Hora de reagir










Hora de reagir
Roseana Sarney demonstrou inquietação com os movimentos de José Serra. Apesar das reclamações, porém, o PMDB governista continua mais inclinado a apoiar o ministro da Saúde, embora alguns advirtam para os riscos políticos da dengue

Pela primeira vez, desde que se viu na condição de pré-candidata à Presidência da República pelo PFL, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, reagiu duramente aos movimentos do candidato do PSDB, o ministro da Saúde, José Serra. Além de jantar com o presidente Fernando Henrique Cardoso, a governadora telefonou para líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL) e para o presidente do PMDB, Michel Temer. Pretendia pôr um freio nas articulações entre os dois partidos.

Com 20% das intenções de voto, Roseana vinha agindo como se a candidatura de Serra não existisse. No duelo com o tucano, na quarta-feira, pela primeira vez, Roseana piscou. Quando o PSDB apresentou oficialmente o nome do ministro à sucessão de Fernando Henrique, ela limitou-se a declarar que Serra era de São Paulo. Confrontada com os movimentos de Serra para atrair o PMDB, Roseana abandonou a antiga fleugma. Foi reclamar diretamente com o chefe. A candidata pefelista disse ao presidente que a forma como o ministro da Saúde vem agindo torna a disputa muito desigual.‘‘O governo com a força que tem pode atrair lideranças regionais do PFL. Estou numa situação cômoda nas pesquisas sem precisar entrar nesse jogo. O que tem que prevalecer entre nós é a certeza de que nosso inimigo comum é o PT’’, disse Roseana ao presidente. ‘‘Nós não podemos ser nossos próprios inimigos’’, afirmou a governadora ao presidente, segundo relato de seus próprios aliados.

Pesquisa
O PFL tem mesmo razões para se preocupar. Circula uma pesquisa interna mostrando que, somente nessa semana, Serra subiu dois pontos percentuais na preferência dos eleitores. Embora os 20% de Roseana não tenham sofrido qualquer baixa, os pefelistas temem que uma exposição de Serra como o candidato oficial do governo e, ainda mais, ligado ao PMDB, possa levar algumas lideranças regionais do partido a abandonarem a candidatura de Roseana.

É o temor de uma escolha pragmática. O governo tem a máquina. Orçamento e verbas públicas. Identificado Serra como candidato oficial, demonstrando chances reais de vitória, a unidade hoje demonstrada pelo PFL pode começar a desmoronar. Um exemplo, citado inclusive nas conversas da governadora, foi o Tocantins. Lá, o governador Siqueira Campos (PFL) mostra-se disposto a seguir com o PSDB por causa do filho, o senador Eduardo Siqueira Campos, filiado ao partido de Serra há quatro meses. A gota d’água da preocupação pefelista foi a visita do líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), a Serra na terça-feira. ‘‘O momento não é de recolher na horta dos outros’’, cobrou a governadora.

O choro de Roseana produziu efeitos. Michel Temer divulgou ontem uma nota desautorizando Geddel como porta-voz do partido. Depois do encontro com Serra, Geddel defendeu publicamente a aliança. Temer afirmou que as declarações do líder sobre a possibilidade de cancelam ento das prévias marcadas para 17 de março são uma ‘‘manifestação pessoal’’, e que a realização das prévias para é certa, ‘‘desde que haja mais de um pré-candidato’’. Temer lembrou ainda que o PMDB ‘‘não se nega, contudo, a discutir questões políticas com os demais partidos, o que, de resto, vem sendo feito pelos próprios candidatos às prévias’’. Afirmou também que ‘‘caberá ao pré-candidato buscar apoio na sociedade de modo a fazer do PMDB um partido competitivo nas eleições deste ano, não se prestando a aventuras eleitorais’’.

Partido democrático
A nota, segundo alguns integrantes do PMDB, é a mais pura demonstração de que o partido poderá optar por uma aliança com Serra ou Roseana, mas esse assunto terá que ser discutido depois. ‘‘A tendência do partido é aliança mais adiante, não agora. No momento certo, vamos discutir isso sem atropelar ninguém. Vamos conversar com todo mundo sem atropelar a folhinha’’, disse Renan Calheiros. ‘‘O partido é democrático’’, concluiu.

O que Renan chama de ‘‘democrático’’, os outros partidos traduzem, como dividido. A tentativa de Renan e de Temer em adiar ao máximo a decisão do partido mostra-se falha. O senador Roberto Requião (PMDB-PR) tende a apoiar o PT. O governador mineiro, Itamar Franco, tenta abrir portas para apoio tanto a Serra quanto ao PT (veja reportagem nesta página). Geddel, parte dos sulistas do PMDB e a maioria dos nordestinos prefere Serra.

Alguns governistas, porém, ainda recomendam cautela. Julgam melhor esperar mais um pouco pela definição. Lembram, por exemplo, que o surto de dengue que atinge vários estados do país pode provocar efeitos negativos na performance de Serra.

O terceiro tripé da aliança governista, o PSDB, trata de marchar olímpico diante das reclamações da governadora. Dizem apenas que tudo faz parte do jogo e que, se fosse o inverso — O PMDB estivesse se aproximando de Roseana — ela não reclamaria. Para muitos, a estratégia de Roseana foim errada. Tanto que produziu, em alguns jornais, a leitura de que a governadora, em vez de reclamar, estava propondo uma aliança com Serra. O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, não gostou. ‘‘Perdemos a batalha da mídia’’, comentou ele com um amigo, ao ler os jornais ontem pela manhã.


Mais destaque para segurança
Da mesma forma que o PT e o PSDB, o PFL, motivado pelo seqüestro e assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel, resolveu abordar com maior destaque a questão da segurança pública no programa de TV do partido que vai ao ar no dia 31. Ontem, a pré-candidata do partido à Presidência de República, governadora Roseana Sarney, gravou em São Paulo sua participação no programa. Até então, as inserções procuravam destacar a imagem da governadora do Maranhão e o seu trabalho à frente do governo do estado. Após o assassinato do prefeito, os organizadores do programa e da campanha de Roseana acharam por bem colocar a questão da segurança pública na ordem do dia. Desta vez, além da governadora, o programa contará com depoimentos do senador Romeu Tuma (PFL-SP) e do deputado Moroni Torgan(PFL-CE), conhecidos, dentro da legenda, como especialistas na área de segurança.

Torgan é o responsável pela ‘‘espinha dorsal’’ de um plano de combate à criminalidade entregue, na última quarta-feira, ao presidente Fernando Henrique Cardoso pelo presidente do PFL, senador Jorge Borghausen (SC). O projeto deverá ser a base das propostas de Roseana para a área de segurança durante a campanha eleitoral.

O plano elaborado por Torgan para o PFL é composto por cinco pontos básicos: a criação de um núcleo de ‘‘alto nível de estudos de segurança’’, denominado Escola Superior de Segurança; a criação de uma secretaria nacional de inteligência que reúna informações sobre criminosos e a criminalidade em todo o País; uma secretaria de planejamento operacional para planejar ações objetivas; centros de segurança comunitária com serviço de paramédicos e apoio às vítimas; e um serviço de apoio ao policial contendo seguros de saúde, vida e amparo jurídico.


Reclamações de Itamar
O governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), tenta a última cartada para tentar viabilizar a sua candidatura à presidência da República. Diante da aproximação do grupo governista do candidato do PSDB à presidência, José Serra, os itamaristas decidiram tentar articular a convocação de uma convenção extraordinária para o dia 3 de março, 14 dias antes das prévias que irão escolher o candidato do PMDB, marcada para 17 de março. ‘‘No meu entendimento, o PMDB não tem de esta r nem perto do PFL, nem perto do PSDB. O PMDB tem de respeitar a decisão tomada em convenção e sair com candidato próprio’’, reiterou Itamar Franco.

O governador mineiro esteve ontem em São Paulo onde se reuniu com outras lideranças do PMDB, como o ex-governador Orestes Quércia (SP) e o senador Maguito Vilela (GO). A partir de hoje, o grupo que apóia Itamar vai tentar conseguir o número suficiente de assinaturas para realizar uma nova convenção: um terço dos convencionais, ou 171 assinaturas.

Itamar justificou a convocação extraordinária dizendo que as regras das prévias não estão claras e que ainda há dúvidas sobre a homologação do candidato vencedor. Até agora, estão inscritos nas prévias, além de Itamar, o senador Pedro Simon (RS) e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann. De acordo com Quércia, a convenção extraordinária também servirá para aparar brechas jurídicas que poderiam inviabilizar legalmente a candidatura própria do partido.

Enquanto Itamar se reunia com seus aliados, o presidente do PMDB, Michel Temer, divulgou sua nota oficial comentando as declarações do líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), que defendeu o cancelamento das prévias e uma aproximação do PMDB com o PSDB. Temer manteve, na nota, o apoio à prévia, mas descartou completamente a hipótese de uma convenção extraordinária.

Mas Temer, na nota, faz um desafio velado a Itamar Franco. Diz que o PMDB não se prestará a aventuras eleitorais. Até agora, o governador mineiro não tem feito nenhum movimento político para vencer as prévias e também não tem emplacado nas pesquisas eleitorais. Ao mesmo tempo, Itamar Franco sinaliza uma aproximação com o PT para pressionar o PMDB. Hoje, ele se reúne com o presidente nacional do partido, José Dirceu, em São Paulo. É o segundo encontro em menos de dez dias. Ontem, Itamar negou que já tenha decidido apoiar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato virtual do PT. ‘‘Vai ser apenas um encontro. Não é verdade que exista um apoio ao PT, afinal eu estou inscrito nas prévias’’, esquivou-se.

ALFABETO DESARTICULADO

PMDB DO S
Apóia a aliança com o ministro da Saúde, José Serra, do PSDB. Agrupa a maior parte dos governistas, como Michel Temer (SP), presidente do partido, e o líder na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA)

PMDB DO R
Grupo ligado ao senador José Sarney (AP). Deseja apoiar a candidatura da governadora Roseana Sarney, do PFL

PMDB DO L
Quer seguir com Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Roberto Requião (PR) é o maior destaque no grupo

PMDB DO I
A turma do governador de Minas, Itamar Franco. Defende sua candidatura. Admite apoio a Lula, mas também a Serra

PMDB DO P
O senador Pedro Simon (RS) e uns poucos que apóiam sua candidatura

PMDB DO J
O ministro Raul Jungmann, do Desenvolvimento Agrário


Muito perto do fim
Brasileiros poderão consumir 7,5% a mais de eletricidade em fevereiro, mês do carnaval. Medida anunciada pelo governo federal mostra que o período de economia de energia está quase acabando

O governo anunciou ontem a primeira etapa do fim do racionamento de energia elétrica. ‘‘Estamos divulgando decisões que representam uma transição para esse final’’, disse o ministro da Casa Civil, Pedro Parente, que coordena a Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGCE), também conhecida como ministério do apagão.

Parente afirmou que os consumidores residenciais, comerciais e prestadores de serviço poderão ficar, em fevereiro, 7,5% acima da atual meta de economia de energia. Algo equivalente a uma liberação do consumo entre os dias 8 e 16 — período do carnaval. O governo espera acabar com o racionamento até o final de fevereiro. ‘‘Há uma chance muito grande de isso acontecer.’’

A decisão tomada ontem pelo governo, praticamente deixa os consumidores residenciais, comerciais e prestadores de serviços das cidades turísticas das regiões Sudeste e Centro-Oeste fora do racionamento já em fevereiro. Uma conta simples mostra isso para a maioria dos consumidores residenciais do Distrito Federal.
Quem consumiu 300 quilowatts-hora em média no ano passado tem uma meta de 279 (300 menos 7%). Em fevereiro essa meta poderá aumentar 7,5% (279 mais 7,5%), ou seja, irá para 299,9. É fácil perceber que esse consumidor poderá consumir uma quantidade de energia semelhante à que usou em 2001. Mas não podemos dizer que é igual, porque os meses usados para determinar essa média foram maio, junho e julho de 2000 e não fevereiro — um mês de verão, no qual se gasta mais energia. O ministro de Minas e Energia, José Jorge, ressaltou que o racionamento só acaba quando não houver mais meta de consumo.

Segundo contas do governo, o aumento de 7,5% no consumo de energia durante o mês, na verdade, equivale à manutenção da meta de 20% durante fevereiro e à liberação total do racionamento apenas durante nove dias no carnaval. Em fevereiro, o governo considera que a indústria também estará fora do racionamento, porque terá suas metas, que hoje variam de 15% a 25% de economia de energia em relação ao consumo médio de maio, junho e julho de 2000, reduzidas para 10%.

Para a iluminação pública, o racionamento acabou com o fim da meta de 35% de redução de consumo em relação à carga verificada no final de maio. Inicialmente, o governo afrouxaria o racionamento apenas no carnaval. Essa medida não valeria para consumidores residenciais. ‘‘O presidente Fernando Henrique Cardoso ligou durante a reunião e pediu para que, se houvesse alguma folga, que fosse usada para amenizar o racionamento dos consumidores residenciais’’, contou Pedro Parente.

A redução de consumo de 10% na indústria, de acordo com o ministro José Jorge, pode ser conseguida apenas com racionalização. ‘‘A redução de 10% pode ser feita sem alterar a produção, apenas com medidas de racionalização que a indústria já adota’’, disse. De acordo com Parente, ‘‘para a indústria, praticamente os efeitos do racionamento ficaram nulos’’.

O ministro afirmou ainda que o racionamento deve acabar até o dia 28 de fevereiro ‘‘ou antes’’. Para que termine antes, é preciso que os reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste cheguem a 52% de sua capacidade e os da região Nordeste, a 48%. O nível atual dos reservatórios é44,52% no Sudeste e Centro-Oeste, e de 34,07% no Nordeste. Até o final do mês, a previsão é que o nível chegue a 47,2% no Sudeste e Centro-Oeste e 37,5% no Nordeste.

Nesse ritmo de enchimento, o nível determinado pelo governo para acabar com o racionamento seria atingido a partir do dia 15 de fevereiro no Sudeste e Centro-Oeste e a partir do dia 24 de fevereiro no Nordeste. Caso até o final de fevereiro os níveis estipulados não sejam atingidos, o governo também poderá acabar com o racionamento. Para isso, bastará usar a energia emergencial já contratada.

Operação da CEB
A Companhia Energética de Brasília (CEB) vai comunicar aos clientes residenciais, comerciais e industriais a nova meta de consumo de energia — para o mês de fevereiro — até o final da próxima semana, segundo o diretor de Comercialização, Maurício de Nassau. Ele também informou que a operação de religação da iluminação pública começará tão logo a concessionária seja comunicada oficialmente. Em junho do ano passado, a CEB desligou 43 mil pontos de luz seguindo determinação do próprio governo em economizar 35% de energia.

A religação dos postes seguirá o critério de segurança que privilegiará três áreas: vias de grande circulação de veículos, áreas de grande circulação de pedestres e locais onde a iluminação pública já é baixa. Nassau ressaltou que o trabalho de religação é trabalhoso. Por isso a CEB levará de 20 a 30 dias para terminá- lo.


País depende das chuvas
Acabar com o racionamento agora seria olhar apenas para o curto prazo e colocar o sistema elétrico novamente no começo de 2003 refém do regime de chuvas. Essa é a opinião do professor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ ), Maurício Tolmasquim.

Para ele, olhando para o atual nível dos reservatórios e as chuvas 11% acima da média histórica, o governo poderia, sim, acabar com o racionamento. Entretanto, afirma, essa seria uma visão de curto prazo, pois o fornecimento normal de energia fica garantido apenas neste ano. Tolmasquim avalia que no final de dezembro as barragens das usinas chegariam ao nível crítico de 10% a 12% e, para se comporem, ficariam dependentes de um verão chuvoso em 2003.

O secretário de Energia do Estado do Rio, Vagner Victer, afirmou que é muito cedo para acabar com o racionamento. Mas disse que, dependendo das chuvas, isso pode mudar até fevereiro, quando o governo planeja acabar com o plano de contenção.


Comissão investigará blecaute
O ‘‘ministério do apagão’’, comandado por Pedro Parente, tomou a frente da investigação do blecaute de segunda-feira, que deixou sem luz dez estados e o Distrito Federal. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinará às empresas de transmissão de energia que façam uma revisão completa na rede. Na segunda-feira, a queda de um cabo em uma linha de transmissão provocou o início do blecaute. Em São Paulo, a falta de luz chegou a durar mais de quatro horas. No Distrito Federal foram duas etapas, uma de oito minutos e outra de 17 minutos.

A Aneel informou que realizou fiscalização completa em todo o sistema de transmissão brasileiro em 1999, 2000 e 2001. De acordo com a agência, ‘‘foram fiscalizadas todas as empresas transmissoras e todas as 300 subestações existentes no país’’. A agência informou ainda que não fiscaliza a ‘‘parte material’’ da rede. Quem faz essa fiscalização é a própria empresa.

A Aneel fiscaliza os métodos da empresa e verifica se ela fez a manutenção correta. A agência reguladora informou também que a revisão das linhas de transmissão não dá direito às empresas do setor de pedirem aumento de tarifa por gastos extras. Além de pedir revisão total na rede, o ‘‘ministério do apagão’’ criou um grupo para avaliar a interrupção do fornecimento de energia, avaliar as medidas corretivas propostas e sugerir medidas corretivas adicionais. O grupo também irá avaliar a ‘‘controlabilidade’’ do sistema elétrico interligado e fará sugestões para a reestruturação do modelo do setor.

Fazem parte do grupo representantes da Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia da UFRJ, de Itaipu, da Chesf, do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica, da Copel e do Ministério de Minas e Energia. O grupo tem 45 dias para apresentar o relatório. O ministro Pedro Parente disse que a criação do grupo ‘‘não tem nada a ver com o trabalho da Aneel’’. Segundo ele, ‘‘a Aneel está trabalhando com presteza’’.


Artigos

Barbárie
Por Sueli Carneiro

Morar em São Paulo está se tornando uma experiência tão dantesca que a idéia que ronda o tempo todo na cabeça dos paulistanos é: ‘‘Pára o mundo que eu quero descer’’.

Até há pouco se sabia, com base na experiência cotidiana, quem eram, em geral, as vítimas da violência: negros, pobres, moradores das periferias, reféns da dinâmica de uma violência estrutural em que coadjuvam policiais corruptos, grupos de extermínios e controladores do tráfico de drogas. O crime de seqüestro também tinha um padrão claro — atingia pessoas das classes dominantes.

O caráter endêmico que a violência vem assumindo, estimulada pela omissão do poder público, alcança hoje, além dos de sempre, pobres remediados e diferentes extratos das classes médias. Muitos dos quais se vêem obrigados a vender um carro velho, sua moradia, ou endividar-se para salvar a vida de um parente em mãos de criminosos.

O mais chocante e desesperador é a evidência de que os homens públicos, responsáveis pela nossa segurança se mostram tão perplexos e desorientados quanto a própria população indefesa. Planos propostos não são executados e quando o são mostram-se ineficazes.

Acreditou-se que essa violência ficaria confinada, no bordão de Elio Gaspari, ao ‘‘andar de baixo’’, limitando-se ao extermínio dos que, de fato, já agonizam socialmente, na miséria, na pobreza e na desesperança. Na ausência de projetos de inclusão da ‘‘gentalha’’, a indiferença e impunidade diante da eliminação física que os abate é um correlato do abandono social em que estão imersos. E supôs-se que se poderia apenas ‘‘administrar’’ casos eventuais que envolvessem os do ‘‘andar de cima’’, para os quais é preciso dar satisfações à opinião pública e, portanto, aplicar as técnicas rigorosas de investigação, identificação e punição de criminosos.

A indiferença que cerca a violência de que são vítimas os segmentos excluídos da cidadania, aliada à impunidade de seus autores e dos setores abastados pelo próprio crime, permitiram que a articulação da marginalidade de ‘‘baixo’’ com a de ‘‘cima’’ instituísse novos e diversificados padrões de violência que ameaçam a todos. Poderes paralelos aos do Estado de Direito se instituem. Agrupamentos de marginais, à revelia do Estado, e por vezes com a conivência deste, se apropriam de territórios, impõem neles formas de regulação da vida social: códigos de ética e de conduta são estabelecidos, ajustados a interesses criminosos, dos marginais de ‘‘baixo’’ e dos de ‘‘cima’’, situação corrente em bairros periféricos e favelas das grandes cidades. Nos territórios ‘‘livres’’, as classes médias e altas constroem fortalezas que cada vez mais menos as protegem.

No mesmo dia em que foi assassinado o prefeito de Santo André, Celso Daniel, 109 outros brasileiros também o foram. É a média diária nacional, perfazendo 40 mil assassinatos anuais, sendo as vítimas, em sua maioria, jovens. O Brasil dá-se ao luxo de perder 40 mil vidas/ano por descaso, insensibilidade social, impunidade e todos os adjetivos redundantemente repetidos pela opinião pública.

Conheci Celso Daniel. Acredito que seria seu desejo que sua morte trágica resultasse em um fato político capaz de produzir ações concretas para o fim desse extermínio silencioso de brasileiros. Mas a tendência é continuarmos a perder brasileiros como ele, que se empenham em alterar as condições que determinam essa absurda realidade, e a permanência da matança dos de sempre.
Diante da barbárie, a primeira vítima é a lucidez.


Editorial

DENGUE

A dengue é considerada hoje o maior problema de saúde pública dos países tropicais. As condições climáticas lhe são favoráveis. O Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença, prolifera em ambientes com temperatura e umidade elevadas. Daí por que no verão, período de calor forte e chuvas abundantes, ocorre o maior número de casos.

O Brasil oferece terreno fértil para a proliferação do inseto. Mais de 20% da população das grandes e médias cidades vivem em condições precárias de saneamento básico. Sem abastecimento regular de água e coleta constante de lixo, formam-se os criadouros ideais do Aedes aegypti. Os moradores das áreas de risco precisam manter água em reservatórios, e o lixo moderno, descartável por excelência, forma depósitos artificiais que atraem o mosquito.

A violência urbana é outro aliado da enfermidade. Os técnicos não conseguem entrar nas casas para inspecioná-las. Amedrontada, a popul ação teme estar diante de um bandido disfarçado que se diz funcionário da vigilância sanitária. Não lhe abre a porta.

Mais. O país recebe grande fluxo de turistas. O ser humano é a fonte da transmissão do mal. É ele quem contamina o mosquito. Ora, não há possibilidade de inspecionar portos, aeroportos, ferroviárias, rodoviárias e estradas para detectar possíveis infectados. Ainda que houvesse, a dengue, em muitos casos, é assintomática ou confunde-se com gripe ou resfriado.

Erradicar a dengue no curto prazo, pois, é impossível. Mas o poder público pode e deve tomar medidas capazes de mantê-lo sob controle e, sobretudo, de salvar vidas. Campanhas educativas mudam hábitos da população. Os brasileiros têm o costume de manter, nas dependências domésticas, vasos de plantas com pratinhos de água. Conscientes do perigo, poderão livrar-se do risco potencial.

Certas ações simples, porém indispensáveis, não podem ser negligenciadas. É o caso de atacar os possíveis focos do Aedes aegypti. A vigilância sanitária deve fiscalizar cemitérios, borracharias, depósitos de ferro velho e providenciar a limpeza de terrenos baldios. São ações preventivas eficazes e urgentes.

Mas, enquanto perdurarem as situações de precariedade em saneamento básico, haverá infectados. O Brasil deu um passo adiante para conviver com o mal. Especializou profissionais da área de saúde a fim de tratar as formas graves da infecção e reduzir-lhe a letalidade a quase zero. Vale o exemplo. Manaus registrou 58 ocorrências de dengue hemorrágica. O único óbito deveu-se ao fato de o enfermo não ter procurado o hospital de referência.

A escassez de recursos impede que todos os hospitais tenham unidades especializadas em dengue. Mas impõe-se que todas as cidades tenham pelo menos um centro de atendimento aos casos graves. Com socorro adequado e tempestivo, é possível evitar mortes. Nenhum governo pode ignorar esse avanço.


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01/25/2002


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