Historiador diz que STF deverá se pronunciar sobre Lei da Anistia



Matéria retificada em 27/08/2008 às 17h13

Em debate durante o Seminário Brasil: 1968-2008, o historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enfatizou a importância da análise do sistema repressivo da ditadura brasileira e disse considerar que o Supremo Tribunal Federal "fatalmente" irá se pronunciar sobre a abrangência da Lei da Anistia, em relação à inclusão ou não dos crimes de tortura. A questão foi levantada recentemente pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, para quem a tortura é crime comum, e não político, opinião com a qual o historiador concorda. O professor da UFRJ também defendeu a abertura dos arquivos das Forças Armadas.

O seminário aconteceu no auditório Senador Antonio Carlos Magalhães, como parte da programação do Ano Cultural Artur da Tavola, promovido pelo Senado Federal.

Para Fico, é necessário que se faça o enfrentamento da memória dos acontecimentos daquele período. Em sua avaliação, essa revisão histórica é um processo ao mesmo tempo significativo e conflitante, uma vez que ocorre a disputa de "memórias antagônicas".

- Contraponho-me à tese do golpe dentro do golpe. Com a pressão da imprensa, da esquerda e da Igreja, em 68 houve uma mudança de qualidade do regime e, com o AI-5, a instalação de uma verdadeira ditadura com recurso à tortura - disse Fico.

Para ele, havia uma distinção entre o movimento estudantil - segundo ele, de curta duração e sem proposta política definida - e a guerrilha urbana, patrocinada pelos partidos de esquerda na ilegalidade, que se valeu de assaltos, atentados e assassinatos para se contrapor ao regime.

De acordo com o historiador, os militares mais radicais teriam "preparado o terreno" em 1968 e propagado uma atmosfera de baderna, a exemplo da invasão da Universidade de Brasília, da depredação do teatro onde era encenado o espetáculo "Roda Viva", o seqüestro de atores e o atentado à bomba contra a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), para justificar o que ele chamou de "nova temporada de punições". Ele lamentou que o Ato Institucional 5 (AI-5) tenha representado "a neutralização daquelas forças sociais que tinham se mobilizado". 

68 e a Guerra Fria

Já o ex-senador e ex-ministro do governo militar Jarbas Passarinho enumerou os acontecimentos que, no seu entender, levaram à edição do Ato Institucional nº 5. Para Passarinho, o pano de fundo de 68 foi a Guerra Fria, que contrapôs, segundo ele, democracia e comunismo. O processo teria atingido seu ápice com as guerras de descolonização na Ásia e na África e quando, em 1961, Cuba se tornou comunista, como lembrou Passarinho.

Ele admitiu ter, naquele momento, aberto mão "dos escrúpulos de consciência".

- A história só é compreendida na moldura do seu tempo - afirmou.

Jarbas Passarinho, que antecedeu Carlos Fico em sua palestra, disse-lhe ao final discordar in totum de todas as suas afirmações e, particularmente, do juízo que fez do general Emílio Garrastazu Médici, o qual Fico considera o verdadeiro responsável pela criação do "monstro" - o Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão repressivo que teria, segundo o historiador, sofrido processo de endurecimento durante o governo Médici.Fico fez essa afirmação em referência ao reconhecimento, pelo general Golbery do Couto e Silva, criador do SNI, que já assumiu ter "criado um monstro".

- Se a tortura é fundamento de julgamento [da ditadura militar], para quem fez treinamento no exterior, por que o fez em países torturadores? - exemplificou o militar, numa referência aos militantes da esquerda que estudaram técnicas de guerrilha em Cuba e na China.

- Sabíamos da infiltração comunista em 64. Não havia mais como resistir a ações dessa natureza - afirmou o ex-senador, que se referiu ainda ao despreparo, posteriormente admitido pela esquerda brasileira, para lidar com a deposição de João Goulart.

Para Jarbas Passarinho, o atentado ao general Costa e Silva no aeroporto de Guararapes, em Pernambuco, em 1966, foi considerado o primeiro ato terrorista. Em seguida, disse ele, a guerrilha urbana, comandada pelo Partido Comunista Brasileiro, passou a preocupar o Exército.

Jarbas Passarinho mencionou o discurso do então deputado Márcio Moreira Alves na Câmara dos Deputados, em que este se posicionou contra o regime. Segundo ele, o pronunciamento ofendeu os militares. Ele salientou, porém, que suas prerrogativas de imunidade parlamentar teriam dado a ele "o direito de não ser processado e de dizer o que quisesse".

1968 no mundo

O historiador Estevão Rezende Martins, da Universidade de Brasília (UnB), concordou com Jarbas Passarinho quanto à relação dos acontecimentos de 68 em todo o mundo com a Guerra Fria. De acordo com Martins, a idéia prevalecente à época, em Berlim, capital da Alemanha, e Paris, capital da França, era a do "Não haverá mais o dia de amanhã".

A noção se devia, segundo o pesquisador, à seqüência das duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), que foram acompanhadas pelas guerras do Vietnã (1959-1975) e da Argélia (1954-1962). Os conflitos teriam afetado duas gerações - os pais e os filhos de "Maio de 68" - que sofreram com o descontrole da inflação e com o desemprego.

- Essa memória chega ao Brasil em momentos sucessivos, ricocheteia, com efeito retardado - assinalou.

Estevão Martins considerou ainda que o ano de 1968 teve como desdobramento final o ano de 1986 - em sua avaliação, seu clímax - quando houve, segundo ele, um clima de negociação e reconciliação que possibilitou a reconstitucionalização do país, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte.



26/08/2008

Agência Senado


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