Governo abre o cofre às vésperas do 2° turno










Governo abre o cofre às vésperas do 2° turno
Secretário do Tesouro nega que medida tenha como objetivo de ajudar Serra

BRASÍLIA - Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, o governo federal ampliou o limite de gastos do Orçamento deste ano em R$ 1,5 bilhão. Além disso, aumentou em R$ 500 milhões o limite de empenho, isto é, quanto cada órgão pode se comprometer a gastar. A nova programação financeira consta do Decreto 4.415, publicado ontem no Diário Oficial da União. O secretário do Tesouro Nacional, Eduardo Guardia, disse que a ampliação foi possível graças à arrecadação acima do previsto em setembro. Este resultado, no entanto, só será anunciado hoje pela Receita Federal.

O aumento reflete as receitas obtidas a partir da Medida Provisória nº 66, que concedeu aos contribuintes, entre eles a Previ (Fundo de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, o maior do país), a possibilidade de quitar débitos tributários atrasados com anistia de juros e multa. O resultado fez com que o governo aumentasse a estimativa de receita líquida em R 2,1 bilhões.

Guardia negou que a decisão de ampliar os gastos e a escolha da data para o anúncio tenham como objetivo ajudar o candidato governista à Presidência, José Serra, no segundo turno.

- A revisão foi feita de maneira bastante realista, com base na receita observada ao longo do mês de setembro. Os números são consistentes com o cumprimento da meta de superávit primário (receita menos despesas, sem contar o pagamento de juros da dívida pública) de 3,88% do Produto Interno Bruto (PIB) - afirmou.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo tem a obrigação de fazer uma reavaliação das receitas a cada bimestre. Entretanto, o último decreto de programação orçamentária foi anunciado há menos de um mês, dia 11 de setembro. Na ocasião, o governo também autorizou a ampliação de despesas em R$ 1,5 bilhão.

Guardia informou ainda que a redistribuição das receitas pretende priorizar critérios técnicos e os ministérios que tiveram maiores cortes de gastos impostos ao longo deste ano. Dos R$ 1,5 bilhão, R$ 960 milhões terão liberação imediata. Os projetos estratégicos, como recuperação de rodovias, vão receber R$ 450 milhões. Caberá a cada ministro decidir onde o dinheiro será alocado.

O secretário disse que o anúncio da expansão de despesas não poderia ter sido feito antes porque o governo ainda não conhecia o montante fechado da arrecadação de setembro e a evolução das despesas.


Lula corre atrás de dissidentes
SÃO PAULO - O comando do PT continua empenhado na ampliação das alianças para o segundo turno. Depois de reunificar as forças de oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso com o apoio de Ciro Gomes e Anthony Garotinho, os coordenadores de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência correm atrás dos desgarrados e insatisfeitos dos partidos governistas - PMDB, PPB, PTB e PFL - que estão oficialmente alinhados com José Serra (PSDB).

Os dirigentes petistas esperam poder anunciar nos próximos dias o apoio de importantes líderes regionais do PMDB. Os coordenadores da campanha calculam que o partido poderá apoiar Lula em mais de dez Estados.
- Esses apoios podem decidir a eleição - avalia o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), um dos coordenadores da campanha de Lula.

No Paraná, do senador Roberto Requião, e na Paraíba, do governador Roberto Paulino, os dois partidos já estão totalmente alinhados na disputa do segundo turno da eleição estadual.

Em Santa Catarina, a aliança entre os dois partidos está perto de ser concretizada. A direção local do PT decide no domingo o engajamento na campanha do ex-prefeito de Joinville e ex-presidente nacional do PMDB, Luiz Henrique. Em contrapartida, ele declara o voto e abre seu palanque a Lula.


PFL recomenda apoio a José Serra
Decisão não enquadra ACM e Roseana

BRASÍLIA - O PFL decidiu ontem que apenas recomendará o apoio a José Serra, do PSDB, no segundo turno das eleições. A moção foi aprovada por 12 votos favoráveis, três votos a favor de deixar a questão em aberto e um nulo, do líder do partido na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE). Na noite desta terça-feira, o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), esteve no Palácio do Planalto para adiantar ao presidente Fernando Henrique Cardoso o resultado da reunião do PFL.

- Recomendamos apoio a Serra, respeitadas as peculiaridades regionais - afirmou Bornhausen, para acomodar as posições dos senadores eleitos Antônio Carlos Magalhães (BA) e Roseana Sarney (MA), que já declararam apoio irrestrito a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

Na conversa com FH e, pelo telefone, com Serra, Bornhausen afirmou que não pedirá votos para o tucano no Estado. Em Santa Catarina, o PFL apóia a reeleição do governador Esperidião Amin, do PPB. O PSDB está no palanque oposto, com o deputado Luiz Henrique, do PMDB.

- Isso foi costurado por José Aníbal (presidente do PSDB). Se fosse no meu partido, já estaria resolvido - afirmou Bornhausen, que espera a manifestação do diretório tucano no Estado.

O porta-voz de Serra na reunião do PFL foi o vice-presidente da República, Marco Maciel (PE). Ele argumentou que o PT é adversário histórico do partido e que não representa em nada as idéias e propostas defendidas pelo PFL.


Serra busca apoio na própria base
Candidato do PSDB parte à caça de reforços para disputar o segundo turno das eleições

BRASÍLIA - Em troca de participação no futuro governo, os quatro partidos da base de sustentação do presidente Fernando Henrique Cardoso - PSDB, PMDB, PFL e PPB - fecharam ontem um acordo para garantir a vitória do candidato tucano José Serra no segundo turno.

- Os partidos que me apoiarem terão participação no futuro governo de acordo com o peso político de cada um no Congresso Nacional. Nós é que temos condição de governabilidade e de fazer a mudança, pois temos maioria de mais de 320 deputados e 47 senadores. Eu é que tenho condição de fazer mudança, não Ciro e Lula - anunciou José Serra na reunião com o PPB, segundo revelou o presidente em exercício do partido, deputado Pedro Correia (PE).

Após encerrar a maratona de encontros com os aliados, Serra jantou com a cúpula do PFL no Palácio do Jaburu, residência do vice-presidente Marco Maciel. Ele acenou com apoio à candidatura de Maciel à presidência do Senado e com a indicação de Jaime Lerner (PR) para a Secretaria Especial das Regiões Metropolitanas ou futuro Ministério do Urbanismo.

Um pacto de não-agressão a Serra será proposto pelo presidente do PMDB, Michel Temer (SP), aos candidatos do partido em segundo turno que são apoiados pelo PT.

No PPB, o candidato derrotado ao governo paulista, Paulo Maluf, vai ficar neutro, mas liberou o partido em São Paulo. O deputado Delfim Neto não compareceu nem avalizou o acordo. Aguarda ser procurado. O restante do PPB se compromete a apoiar Serra.

- A luta exige nova estratégia para o segundo turno. Tivemos 20 milhões de votos dos 85 milhões de votos válidos. Agora, precisamos de número maior de aliados para que nossas propostas cheguem aos brasileiros que não votaram em nós - disse Serra.

Ao sair da reunião, o senador eleito Tasso Jereissati (PSDB) anunciou que será o coordenador da campanha de Serra no Ceará. Defendeu que o candidato tucano procure os deputados eleitos Enéas Carneiro (Prona-SP) e Jáder Barbalho (PMDB-PA) para conversar. Ambos tiveram a maior votação de seus respectivos estados.
- Precisamos disputar os votos do espaço vazio deixado por Ciro. É muito difícil transferir os votos dele - disse Tasso.

Na terça-feira, Serra s ubirá pela primeira vez no palanque com Tasso em Fortaleza. Apesar disso, o senador eleito confirmou que fará campanha ''limitada e restrita'' ao Estado, pois vai lutar pelo segundo turno. E quando lhe perguntaram como se sentia pela primeira vez separado de Ciro Gomes, do PPS, que apoiará Lula, ele respondeu:
- Pergunte a Patrícia Pillar.

Já o governador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves, propôs um governo de coalizão entre PT e PSDB.
Serra conversou com o senador Osmar Dias, do PDT paranaense, irmão de Álvaro Dias, candidato ao governo do Estado. Dias vai fazer apelo ao irmão para apoiar Serra. No caso de Santa Catarina, Serra deu um ultimato a Luiz Henrique, do PMDB. Caso ele opte pela candidatura de Lula, Serra subirá no palanque de Amin.


Dirceu pode negociar presidência da Câmara
Indicação é feita pela maior bancada

BRASÍLIA - O presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP), afirmou ontem que seu partido adquiriu o direito de indicar o próximo presidente da Câmara dos Deputados pelo fato de ter eleito a maior bancada (91 deputados federais). Mas deixou em aberto a possibilidade de negociar a entrega do cargo, se isso for melhor para um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O PT poderia entregar o cargo a partidos que não fazem parte da aliança formada para eleger Lula, como, por exemplo, o PMDB e o PSDB, em troca do apoio parlamentar desses partidos, que contarão com bancadas de 74 e 71 deputados, respectivamente.

-É um direito já estabelecido na Câmara dos Deputados que o PT indicará o futuro presidente. Mas isso nós temos que conversar dentro do PT e com os partidos aliados. Vamos discutir o assunto depois da eleição. Mas, historicamente, o PT tem o direito - enfatizou.

Questionado sobre se o partido poderia abrir mão do cargo em negociação com outras siglas, Dirceu não foi conclusivo:
- A rigor, o PT deverá fazer a indicação, como todos os partidos o fizeram. Só que primeiro nós precisamos ganhar a eleição e, depois, conversar com os partidos aliados para consolidar uma posição. Será decidido o que for melhor para o governo Lula, caso ele seja, de fato, eleito. Não se trata só de garantir os interessses do PT. Isso não funciona assim.

José Dirceu informou que a cúpula do PT e dos partidos aliados ainda não discutiram o assunto por falta de tempo, já que, a prioridade, agora, é a campanha para o segundo turno e o esforço para eleger Lula no dia 27 próximo.

- Nós não discutimos isso, nem temos temos tempo para analisar as hipóteses agora. Só depois que formos os eleitos - afirmou o presidente de PT.

O regimento interno da Câmara dos Deputados prevê que a indicação para os cargos da Mesa Diretora obedecerá, tanto quanto possível, ao tamanho das bancadas dos partidos. Assim, a presidência será indicada, preferencialmente, pela maior bancada na Casa - nesse caso, o PT.

Quando o deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA) foi eleito presidente, porém, em 1995, o deputado José Genoino (PT-SP) apresentou uma candidatura de oposição ao cargo, embora o PFL tivesse a maior bancada. Dessa forma, abriu o precedente para a apresentação de candidaturas de partidos que não contam com a maior bancada.


Vice de Aécio não quer Serra
BRASÍLIA - O vice-governador eleito de Minas Gerais, Clésio Andrade (PFL), declarou hoje que vai apoiar o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições presidenciais. O fato causou surpresa, já que Clésio está na mesma chapa de Aécio Neves, que é do PSDB, mesmo partido de José Serra. Clésio, no entanto, justificou sua decisão.

- Tenho dificuldades em acompanhar o José Serra. Já tinha falado isso ao companheiro Aécio Neves. Ele conhecia minha posição desde o início, quando formamos essa grande aliança em Minas. Eu já tinha essa posição e continuo: não vou apoiar José Serra.

O governado eleito de Minas, Aécio Neves, disse ter ficado surpreso com a decisão de seu vice.
- Eu preferiria que tivesse se somado a nós - disse o tucano. Clésio preside o PFL no Estado.


Deputado não come há 3 dias
BRASÍLIA - Em greve de fome desde terça-feira, o deputado Paulo Mourão (PSDB-TO) dormiu pela segunda vez no plenário da Câmara. Ele afirma que passa a noite deitado no chão. Reclama do frio que faz no plenário durante a noite. O deputado garante não ter se alimentado nas últimas 72 horas. Por orientação médica, tem bebido água de coco. Embora visite o parlamentar, a família de Mourão não fica com ele durante a noite.

Mourão se mostrou ressentido com o presidente da Câmara, Aécio Neves. O deputado explica que Aécio esteve ontem no Congresso e não telefonou para saber do seu estado. O presidente da Câmara encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral as denúncias de Mourão sobre os crimes eleitorais que teriam ocorrido em Tocantins.

O presidente da Câmara enviou a Mourão carta em que o informa da decisão de deixar a cargo do TSE as investigações. Aécio não faz nenhuma menção à greve de fome do deputado. Para o Mourão, esse é um sinal de que o recém-eleito governador de Minas Gerais não dá atenção ao fato. Ele lamenta que a Câmara não tenha instalado uma comissão para apurar os crimes eleitorais que alega terem ocorrido. Reitera que o protesto só terminará quando a Casa criar a tal comissão.

O deputado, que não se reelegeu, disse esperar que, com o protesto, sejam tomadas providências para que a situação não se repita.


Artigos

Quinze anos apenas
José Carlos Azevedo

A informação é da Petrobras e não preocupa as áreas de planejamento, ciência e tecnologia do governo: as reservas brasileiras de petróleo são de 9,3 bilhões de barris, a produção diária é 1,6 milhão e, portanto, durarão no máximo uns 15 anos. Oficial também é sua meta para 2010: ''A Petrobras será uma empresa de energia com forte presença internacional e líder na América Latina, liberdade de atuação de uma corporação internacional, e foco na rentabilidade e responsabilidade social''.

Se isso tivesse procedência, o bom senso teria desaparecido da Terra dos Papagaios; as reservas venezuelanas conhecidas são mais de 100 vezes maiores do que as nossas, a internacionalidade da Petrobras é muito modesta e, em 2010, a questão do petróleo terá dimensão diversa da atual. Certo, certíssimo, há o seguinte: as reservas podem durar 15 ou mais anos, mas acabarão em poucos decênios - fato sabido pelos índios mucuxis -, apesar de o governo não ter cuidado de outras opções que garantam o suprimento de energia para o país.

E há opções. Construir hidrelétricas é uma, mas as existentes são poucas e até são transferidas a particulares. As nucleares são outra opção, mas o governo lembrou-se delas após o ''apagão''; deveria ter se lembrado do presidente De Gaulle, que supriu 75% da energia consumida na França construindo usinas nucleares e exportando o excesso para outros países. Construir centrais de geração eólica e solar é outra opção; são conhecidas as regiões onde sua utilização é cabível e econômica - e pouco foi feito.

Há a energia renovável mas o Brasil usa gasolina e diesel em veículos de transporte depois de ter o respeito mundial pela criação do Pró-Álcool, cujo fim, por motivos ignorados, exemplifica a alienação dos que cuidam do Brasil sem prever o dia de amanhã; sem reativar o Pró-Álcool, com urgência e apoio inequívoco, haverá problemas de abastecimento. E porque custa acreditar que o preço do gás da Bolívia seja reajustado pelo dólar, cabe lembrar que em 4/10/02 foram distribuídos na Harvard os 10 prêmios Ig Nobel de 2002, mas esqueceram-se de o conceder a quem ressuscitou a idéia desse gás boliviano, velha de 60 anos.

Mas não fic a nisso. A Daimler-Chrysler AG, a Ford Motor Co., a General Motors Corp., a Honda Motor Co., a PSA Peugeot Citroën, a Renault_Nissan Alliance e a Toyota Motor Corp. fazem testes com carros elétricos há algum tempo, prevendo-se sua comercialização em uns 10 anos. Sua eletricidade é gerada por células de combustível, que usam hidrogênio, e o oxigênio, do ar, que vem de graça; a poluição é igual a zero, pois eliminam água pura e não gases poluentes. O custo dessa energia por quilômetro é hoje igual ao da gasolina e cairá muito com o tempo; por ser um veículo elétrico, há poucas peças mecânicas, o que possibilita manter a carroceria e mudar o chassis ou vice-versa.

Nos Estados Unidos, dois terços do petróleo importado destinam-se a veículos de transporte (Scientific American, outubro de 2002) e em breve haverá pequenas frotas com esses novos carros, além de postos de venda de hidrogênio; em menos de 10 anos, haverá muitos veículos e postos em funcionamento e o uso será generalizado em prazo pouco superior. Obviamente, o mercado de combustíveis fósseis será abalado e a Petrobras ficará em situação difícil se desconsiderar a inevitabilidade do Pró-Álcool e o uso desses novos veículos.

O governo que começa em janeiro terá de equacionar o suprimento de energia; construir novas usinas hidrelétricas e nucleares exige alguns anos e lhe resta, em curto prazo, incentivar o Pró-Álcool. Ao mesmo tempo, terá de resolver o problema mais deprimente desta Terra dos Papagaios, o desastre educacional, que foi agravado pela burrice consentida, estimulada pela nova LDB. O ensino fundamental é um desastre e vicejam as sinecuras universitárias.

Quem, na alta administração do país, admitir que o Brasil sairá dessa condição de dependência sem resolver os problemas da educação deve inscrever-se para receber um dos Prêmios Ig Nobel de 2003.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

A negação da antiga lenda
Reza o dogma que o Congresso seguinte será sempre pior que o atual. A despeito do alto teor de cinismo que contém a afirmação, há nela muito de verdade, corroborada pela promíscua e interesseira relação que sempre se estabelece entre os poderes Legislativo e Executivo.

Independentemente da vontade dos governantes que assumem prometendo a inauguração de uma nova era, a institucionalidade tem cedido lugar à nefasta informalidade das negociações individuais.

Desta vez, porém, por mais que se apontem as dificuldades de composição de base parlamentar que terá o próximo presidente, é inequívoca a existência de uma boa possibilidade de melhora.

Os descrentes antecipam uma adaptação das novas forças aos velhos métodos. O PT torna-se a maior bancada, mas, de qualquer forma, terá de negociar como sempre se fez, argumentam os partidários da tese de que teremos mais do mesmo.

Não necessariamente.

Feitas a contabilidade das eleições proporcionais chega-se a um cenário em que tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto José Serra teriam o mesmo número de deputados em suas bases, considerando as coligações da eleição: 193.

A questão aqui, no entanto, não é de quantidade, mas de qualidade. Ainda que a condição de oposição não confira a ninguém o status de querubim, é óbvio que a nova maioria terá, no mínimo, a vantagem da falta de intimidade com os velhos vícios.

Como patamar inicial, não é pouco. Se o presidente for Lula, lícito supor que, além dos partidos que o terão ajudado a se eleger, possa contar também com aquela parcela do PSDB mais identificada com os critérios de probidade pública sempre defendidos pelo partido.

Não conta aí apenas o perfil dos parlamentares, mas também a cobrança da sociedade, cujos critérios de vigilância sobre a conduta do Planalto em suas relações com o Congresso serão muito mais estreitos.

Num primeiro momento - e há coisas que só se definem no primeiro momento -, os adoradores das velhas práticas ficarão inibidos.

Tentarão exibir altivez, recolhidos à oposição ainda que apenas à espera de um sinal para iniciar a ofensiva.
Se souber aproveitar bem o titubeio, o novo governo - notadamente se do PT - poderá recompor uma nova correlação capaz de desmontar a velha lenda e demonstrar que há sempre um jeito melhor de fazer andar a velha carruagem.

Aula de voto
Professor de Direito Constitucional e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Walter Costa Porto informa que, ao contrário do que foi escrito ontem aqui, Winston Churchill não perdeu a eleição parlamentar depois de ganhar a Segunda Guerra.

É uma daquelas versões que o tempo transforma em fatos. Churchill foi eleito para a Câmara dos Comuns pelo distrito de Woodfort, Essex.

O que perdeu foi o cargo de primeiro-ministro, porque o Partido Conservador conquistou menos cadeiras que os trabalhistas no Parlamento.

Como o erro de informação foi cometido a propósito da discussão sobre a eleição de Enéas Carneiro e outras cinco nulidades políticas, não se pode deixar de aproveitar a ocasião para perguntar a Costa Porto o que permite tal distorção.

''A desinformação geral a respeito de um sistema em vigor desde 1935.'' As pessoas simplesmente não sabem que, quando votam num candidato estão, na realidade, dando o voto ao partido. Pela regra, é o apoio à legenda que determina o número de eleitos.

O professor vê necessidade urgente de uma reforma política, mas confessa que não sabe de que forma se poderiam prevenir casos como o de Enéas.

Cita Pedro II - ''Não é o vestido que faz vestal a messalina'' - para defender a tese de que reforma da lei sem avanço da educação política do eleitorado, adianta muito pouco ou quase nada.

Mal resolvido
Na noite de terça-feira, Lula aconselhou Boris Casoy a ''nunca mais'' fazer referências às posições do PT com relação à guerilha colombiana e às figuras de Hugo Chávez e Fidel Castro.

Lula mostrou-se ofendido com as perguntas.

Sem razão. Foram deputados do PT que recepcionaram representantes das Farc numa visita ao Congresso há cerca de dois anos - sob protestos de alguns petistas, como Paulo Delgado, diga-se - e as visitas de Lula a Chávez e Fidel não se deram em situação de seqüestro de vontade.

Essa tentativa de imposição da amnésia compulsória às pessoas, soa a vitimização de caráter profundamente autoritário.

Recurso desnecessário quando se dispõe de argumentos consistentes para sustentar eventuais autocríticas e avanço de posições.


Editorial

VENTO DAS URNAS

A reforma política, finalmente, vai contar com vento favorável soprado pelas urnas. O sistema do voto proporcional comprometeu-se pelo contraste escandaloso entre a eleição do presidente do Prona, com um milhão e meio de votos. Enéas Carneiro levou mais cinco gatos pingados na garupa, e deixou sem mandato, por outro partido, um ex-prefeito de São Paulo que conseguiu 83 mil votos.

O presidente do Senado, Ramez Tebet, reeleito para mais um mandato de oito anos, criticou com vigor o sistema proporcional de votação por permitir ''uma aberração'', o episódio do Prona que elegeu os seus candidatos e, na falta de mais um eleito a oferecer, pelo menos deu ao PT mais um representante por São Paulo.

Ao reconhecer a necessidade e a urgência de impulsionar a reforma política, o senador Ramez Tebet ressalvou que, dado o segundo turno da sucessão presidencial, não haverá este ano condições de retomar desde já a reforma política. A seu ver, será imperioso enfrentar o desafio em 2003. E avançou: ''Eu sou favorável ao voto distrital misto'', que passou a contar com uma grande parcela parlamentar. Faz-se o acordo para sanar um dos pontos críticos do sistema eleitoral brasileiro.

Há outros gargalos, mas o efeito Enéas, mesmo não resultando numa nova Eneida, terá o mérito de deixar os políticos em maus lençóis, pelasdistorções inaceitáveis que gera nos resultados eleitorais. No recesso branco que se prolongará até o dia 27 será impossível o funcionamento normal da Câmara e do Senado, mas assim que retomarem os trabalhos será inevitável cuidar do Orçamento Geral da União e da reforma política, que engloba necessidades acumuladas e essenciais ao aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Comprovada a impropriedade do sistema majoritário com listas abertas de candidatos, as urnas continuarão a jorrar votos de candidatos fortes para suprir candidatos fracos, com evidentes distorções. O senador Tebet declarou-se favorável ao sistema distrital misto: os dois (o proporcionale o misto) não resolvem separadamente a questão mas, juntos, atenuam a anomalia congênita (os restos de votação).

O sistema proporcional, na modalidade unipessoal, não tem mais lugar. O distrital também engessa a representação e favorece o controle oligárquico dos partidos. Listas geram abuso de poder partidário. As listas também podem valer-se de puxadores de votos, como critério superior aos requisitos da vida pública. As fechadas não arejam o sistema proporcional.

Nunca o sistema eleitoral misto, metade da representação pelo voto proporcional e metade pelo sistema de distritos, teve melhor oportunidade. A necessidade e a solução se juntam pela primeira vez.


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10/10/2002


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