presidente Fernando Henrique Cardoso, que ele pode “fazer tudo o que quiser até 31 de dezembro de 2002”, mas espera que faça um período de transição. “Só espero que depois de 27 de outubro o presidente tenha a gentileza de não fazer intransição.”


Garotinho é ofuscado pela filha em carreata melancólica
Clarissa rouba a cena como animadora em evento em Brasília, ignorado pelo PSB local

BRASÍLIA – A primeira parte da programação do presidenciável Anthony Garotinho (PSB), ontem em Brasília, foi mais uma mostra da fragilidade de sua campanha. Ele chegou no meio da tarde, seguindo em uma tímida carreata para cidades-satélites, acompanhado de apenas um candidato a deputado distrital. No carro de som, sua filha Clarissa, de 21 anos, assumiu o papel de animadora.

O grande momento da agenda ocorreu no fim da noite, quando Garotinho participou de um show de música gospel, em encontro com evangélicos.

Praticamente ignorado pelo partido no Distrito Federal – o candidato do PSB a governador, Rodrigo Rollemberg, declarou ser contra sua candidatura presidencial –, Garotinho tem o apoio do candidato do PPB, Benedito Domingos, também um líder evangélico. Mas Domingos não participou da carreata.

O clima de fim de festa foi reforçado com o cancelamento, na última hora, da inauguração de um comitê de campanha. Mais melancólico ainda foi o candidato ter de sair do carro, durante a carreata, para pedir ao responsável pelo carro de som que trocasse uma música popular por sua música de campanha.

Quando chegou ao aeroporto, Garotinho ainda estava animado e resolveu apostar em parte significativa do eleitorado da cidade, os servidores públicos. Prometeu que seu governo promoverá a reposição das perdas salariais do funcionalismo público. Segundo ele, existe um falso argumento para justificar o arrocho salarial como uma necessidade para se obter o superávit fiscal.

Juros – “Quer dizer que o Brasil não vai atingir metas de superávit fiscal por causa do aumento dos salários do funcionalismo? Isso é querer desvi ar o foco do principal”, afirmou. Lembrando que no ano passado o País gastou R$ 107 bilhões com o pagamento de juros, ressaltou: “Quer dizer que dinheiro para os banqueiros tem e para o funcionalismo não tem? É tudo uma questão de prioridade.”

O discurso contra os juros altos e a “política que favorece os bancos” foi repetido inúmeras vezes por sua filha, do alto-falante do carro de som, durante a carreata, que contou com pouco mais de 30 carros. “O Garotinho é o único candidato de oposição. Só ele pode acabar com essa política que dá lucros aos bancos, para dar salários mais justos para os brasileiros”, bradava a jovem Clarissa. ASSINA/ASSINA


PPS perde o prazo e fica na coligação de Collor
MACEIÓ – A Executiva Nacional do PPS perdeu o prazo de 72 horas para recorrer da decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Alagoas de manter a coligação do PPS com os partidos que dão sustentação à candidatura do ex-presidente Fernando Collor ao governo do Estado pelo PRPB. O prazo expirou domingo e não cabem mais recursos ao TRE.


Artigos

O líder do governo
Jarbas Passarinho

Winston Churchill dizia: "Não pode ser líder de governo quem não o defende das medidas impopulares ou das piores coisas de que é acusado."

Quando líder do governo João Figueiredo, lendo essa passagem da vida de Churchill, coloquei-a sob o vidro que cobre a minha mesa de trabalho e a segui escrupulosamente. Não exagerei defendendo o indefensável. Defendi, porém, algumas vezes o governo a que eu pertencia, vencendo resistências de meu próprio pensamento, mas não da minha consciência. Isso, parece-me, está fazendo o ministro Malan, como se líder de FHC. É o ônus de ser governo no embate comum contra o jogo da oposição, freqüentemente insincera entre o que reclama do governo e o que faria se governo fosse.

As recentes respostas de Lula a duas perguntas o mostram claramente. Numa, se daria reajuste salarial aos servidores públicos de 79%, como reclamava o PT do governo, respondeu que uma coisa é dizer isso fora do governo e outra se governo, quando então daria o que fosse possível.

Noutra, se deixaria de pagar a dívida externa, como o PT pregava, disse, em linguagem de estadista, que na oposição age como oposição, mas no governo, segundo a relação de Estado para com Estado.

São exemplos irretorquíveis da tática de fazer crer que a oposição é que representa justos anseios populares e que os governantes são insensíveis ao sofrimento dos governados. Qual o presidente que não gostaria de elevar o salário mínimo para os R$ 400 - como propõe o inefável candidato Garotinho - ou mais de R$ 1 mil, como quer o Dieese, se isso pudesse ser feito por decreto, sem arrebentar o caixa da Previdência e o das prefeituras?

Petrarca, citado por Camões n'Os Lusíadas, advertiu: "Entre a mão e a espiga, há o muro." O governo esbarra no muro, enquanto a oposição finge que ele não existe. No atual governo, o ministro Malan tem sabido tratar com a oposição, mostrando o muro.

Dizia Carlyle ser a economia uma ciência do desespero. De Roberto Campos é esta frase: "A economia dizem ser a pseudociência de alcançar a miséria com o auxílio da estatística." Hélio Beltrão, que economista não era, imputava-lhe a dura missão, no Brasil, da repartição da escassez. O ministro Malan tem estado mais próximo da definição de Hélio Beltrão. No governo FHC, a defesa do governo - pelo menos a que repercute na mídia - tem cabido a ele. Comporta-se como o líder que segue a prescrição de Churchill, ao repartir nestes últimos anos a escassez. Às críticas dos candidatos de oposição à Presidência da República responde com inalterável elegância e comedimento nas palavras. Tendo recorrido sucessivamente ao remédio amargo do FMI, paga esse preço. Ainda que não tenha experiência de exercício de mandato parlamentar, comporta-se nas convocações às comissões técnicas como um veterano líder na defesa do governo com inalterável equilíbrio, nos gestos, no tom da voz e na resposta muitas vezes reveladora da presença de espírito. O ocorrido com o deputado Mercadante é um exemplo. Ao sarcasmo do jovem petista, que se referira ao custo da tinta de sua caneta (supondo-a, no mínimo, uma Mont Blanc), o ministro de pronto a mostrou, acrescentando ser "uma caneta ordinária". Além de desarmar o opositor, foi elegante. Não disse ser uma Bic, para não dizê-la ordinária...

Tem sido firme ao contestar o PT e o trabalhista Ciro Gomes. Diante da resistência dos candidatos oposicionistas ao FMI, auxiliado pela equipe do Banco Central, obteve surpreendente acordo de aporte previsto de US$ 30 bilhões. Mas só US$ 6 bilhões serão disponíveis até dezembro. Os restantes US$ 24 bilhões serão desembolsados ao longo de 2003. Nenhuma assinatura foi preciso obter dos candidatos críticos. Maliciosamente, disse Malan que tudo seria mais fácil "se os principais candidatos expressassem, de forma clara, algo de que estamos convencidos: que esse acordo serve aos interesses do País".

A ironia está, desde logo, em que não inclui Garotinho entre os "principais candidatos", nem o do PSTU. A sagacidade do líder do governo está em deixar à oposição, se vencedora, a possibilidade de contar, se quiser, com US$ 24 bilhões a juros de pouco mais de 2% ao ano. Obrigada não será, mas dificilmente poderá explicar a recusa. Como complemento, lembrou a meta fiscal e o compromisso, não sem uma ponta de ironia, expresso na Carta do PT, divulgada por Lula ainda em junho passado: "Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos." É o atendimento, pelo PT, publicamente, do que Malan exigia (ele não usa verbo arrogante), isto é, sugeria quanto à manutenção de metas fiscais.

No que tange à dívida pública, entretanto, falta mostrar o verdadeiro vulto do muro. Ciro Gomes acusa o governo FHC de deixar uma dívida pública dez vezes maior que em 1994. A estatística mostra a evolução de R$ 60 bilhões para R$ 600 bilhões. Serra retruca que não passou de três vezes. Malan assume metade. Diz que a outra metade do saldo da dívida se deve à ajuda a Estados, municípios e bancos estaduais, bem como aos "esqueletos", dívidas existentes que não haviam sido registradas. Tudo herança do passado.

Pitágoras inventou o número e os contabilistas da Enron, da Xerox et caterva o manejaram para fraudar balanços nos Estados Unidos. No Brasil, os números variam segundo os expositores. Malan terá de imitar Malba Tahan, que "provava que 5 era igual a 3", na aritmética das ilusões. Vai lembrar-se de Churchill...


Editorial

UMA TRANSIÇÃO CIVILIZADA

Nunca houve, no Brasil, uma passagem de governo como a que vem sendo preparada em Brasília. Para começar, o presidente da República e sua equipe vêm governando com base na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por eles concebida e proposta ao Congresso. Uma das funções dessa lei, válida para todos os níveis de governo, é evitar que os mandatos se encerrem com uma orgia de gastos e de endividamento. Já não se pode quebrar um banco público e distribuir favores à custa do Tesouro para eleger um sucessor. Mais que um instrumento de modernização financeira, essa legislação é um passo importante para a reforma política.

Em segundo lugar, a administração federal está preparando, por determinação do presidente, um esquema de transição para entrar em vigor assim que for conhecido o vencedor da eleição. Coordena o trabalho o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência, Pedro Parente.

Divulgado o nome do vitorioso, o presidente eleito poderá indicar nomes de sua confiança para coletar informações dos ministérios, analisar as contas públicas e conhecer detalhes dos programas em vigor. Essa equipe será contratada oficialmente pelo governo e receberá salários.

Um decreto e uma portaria fixaram as normas necessárias para esse trabalho. Os auxiliares do novo presidente, portanto, receberão todos os dados necessários para entrar em ação quando for transferido o comando.

O trabalho não se limitará à entrega de números e relatórios. A idéia é que as equipes do atual e do próximo governos se reúnam para discutir os dados e avaliar os primeiros problemas que a nova administração deverá enfrentar.

Essas discussões deverão servir, como disse o presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, para se descobrir onde estarão as cascas de banana.

Informalmente, a cooperação já começou. Membros da equipe econômica têm-se encontrado com representantes dos principais candidatos, para exame de problemas e para informação sobre atos do governo, como a negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O próprio acordo com o Fundo contribui para facilitar a transição. O próximo governo deverá receber 80% dos US$ 30 bilhões negociados com a instituição, além de uns US$ 2 bilhões de recursos adicionais do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Caberá ao novo presidente resolver se manterá ou não o acordo com o FMI, mas é pouquíssimo provável que venha a rejeitar a segurança trazida por esse financiamento. Os compromissos não são tão pesados: manter o superávit primário equivalente a 3,75 do Produto Interno Bruto (PIB) em 2003 e repeti-lo nos dois anos seguintes. A meta para 2003 está definida na Lei de Responsabilidade Fiscal e deve ser confirmada com a aprovação do Orçamento-Geral da União. Com ou sem acerto com o FMI, dificilmente o governo poderá afrouxar essa condição em 2004 e 2005, se quiser manter sob controle a relação dívida pública/PIB. Afirmar que o acordo engessa a próxima administração é essencialmente retórica eleitoral, que o presidente eleito e sua equipe terão de rever quando começarem a governar.

A equipe econômica também está procurando limitar o valor dos vencimentos previstos para o primeiro trimestre de 2003. Isso deverá facilitar a administração financeira no início da gestão. A primeira grande concentração de vencimentos, R$ 32,4 bilhões, está programada para abril, mas nesse mês a arrecadação é reforçada pela primeira cota do Imposto de Renda de pessoas físicas e de empresas.

Será necessário, para uma gestão tranqüila no primeiro ano de governo, que se prorroguem as alíquotas adicionais do Imposto de Renda da Pessoa Física e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. A equipe econômica, segundo notícia recente, está considerando a conveniência de deixar que assessores do presidente eleito negociem com o Congresso, no fim do ano, essa prorrogação. Talvez seja mais prudente discutir o assunto, desde já, com os principais candidatos e adiantar essa negociação, para evitar qualquer imprevisto no último bimestre.


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08/13/2002


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