Jefferson diz que o clima político está envenenado e que o próximo presidente terá dificuldades para governar



Em julho do ano passado, quando o governo Lula enfrentava queda de popularidade com o início da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, o senador Jefferson Péres (PDT-AM) propôs que os grandes partidos políticos firmassem um acordo para garantir estabilidade econômica, independentemente do desfecho da crise. Sugeriu o exemplo adotado pelo Chile na década de 80 - país que vem crescendo vigorosamente há 10 anos ao mesmo tempo em que reduz significativamente a pobreza. Em recente artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o senador colocou novamente sua proposta - "Concertación enquanto é tempo".

Na quarta-feira (24), Jefferson Péres subiu à tribuna e, para um Plenário silencioso e atento, alertou que o clima "de envenenamento político" nestes meses que antecedem as eleições pode levar o Brasil a uma situação crítica nos próximos quatro anos. Se Lula for reeleito, não contará com maioria no Congresso e terá nos calcanhares oposicionistas ferrenhos. Se for Geraldo Alckmin o eleito, ele terá maioria, mas se defrontará com os movimentos organizados, controlados por um ressentido PT,o PC do B e outros partidos. Por isso, a saída seria um pacto à chilena.

- O pacto teria de ser feito agora, antes que seja desencadeado oficialmente o processo eleitoral - recomenda.

O acordo partidário abrangeria o que ele chama de "consensos" existentes hoje no Congresso, como equilíbrio fiscal, controle da inflação, câmbio flutuante, prioridade real para a educação e para a segurança pública e um grande programa "dereurbanização das nossas favelas". Isso significaria levar às favelas o Estado brasileiro, com obras de urbanização, escolas, hospitais, centros culturais, quadras esportivas. Nesta entrevista, Jefferson Péres explica sua proposta. 

P - Por que o senhor está propondo um acordo político para o Brasil nos moldes do Concertación do Chile?

R - Porque o próximo quadriênio pode ser um período muito difícil para o Brasil, uma vez que, em conseqüência da crise, o clima político ficou muito envenenado. A campanha eleitoral deve ser dilacerante. Isso tudo vai deixar seqüelas e o próximo presidente pode ter muitas dificuldades para governar. Se o presidente Lula for reeleito, terá um Congresso aguerrido contra ele, uma base de sustentação frágil. Seu partido, o PT, deve encolher, depois de ter sido o maior partido da Câmara. Assim, Lula ficaria dependendo de partidos de deputados fisiológicos e, mais que nunca, vai continuar fazendo concessões. Talvez não consiga aprovar reformas necessárias, como a tributária, a previdenciária e talvez a trabalhista.

P- Num quadro desses, poderia haver turbulências econômicas?

R- Poderia. O futuro é incerto. A economia mundial pode continuar em céu de brigadeiro, como nesses três anos e meio do governo Lula. Ou não. Já temos alguma turbulência por causa de um simples aumento da taxa de juros do Banco Central norte-americano. Se a economia mundial desacelerar e, pior ainda, se entrar em uma fase de turbulência, haverá conseqüências para o Brasil, embora nossos fundamentos econômicos sejam hoje razoáveis. Inevitavelmente nossa economia seria abalada. Se conjugarmos governo fraco no Congresso, atacado pela oposição, com economia em crise, o presidente Lula terá um quadriênio muito pior do este primeiro mandato. Isso será péssimo para o país. 

P- E se a oposição for vitoriosa?

R- Se o ex-governador Geraldo Alckmin for eleito presidente, talvez seja pior ainda. Ele vai enfrentar oposição ferrenha dos movimentos organizados,controlados por um ressentido PT, pelo PC do B e por outros partidos de esquerda.Aí pode ser desordem nas ruas e no campo. Um governo Alckmin, mesmo com maioria no Congresso, poderá ter problemas de governabilidade se também enfrentaruma crise externa. O que pretendo, com minha proposta, é que se faça um pacto em torno de alguns pontos, que acho indispensáveis e que me parecem consensuais. 

P - Que pontos o senhor considera hoje consensuais?

R - Estabilidade da economia. Manutenção dos fundamentos econômicos em termos de equilíbrio fiscal, controle da inflação, câmbio flutuante. Acho que pode haver um entendimento em torno disso e também em torno de algumas reformas, como a tributária. Pode haver entendimento quanto a algumas políticas públicas que são essenciais, como a de educação. Poderiam ser fixados alguns objetivos na área, como universalização do ensino básico - do pré-escolar ao médio. Pode haver entendimento sobre uma política nacional de segurança pública, para que União, estados e municípios se articulem. Isso é urgentíssimo. Também uma política nacional de reurbanização, conjugando União, estados e municípios para levar o poder público às favelas. Levar urbanização, escola, hospital, centros culturais, quadras esportivas. 

P - O senhor considera quehoje já existe mesmo consenso no meio político sobre equilíbrio fiscal e sobre controle da inflação?

R - Pode não haver unanimidade, mas a grande maioria da classe política reconhece a importância do equilíbrio fiscal e do controle inflacionário. Não havia há uns cinco anos, quando muita gente pensava que equilíbrio fiscal era coisa de direita, que podia haver mais inflação para se conseguir mais crescimento econômico. Hoje, pouquíssimas pessoas pensam assim. Quase todos sabem que equilíbrio fiscal e controle de inflação não são de esquerda nem de direita. São coisas absolutamente necessárias, principalmente no mundo globalizado, e quem mais ganha com isso são os assalariados e os pobres. A esquerda já entendeu que o mais sacrificado pela inflação é o assalariado de baixa renda. 

P - A reforma tributária não avançou nos últimos quatro anos. Os governadores têm idéias diferentes do pensamento reinante no governo federal. Por que ela avançaria agora?

R- Seria uma reforma tributária só federal. Deixemos de lado os estados e o seu ICMS. É muito complicado. Os conflitos entre os estados são tão grandes que é quase impossível que se chegue a um acordo. Uma reforma que simplificasse os tributos federais já seria um passo importantíssimo para o setor produtivo e para os consumidores. 

P - Haveria necessidade da participação de outros atores da sociedade em um pacto desses?

R - O acordo é basicamente político. Não precisaria, por exemplo, do empresariado. Aliás, os empresários estão de acordo com tudo isso, pois ele garantiria a retomada do crescimento. Só a percepção, aqui e no exterior, de que há um pacto de governabilidade, que o país vai manter a estabilidade a qualquer preço, já ajudaria em muito. Já atrairia capitais, tranqüilizaria as bolsas, animaria os investidores internos, já pacificaria as ruas. 

P - Esse acordo teria de ser fechado até quando?

R - Esse acordo teria de ser feito antes de desencadeado oficialmente o processo eleitoral. O prazo seria até o começo de julho. 

P- Ele não poderia incluir uma reforma política?

R - Poderia entrar uma reforma política e, nela,seria importante colocar o voto distrital misto, com lista fechada. Já temos a cláusula de barreira neste ano e a lei que simplifica e barateia as campanhas eleitorais, ratificada agora pelo TSE. A cláusula de barreira já vai diminuir em muito o número de partidos políticos. Assim, estaria o campo adubado para que o próximo presidente, se houver acordo, trabalhe para a implantação do parlamentarismo a partir de 2011.

P - O pacto teria de prever o parlamentarismo? Como convencer a população, que optou em um pl ebiscito pelo presidencialismo há pouco mais de 10 anos?

R - É uma sugestão. Claro que o pacto também pode ser feito sem o parlamentarismo. Quando proponho o parlamentarismo após o próximo mandato de presidente da República, estou prevendo quatro anos para que o eleitorado se prepare psicologicamente para a mudança. O eleitorado precisa entender que parlamentarismo não é ditadura de Parlamento. É o contrário. Hoje é que temos uma ditadura do Parlamento, porque os deputados são intocáveis. O presidente da República não pode fazer nada contra um deputado que faz chantagem. No parlamentarismo, a Câmara pode ser dissolvida. No parlamentarismo, os deputados pensam dez vezes antes de chantagear o primeiro-ministro, porque isso pode levar à perda coletiva de seus mandatos. Quando a população entender isso, estaria preparado o caminho para a implantação do parlamentarismo. Parlamentarismo hoje, nem pensar. A população não aceitaria. Seria golpismo.

P - Como o governo e as oposições têm recebido a proposta?

R - Recebi nesta semana a visita do ministro Tarso Genro. Claro que o governo não vai propor isso, pois poderia dificultar. Senti que o governo está disposto a conversar. Vou nestes dias conversar com líderes da oposição. Estou moderadamente otimista.



26/05/2006

Agência Senado


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